O Anjo Perdido escrita por VanNessinha Mikaelson


Capítulo 16
Capítulo 16. O Vale dos Caídos IV


Notas iniciais do capítulo

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Boa leitura!
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Capítulo 16 – O Vale dos Caídos IV

  O caminho que conduzia algumas das almas recém-desencarnadas ao Vale dos Caídos era belo demais. Flores e pequeninos ornamentos de prata circundavam boa parte da passagem para o abismo. Contrastava, de um modo nítido e curioso, com o que havia lá dentro. A amiga de Castiel, tomada por um indescritível constrangimento após ter se lambuzado com o sangue dos bebês angélicos e terrestres, rumava para casa; pretendia buscar algum conforto na obscuridade do lar de outrora. Sim, ainda era seu refúgio, apesar de tudo.

  Ao se aproximar do local sombrio, a mulher de negro avistou vários humanos que queriam entrar ali. Assim que eles a enxergaram, iniciaram uma lenta caminhada até a ex-comandante. E um homem, que fazia parte do grupo, comentou:

  – Pode abrir o portão principal para nós?

  – Se a minha chave funcionar... Com certeza. Por que você vem para cá? O que fez de errado? – perguntou.

  – Fiz um pacto com Leviatã para salvar minha filha de um câncer terminal – contou. – Como é interessante para o ferreiro que a menina não morra agora, ele apenas me puxou para cá ao invés dela.

  A demônia colocou a chave no pesado portão. Após girá-la por três vezes, ele abriu languidamente, com um leve empurrão.

  – Entre... Tenha boa sorte.

  A garota deixou que primeiro passassem os cento e noventa humanos; era um claro sinal de respeito aos filhos de Deus. E ao entrar no Vale, a moça encontrou um cenário de verdadeiro caos, pois mesmo que fosse um recanto de desordem, nada se comparava ao que visualizava. Perdida por não saber o que ocorria, foi até onde Belzebu estava, a fim de entender os motivos de tamanha desorganização.

  – O que há aqui, general?

  – Alguns demônios rebeldes se soltaram. E as dificuldades são enormes; não consigo aprisioná-los sozinho.

  – Ok. Vamos fazer isso juntos então. Preciso trabalhar um pouco.

  Após horas de serviço, nas quais dedicou seu tempo a auxiliar Belzebu em suas complexas tarefas, ela rumou para sua casa no local: um pequeno cômodo, afastado do fogo e da lama. O general, porém, a seguia enquanto relatava:

  – Até Samael correu perigo aqui. O Mestre era o principal alvo dos desertores.

  – O quê! Mas o Primogênito está bem?

  – Sim – respondeu. – Pode ir ver você, se assim desejar.

  – Traga-o aqui – ordenou.

  – Sim – concluiu, antes de decolar.

  A demônia ficou sozinha em seu lar por alguns instantes. Após pensar em tudo que fez nos últimos meses e anos, decidiu agir: buscou alguns condenados que estavam presos em um lugar exclusivo do Vale – destinado apenas a si –, e os levou à sala onde se encontrava há pouco. Não eram muitas pessoas: cerca de quarenta crianças – deles, quinze recém-nascidos, que tinham sido ofertados pelos pais em pactos antigos.

  – Estão livres a partir de agora. Voltem ao seio do Criador. O Vale não é o local em que devem permanecer.

  As crianças a olharam com espanto. Mesmo os pequenos entendiam o que fora proferido. A mulher olhou um a um, com a expressão maternal que a caracterizava. Em seguida abriu a porta da sala e gritou:

  – Nergal, venha cá! – o demônio se aproximou respeitosamente da casinha.

  – Às suas ordens, Chefe?

  – Entre – a moça esperou ele passar e fechou a porta. – Assim que eu acabar tal procedimento, quero que os leve a entrada do Primeiro Céu. Entregue-os a Rubiel; sei que ele está lá.

  – Sim – respondeu o assistente de Belzebu, ainda que achasse estranho receber uma ordem tão atípica.

  Ela passou a lâmina da espada negra em cada uma das crianças; sem, contudo, lhes causar ferimentos graves. Tratavam-se de cortes superficiais, que seriam curados assim que os pequeninos chegassem ao Primeiro Céu. O sangue, porém, jorrava farto dos ferimentos; a Deusa da noite, por sua vez, armazenava todo líquido em diminutos frascos.

