Skater Girl escrita por sisfics


Capítulo 20
Capítulo Dezenove: Sonho Bom.




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Uns dias depois.


Meus olhos se abriram por reflexo. Levantei o rosto ainda com a vista embaçada, esperei alguns segundos até que pudesse enxergar e sorri. Bella ainda dormia tranquilamente na cama. Esfreguei minha mão na sua que agora estava quente porque cochilei com meu rosto apoiado ali. Me perguntei o que poderia ter me acordado, mas esqueci o assunto quando Charlie entrou e parou do outro lado de Bella completamente focado em seu rosto.


– Está aqui há muito tempo? - perguntou.

– Desde o início do horário de visitas. Acho que cochilei.

– Deveria ir para casa. Seu pai me disse que ontem você foi novamente responder algumas perguntas no departamento.

– Meu pai quem disse? - perguntei estranhando sua fonte não ter sido um amigo qualquer do trabalho.

– Sim, não procurei mais ninguém da delegacia. Já ouvi a história toda de você, não tenho mais nada que saber e eles estão confusos demais. - passou a mão nos cabelos da filha e prendeu uma pequena mecha atrás da orelha.


Era bom saber que ele confiava em mim. Charlie, assim como eu, estava definhando com a espera, por isso parara de trabalhar. Engolíamos o mais amargos dos sentimentos: o remorso. Não havia muito mais o que fazer. As dosagens de remédios ainda eram altas, contudo Bella poderia voltar a qualquer momento. E, desde que o médico o dissera há três dias, não mais tive um segundo de descanso.


Seu pai segurou sua outra mão com bastante cuidado e esboçou um sorriso triste. Me lembrei do quanto aquele homem me surpreendera, do quanto me apoiou e a ajudou. Deitei novamente a cabeça na maca, encostando os dedos de Bella na minha bochecha e perguntei:


– Não vai mesmo contar para sua filha que a salvou?

– Não fiz nada, Edward.

– Na minha opinião, fez e muito. Seu sangue corre nas veias dela agora. - não respondeu, parecia pensar em algo muito sério, mas sua expressão se desmanchou num sorriso em seguida.


– Quando Bella ganhou seu primeiro skate aos nove anos, uma prancha velha e podre de James, chegou tão feliz em casa que foi difícil de esconder da mãe e de mim. - teve certa dificuldade ao recomeçar, acho que por estar falando da esposa - Logo veio a primeira fratura no braço esquerdo, em seguida uma costela quebrada e dezesseis pontos na cintura. Pedi que Renne escondesse ou jogasse fora o skate para o bem dela, pensei que estava fazendo o melhor. Mas ela sempre foi tão decidida e birrenta quanto eu, logo achou aquela arma e voltou a andar escondida. Quando descobri, quebrei o skate no meio e a proibi de sair de casa, mas Bella não desistiu do sonho, nem de mim. Tomo decisões no lugar de Isabella e a puno quando não dá certo há dezenove anos. Ela esteve a beira da morte, não precisa mais suportar isso. Todos tem sua hora de partir e a minha é agora. Vou deixar que siga sem mais interferências. - olhou em meus olhos pela primeira vez - A doação não foi uma forma de pedir desculpas pelo que a fiz passar ou pelo tanto que insistiu cuidar de mim, mas porque é minha filha e a amo mais que tudo. Só não quero que ela pense que foi por piedade.


– Jamais pensaria, Charlie. - não respondeu.


O silêncio voltou a imperar até a vez seguinte em que explicou o porquê de Nessie e Emmett não terem ido à visita e também para dizer que pelo mesmo motivo não podia ficar muito tempo. Não me incomodei de ficar sozinho com Bella, então tranquilizei seu pai.


Em pouco tempo, voltei a relaxar e, com sua mão ainda tocando meu rosto, fechei os olhos. O silêncio só era quebrado pelos aparelhos e a minha respiração. Meus pensamentos se tornaram mais lentos, os diálogos que escrevia na minha cabeça para a primeira vez que seus olhos se abrissem jamais passavam perto do que eu realmente sentia. Nada que expressasse o que ela significava para mim, nem mesmo o quanto desejava que ficasse ao meu lado.


Num breve cochilar, tive um sonho. Um sonho muito bom.


Nele, Bella acariciava meu rosto tentando me tranquilizar. Eu abria um sorriso, ela tocava meus lábios e correspondia. Mas seu olhar entristeceu enquanto a ponta fria de seus dedos roubava o calor da minha pele.


A carícia me tirou um pouco da culpa que carregava por tê-la decepcionado com minha desconfiança, por tê-la deixado sozinha. Engoli em seco, o movimento dos lábios me fez prender algo no canto da boca e, já acordado, virei o rosto para ver o que era.


O indicador de Bella se juntou aos outros no colchão, caindo por perder o apoio. Lá estavam seus olhos castanhos ligeiramente abertos me observando com atenção. Meu coração perdeu uma batida e depois acelerou descontroladamente. Seu sorriso travesso, o qual senti tanta falta, brotou e retribuí sem forças para qualquer outra reação. O choque não permitia sequer me mover.


Seus dedos lentamente voltaram a me escalar parando embaixo de meus olhos, minhas olheiras profundas.


– Parece que perdi. Toda a festa. - não passou de um mero sopro.

– É, parece que sim.


Segurei sua mão, beijei o pulso me deliciando com o aroma doce de sua pele e senti uma lágrima descer pela minha bochecha, logo recuperada pelo dedão de Bella que cansada fechou os olhos. A felicidade que explodia no meu peito era tanta que palavras ou sorrisos jamais conseguiriam descrever.


– O que? - sussurrou, mas não teve força para completar.


Levantei, debruçando um pouco sobre seu corpo, e segurei seu rosto entre minhas mãos. Notei que nós dois estávamos tremendo. Eu, pela surpresa, ela, pelo esforço.


– Edward.

– Abra os olhos, meu amor. - com dificuldade atendeu ao pedido - Finalmente posso respirar. - inclinei meu rosto e a beijei.


Seus lábios tocando os meus calaram os medos que nos rondaram desde a separação. Nunca ouvir meu nome ser pronunciado por sua doce voz renovou tanto minhas forças quanto agora e, ao nos afastarmos, encontrar em seus olhos a alegria do recomeço fez surgir em mim a certeza de que nada e nem ninguém me impediria de fazer Isabella feliz.


– Não posso. Dizer o mesmo. – murmurou com dificuldade – Onde? – espiou nossa volta – Quanto tempo?

– Por favor, não fale muito. Sei que está confusa, vou explicar o que aconteceu, mas não pode se esforçar pela cirurgia. – enrugou o cenho, ainda mais perturbada – Não se lembra do que aconteceu em meu apartamento? Estávamos na sala, quando você se pôs entre mim e aquela arma. – suspirou compreendendo.

– Sim. Lembro. Do sangue. – fechou os olhos – De me despedir.

– Inutilmente, pois não foi a lugar algum, e não irá. Está bem aqui nos meus braços, de onde jamais deveria tê-la deixado sair. – sequei uma lágrima que caiu por entre seus cílios.

– Me desculpa?

– Não posso acreditar que está pedindo perdão por ter salvado minha vida. Isabella, você esteve alguns dias dormindo pelo trauma que sofreu e, durante esse tempo, não houve em mim outra vontade a não ser a de olhá-la nos olhos, ouvir sua voz e beijá-la mais uma vez. Esses dias, em que estivemos tão perto e ainda assim tão longe, me fizeram enxergar o quão tolo fui por magoá-la. Estar confuso e irritado jamais será motivo suficiente para justificar a mentira que inventei ao dizer que nunca a amei e que nosso relacionamento era brincadeira. Pergunto como pôde acreditar mesmo depois de todas as provas que lhe dei e do que passamos.


– Meus sonhos sempre acabam.

Não somos um. Criei um mundo perfeito para viver, cheio de ilusões, mas aquela manhã na baía frente a frente com a menina forte e surpreendente que você é desmoronou minha farsa. Jamais permiti que alguém me conhecesse da forma que conhece, pois foi você quem me ensinou a ser feliz. Por isso, pergunto também como cheguei tão baixo pensando por alguns instantes que traíra minha confiança quando confrontei aquele homem. É a maior decepção que poderia te dar, e ainda assim me protegeu daquele tiro. Não há palavras o suficiente para te fazer entender o que significa para mim. Não há palavras que expliquem o medo que senti só de pensar em te perder.

