Number Corp. escrita por Chacall


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Viva a preguiça! Quase não faço o capítulo! o/
Boa leitura ;D



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/118857/chapter/4

O chão estava gelado, mas não ligava. Já estava naquele lugar há anos. Pedir por algo confortante agora não lhe apetecia. Seus dias não teriam fim naquele local monótono. Uma cela. As paredes pintadas com um amarelo horrível. Quem havia arquitetado aquele lugar? Uma cama no canto. Um vaso sanitário cercado por dois muros até o nível do estômago. Ao seu lado esquerdo, uma mesinha vazia. Não tinha o que colocar ali. Não recebia visitas. Nunca recebeu. Não lhe espantava, já que havia tirado a vida de muitos. Era um assassino. Quantos havia matado? Nem se lembrava. Mulheres estupradas na madrugada, homens despreocupados mortos em suas casas, pessoas que lhe irritavam. No geral, não tinha motivos para matar, se não o dinheiro que conseguia para sobreviver. Onde teriam deixado seu facão? Era o seu parceiro nas várias matanças. Leve, ágil, veloz. Os anos que o usara lhe deram habilidades com facas. Considerava-se um profissional. Nenhuma vítima podia lhe tocar. Mas foi pego. Lembrava-se do dia. Estranho e assustador. As cenas passavam-se agora em sua cabeça como um filme. E um daqueles filmes de não deixar você dormir naquela noite.

Naquela noite, poucas estrelas no céu, poucos carros circulando. Um bar aberto logo a frente. Ali seria o local para se reabastecer. Carregava uma arma debaixo de sua jaqueta. Seu facão preferido estava enferrujado e não queria ele em sua pior aparência. Deixou-o em casa. Seu revólver S&W 44 daria conta. Entrou no bar, procurando vítimas. Quanto mais ali presentes, mais dinheiro teria. Para seu azar, somente duas pessoas. O dono do bar e um rapaz sentado em uma das mesas ao lado. No balcão, aquele gordo careca lavando alguns copos. O cliente estava sentado apreciando seu salgado, uma boina italiana marrom na cabeça, uma bengala encostada na cadeira e uma mala no chão. Uma mala! Era o que queria. Algo que pudesse conter dinheiro. Andou em direção ao dono, como se fosse pedir algo. Sentou-se em uma das cadeiras e esperou ser notado. O rapaz virou-se, secando as mãos.

-Fala, chefia. Posso ajudar?

-É... Pode sim. - retirou um saco de pano debaixo da jaqueta e jogou no balcão. - Quero que você encha o saco com todo o dinheiro desse bar e sem fazer nenhum escândalo. - deixou a arma à mostra para a nova vítima.

O dono do bar espantou-se com a arma, mas obedeceu o assaltante. Foi em direção ao caixa colocar todo o dinheiro que tinha. O assaltante virou-se e foi em direção ao rapaz que comia ali, sem nada perceber. Passos calmos, para não espantar a outra vítima. Virou o rosto para o dono. Continuava enchendo o saco. Chegou do lado do rapaz que comia calmamente. Ao lado esquerdo do rapaz, a boina escondia seu rosto. Não teria que lembrar do rosto daquele rapaz. Tanto faz. Iria conseguir pegar sua mala sem que percebesse e sumir dali.

-Apreciando a comida?

O rapaz nada fez. Manteve-se calado, mudo. Continuava a comer o salgado em seu prato sem se importar com o homem ao seu lado.

-Perguntei se está apreciando a comida?! - disse um pouco mais alto.

Continuou comendo sem se deixar levar pelo tom de voz mais alto do estranho. Sua refeição aparentava ser mais interessante do que o homem que se dizia o melhor dos assaltantes da região, o assassino experiente. Isso provocou certa raiva no estranho.

-Ei! Vai dar uma de palhaço comigo?! - gritou fechando o punho na altura do peito, pronto para um soco.

-S-Senhor!

Virou o rosto. O dono do bar já havia enchido o saco e o levantava na mão direita, enquanto a outra mão erguia-se como um sinal de que estava sem armas que pudessem incomodar o estranho.

-Jogue o saco no chão e continue com o braço estendido - retirou a arma da cintura e agora a apontava para o dono do bar.

-Senhor, esse homem aí... Ele é surdo de nascença e... perdeu a visão em alguma briga...

Seus olhos voltaram ao cliente de boina. Abaixou-se um pouco a fim de olhar diretamente nos olhos do rapaz. Não usava óculos escuros como a maioria dos cegos. Seus olhos estavam abertos, mas não pareciam estar enxergando-lhe bem a sua frente. A cor dos olhos... Acinzada? Sinistro. A cicatriz que marcava seus olhos na horizontal extendia-se até cada orelha. Deve ter sido violentamente acertado por algo afiadíssimo. Talvez uma faca? Se fosse, aquele podia ser uma de suas vítimas passadas. Gostava daquele tipo de coisa quando estava com seu facão. As mortes eram mais estilosas. Um corte que atravessava uma parte de um corpo até outro. Não gostava de armas pois eram entediantes para ele. Um buraco no corpo. Qual a graça disso? O som ensurdecedor da arma o irritava. Mal podia esperar por ter sua companheira novinha, pronta para cortar carne.

