Por Você Vale a Pena Viver: Novamente! escrita por Automatic


Capítulo 3
Parte III


Notas iniciais do capítulo



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/118103/chapter/3


Acordei com a pouca luz que adentrava meu quarto, pela pequena janela entreaberta.

Esfreguei os olhos com as duas mãos. Sentei-me na cama, analisando cuidadosamente cada desenho de Dimmy pregado em minha parede. Em que parte da noite eu comecei a sonhar? Em que parte da noite, Dimmy pareceu tão real em meu sonho, como se estivesse ao meu lado?

Mais e mais perguntas me rondavam a mente, deixando-me totalmente desnorteado. No entanto, aquilo foi o mais perto dele que cheguei em meu sonho. Ri de mim mesmo. Eu era patético. No fundo, não queria superar sua morte. Aurora tinha razão. Se eu não quiser, ninguém vai conseguir me salvar.

Mas quem disse que eu quero ser salvo?

– Foi exatamente por isso que voltei. Para tirar-lhe este pensamento da cabeça. - A voz soou calma ao meu lado, como se lesse meus pensamentos.

Virei a cabeça devagar, buscando os olhos da pessoa ao meu lado. E lá estava ele. O mesmo da noite passada...

– AHHHHHHHHHH! - Tamanho foi o susto quando me dei conta, que na tentativa de levantar eu me estabaquei no chão, como um saco de batatas, fazendo um barulho choco quando bati contra o encerado de madeira. - Ai! - Reclamei, espalmando as mãos no chão e tentando levantar.

Ele se abaixou ao meu lado, sentando nos calcanhares e com os braços apoiados nos joelhos. Encarou minha cabeça baixa por algum tempo. Levantei-me, sentando no chão.

Ele não tirava os orbes castanhos de sobre mim.

Eu tinha medo de encará-lo. Medo de olhar para ele e ter mais um pequeno fio de esperança, que depois me seria arrancado da maneira mais dolorosa.

Uma de suas mãos tocaram minha orelha, me fazendo perceber que ele ajeitava meus cabelos atrás da mesma. Então, - juntando coragem sabe Deus de onde -, eu o encarei.

Nossos olhares se cruzaram e, Deus! Como eu queria congelar minha vida nesse momento!

Um sorriso se formou em seus lábios, a medida que as lágrimas abandonavam meus olhos mecanicamente, sem o mínimo esforço. O silêncio de ambos era reconfortante.

Por quantos dias, tantos meses - que para mim pareceram séculos -, eu desejei esse carinho, essa aproximação. Quanto tempo eu desejei apenas um mínimo sinal de que ele não havia me abandonado?! E agora, ele estava ali. Sentado a minha frente. Acariciando meus cabelos.

Apenas fechei meus olhos cansados para sentir seu toque. Depois de sua morte, eu me dei conta de que nada era pra sempre. Abri calmamente meus orbes, olhando fundo nos seus.

– Você terá que voltar, não é? - Meus olhos ainda ardiam devido a grande quantidade de lágrimas.

Ele apenas sorriu de canto gentilmente, maneando um “sim” com a cabeça que fez meu coração doer. Comprimi os lábios pronto para voltar a chorar, quando dois de seus dedos, sobrepostos em meu queixo, me fizeram levantar o rosto para ele.

Ele sorria tristemente, demonstrando-me a pena que todos demonstravam.

– Não me olhe assim. - Desviei o rosto, livrando-me de seus dedos.

– Assim como? - A voz sempre gentil e paciente me fizeram olhá-lo.

– Com... – Não conseguia dizer a palavra.

Abaixei os olhos novamente.

– Pena... – Ele disse, dessa vez, sério. Porém com o mesmo tom calmo, me fazendo olhá-lo de imediato. - Foi o que eu e todos a sua volta sentimos de você por todo este tempo, Léo.

Suas palavras cravaram-se como espinhos em meu coração já ferido e me embrulharam o estômago.