  – Pronto. Agora faça o que eu mandei – concluiu, sem maiores explicações.

  Nergal partiu carregando os bebês no colo. Os outros andavam, sempre se esquivando das armadilhas. Ele, porém, atendeu a um pedido feito pelo maior deles – uma criança de onze anos – que caminhava ao seu lado. Ambos dirigiram-se ao Grande Salão de Samael – um prédio completamente escuro e dominado por um ar melancólico. Nergal deixou os maiores cuidarem dos bebês e levou Nick a presença do Primogênito, que conversava com Belzebu a respeito de um grave problema: a rebelião de várias entidades malignas.

  – Com licença, Mestre, esse garotinho deseja vê-lo. E o motivo é bem plausível – justificou-se por interrompê-los.

  – E qual é? – perguntou o Príncipe das Trevas.

  – A demônia que compartilhava o comando com o senhor age de maneira estranha – contou Nick. – Imagine que fomos liberados por ela!?

  – Como assim liberados?

  – Não precisamos mais permanecer aqui. Mas o que achamos muito engraçado nisso é o seguinte: ela tirou um pouco de sangue de cada um de nós, e misturou tudo depois.

  – Até dos pequenos? – quis saber o anjo caído.

  – Sim senhor.

  – O que há com minha amada? – Samael dirigiu um olhar curioso a Belzebu. – Quer ser demônio, ou não quer? Pretende ajudar Castiel ou ser o que sempre foi? Não entendo...

  – Talvez a Chefe esteja entre essas possibilidades – comentou. – Mas elas não precisam andar separadas.

  – Concordo. Irei vê-la agora mesmo, juntamente com o general. Obrigado pelas informações que nos passou, Nick.

  – De nada, Príncipe.

  Nergal conduziu ao Primeiro Céu todos aqueles que a garota mantivera presos, entregando-os a Rubiel, bem como lhe fora ordenado.

  Enquanto isso, ela olhava para os frascos e se lembrava do que havia ocorrido à tarde. O desejo de chupar todo sangue que vira na rua era forte demais para negá-lo dessa vez. Por isso, também, libertou as crianças, porque temia não resistir ao ímpeto que a consumia.

  – Não é justo deixar seres inocentes em um local tão hostil e violento – pensou. – Mas não... Eu não posso resistir ao sangue... Deus há de me perdoar.

  A moça se aproximou de um dos recipientes e, no exato momento em que foi beber o líquido, Samael e o general do abismo entraram no cômodo, pois tinham a chave da porta.

  – Você está bem? – questionou Lúcifer. – O que vai fazer com isso? – falou, após apontar para os frascos.

  – Já vou embora – a mulher paralisou frente à chegada deles. – Não é necessário que me tire à força...

  – Não serei abrupto... Jamais a expulsarei de nosso obscuro lar. Quero saber como está você?

  – Bem – ela baixou a cabeça. – Estou... ótima – o tom não saiu como pretendia, foi irônico ao invés de seguro.

  – Não – ele a abraçou por trás. – Eu sei que não se sente bem. O que há?

  – É o cheiro, meu amado, o odor deles... É insuportável.. Sucumbir às tentações obscuras é mesmo meu lúgubre caminho! – a garota desvencilhou-se dele. – Queria tanto voltar a sentir... sentir que posso ser quem era antes de cair! – a demônia derrubou, com um só golpe, a grande estante que havia na sala. – Mas não posso! Não consigo! Não tenho para onde ir, e... Sabe, me sinto inútil por não encontrar uma forma de agir diante de tudo que faço! É confuso, não é? Mas não sei mais quem sou; se um monstro, ou se alguém digna de...

  – O que quer ser? Essa é a primeira pergunta que deve fazer. E, fundamentalmente, me conte por que está assim.

  Mesmo transtornada, a mulher lhe narrou os fatos ocorridos na Terra. A covarde armadilha feita por Ediel, que usara o sangue dos bebês para provocá-la em seus instintos mais primitivos. Após todo relato, prosseguiu em seu perturbado dizer:

  – Não quero... Deixar você! Fiz de tudo para que entendesse, para que não se acostumasse a esse lugar imundo; isso, no entanto, está além das minhas forças. Desculpe-me por não ser capaz de fazê-lo vir comigo... Talvez tenha razão; não o amo o suficiente. Pois desejo ir...