– Foi o que senti. Quando ele te apontou a arma. Só não conseguiria viver sem você. – apoiei minha testa na sua, mergulhando em seu olhar.


– Bells, você é meu único acerto, meu sopro de vida. Entendo o quão grande foi meu erro que não poderá ser apagado, mas quero muito continuar ao seu lado. Por isso, te peço perdão pelo que disse, pelo que a fiz sentir e pela forma como a julguei. Me perdoa?

– Não se desculpe. Não fizemos nada errado. Só fomos dois bobos.

– Quase perdeu sua vida por mim.

– Faria de novo, se preciso. – pedi mais uma vez com os olhos, ela suspirou – Se vai se sentir melhor. Desculpo, se também me perdoar pelo perigo que te coloquei.

– Nada foi sua culpa, meu amor. – mais uma vez uni nossos lábios e a senti relaxar – Tudo será diferente daqui para frente, prometo. Eu te amo, Isabella.


– Só isso? – tentou esboçar um sorriso.

– O que mais quer que eu diga? Pode pedir.

– Quero que diga. Com todas as letras. Que vai ficar. Comigo.

– Até quando você quiser.

– Então, espero que não esteja com pressa. - Bella me beijou delicadamente, nos separou e respirou com um pouco de dificuldade - Edward, estou zonza.


Me afastei, notando que ela tinha lágrimas nos olhos que escorriam pelas bochechas. Olhei para os aparelhos que a monitoravam por reflexo, então apertei o botão vermelho que ficava ao lado da cama para chamar o médico de plantão e as enfermeiras. Entrelacei nossos dedos e sorri. Meus olhos também estavam molhados. Ela sussurrou algo muito baixo, voltei a me debruçar para ouvi-la e colei nossos rostos.


– Não me deixe sozinha. - pediu de novo.

– Nunca.

– Eu te amo. Deveria ter. Dito antes.

– Eu também te amo. Terá muitas oportunidades de dizer daqui para frente, Bells. Muitas. - o médico entrou no quarto e sorriu ao ver sua paciente com os olhos entreabertos e pregados em mim.


Com certo aperto no peito, me afastei para facilitar o exame que ele começou a fazer. Mas não deixei de segurar sua mão, nem ela a minha. Com o tempo seus dedos relaxaram, voltou a dormir me deixando um pouco preocupado de início, mas o doutor logo explicou que eram as doses do remédio e o cansaço. Mas agora não mais me importava, Bella tinha acordado, me ouvido e dito que me amava. Estava se recuperando depressa e em breve estaríamos fora dali. Só isso valia todo o meu mundo.


Bella Pov


Era uma luta difícil abrir os olhos, falar, ou qualquer outro movimento que queria fazer. Muitas perguntas passavam pela minha cabeça, mas tudo me levava de volta ao momento do tiro. O rosto de Jacob quando segurei a arma, o seu dedo que pressionou o gatilho sem querer, o sangue, a dor. Me lembrava de ter dito que amava Edward enquanto era colocada na maca, e também do desespero que tomou conta de mim quando pensei que morreria, pois era o que os paramédicos diziam em volta de mim, que meu coração parara.


Ainda não conseguia entender como estava viva, mas tive tempo para pensar no por que dessa segunda chance enquanto os médicos me examinavam atentamente.


Se eu poderia descrever meus dezenove anos em uma só palavra, ela seria 'dor'. Passei a vida toda perdendo tudo que amava, assistindo sem reação ao que me fazia bem ir embora, escorrer pelos meus dedos como areia. Passei a vida toda calada para as pessoas erradas, sofrendo em silêncio ou então engolindo minhas emoções por medo das consequências.


Sei que sempre fui a garota forte, firme, que tinha problemas, mas os enfrentava com a cabeça erguida e um grande sorriso estampado. Entretanto, estava cansada de carregar o mundo em minhas costas, de não poder usufruir das minhas oportunidades, as minhas conquistas e que eram muitas. Precisava parar de achar que tudo era minha obrigação e começar a me parabenizar por chegar aonde cheguei. Eu precisava sorrir, mas porque estava com vontade e não só para agradar os olhos do mundo o enganando com meu falso sentimento de bem-estar.


A partir de hoje, serei mais verdadeira com meu coração, da forma que sempre foi comigo. Pena que precisei enxergar a morte para perceber que nunca há tempo a se perder.


– Sente-se bem? – o médico perguntou tocando meu braço.

– Sim. - minha voz ainda estava fraca - Só com sono.

– Completamente normal. É a dosagem dos remédios, mas logo vai ficando melhor.


– Doutor?

– Pois não, Isabella. Pode me chamar de John. Sente alguma dor, desconforto? - neguei - Então diga.

– Meu namorado, por favor? Preciso dele. - seu sorriso se abriu aos poucos.

– Claro que sim. Ele também precisa muito de você. Desde que deu entrada, aquele rapaz não saiu um minuto sequer do seu lado, e não é por falta de problemas. Nunca vi ninguém assim tão apaixonado. Ele te ama muito.

– Eu sei. - consegui sorrir.

– Vou chamá-lo. Caso sinta algo diferente, qualquer coisa, peça que me chamem. - ele saiu do quarto em seguida e não precisei esperar muito até que Edward aparecesse com seu sorriso torto encantador e completamente viciante.


Não pude evitar sorrir também e virei minha mão com as costas para a cama para que me tocasse. Ele entrelaçou nossos dedos, aproximou seu rosto do meu e deixou que seus lábios tocassem minha testa. Meu coração foi preenchido pela paz que só ele me trazia, fazendo minhas perguntas e problemas ficarem em segundo lugar, afinal só eu e Edward importávamos no mundo.


– Mandou me chamar, meu amor? - perguntou com os lábios perto dos meus.

– Foi um pedido. Não uma ordem. - respondi sorrindo, ele riu também e me beijou.


Sua boca macia envolvendo a minha, eu queria retribuir a altura, mas estava sem forças. Ainda assim aquela sensação me acalentava. Quando nos separamos, olhou fundo nos meus olhos com suas verdes esmeraldas.


– Não posso ficar muito tempo com você. Deve descansar, além disso, Nessie quer te ver.

– Não, fique.

– Prometo que ficarei o máximo que puder. - sorri.

– Edward, ontem, quando acordei. - enrugou o cenho - Você estava dormindo.

– Sim.

– E eu. Te acordei. Mas estava sem forças. E voltei a fechar os olhos. Meu pai entrou no quarto.

– Você estava acordada antes mesmo dele entrar? - sorriu para si mesmo - Explica algumas coisas.

– O que quis dizer com 'salvar minha vida'? - abaixou a cabeça e soltou um longo suspiro.

– Não é o momento de conversarmos sobre isso.

– Porque não?

– Precisa descansar. - apertei seus dedos entre os meus com toda a força que ainda me restara.

– Por favor, Edward.


Prendeu o lábio inferior com os dentes, enrugou o cenho e aproximou nossos rostos. Edward colou sua testa a minha e acariciou minha bochecha. Fechei os olhos sentindo minha pele ferver devido ao contato, ouvi sua hesitação, mas soube que não deixaria de me responder.


– Sei que é errado e que pode te deixar nervosa e isso não é bom. Mas precisa saber das notícias, e também entendo que a curiosidade e a angústia que deve estar sentindo não são fáceis. Só por isso vou te contar, mas deve me prometer que não vai se alterar. Vou contar desde o apartamento. - assenti aliviada - Depois do tiro, acertei Jacob com a luminária. Ele desmaiou, peguei a arma, não deixei que os outros chegassem perto de nós. A polícia chegou e te colocaram na ambulância. Você teve uma parada cardíaca. Chegamos ao hospital e te levaram para o centro cirúrgico. Algumas horas depois, quando a cirurgia terminou, o doutor John explicou que a bala atingiu seu fígado, por isso perdeu muito sangue, e sua única chance era receber uma transfusão o mais depressa possível. Emmett estava comigo esperando a cirurgia acabar.

– Emmett? - o interrompi.


Logo quem eu menos esperava?


– Muita coisa aconteceu, meu amor. Você precisa conversar com seu irmão. Mas, voltando ao assunto, ele disse que faria a doação, ainda assim não era suficiente. E, desesperado, resolvi procurar seu pai. - fechei os olhos ao me lembrar da última vez que o encontrei e o ouvi dizer que me queria morta - Confesso que não tinha muitas esperanças, só medo de sua reação. Mas fui surpreendido quando encontrei um Charlie completamente desesperado por notícias e arrependido de como a tratou.