– Até mesmo Sofia, que eu achei que não suportaria, lidou bem com minha morte. Enquanto você, que tanto me chamou a atenção com seu amor a vida a cima de tudo, desistiu da mesma por algo tão pequeno...

– NÃO FOI ALGO PEQUENO. - Gritei, mas ele não se surpreendeu. Foi como se já soubesse dessa reação. – No fim, você é como todos os outros. Você não é capaz de entender. Ninguém é. Ninguém sabe a dor que estou sentindo. Ninguém sabe em quantos pedaços meu coração foi divido quando você me deixou.

– Eu não o deixei. - A voz ainda era calma.

Eu andava em círculos em meu quarto, com as mãos em minha cabeça. Realmente devia estar pirando.

– PARA DE TENTAR AGIR COMO SE SEMPRE ESTIVESSE AO MEU LADO. SE EU NÃO PODEREI MAIS TER VOCÊ... Não me dê falsas esperanças. - Parei de frente para ele. Os olhares cruzados e minhas lágrimas caindo sem meu consentimento.

Ele deu um passo em minha direção, me fazendo encolher em meu próprio corpo.

– Mesmo que você não acredite... – Acariciou meu rosto. – Eu não o deixei em momento algum. - Suspirou. - Por que acha que você nunca conseguiu se matar, Léo? - Agora seus olhos transpassavam a mais pura tristeza e já havia lágrimas se formando nos mesmos.

Eu o encarei com os orbes arregalados em surpresa. Onde ele queria chegar?

– Você não é tão covarde quanto imagina, Leonardo. Você só não conseguiu seu objetivo... – Abaixou os olhos um tanto decepcionando, voltando para mim em seguida e recuperando o tom de voz. - Porque eu o impedi. - Novamente meus olhos se arregalaram e eu perdi a voz quase por completo.

– C-como...? - Foi tudo o que consegui dizer.

Ele se aproximou novamente, segurando meu rosto nas palmas das mãos e encarando meus olhos.

– Na noite em que você decidiu que era impossível para você continuar vivendo, eu estava neste quarto, ao seu lado. Você pegou uma faca e tentou cortar os pulsos. Quase não consegui segurar suas mãos naquele dia. No dia em que tentou jogar-se da cobertura do prédio da escola, eu o abracei fortemente para impedir que seu corpo caísse. E no dia em que, por fim, decidiu se matar com a arma com a qual seu pai se matou quando descobriu que você era cego, eu a segurei em minhas mãos, para que você jamais alcançasse o gatilho. - Sorriu amargo, deixando as primeiras lágrimas rolarem.

– Por quê? - Minhas mãos tremiam, sobrepostas sobre as suas em meu rosto.

– Porque mesmo te amando demais e te querendo ao meu lado, não é hora de você morrer. - Abriu um largo sorriso entre as lágrimas.

Eu chorava feito um bebê e ele apenas me puxou para o abraço apertado que tanto desejei.

– Quando você terá de partir novamente? - Perguntei, depois de um tempo o abraçando.

– Pode parecer um conto de fadas idiota, mas... – Sorriu, me olhando. – Tenho até a meia noite de hoje para ficar com você. E te fazer acreditar que vale a pena viver novamente. - Sorriu. E, pela primeira vez em um ano, fui capaz de sorrir com sinceridade.

– Meia noite, nee?! Então eu tenho até a meia noite para tirar esse olhar de pena do seu rosto. - Me dei conta de que sempre odiei que tivessem pena de mim e que da primeira vez que vi Dimmy, mostrei a ele que não existia razão para pena. Iria mostrar-lhe novamente.

– O que faremos hoje? - Ele me olhou com um sorriso de expectativa. Retribuí.

– Qualquer coisa! Se for com você, tudo estará bom. - Me senti corar, me sentindo idiota por isso.

Ele sorriu e pegou em minha mão. Entrelaçou os nossos dedos e olhou fundo em meus olhos.