-Cego e surdo, hã? Menos trabalho...

Abaixou-se e pegou a mala, colocando em outra mesa ao lado. Abriu-a procurando por dinheiro. Alguma nota de valor, algo de valor. Até mesmo jóias, pedras preciosas, algo. Nada. Não enxergou nada na mala. Retirou a papelada mas nenhuma nota, nem sequer jóias. Uma mala sem valor. Irritou-se. Arremessou a mala ao chão, fazendo os papéis se espalharem. Caminhou em direção ao saco ao qual o dono do bar havia enchido de dinheiro e aproximou-se do rapaz careca.

-Se eu ouvir algum barulho de polícia, você pode ter certeza de que não encontrará sua família viva quando chegar em casa - apontou a arma no homem que tremia de medo.

Foi em direção à porta do bar e saiu. A frustração de não conseguir muito dinheiro o fez andar depressa pela rua que ainda continuava pouco movimentada. A arma e o saco já haviam sido guardados por baixo da jaqueta do rapaz. Iria ter que voltar para casa com pouco dinheiro. Raiva. Noites assim não o deixavam dormir direito. Torcia para ter algo melhor no dia seguinte. Iria planejar algo melhor, um local melhor, onde teria certeza de que iria sair com sacos cheios de dinheiro e até mesmo jóias. Teria a próxima noite como a melhor da semana. Iria para casa e esqueceria da cena desanimadora. Já passavam das dez horas. O tráfego começava a diminuir com o tardar. Seguia na calçada observando alguns dos carros. Dificilmente via algum que chamasse atenção. Eram a maioria deles carros antigos. Alguns passando rápidos e outros mais devagar. Um deles chamou atenção. Mas não pelo modelo do carro. Esse andava devagar. Até demais. Parou no meio da rua. Que rapaz estranho. Algum problema no carro? Continuou andando até poder olhar para o motorista. Um homem jovem olhava fixamente para a frente, como se ainda estivesse dirigindo. Se ele continuasse mais tempo ali parado, causaria um trânsito enorme. Talvez não, já que já era tarde. Mesmo assim, olhou em volta para ver se algum carro se aproximava. Alguns estavam muito atrás. Faróis acesos. Demorariam um pouco para chegar.

-Ei, garotão! Se continuar aí, as pessoas vão bater no seu carro! - gritou para o motorista soltando um leve riso.

O rapaz nem sequer virou o rosto. Continuou com o olhar fixo para frente. Irritou-se. Isso tornara-se uma nostalgia. Todos ignoravam-lhe naquela noite? Era surdo também? Olhou melhor no rosto do motorista e notou que nem sequer piscava. Olhou para os carros atrás e notou os faróis ainda ligados. Não estavam se aproximando. Estavam parados também. Aquela noite tornara-se um filme de terror. Estava sozinho em toda a rua. Os carros estavam parados. Começou a correr para casa antes que aquela epidemia de paralisia chegasse a lhe afetar. Conseguiu correr duas quadras até começar a desacelerar contra sua vontade. Estava se cansando mais rápido? Não. Estava começando a parar. Paralisou. Não conseguia mais se mover. Seus olhos continuavam observando a rua a sua volta mas não podia correr. Estaria sonhando? Se estivesse, era melhor que acordasse logo pois aquilo se tornara um pesadelo. Esperava que estivesse sozinho naquela rua, mas conseguiu ouvir algo se mexendo. Alguém andando. O barulho do sapato se arrastando pelo chão vinham em direção a ele. Cada vez mais perto. Provavelmente iria ser estranhado por estar ali parado. Tentaria pedir-lhe ajuda. Tentaria abrir a boca e falar algo. Mas não pôde. Continuava paralisado, sem se mexer. A pessoa que se aproximava dele agora passou ao seu lado, aparecendo na frente do rapaz paralisado. Já teria visto aquele homem. Uma mala. A mala a qual tentara assaltar! Era aquele cliente surdo e cego. O de boina. Ele agora estava se movendo e parecia o encarar. Como? Ele estaria enxergando-lhe? Ele não é cego? Será que ele consegue sentir algum barulho do rapaz?

-Prefere a paralisia ou prefere ser um rapaz justo e se entregar? - disse o homem que lhe encarava.

Ficou com medo. Como ele sabe da paralisia? Ele agora enxergava? Raciocinou. Assustou-se. Seria aquele o homem que causou a paralisia? Mas de que jeito? Era impossível para um homem deixar muitos paralisados de longe. Devia ser brincadeira. O homem só deveria estar irritado por ter sido assaltado e ter sua mala jogada no chão. Aquele gordo deveria ter dito a ele de algum modo. Talvez deveria ter escrito em braille. Que se dane aquele cara! Assim que saísse da paralisia, iria deixar-lhe manco e fugiria dali. Ninguém tem permissão de lhe humilhar.