As palavras que ouvi ontem de meu pai. Ele dizendo que queria sair da minha vida.


– Ele pretendia não me contar? - meu namorado assentiu.

– E também me fez prometer que eu não contaria.

– Você obedeceu? Que milagre.

– Pelo visto, nada altera seu bom humor. - queria dar uma risada, mas me contentei em sorrir.


Não conseguia imaginar esse gesto vindo de Charlie depois de todo o ódio que despejou em mim quando brigamos no departamento. Seus olhos explodiam em raiva, nojo, desprezo e decepção. Sem que eu pudesse impedir, sua voz ressurgiu na minha cabeça.


"Você tinha alguma coisa a ver com isso, não tinha, sua vadia? [...] Eu vou tirar a minha filha do alcance das suas mãos, Bella. Antes que Rennesme sofra as consequências por ter seu sangue."


– O que está pensando? - abri os olhos libertando as lágrimas - Bella. - Edward as secou, beijando minha bochecha em seguida.

– Outra coisa. - queria esquecer aquele assunto - Estamos livres? Diga que estamos. Livres deles. - ele negou com a cabeça o que só fez mais lágrimas transbordarem.

– Acalme-se, vou explicar. Todos eles foram presos, havia vários mandados de prisão, muitas acusações, mas Jacob não está na cadeia. Calma, Bells. - pediu quando agarrei sua mão.


Tentei levantar a cabeça, mas senti dor ao forçar. Soltei um baixo gemido, seguido de um rosnado e mais algumas lágrimas.


– Não devia ter falado nada.

– O que aconteceu? Por favor, porque. Ele não. - fiquei sem ar, meu pulmão estava comprimido, por isso tentei esticar ao máximo o tronco sem que causasse dor no abdômen.

– O que está sentindo?

– Vontade de saber. O que aconteceu. Logo. Por favor? - pensou alguns minutos, mas sabia que seria pior se não contasse.


– Quando acertei Jacob com a luminária, a pancada foi tão forte que causou alguns danos. Ele ficou em coma alguns dias, mas já está se recuperando e de lá seguirá para a prisão. Mas quase fui indiciado por homicídio. Seria um processo lento até alegar legítima defesa. No momento, só nos resta esperar até que você fique boa para dar seu depoimento e Jacob também.


– Posso fazer agora. - ele sorriu.

– Precisa ficar boa agora.

– Não.

– Isabella, não teime. Preocupe-se com sua recuperação.

– Sei de coisas que a polícia pode precisar. Traga-os aqui. – mais uma vez negou com a cabeça quando então apoiei minha mão em seu rosto – Jacob pôs a vida da minha filha e a sua em risco. Prometi que não descansaria enquanto não pagasse pelo que fez. Sei onde se escondia. Lá podem achar mais provas de mais crimes.

– O que? – mostrei meus pulsos ainda levemente manchados de roxo – O que são essas marcas?

– Na noite anterior ao assalto. – inspirei profundamente em busca de fôlego – Jared, amigo de infância dele, tirou aquelas nossas fotos na baía. Depois disso, Jacob invadiu minha casa para descobrir quem você era e comprou seu nome dos próprios irmãos em troca de paz. Com ajuda descobriu seu endereço. E como entrar na sua casa. Queria acabar com dois problemas de uma vez: uma dívida com um negociante e você.

– Sim, ele comentou alguma coisa enquanto estávamos no apartamento.

– Mas queria me torturar pelo que fiz a ele. Por isso, sequestrou Nessie. – seus olhos se abriram ainda mais, sem entender o rumo da conversa – Tirou fotos que estão no meu apartamento. Diga a Charlie.

– Sim, meu Deus, eu direi. É mais uma acusação. Mas não entendo porque seu pai não me disse antes. Acho que a sua situação nublou a todos nós. Você trocou de lugar com Nessie? Foi o que aconteceu? Por isso as marcas?

– Quase. Algo deu errado e Nessie foi levada de volta para casa. Não fui ao encontro que marcou. Mas ele entrou em meu apartamento, me levou até esse lugar e contou o que faria com você. Jared me ajudou a fugir antes e chamei a polícia.

– E foi até o apartamento tentar impedi-lo. – assenti – Meu amor, sequer passou pela minha cabeça o que aquele desgraçado estava fazendo contigo. Me desculpa? Não se preocupe mais. Vou explicar exatamente o que me contou aos nossos pais e ao meu advogado, já será grande ajuda. Quando estiver pronta para sair dessa cama, você fará seu depoimento. Tudo bem?


Ainda não era exatamente o que eu queria, mas Edward estava com razão: minha saúde era mais importante agora. Informar ao seu advogado já era um bom começo.


Finalmente, me aquietei, recostando relaxada no travesseiro. Segurei sua mão com firmeza e sorri. Ganhei em resposta um suspiro preocupado e um beijo na testa que pareceu durar tão pouco, mas acho que a saudade e também o tempo que passei dormindo estavam distorcendo minha noção de tempo. Entendi que havia coisas mais importantes para serem tratadas hoje e, só de pensar nelas, meu coração palpitava em um compasso completamente errado. Precisava ver minha filha e com certeza ela estava lá fora me esperando.


– Trouxe boas notícias? – perguntei quando se afastou para me encarar.

– Depois das preocupações que lhe dei, era o mínimo que poderia fazer. – rimos – Ela está lá fora, acaba de chegar da escola, e está morrendo de saudade.

– Também estou. E além de saudade, há essa vontade.

– Eu sei. – segurou minha mão com mais força – Seu pai e irmão já sabem que é inevitável e estão aqui para te ajudar a contar a verdade. Logo você terá Rennesme como sua filha.


Palavras tão doces, quase inacreditáveis. Fechei os olhos para impedir as lágrimas. Sorri.


– Estou com tanto, tanto medo. Às vezes acho que posso ser rejeitada, que ela terá raiva de mim por ter escondido a verdade, mas medo maior é o de passar mais um dia sem chamá-la de filha.

– Como sempre seus medos são sem fundamento. Ela jamais teria essa reação. Você é a melhor mãe que ela poderia ter, sabe disso.

– Eu espero.

– Mas, bem, mudando um pouco o assunto. Há mais alguém lá fora querendo vê-la. Emmett quer mais que tudo um tempo a sós para conversarem. – congelei.


Se estava agora conversando com o homem da minha vida e prestes a reencontrar meu bebê, tudo era graças ao meu irmão. Ainda assim, foram muito anos de olhares cruzados, palavras ferinas, todo o sentimento de culpa que seu desprezo agravava. O que ele poderia dizer depois de nos tornarmos estranhos?


– Durante sua cirurgia, tive uma conversa com Emmett que mudou completamente meu modo de vê-lo. Sei que não estava fazendo mais do que sua obrigação como irmão, mas quando o médico informou sobre a doação de sangue, ele sequer titubeou. Doou imediatamente; passou horas comigo no hospital; cuidou da Nessie já que seu pai estava tão abalado; veio te visitar todos os dias. Ainda que o passado pese em sua memória, dê a vocês uma segunda e última chance. O que acha?


Pensei em como começar a vida inteiramente nova que desejava a partir desse dia. Para isso, um primeiro passo precisava ser dado. Quanto mais cedo, melhor.


– Ele está esperando?

– Sim. Porque não o deixa entrar um pouco? Antes Nessie, para te deixar mais tranquila, e quando terminarem ele a acompanho até lá fora e volta. Sei que serei uma boa distração para a baixinha.

– Faria isso?- assentiu com seu sorriso torto – Estou bem receosa, mas não tenho alternativa. Quero abandonar esse peso antes de qualquer outro. Peça que entrem.


Meu peito, que já pulsava descontroladamente pelos momentos ao seu lado, não suportou de ansiedade por ver o rosto do meu anjo que apareceu alguns segundos depois de mãos dadas com o tio. Seus olhos tão castanhos me encontraram de imediato e aquele sorriso travesso surgiu com tamanha rapidez que não pude me preparar para o que ele causaria.


A minha relação com Nessie não poderia mais ser construída nessa grande mentira. Minha filha deveria ser minha filha, como foi quando o médico a pôs em meus braços e me parabenizou, como foi quando a amamentei ainda tão pequena e indefesa até que fosse forte. Minha filha.