  – Escute – Samael tornava a segurá-la pelos ombros. Ele estava preocupado com o frágil estado emocional no qual ela se encontrava. Mesmo com seu modo rude de agir, Lúcifer tentava demonstrar carinho. – Sei o que sente por mim. Se em algum momento comentei que não me ama de fato, esqueça, por mais difícil que seja fazê-lo, por favor; eu devia ter tido um dia péssimo quando a tratei assim. Siga seu caminho; se de fato deseja ser perdoada por Deus, vá em frente... A amo demais, por isso deixarei que tome o caminho que tanto deseja, por mais que seja difícil para mim. Fique tranqüila e se apóie nos que poderão prestar auxílio a você. Todavia, se necessita de sangue, o beba.

  – E o que faço com os crimes cometidos? Como irei apagá-los?

  – Não há como voltar... Só pode pensar no que virá. Escute, morro de inveja quando está com Castiel, mas Belzebu tem razão. Você lutou tanto para cuidar de mim... Não seria justo colocar mais empecilhos em sua existência.

  O Primogênito parou de falar e a observou. O olhar transtornado dela o preocupava. Assim que a demônia tornou a avançar para os frascos, Lúcifer deu uma ordem clara a Belzebu:

  – Detesto dizer isso... Mas precisamos de Castiel aqui. Chame-o agora! Ele a ajudará com maior facilidade.

  – Sim senhor. – Samael acompanhou o general até a saída do sombrio Vale, enquanto terminava sua fala.

  – Está na hora de eu fazer algo por ela – ele fez uma pausa e suspirou. – Vá, depressa!

  Belzebu decolou imediatamente, indo parar no Quarto Céu, pois sentiu que os Arcanjos estavam todos por lá, em uma reunião que definiria um plano de ataque contra os desertores.

  Enquanto isso, o Príncipe das Trevas vigiava o local onde sua amada se encontrava. Mesmo sem saber o que lhe dizer, ele ficava ali, parado, a zelar por ela em um silêncio respeitoso.

  A garota, por outro lado, resistia como podia à tentação de beber o sangue que colhera das crianças que condenara a séculos de prisão em um sombrio cárcere. Vendo que não agüentaria suportar a essa vontade por muito mais, ela saiu porta a fora.

  Lúcifer, por sua vez, procurou detê-la. Não seria bom que fosse vista desse jeito por demônio algum. No entanto, tomada pelo desespero, a Deusa da noite o empurrou para perto de uma labareda. Isso foi o tempo de que necessitava para prosseguir; a demônia avançou pelas extensões de lodo que cobriam o lugar maldito. Esquivou-se de armadilhas, destruindo-as depois. Matou, com violentos raios que atravessavam o solo árido, incontáveis entidades demoníacas, como se assassiná-las fosse uma prova irrefutável de sua indignidade de ser perdoada pelo Todo-Poderoso. Cansada e atônita frente à devastação que causou, ela se sentou próxima a uma forte labareda; de algum modo, aquilo simbolizava que queria parar de lutar contra o que sentia; não havia, contudo, como se entregar às sensações que provinham de uma luminescência tão opaca de um modo puro e sincero.

  Ao notar que Gabriel e que Castiel vinham, acompanhados por Belzebu, Lúcifer achou melhor se afastar dela, a fim de que não atrapalhasse os procedimentos que seriam feitos.

  Preocupado e determinado a cooperar com a amiga, Castiel foi, de imediato, pedir permissão ao Príncipe do abismo para se aproximar dela. E Samael a concedeu prontamente, devido à urgência que a situação exigia.

  – O que foi, querida? – questionou o anjo, ao chegar perto de uma labareda na qual ela, agora agachada, se mantinha próxima.

  – Eu... Não sei... Se me entenderia – o amigo a pegou no colo, enquanto que Gabriel e Samael se ocupavam em afastar os inúmeros curiosos que objetivavam saber o que se passava com a Deusa da noite.

–                      Lúcifer, então, ordenou a Belzebu que ajudasse ele e o Arcanjo a fazerem um cordão de isolamento, no qual se abriria um grande perímetro onde eles seriam preservados de olhares intimidadores. Os amigos teriam, portanto, toda a segurança possível para dialogarem em paz.