-Parece que prefere ficar assim. Mas eu odeio seu tipo, então a polícia logo virá atrás de você. Apresentarei-lhe um mundo ao qual não quer conhecer e espero que mude seu jeito de pensar.

O homem de boina virou-se e seguiu andando até sumir na escuridão da rua. Um mundo ao qual não queria conhecer? Não teria outro mundo além daquele. Cara maluco. Estava melhor quando estava sem falar nada no bar. Seus movimentos começaram a voltar. Começou a andar de novo. Onde estaria aquele homem? Olhou em volta e nada viu. Literalmente. Nem mesmo aqueles carros. Uma rua vazia. Estranhou. Não teria passado por um monte de casas antes de chegar ali? A rua estava deserta! Nem sequer casas haviam. Apenas algumas sombras ao longe. Essas se moviam. Umas cinco sombras ao longe. Elas moviam-se para ao lado e para o outro. Pareciam dançar. Voltou a ver ao outro lado da rua onde o rapaz havia sumido. A mesma coisa aconteceu. Sem casas, nada. Tudo havia sumido, exceto pelas sombras dançando. Tudo a sua volta havia sumido. O céu transformara-se em fumaça. Fumaça negra. Um deserto sem fim. O que acontecera?! Estava apavorado! Seria esse o mundo ao qual não queria conhecer? Se fosse, já queria voltar para o outro mundo. Continuou olhando para as sombras dançantes. Agora estavam paradas. Varias delas. Tornavam-se maiores. Estavam crescendo. Olhou melhor. Não estavam aumentando. Estavam se aproximando! Tentou correr, mas não pôde. Para onde quisesse correr, somente mais delas apareceriam. Estavam mais perto. A cada passada delas, o chão parecia se degenerar. Pareciam um ser que ninguém chegaria perto. Os demônios próximos de matá-lo. Seria seu fim. Sufocou-se. O ar parecia estar sumindo. Iria desmaiar sem ar e iria morrer pelas sombras apavorantes. Caiu no chão e fechou os olhos, tentando acordar do pesadelo. Paralisado novamente, agora pela falta de ar. Adormeceu.

Acordou em uma cela de cadeia. Ótimo. Um sonho horrível. Pior quando acordara. Preso numa cela. E agora estava ali. Depois de anos, no mesmo local. Teria sua vida horrível terminada naquele local. Por um lado, feliz por estar longe daquele pesadelo. Levantou-se e foi para a cama ao canto da cela. Iria dormir, mas ouviu um barulho na grade. Algum dos guardas.

-Quarenta e dois! Levanta! Sua vez!

*****************

Renato havia saído para ter uma reunião com o dono da empresa onde trabalharia. Disse ao filho para atender toda ligação que recebesse, pois alguma poderia ser de seu trabalho. Gabriel estava deitado no sofá da sala assistindo a TV. Assistia aos clipes musicais no canal. Muitas músicas boas estavam tocando. Levantou-se e foi à cozinha atrás de um copo d'água. A janela da cozinha estava clara. Ainda era de tarde e era sábado. O telefone de parede estava tocando novamente. Provavelmente era do trabalho de seu pai. Correu para atender. Parou em frente ao telefone e lembrou-se do ultimo momento em que tentou atender um simples telefonema. Bobagem. Atendeu.

-Alô?

O telefone ficou em silêncio por um breve momento.

-Alô?! - repetiu Gabriel.

-Boa noite, senhor! Seja bem vindo à Number Corp. - disse a voz eletrônica feminina. - O senhor está se sentindo sortudo hoje? Nós queremos fazer um jogo com o senhor! Disque "um" se quer aceitar o desafio ou "dois" se deseja rejeitar!

Gabriel estranhou a ligação. O mundo tinha mudado. Agora os jogos de sorte ligavam para você. Pensou no que responder e se lembrou que o pai brincava com ele dizendo para fazer as coisas do mesmo modo que seu pai faria. Imaginou que seu pai ficaria feliz com a ideia de um jogo de sorte por telefone. Decidiu aceitar. Digitou "um".

-Obrigado por sua escolha, senhor. - respondeu a voz eletrônica. - Essa será sua primeira rodada então explicaremos-lhe o jogo. A cada semana você receberá um telefonema de nossa corporação e você terá direito a escolher um número dentre dez números que lhe fornecermos. Dependendo da sua sorte, você pode receber algo bom ou ruim. Sua escolha será revelada para você no mesmo instante onde quer que esteja.

-Um jogo semanal, certo? Isso pode nos dar algum lucro, quem sabe.

-Nessa primeira rodada, você deve escolher um número entre trinta e cinco e quarenta e cinco. Disque seu número desejado em seu telefone.

-Somente isso? Que fácil!

Pensou em algum número no qual escolher. Do trinta e cinco até o quarenta e cinco? Dez alternativas, apenas uma escolha. Digitou dois números no telefone. Quatro e dois.

-Muito bem. Número escolhido aceito. Muito obrigado pela sua escolha. Sua escolha será revelada em alguns minutos. Boa sorte em tentar passar de rodada!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Novamente, sem previsão para o próximo capítulo. '-'



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Number Corp." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.