– Bella. – exclamou se aproximando, tendo sua velocidade contida pelos aparelhos ligados a mim que a assustavam claramente – Você tá acordada. Emmett, me põe aqui em cima, me põe. – pediu já se jogando em seus braços – Fiquei com saudade. Tanta saudade. E você? – perguntou.

– Estava. Muita. - me abraçou.


Com dificuldade retribui o carinho e assim ficamos por um tempo infinito. Sentia o martelar de seu coração contra o meu, sua respiração quente soprando meu ombro, e sua pele macia de criança fazer carinho no meu rosto. Era uma sensação tão deliciosa, reconfortante, eu diria curadora. Me lembrei de uma cena parecida no hospital com Nessie nos meus braços, só que era apenas um bebê e eu uma criança. Os olhos piedosos de Renne que caíam sobre mim e um sorriso que se abriu.


A maior benção que já recebi na vida foi a vinda de Nessie. Me sentia infinitamente feliz por ver que estava criando da forma certa aquele pequeno anjo.


– Poxa, Bella, fiquei com tanto medo. Edward disse que o médico não deixava a gente te ver e depois disso você estava dormindo. Tive vontade de te sacudir e dizer que estava atrasada para qualquer coisa só para se levantar. Senti falta desde que saiu de casa. Você nunca mais foi me ver.


– Quis muito, meu amor. Mas não pude. Você me perdoa? - se afastou para que eu pudesse ver seu sorriso.

– Claro, né bobinha?!

– Eu te amo, Nessie.

– Também te amo, Bells.


Voltamos a nos abraçar. Me contou o que aconteceu com ela todo esse tempo que fiquei longe de casa, comentou que tinha ido passear com um amigo meu, Emmett ficou tenso nessa hora, mas notei que para Nessie era como se tivesse mesmo sido só um passeio. Agradeci a Deus por Jacob não tê-la feito mal, e ela não se lembrar de nada que a pudesse trazer medo.


Nessie também falou de detalhe por detalhe na perspectiva dela de quando entrei no hospital até agora. Disse que Emmett me doara sangue, mas não falou de Charlie. Ele também a tinha pedido para não contar. Expliquei que estava bem, que logo sairia dali e ficaríamos juntas mais do que nunca. Ganhei um grande sorriso e um beijo em resposta.


Foi quando Emmett acariciou suas costas e disse que já era hora dela ir, pois ficaria tarde para fazer seus deveres.


Não queríamos nos separar, mas a ouvi prometer que voltaria amanhã, depois de amanhã e enquanto eu estive aqui. Era minha vez de prometer:


– E quando eu tiver alta, ficaremos nós duas pra sempre. Eu prometo, meu bebê. – a senti sorrir com o rosto encostado em meu colo.


Emmett a tirou da cama e levou para fora. Ele voltaria para conversarmos.


A última vez que dialoguei com meu irmão, estávamos em nosso apartamento, nossos pais brigavam na sala procurando por uma saída para minha gravidez indesejada e ele segurava minha mão trancado comigo em nosso quarto murmurando que tudo ficaria bem e daria certo no final. Mal havia deixado o quarto e eu já sentia o estranho vazio em meu estômago se embaralhar com os batimentos acelerados do meu coração e também as mãos suadas.


Os segundos se arrastaram até que a maçaneta girou para a direita, a pequena fresta se abriu e por ela o seu rosto quadrado surgiu. Nossos olhares se encontraram, por isso demorou mais a entrar e se pronunciar. Ainda de longe, quase acurralado na parede, perguntou se me sentia bem. Fiz um sinal de cabeça esperando que se aproximasse.


Observei a revista minuciosa que fez aos aparelhos ligados ao meu corpo, até que finalmente chegou ao meu lado.


– Ainda estou viva. – envergonhado escondeu as mãos nos bolsos do jeans – Só mais algumas cicatrizes.

– Foi o que repeti para mim mesmo enquanto estava dormindo. – desviei meu olhar para o teto - É ótimo ver seus olhos abertos. – inspirou profundamente – Sei que não sou a pessoa que quer ver agora, por isso tentarei ser breve. – quis chorar antes mesmo de ouvir qualquer palavra – Ainda que não faça nenhum sentido o que tenho para dizer e ainda que eu realmente não mereça ser perdoado, enquanto esteve se recuperando, Edward conversou algumas vezes comigo, me mostrando que o certo a fazer era lhe contar a verdade sobre como me senti todos esses anos. Olhando para trás, penso nas vezes que não a apoiei, a humilhei e menosprezei. Minhas ações eram tão discrepantes e desconexas. Eu não. Eu passei cinco anos tentando entender o meu lugar naquela casa, na vida de cada um de vocês, e parece que não achei até agora. Não lidei tão bem com as mudanças quanto você.


Seu tom insinuava, não por mal, que a transformação havia sido muito fácil para mim. Se eles soubessem a culpa que carrego desde aquela época.


– Eu costumava ser seu irmão mais velho, que poderia protegê-la de qualquer perigo, e que daria a vida para te ver feliz, mas, de uma hora para outra, você não era mais a menina que me seguia até a porta do colégio. Minha função era completamente dispensável. – sua risada parecia amarga e nervosa – E teve a Renne. – só então notei que Emmett estava chorando, mantendo a voz presa na garganta – Era impossível te ver da maneira de antes.

– Eu entendo. – o surpreendi – Não há como encarar a culpada pela morte da sua mãe todos os dias e deixá-la sem um castigo. Um mísero castigo que seja. – o encarei pela primeira vez – Se já acabou.

– Não, eu. – parecia confuso – Sei que não fiz forças para que você pensasse o contrário, mas a morte dela nunca foi e jamais será sua culpa, Isabella. Acidentes acontecem a todo instante. E se foi dessa forma que aconteceu, era porque assim deveria acontecer.

– Oh, vai dizer que nunca me odiou por tê-la levado até aquele lugar? É claro que é minha culpa.

– Não. – deu um passo a frente e mais nada – Estarei mentindo se disser que esse não foi meu primeiro pensamento quando voltou. Mas, depois de alguns dias, percebi o quanto estava sendo um perfeito idiota a incriminando por algo tão doloroso. Como poderíamos adivinhar que o carro perderia o freio? Ninguém poderia ter feito nada, nem mesmo você tão próxima. – o castanho de seus olhos parecia mais aberto hoje, mais sincero – A maneira como a tratei desde então não foi pelo que houve com a mamãe. Foi minha tentativa de pedir socorro, de ter sua atenção e de expulsar minhas frustrações. Estive frustrado por não ter mais nossa família como era antes, por participar da mentira que é a vida de Nessie, por nunca mais encontrar aquela Bella pré-adolescente skatista irritante, mas frustrado, principalmente, por não ser forte o suficiente para vocês. Nunca entendi de onde tirou tanta energia para cuidar da sua filha, de Charlie e eu, e ainda trabalhar, estudar e não abandonar o skate. Eu nunca entendi de onde tirou a vontade para levantar da cama no dia seguinte e repetir de novo e de novo a mesma rotina massacrante.


Parou um instante secando nossos rostos. Ao me tocar, enxugando aquela lágrima, mais um misto de todos os momentos que citou me inundaram impedindo que eu sentisse o carinho sutil em minha bochecha.


– Por não saber conviver com meus problemas, a afastei. Só quando vi sua filha com Edward esperando por notícias suas é que entendi o quanto você é fundamental para a vida de todos nós. Jamais desejei tanto voltar no tempo. Teria feito muitas coisas diferentes. – notei que estava tentado a tocar minha mão, uma pequena parte de mim quis que ele o fizesse, a outra estava completamente hipnotizada pelo que ainda estava se preparando para dizer – O que eu estou tentando dizer é que estou arrependido por tudo, estou te pedindo perdão e gostaria que você o aceitasse de coração, mas se não der eu vou entender. Mais do que ninguém eu vou te entender, Bella.


Limpou os olhos com as costas da mão e esperou por uma resposta enquanto mirava o chão.


Perdão. Era só isso? – doeu tanto praguejar quanto ouvir – Peça que Edward entre assim que você sair. – foram as únicas palavras que se soltaram da minha língua.


Seus dedos tocaram as costas da minha mão de leve, Emmett se preparava para sair da sala, eu podia sentir, mas então me lembrei de algo que aconteceu com nós dois quando éramos pequenos.