– Eu te prometo. Dessa vez eu compensarei o tempo que passei longe. Será sem mentiras, você agora sabe que partirei. Eu quero fazer tudo por você, então, o que tiver vontade de fazer ao meu lado, diga-me e eu o farei por você. - Apenas estas palavras e eu já sentia vontade de voar, sair pelo mundo cantando e gritando que eu estava sendo feliz pela primeira vez desde que ele me deixou. Ou melhor, desde que eu acreditei que ele houvesse me deixado.

– Desde que seja ao seu lado, qualquer pequena coisa feita será um sonho realizado. - Nos abraçamos novamente.

Naquele dia eu realmente estava feliz. Tudo no meu mundo voltou a ter cores, sons e sentido. Tomei um banho rápido, me surpreendendo por me pegar cantando debaixo do chuveiro. Ri de mim mesmo por isso. Me troquei, calmamente. Desta vez, tendo ciência pelo que eu vestia. Não peguei qualquer peça do guarda roupas como fazia antes. Escolhi uma cuidadosamente.

Vesti a calça preta e a camiseta simples vermelha. Calcei meus tênis e arrumei os cabelos, deixando alguns fios caídos sobre os ombros. Procurei meu melhor sorriso, ensaiando-o diante do espelho do banheiro. Gargalhei, me sentindo um tremendo imbecil por estar fazendo isso. Balancei a cabeça negativamente. Rumei ao banheiro e escovei meus dentes com cuidado. Guardei a escova no armário, e saí do local.

Vi Dimmy olhando para os desenhos na parede.

– Você ainda guarda todos? - Sorriu ao constatar que sim. Que todos os desenhos que ele me deu estavam espalhados por meu quarto.

– Sim. Eles são um tesouro para mim. - Sorri, enquanto me dedicava a escolher um óculos escuro. – Qual fica melhor? - Mostrei-lhe dois óculos, um em cada mão. Um era todo preto e o outro tinha a armação vermelha.

– O vermelho. - Sorriu. Eu sabia que vermelho era sua cor favorita.

Eu estava pronto. Devidamente arrumado. Externamente e interiormente. Eu havia sido concertado com a volta de Dimmy.

Desci as escadas apressadamente, acompanhado pelo moreno. Minha mãe assustou-se com o barulho que se fez e saiu da cozinha, enxugando as mãos em um pano de prato, com olhos arregalados.

– Léo o que... – Ela não teve tempo de terminar, pois lancei-me em seu pescoço, a abraçando fortemente.

– Bom dia mãezinha. - Disse em tom animado e infantil. Senti que ela ficou estática.

– Está tudo bem? - Me encarou preocupada.

– Bem? Está tudo ótimo! Tudo colorido e perfeito. - Eu dava pequenos pulinhos no lugar, enquanto segurava suas mãos entre as minhas.

Não conseguia conter a felicidade em meu coração.

– Que bom filho... – Seu tom adquiriu um certo alivio, enquanto os olhos lacrimejavam. Acho que ela também já tinha perdido a esperança em mim.

– Eu voltei mãe. Não se preocupe mais. - Abri um largo sorriso enquanto acariciava seu rosto. As lágrimas dela caíram calmas, mas logo um sorriso se formou em seus lábios.

– Eu senti muito sua falta filho. - Me abraçou fortemente e desta vez eu retribuí.

– Desta vez tudo vai ficar bem. – Abri um largo sorriso. – Mãe...eu vou sair um pouco. Só volto mais tarde, ok?

– Certo. Você volta para ceia de natal? - Ela abaixou um pouco a cabeça, temendo minha reação.

– Eu volto. - Meu largo sorriso a fez constatar que eu realmente havia melhorado e ela sorriu novamente.

Acenei para ela antes de correr até a porta.

– Vá com cuidado. - A ouvi gritar antes de bater a porta da sala atrás de mim.