  Ao imenso perímetro que os isolava, se juntaram os anjos e os demônios: Alastor, Azazel, Leviatã, Asmodeus, Turiel, Yriskele – a mais leal seguidora da fiel serviçal de Samael –, e Nergal. O único ser de luz que participava do esquema de segurança que fora montado era Gabriel que, surpreso com a atitude tomada por Lúcifer, perguntou:

  – Por que auxilia o anjo a falar com quem tanto estima?

  – Porque não quero retê-la aqui. Morro de ciúmes ao ver que ele a trata tão bem; mas, no fundo, mesmo que eu tenha cometido muitos equívocos, sei que ela me ama de algum jeito.

  Enquanto que Samael e Gabriel conversavam, Castiel limpava com um pano um pequeno canto do Vale que estivera tomado pela lama, a fim de que a mulher se acomodasse com um pouco de conforto. Após, ele a segurou pela mão e a questionou:

  – Há algo errado? O que é? Por que age assim?

  – Sinto o odor do sangue dos bebês. E não sei como poderei me desculpar com os Arcanjos – a garota dizia aquilo tudo abraçada nele.

  – Por que acha que precisa se desculpar com os meus irmãos?

  – Porque eu deveria imaginar que os desertores tocariam nesse ponto fraco que possuo. Quero auxiliar vocês, não atrapalhá-los com minhas questões pessoais.

  – Não nos atrapalha. Os Arcanjos são unânimes em destacar a importância que você tem para nós todos. Não só por ter tomado parte ao nosso lado na guerra, mas principalmente pelo caráter correto que demonstra ter.

  – Demônios não têm bom caráter, querido – comentou, em um tom amável.

  – Se têm ou não, infelizmente não posso afirmar. Posso, isso sim, falar sobre tudo que você faz para zelar por mim e para me agradar. Ouça... Você não precisaria fazer isso se não quisesse. Mas está sempre comigo... Traz força e alegria a mim. Ou acha mesmo que a atitude de me ensinar a nadar é algo demoníaco? E que dizer das coisas que percebe quando está na Terra? Nem muitos humanos notam a beleza da natureza como você faz.

  – É, tem razão – a demônia tornou a abraçá-lo. – Mas ainda assim me sinto culpada. Tanto quanto nas ocasiões em que perdi os meus filhos.

  – O fato de que não pudemos evitar as trágicas mortes dos bebês não significa que continua a ser tida como uma entidade maligna por causa do que ocorreu.

  – Nem por causa do sangue? – quis saber, o tom curioso.

  – Não – garantiu. – É tida, pelos mais conservadores, como um demônio pelos crimes que cometeu antes.

  – Obrigada. Suas palavras me confortam. Eu era quem devia dar conselhos a você; no entanto, torno a trazer meus conflitos à tona. Isso não é egoísmo?

  – De jeito nenhum! Ao auxiliar você, eu me sinto mais seguro a respeito do que tenho de fazer para zelar por nós.

  – Obrigada – disse, mais tranqüila. – Quero ir com Gabriel e com você agora. Necessito de água fresca e de comida, se não for pedir demais.

  – Venha... A casa de Deus é a sua também – respondeu, enquanto a carregava para receber a devida assistência do Arcanjo Gabriel.

  – Vamos levá-la ao Quarto Céu – falou. A situação orgânica dela é bastante delicada, até bem mais do que eu pensava que seria, por causa de todo o desgaste emocional pelo qual passou aqui – completou o Arcanjo.

  Enquanto lhe prestavam o primeiro atendimento, Castiel e Gabriel dirigiram um olhar curioso a Samael, como se quisessem saber a opinião dele acerca dos fatos. O Primogênito pôs-se de pé e disse:

  – Cuidem bem dela. Ordenarei a Belzebu que visite, de três em três horas, o Quarto Céu, a fim de colher informações relacionadas à saúde dela. Caso venham a regressar ao planeta Terra, o General procurará por você, Castiel.

  – Certo – respondeu o anjo, que tornou a segurar a amiga.

  – Dê toda a assistência necessária à minha amada, por favor, irmão – falou Samael a Gabriel.

  – Sim. Até logo, Lúcifer Estrela da Manhã.

  Os Arautos do Senhor partiram imediatamente, carregando a demônia ao local de destino. Na metade do percurso, entretanto, ela ficou inconsciente, pois toda tensão dos momentos vividos tinha sido demais para suportar.


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Notas finais do capítulo

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Espero que estejam gostando e que deixem reviews; não custa nada né?
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