James e ele eram melhores amigos. Quando comecei a andar de skate por influência de James, ganhei um olhar de admiração e incentivo de meu irmão que nunca na vida eu poderia esquecer. Nem que mil anos passassem, nada apagaria o quanto fiquei feliz naquele dia pelo sentimento que vi em seus olhos.


Outro sentimento que jamais esqueceria foi o que encontrei ao chegar em Nova Iorque com Nessie no colo. Aquele foi um dos momentos mais duros que já enfrentei e precisei aprender a conviver por todos esses anos. Era justamente por isso que era tão difícil perdoar. Não que não acreditasse em Emmett, na verdade meu coração estava acelerado porque eram as palavras que sempre quis ouvir, mas o orgulho ainda estava presente.


Respirei fundo e isso fez meu abdômen doer e repuxar, mas não demonstrei a dor. Assim que ele saísse cairia no sono. Por um segundo, revi o que prometi a mim mesma pouco tempo atrás. 'Dor' não seria mais a palavra que regeria minha vida, e manter rancor era uma das piores espécies de dor. Também prometi que não mais carregaria peso nas minhas costas, assim como era essa história.


Se eu estava viva, se ganhara essa segunda chance, parte disso devia ao fato de meu irmão ter doado seu sangue para mim. Derramei mais algumas lágrimas ao sentir que deveria repetir o gesto. Dar uma segunda chance também para ele e perdoá-lo.


– Emmett. - consegui chamar.


Ele, que já estava na porta, se virou e me encarou com surpresa.


– O que houve?

– Você vem me ver amanhã? - enrugou o cenho e demorou longos segundos até entender.

– Se quiser.

– Traga o papai. - tomei minha decisão - E minha filha, óbvio. - ele abriu um grande sorriso e retribuí de forma tímida.

– Nos vemos amanhã.

– Claro, não seja tapado. - deu uma risada linda.

– Eu te amo, Bella.




[...]


Aos poucos a consciência tomou conta do meu corpo. Meus olhos permaneciam fechados, mas podia sentir a fraca ardência no ponto da agulha intravenosa que me dava os remédios e o alimento. O frio do pequeno quarto abraçou meus braços, meu rosto e até minhas pernas que estavam cobertas. Alguns músculos pareciam doloridos pela falta de exercício. Meu maior desejo era levantar dessa cama, mesmo só estando em cima alguns dias na minha perspectiva, mas já fizera semanas. Agradeci por estar sem dor no abdômen, a cirurgia ainda podia ser sentida, mas devem ter aumentado a dose do meu remédio.


Continuei bem quietinha, o mais parada possível, apenas reconhecendo com todos os meus sentidos o o que acontecia a minha volta. Alguns minutos depois, me surpreendi com um calor delicioso e extremamente confortável que tocou meus dedos da mão, se infiltrou por minha pele e acertou meu osso em cheio. Teria sorrido se não estivesse tão cansada até para abrir os olhos. Então, em seguida, outra sensação perfeita me deixou inebriada. O toque macio de lábios contra minha bochecha. Não havia explicações compreensíveis para o fato de minha pele ser tão sensível ao toque de Edward. Eu consigui identificá-lo mesmo que quase inconsciente. Riria nesse momento se tivesse forças para me mover.


Sua boca continuou se movendo por uma trilha indiscreta até meu ouvido.


– Voltei, amor. Já estou aqui.


Meu peito se encheu de felicidade e esperança. Quando estava com ele, tudo estava bem, não havia problemas grandes o bastante para nos impedir de aproveitar um ao outro. Meus segredos e erros do passado não nos atrapalharam. As malditas peças que o destino nos pregou também não o fizeram. Depois do medo que senti aquela noite entorpecida em algum lugar nas docas no esconderijo de Jacob me fez ver o quanto não podia mais viver sem Edward. E o medo que ele também sentiu prestes a me perder o fez me perdoar por tudo que fiz e finalmente entender que a falta das palavras que acontecia comigo não significava que não o amava, mas só que tinha medo que o mundo soubesse e então quisesse tirá-lo de mim.


Sinceramente, não sei de onde tirei forças o suficiente para abrir os olhos. A forte luz branca me fez fechá-los em seguida, pois fazia doer minha retina, mas ele apertou mais seus dedos entre os meus e consegui virar um pouco o rosto para fugir daquela sensação. Encontrei seu rosto, apoiado em sua mão, como se esperasse com deboche alguma coisa.


– Que cara. - sussurrei o assistindo abrir o mais lindo sorriso.

– Claro, pensei que não acordaria para me ver. Quanta preguiça.

– Não é. Preguiça. - soltei um longo suspiro - Estou cansada.


Seus dedos pressionaram de leve meu queixo, Edward aproximou seu rosto do meu e colamos nossos lábios, um leve contato que me fez querer mais do que nunca sair imediatamente dessa cama e abraçá-lo. Seu hálito quente invadiu minha boca entreaberta, tentei precipitar meu rosto um pouco em busca de mais, só que ele se afastou e riu.


– Olha, estava quase acreditando em você, mas depois dessa fica meio impossível, espertinha. - revirei os olhos - Adoro te ver ruborizada. - encostou o nariz na maçã do meu rosto.

– Estou?

– Sim. Tenho que agradecer a Deus por deixar ver isso acontecer de novo. - sussurrou tão baixo que me perguntei se tinha mesmo o dito.

– Eu te amo, Edward. Muito mesmo. - seu sorriso me fez sorrir também.


Ele acertou meu nariz com um selinho e levantou seu tronco ainda ficando sentado na beirada da maca.


– Tenho uma pergunta.

– Diz.

– Acha que está cansada demais?

– Depende. Vai me dar um beijo de verdade? Talvez eu faça uma forcinha.

– Hum. Então faremos assim, te prometo o beijo da sua vida se ficar bem disposta agora para receber uma pessoa.

– Pessoa? - enruguei o cenho.

– Emmett conseguiu convencer seu pai a vir como pediu. Ele estava muito nervoso até agora pouco, eu confessei que te contei sobre a transfusão.

– E o que ele disse? - interrompi.

– Acho que seu pai ainda está um pouco apreensivo, nervoso, eu disse que você estava preparada para conversar e talvez esteja imaginando que não é algo bom.


Tentei dizer algo, mas som nenhum saía de minha boca. Edward notou meu nervosismo e tocou meu rosto.


– Posso pedir que não entre agora.

– Vai achar que não quero. Falar com ele.

– É claro que não, meu amor. Explico que está nervosa, que precisa descansar.

– Edward. - se aproximou para ouvir - Estou nessa maldita cama faz dias, já estou de saco cheio de descansar. - ele soltou uma risada completamente harmoniosa e encantadora.

– Minha Isabella como sempre um poço de paciência. - tentei rir - E também de beleza. - acariciou meu lábio inferior.


Olhei bem fundo em suas esmeraldas. Ele parecia apreensivo quanto a minha reação ao ver meu pai, também com meu estado hoje, por isso tentei transmitir tranquilidade quando o puxei um pouco para baixo e colei nossos lábios. Sua mão escorregou pelo meu pescoço, envolveu minha nuca me puxando um pouco mais para e ele pôde assim aprofundar o beijo da maneira que quis mais cedo. Nossas bocas se moviam sem pressa como se uma reconhecesse a outra depois de tanto tempo. Sua língua me acompanhou, sem brigar por espaço, apenas adormecendo meu desejo e incitando meu amor. Sua outra mão acariciou meu pescoço, e por causa daquele maldito arrepio, acabei soltando o ar com pressa e me afastando. Nós dois sorríamos com as testas coladas, eu queria repetir o momento, mas não tive forças nem para falar.


Depois de muito tempo consegui resgatar um pouco de ar e abrir novamente os olhos.


– Viu? Eu fiz uma forcinha. - murmurei.


Sua risada encheu o quarto e logo fomos interrompidos por uma enfermeira. Ele se sentou melhor, deixando que ela anotasse em sua prancheta tudo aquilo que as máquinas ao meu lado indicavam. Brincamos com os dedos um do outro enquanto ela estava lá, mas não durou muito tempo. A porta voltou a ser fechada, e o colchão afundou ao meu lado.


– Então, mocinha, o que devo fazer? - suspirei pesadamente.

– Chame Charlie. Longa conversa.

– É o que imaginei.

