Abstinência escrita por PrincessGrey


Capítulo 1
Chuva.




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A chuva era insensível lá fora, imponente e raivosa. O céu estava negro, embora fossem apenas quatro horas da tarde, a tempestade continuava, furiosa, sem dar sinais que fosse passar tão cedo.

   O cheiro de cigarros no quarto era forte, e se tornava cada vez mais presente a cada tragada, dois corpos gelados, pálidos, nus e desanimados em um velho lençol amarelado, que há muito tempo já fora branco.

Noah virou-se na cama, e observava, ainda deitado, á chuva. E um pensamento muito antigo e remoto lhe passou pela cabeça – quando era criança, apenas um menininho, e chovia de maneira tão intensa, ele costumava indagar quem tirava os cães sem dono das ruas, para que não se molhassem. E seu pai lhe dizia, que eram só cachorros, e ninguém se importava com eles, se ficariam molhados ou doentes. Não tinham um lar. Não eram da conta de ninguém.

  Era assim que ele se sentia, como alguém sem lar. Riu. Tudo aquilo era muito tolo.

Pegou uma garrafa de vinho barato que já estava na metade, no chão e a virou pelo gargalo.

- Vou embora.

Olhou para a garota loura ao seu lado, que procurava por suas peças de roupa espalhadas pelo quarto, nua, andando de um lado para o outro. Seu corpo era tão magro que Noah conseguia enxergar os ossos das costas de Gabrielle com nitidez, sua pele parecia pronta para se rasgar, no menor movimento brusco.

- Ainda não. Não pode sair com esse tempo. – argumentou, embora desejasse que Gabrielle fosse embora logo. Sua voz saiu desanimada e sem convicção, os dois sabiam que o tempo deles havia se esgotado.

  - Tenho de ir. – disse ela, como se desse a conversa por encerrada. Vestiu-se rapidamente, colocando um cigarro entre os lábios finos.

Noah olhou para Gabrielle, ela tinha apenas dezesseis anos, embora parecesse ser muito mais velha. Seus cabelos compridos eram sem vida, seus olhos desfocados pareciam sempre longe, em um lugar absurdamente distante, era magra e pequena, como um bibelô pronto para se quebrar. Se vestia como uma pequena prostituta do Brooklyn, sua maquiagem deixava seu rosto deprimente, parecia estar eternamente em uma crise de abstinência pelos seus preciosos comprimidos. Mesmo como todos os seus defeitos, Noah gostava de Gabrielle, muito mais do que como a menina com quem dormia ás vezes, á seu modo. Ele enxergava nela, alguns resquícios de sua inocência, alguma pureza. Quando ela sorria, parecia, que mesmo com o mundo explodindo, estava tudo bem. Dentro dela, bem no fundo, ainda vivia uma garotinha.

   Porém o mundo a envenenara, tornara uma pobre menina, em um esqueleto ambulante, sem rumo ou futuro. A morte já teria escrito o destino dela?

  Gabrielle calçou suas gastas botas de bico fino, e Noah lhe estendeu uma nota amassada de dez dólares, afirmando que ela comprasse algo para comer, e disse que levasse alguns maços de Marlboro que estavam na segunda gaveta do criado mudo.

- Para onde você vai, Gabrielle? – Perguntou Noah, embora já soubesse da resposta, ele sempre sabia. A resposta de Gabrielle, era uma das únicas certezas que ele mesmo possuía em sua vida.

- Não sei, Noah. – Nenhum dos dois, jamais saberia para onde iria, não sabiam nem mesmo do amanhã. Ela deu um sorriso fraco, e beijou rapidamente a face do outro, sussurrando um ‘’obrigada, o vejo por aí’’, e saiu com pressa, ajeitando os pequenos braços finos na jaqueta de couro surrada.


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