– E em seguida, vem Nessie. - ele arregalou um pouco os olhos, mas sorriu.

– Não acha que deveria esperar mais um tempo? Se recuperar um pouco mais, talvez um dia que não esteja tão cansada.

– Vai ser melhor assim. Confie em mim.

– Eu confio. - sussurrou - Vou chamá-lo.

– Posso te pedir uma coisa? - assentiu pacientemente - Fique por perto.

– Não se preocupe. Se quiser, pode me chamar. - ganhei um beijo carinhoso nos lábios e depois um na testa.


Edward se levantou e saiu. Tive total consciência que meu corpo não se movia um centímetro sequer, ainda assim parecia sofrer fortes abalos e tremores que começaram a me irritar. O silêncio estava insuportável, despejava um peso imenso sobre meu peito e prolongava a angústia.


Então, o baixo clique soou, abri os olhos e virei o rosto na direção do som. Charlie entrou bem devagar e receoso. Vestia o velho e grande casaco da polícia de Nova Iorque com aquele maldito símbolo da corporação na altura do peito. Nossos olhos se encontraram, ele tentou evitar o contato, mas o segurei firme. Foram tantos anos de mágoa, tantas tristezas e raivas guardadas e quando olhei, ali bem fundo, nos seus olhos só consegui ver meu pai.


Aquele homem que costumava entrar no meu quarto e no de Emmett para nos dar um beijo de boa noite, mesmo se chegasse tarde demais do departamento. O mesmo homem que gostava de dar um beijo roubado na minha mãe pela manhã enquanto ela fazia o café para todos. Era tão bom vê-lo que não pude reter a lágrima que escapou escorrendo pela minha bochecha até atingir o lençol.


Ele notou e parou perto da cama me encarando assustado. Sabia como sua mente devia estar confusa e queria acabar logo com a tortura para nós dois, mas não me restava fôlego algum. A lágrima solitária havia se tornado um incontrolável lamentar. Ele enrugou o cenho confuso, eu solucei e isso causou uma pontada aguda na minha barriga.


Arqueei um pouco o tronco e gemi. Charlie correu para segurar meu braço.


– Filha, você está bem? - perguntou preocupado envolvendo minha mão com a sua.

– Não. Eu. - fechei os olhos engolindo a dor.

– Vou chamar o médico.

– Não. Eu estou bem. Fique Charlie. Fique aqui.

– Está bem. - seus lábios tremiam quando falou.


Demorei bastante tempo para me acalmar, me recuperar da pontada e ainda do choque. A mão dele continuou pousada em meu braço o que fez me acostumar aos poucos com aquilo até que meu coração palpitou mais devagar. Quando me senti com forças e confiança o suficiente para voltar ao assunto, abri os olhos e o encontrei os seus úmidos.


– Charlie? - a última vez que o vi chorar foi no enterro de minha mãe.

– Me desculpe. Não queria te deixar nervosa. Não quero afetar alguma coisa - olhou para os aparelhos - Ou, sei lá, só por mim. Não chore. Só vim porque Emmett disse que você precisava mesmo falar urgentemente comigo, que queria-

– Charlie. - chamei de novo.

– Sim? - levantou o rosto assustado.

– Fica quieto. Não precisa se desculpar. Eu estou bem. Só fiquei nervosa porque é muito difícil o que tenho para lhe dizer. Difícil e importante. É sobre Rennesme.

– Eu sei. - encarou o lençol e disparou seus pensamentos - Edward já me disse que faz tempo e você pensa em levar sua filha para ficar com você. Não deixei que ele contasse a ela enquanto você estava desacordada, mas sei que agora será inevitável. E prometo ajudar minha neta a assimilar a idéia. Sei que ela ficará muito confusa, mas tenho certeza que sua filha será sua, afinal ela sempre foi. E, se o seu trabalho com o skate não estiver dando certo, eu prometo que te ajudarei a cuidar dela. Nunca mais interfiro na vida de vocês duas, mas ao menos uma ajuda.


– Que ótimo. - sussurrei tentando não ser fria, mas não pareceu.


Ele me olhou pela primeira vez e retorceu os lábios segurando mais algumas palavras. Sua mão saiu devagar da minha, senti que ele estava se afastando com medo, então não esperei mais.


Pai, muito obrigado.


Charlie levantou o rosto confuso, me encarando com os olhos arregalados. Seus pés e mãos congelaram onde estavam e acho que sequer respirou depois que entendeu o que eu havia feito. Meus lábios tremiam de nervosismo, por isso os apertei por um segundo sentindo as leves rachaduras de frio. Queria muito que me abraçasse agora e dissesse que me entendia e ficaria ao meu lado, mas ele abaixou o rosto com uma careta de confusão e negou insistentemente com a cabeça.


– Quando Edward disse que te contou sobre a transfusão, pensei que ele tivesse deixado bem claro o porquê tentei me afastar. Era exatamente isso que estava evitando.

– O que?

– Isabella. - sua voz estava entrecortada, presa num nó - Em anos, essa foi minha primeira atitude digna de pai. Não queria que pensasse na doação como um favor. Ajudá-la não foi um peso. Poderíamos ter evitado essa visita, esse mal-estar que teve se era isso que queria dizer.

– Não, pai. - tentei de novo, mas seus pensamentos tão confusos me atropelaram.

– Vou sair e deixar que seu irmão entre com Nessie. Eu estarei lá fora esperando caso ela se sinta muito estranha com a novidade que vai receber. - ele deu um passo para trás e soltou minha mão.

Não.


Consegui resgatar todo o resto de força que tinha, o alcancei e agarrei seu braço. Me mexer tão rápido causava dor em mim, qualquer que fosse a parte do corpo, por isso precisei de um segundo mais com os olhos fechados engolindo um gemido.


– Não vá ainda. - murmurei.


Ele olhava para minhas unhas cravadas em sua pele, então afrouxei um pouco o aperto.


– Não te chamei aqui. Para que saia. Correndo na primeira oportunidade. Nós dois corremos muito nesses últimos anos. Vamos parar agora, tudo bem? Não quero agradecer pela transfusão. Estou falando de muito antes de tudo isso acontecer. Desses últimos cinco anos que vivemos como estranhos um para o outro. Estou agradecendo pelo tudo que fez por mim.

– Fiz por você?

– Sim.

– Como assim?


– Não posso mentir agora, eu guardo muito rancor de você, mas também me sinto grata pelo esforço que fez para me proteger, para manter as coisas como estavam, para tentar ser melhor e só agora consigo enxergá-lo. Você me abrigou quando voltei da casa da Tia Clarice. Poderia ter me feito procurar o pai da Nessie e me mandado assumir responsabilidades que eram só minhas, mas em respeito a memória da minha mãe cuidou de nós duas. Da sua maneira, mas cuidou. Você amou minha filha, deu a ela uma família e o melhor que estava ao seu alcance. Sei o quanto foi difícil encarar a ela e a mim e lembrar que de certa maneira fomos o motivo pela morte da mamãe. Foi uma sequencia inevitável. Eu assumi mais responsabilidade do que uma adolescente poderia suportar para tentar aliviar seu peso e ao mesmo tempo para me desculpar pela morte de Renne. Você me tratava daquela maneira. Charlie, no fundo te entendia e até concordava. Aceitei aquela situação, pois queria receber e me dar uma punição pela culpa que assumi. Uma culpa que não era minha, nem da Nessie, nem de ninguém.


Charlie se debruçou no colchão, escondendo as lágrimas em meu braço. Estava preocupada com nós dois, mas continuei.


– Cinco anos gastos com muitas palavras, nenhuma conversa e os dois saiam perdendo no final. Eu, sinceramente, não posso dizer que gostaria de voltar no tempo e consertar o que passou, seria muita mentira. Meus erros e acertos me fizeram ser quem sou hoje e sou feliz por isso. Aprendi que não preciso me sentir uma traidora só por querer o melhor para minha vida, que só eu poderia me livrar daquele peso e me dar o perdão. Só eu posso me fazer feliz, não concordar pai? Não era isso que a mamãe ia querer se estivesse conosco? - ele chorou ainda mais, por isso levei minha outra mão até seus cabelos que tanto se pareciam com os meus e os baguncei - As desculpas que devo ao senhor é por não ter percebido isso antes. Afinal, foi Edward que me mostrou.


O senti sorrir ainda escondendo o rosto e apertei mais seus dedos trêmulos nos meus.


– Então, pai, implorei que viesse aqui porque preciso muito que o senhor faça o mesmo. Quero que o senhor se perdoe por tudo que já aconteceu porque são problemas enterrados no passado, não existem mais em mim e não devem mais existir em você. - precisei de um segundo porque senti que um soluço se aproximava, então parei para me acalmar.


Meu remexer inquieto fez com que Charlie levantasse o rosto salpicado de pequenas manchas vermelhas. Ele me observou com preocupação, e engolindo o choro, consegui sorrir o acalmando em relação a minha saúde. Eu estava melhor agora do que já estivera em toda minha vida. Trouxe sua mão um pouco para cima e abaixei meu rosto até que ela tocasse minha bochecha que em comparação a ele parecia tão fria.


– Será que se lembra da última vez que te chamei de pai porque realmente estava sentindo isso? - assentindo se debruçou mais e respondeu num sussurro.

– Sim. Um pai lembra dessas coisas mesmo milhares de anos depois. - sorri extasiada com o brilho em seus olhos.


Ele poderia voltar a ser o mesmo de antes só por culpa, estar dizendo aquilo só para não afetar minha saúde, ou então prometer e se arrepender mais tarde. Mas olhares não mentem e eu sabia que tinha minha família de volta agora.


– Então, vai fazer esse último favor por mim? Vai se perdoar e esquecer como eu fiz?

– É claro que sim. Eu faria tudo por você, de novo e de novo. Minha filha.


Tomando cuidado com aqueles fios ainda ligados a mim para o monitoramento, Charlie me abraçou, encaixando o rosto no meu ombro e deixando espaço para que eu retribuísse. Aquele abraço, não era somente o selo do que prometemos. Era tudo. Era mais do que qualquer palavra pode descrever. Eu me lembraria dele pelo resto da minha vida.


– Meu pai costumava se sentir embaraçado com demonstrações de carinho.


Ele levantou o rosto corado e deu de ombros.


– E como antigamente, minha Bella gosta muito de me deixar vermelho.

– Eu te amo, pai. Eu senti tanta falta de dizer isso.

– Ah, filha, também te amo. E eu dizia todos os dias quando te via segurar minha neta. - prendeu uma mecha minha de cabelo atrás da orelha, sorriu e depois começou a secar minhas lágrimas com a manga de seu casaco - No seu aniversário de cinco anos, algo que desejou na hora do parabéns fez com o que sua mãe dissesse algo para mim que nunca mais vou esquecer.

– O que?

– Que por trás daquela garotinha, havia muito mais do que os nossos olhos podiam ver. Ela repetiria isso agora se estivesse aqui.

– E o que eu pedi? - perguntei com dificuldade.

– Não importa as palavras que usou. - ele deu de ombros - Seu pedido foi realizado.


Nos abraçamos mais uma vez por um longo tempo. Antes de se levantar, Charlie deu um beijo na minha testa que me fez rir com o arrepiar provocado pelo bigode. A alegria era palpável. Ele segurou minha mão com firmeza e acariciando os meus cabelos recomeçou:


– Hoje é um dia importante. Eu voltei a ser pai e você será mãe. Sei que está nervosa, mas antes de qualquer coisa preciso lhe dizer que Nessie é uma menina forte, inteligente, compreensiva e não se sinta insegura em dizer a verdade. Ela te ama mais que tudo e apesar da pouca idade sabe que foi você que sempre cuidou dela e a amou desde bebê. Quando saiu de casa, por causa do contrato com os patrocinadores, ela me disse que sabia que você voltaria para ficar conosco porque você nunca quebrava as suas promessas. E é verdade. Diga a ela sobre seu pai se perguntar e o resto nós veremos depois com James.

– Ele já sabe. - meu pai arregalou um pouco os olhos, mas depois ponderou a informação.

– É ainda melhor assim.


– Fique comigo enquanto eu estiver contando?

– Não vou mais sair do seu lado. Não se preocupe. - beijou minha testa e aquela onda de segurança me invadiu.

– Obrigada.

– Não precisa agradecer. Como pretende contar?

– Na verdade, não sei. Acho que a melhor opção é deixar meu coração falar, mas ainda é difícil permitir. O senhor acha que Nessie ainda é muito imatura para receber essa notícia?

– Não, Bella. Quanto mais se espera, mais difícil fica. - assenti, respirei fundo e olhei para o teto - Quer que eu peça para que Edward entre e fique conosco?

– Não, ele deve estar muito cansado. - apertei a mão de Charlie e suspirei - Pode chamá-la, pai.


Me avaliou ainda por alguns minutos antes de se afastar devagar da maca e sair do quarto. Fechei os olhos tentando não pensar em nada, mas não funcionou, então tentei imaginar o sorriso da minha filha, suas pequenas mãos envolvendo meu rosto, e sua voz doce. Isso sempre me acalmava. O clique da porta me tirou daquele transe, mas era uma enfermeira que se aproximou da cama e sorriu.


– Sente-se bem?

– Sim, obrigada. - olhou para uma das máquinas ao meu lado e fez uma careta - Não parece. Seu coração.

– Eu precisava. - a cortei - Sei que é seu trabalho, mas não precisa se preocupar. É de felicidade e só estará me fazendo bem. - sorriu e assentiu.

– Eu entendo, criança. Se precisar de qualquer coisa, pode pedir para me chamarem.

– Obrigada.

– Não há de quê. - quando abriu a porta, Charlie apareceu com Nessie em seu colo.


Ela espiou apreensiva para dentro do quarto e ao me ver retribuiu meu sorriso enchendo assim suas bochechas de covinhas.


– Bella. - exclamou contente enquanto meu pai fechava a porta.


Ele deu a volta, tirou a neta de seu colo e a pôs sentada no lado da cama contrário ao da minha cirurgia. Apressada, se debruçou e me abraçou esticando bem os braços. Aquele carinho aquece meu corpo mais do que todos os outros. Uma ligação mãe e filha era algo que jamais poderia ser explicado.


– Senti sua falta, Bells. Você está bem?

– Sim, meu amor. - minha garganta se fechou apreendendo minha voz e ela notou.

– O papai saiu do quarto com cara de choro e você com essa voz. Até me preocupa, sabia?

– Menininhas tão lindas não deveriam se preocupar por tão pouco. - deu de ombros.

– O Edward disse que vai me levar pra passear amanhã. Que vai me buscar na escola e comprar meus cup cakes favoritos. Se o doutor deixar, trago um para você. - eu e meu pai rimos e ela corou na sua inocência achando que tinha dito algo de errado, mas em seguida sorriu também - Falei mais besteira?

– Não, meu amor. Como foi a escola hoje?

– Boa. Uma amiga minha perguntou quando minha irmã ia levar o skate de novo para a porta da escola. Então, como a gente resolve esse problema? - cruzou os braços e fez bico.


Levei uma mão a boca, segurando uma possível gargalhada, e inspirei fundo.


– Garota, onde está aprendendo essas coisas?

Com você.– meu pai respondeu baixo e Nessie riu.

– Então é justo. Em breve. Muito, muito em breve. Mas há uma coisa, uma coisinha que me faria melhorar mais rápido.

– Um beijo? Ah, essa eu já conheço.

– Sim, um beijo também é um ótimo remédio, mas eu estava falando de outra coisa. - enrugou o cenho e se aproximou.


– Do quê, Bells?

– Deite-se aqui comigo, meu amor. - com ajuda de Charlie para que não esbarrasse em nenhum fio, ela se deitou com a cabeça repousando em meu ombro e seu bracinho em volta do meu pescoço.

– É isso que vai fazer você melhorar?

– Parte disso. Sabe, Nessie, tem algo que quero dizer faz algum tempo e queria muito que fosse hoje. É o motivo pelo qual o papai estava com aquela cara quando saiu do quarto e o motivo por estar aqui agora.

– É alguma coisa séria?

– Sim, mas não precisa ficar preocupada. É uma novidade, uma coisa que escondi de você, mas foi para o seu bem. Mas agora você é uma mocinha. - prendi seus cachos atrás da orelha - E como uma, já é capaz de entender o que tenho para te contar.

– Sou mesmo?

– Sim, meu amor, é.

– Você disse que mentiu para mim, Bells? Foi isso?


– Em parte sim, mas não gostaria que pensasse assim. Se lembra quando saí de casa aquela vez e conversei com você antes pedindo que não ouvisse nada que outras pessoas falassem sobre mim e prometi que voltaria para te buscar?

– Sim.

– Bem, fiz esse pedido porque tinha receio de você não estar ainda preparada para ouvir o que tenho para te dizer, queria que fosse eu a contar a verdade porque confiamos uma na outra. Você confia, não é mesmo?

– Sim, confio muito. - me apertou mais forte e sorri dessa forma.

– Se lembra daquelas histórias de contos de fadas que ouvia de mim antes de dormir?

– Lembro.

– Então, há mais uma, que vai ouvir agora. Mas essa não é de mentirinha. É sobre uma garota comum que gostaria de ser uma princesa, encontra alguém muito parecido com um príncipe e acha que vai passar o resto da vida ao lado dele e por isso tem uma filhinha.

– Uma filha? - perguntou interessada levantando o rosto.

– Sim, mas como era muito jovem, sua mãe decide por todos que tomará conta desse bebezinho, da sua neta, como se fosse sua própria filha.

– E a menina deixou?


– Sim, ela estava com medo. Muito medo. E não havia nenhuma outra escolha que pudesse seguir. Por confiar tanto na mãe, essa menina deixou a princesinha dela com a avó e aceitou a idéia que de alguma forma continuaria ao seu lado só que de longe, como se fosse sua irmã.

– E o que aconteceu depois?

– Um acidente. A mãe da menina morreu e não pode cumprir a promessa de cuidar das duas.

– Morreu, mas-

– Foram as mesmas palavras que todos disseram. A menina estava perdida de novo. A pessoa que mais amava havia partido, a deixando sozinha. Então, ela voltou para casa e encontrou seu pai que só tinha como escolha ajudá-la e cuidar da neta seguindo o plano da esposa.

– E depois?

– Depois, bem, os anos passaram. Aquele bebezinho cresceu, a menina, sua mãe, aprendeu de uma maneira difícil a cuidar dela, mas cuidou. Mas havia um problema: a princesinha achava que ela era sua irmã e não sua mãe. Eles mantiveram o segredo.

– E a menina, o que fez?

– Viu que não poderia continuar mentindo para a maior razão de sua vida que era aquela garotinha de cabelos cacheados, olhos castanhos e sorriso encantador. Ela ficou muito perto de morrer num outro acidente e quando voltou tomou a decisão que contaria para a princesinha que era sua mãe, que se sentia mal por não ter dito antes, mas que tinha medo do que poderia acontecer se o fizesse. Disse que amava a filha e que, se ela permitisse, adoraria ser sua mãe de verdade.


– Qual foi a resposta dela? - uma lágrima precipitou pelo seu cílio.


Acariciei sua bochecha com o dedão até alcançar a gota e a sequei. Charlie apoiou a mão em suas costas, lembrando que estava ali com ela.


– Ainda estão esperando. - abaixou o rosto e afrouxou um pouco seu aperto em mim o que me deixou mais ansiosa.

– O que você quer dizer com isso, Bella? Você-

– Quero dizer que te amo mais que tudo.

– A história não é de mentirinha e você está... Você é a?

Sou sua mãe.


Seus olhinhos caíram para o colchão, enrugou o cenho em confusão e se afastou um pouco. Meu pai esfregou a nuca de tão ansioso, mas apesar do frio na barriga algo me dizia que ela estava só questionando outros pontos da história e não me rejeitando ou a notícia.


– Então, mamãe Renne-

– Ela sempre será sua mãe também, afinal arriscou muita coisa para cuidar de você e te amou desde o primeiro instante que colocou os olhos nesse rostinho. - a puxei um pouco mais para perto - Mas quem te carregou aqui. - coloquei nossas mãos sobre minha barriga. - Fui eu.

– Mas o meu papai é o Charlie? - olhou para trás, para o avô que sorria a encorajando e depois me encarou.

– Não, Charlie é seu avô. Emmett seu tio. E Renne sua avó. - medo brilhou em seus olhos - Se acalme, meu bebê. As coisas estão diferentes, mas todos nós amamos você da mesma maneira que sempre fizemos.

– E meu pai, quem é?

– O James.

Ele é meu pai?

– Sim. E ele quer muito poder ser.


Nessie esfregou os olhos molhados de lágrimas com as costas das mãos, em seguida agarrou minha camisola do hospital com um pouco de força e ficou em silêncio. Eu sabia que era confuso demais para uma menininha de só cinco anos e havia também aquela vontade materna insistente de querer tirar todo e qualquer sentimento ruim que estivesse atormentando seu coraçãozinho, mas esperei.


– Tinha medo de quê? - fiz um sinal com a cabeça para Charlie para que me perdoasse pelo que ia dizer.

– Seu avô e eu tínhamos muitas discordâncias, brigas e rancor guardados. Tive medo de falar e te perder para ele, para qualquer outro, para o mundo.

– Dizer que papai. - coçou a cabeça - Queria me afastar de você?

– Sim, Nessie.

– Ele não faria isso.

– Eu não sabia. Não antes de hoje.

– Mas então-

– Também tive medo de que não aceitasse, me rejeitasse. São tantos os motivos. Coisas que só daqui muitos anos poderá entender, meu amor. Explicações que só vem com o tempo. Poderia gastar horas aqui conversando com você, mas continuaria sem entender nada do que precisei fazer. Então, não pense nisso agora, só precisa saber que o que fiz foi por amor. O que fiz foi para te proteger.


Uma nesga de sorriso brotou no canto de seus lábios, enchendo-me de alegria. Apesar de tão nova, Nessie sempre me surpreendeu com sua maturidade, sensibilidade e amor. Uma voz dentro de mim gritou a verdade, afinal se nunca ninguém tivesse dito a ela que sua mãe era outra eu sempre teria esse posto, e ela sentia aquilo. Não havia o que temer com minha própria filha, a única que por muito tempo foi a única a me aceitar, me dar carinho quando eu precisava e me entender.


Sua mãozinha envolveu meu rosto e com a voz um pouco trêmula disse:


– Eu também te amo, Bells. Mas tô confusa. Minha cabeça tá doendo.

– Eu sei.

– Promete que vai passar?

– Prometo, meu anjo. Eu prometo. Nunca mais vou mentir para você e nem sequer esconder qualquer coisa. A partir de hoje, será diferente e será melhor.

– Melhor porque você vai ser minha mãe? Por isso?

– Acho que sim.

– E eu acho que você sempre foi. - comecei a chorar mais forte.


Nos abraçamos. E de olhos fechados lembrei-me de alguns meses atrás, a última vez que senti aquela emoção.


Flash back on


– Cala a boca Emmett. A Bella merece.

– Rennesme, não fala assim com o Emmett. Ele é seu irmão e é mais velho.


Veio até mim, se sentando em meu colo.


– Não gosto quando ele fala mal de você. É um bobo e não vê que você é a melhor mãe do mundo.

– Você me chamou de que?

– De mamãe. – disse abaixando o olhar. – Desculpa, mas eu te vejo como a mamãe, sabe?

– Eu te amo.


Flash back off


Nós duas choramos por um tempo interminável, mas eram lágrimas de felicidade. Mas a conversa não acabou por aí. Ela tinha perguntas, algumas que poderiam ser respondidas, outras que decidimos deixar para mais tarde. Houve um momento muito importante da nossa noite que foi a conversa que Charlie teve com a neta de como seriam as coisas daqui para frente. Disse que nós duas voltaríamos a morar com ele, mas que no futuro quando eu tivesse condições de morar sozinha, Nessie iria comigo.


Nem sei se esse momento algum dia chegará. Agora que fiz as pazes com meu pai e meu irmão queria tanto voltar a minha família que não sairia de lá tão cedo, mas eram planos para o futuro, os quais Nessie gostou apesar do susto. Charlie também perguntou naquela noite se ela gostaria de ver James e sua resposta foi um não firme. Uma coisa era trocar os papéis em sua cabecinha, outra era tentar forçá-la uma convivência que nunca teve. Nós entendemos e, sem que percebesse, trocamos um olhar afirmando que seria só no futuro.


Eles ficaram mais tempo que o hospital permitia, mas quando foram embora ainda assim não pareceu suficiente.


Mas amanhã voltariam. Todos eles. Minha família e o homem que eu amava. Voltariam amanhã, e depois de amanhã, e para sempre. Pois agora tudo estava certo. Tudo estava em seu lugar.


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