Parei na varanda. Pela primeira vez olhando para de trás da minha barreira de mágoa. O dia estava lindo - apesar de frio -, e o sol se fazia presente.

Meus lábios se repuxaram inconscientes em um sorriso, ao passo que meus olhos brilharam.

– Pronto? - Ouvi a voz gentil soar ao meu lado conforme estendia uma das mãos para mim.

– Como nunca! - Sorri e agarrei sua mão com toda minha força.

Eu tinha pouco tempo ao seu lado, mas eu faria desse período inesquecível e que durasse eternamente em minhas memórias.

Saí daquela varanda para o melhor dia da minha vida. Passamos todo o dia juntos. Fomos ao parque de diversões, ao museu, andamos pelo parque para ver os Ypês. Tudo estava perfeito. Se isso era um sonho, eu queria que durasse para sempre.

As horas foram-se passando sem que ambos nos déssemos conta. Lembramos do passado, dos bons momentos, dos ruins. Ele se desculpou por ter-me escondido o fato de estar morrendo e me explicou o motivo, desta vez, pessoalmente. Foi bom ouvir dele.

O dia passou rápido e logo a noite caiu. Andávamos ainda de mãos dadas, sem destino, pelas ruas da cidade.

– Ei. – Ele me chamou a atenção depois de um tempo em que ambos ficamos em silêncio.

– Sim?

– Posso lhe fazer um pedido? - Parou de andar e segurou minhas mãos entre as suas.

– Claro! - Abri um largo sorriso, acariciando suas mãos com meu polegar.

– Eu quero te ver patinando novamente. - Ele abriu um sorriso sem jeito, lindo. E claro, eu não tive como negar.

Olhei no relógio constatando que eram 20:30 da noite. A apresentação de patinação seria às 21:00. Se corrêssemos. ainda daria tempo de atender seu desejo e me desculpar com Aurora.

– Venha. Puxei-o pelo pulso, enquanto ambos corríamos desesperados até o clube de patinação. O caminho era longo, mas tomamos fôlego - não sei de onde - e apenas corremos, sem parar, até chegar à frente do clube movimentado.

Soltei o pulso de Dimmy, apoiando as mãos nos joelhos e arfando para recuperar o fôlego. Ele continuava ereto, calmo. Lógico! Ele era um fantasma. Fôlego não lhe fazia falta alguma. Sorri antes de pegar seu pulso novamente e me emaranhar em meio a multidão para adentrar no clube.

Procurei por Aurora, mas não a vi em lugar nenhum. Provavelmente estava decepcionada e desistiu de mim antes mesmo de eu não aparecer.

Fui até o balcão de inscrições e avistei Victoria, que me encarou com um largo sorriso.

– Que bom te ver Leonardo.

– É bom revê-la Victoria. - Sorri um pouco inquieto. - Pode me dizer se meu nome está na lista de participantes? - Ela começou a folhear o caderno com as inscrições.

– Está. - Seu sorriso aumentou e eu fechei os olhos sorrindo agradecido. - Vai participar?

– Vou. Disse confiante.

– Aqui estão as chaves do seu armário. Seus patins ainda estão guardados lá. - Peguei a chave e me debrucei sobre o balcão, beijando a face da menina que ficou vermelha.

– Obrigado Vic. - Me dirigi rapidamente para o vestuário. Dimmy me acompanhou.

Me troquei rápidamente, colocando a roupa vermelha que ainda me servia perfeitamente. Amarrei os patins, ainda sem encaixar as lâminas. Mas logo me toquei de uma coisa, ficando triste de imediato.

– Qual o problema? - Dimmy me fitou, encostado no armário. Eu estava sentado no banco, brincando com as lâminas em minhas mãos.

– Eu nunca patinei depois que você morreu. Desculpe...

– E...?

– E que eu... Eu não sei como fazer isso.

– Como não sabe? - Me olhou confuso.

– Eu patinava com minha alma e com Aurora gritando comigo. Nunca treinei patinação depois que voltei a enxergar. - Suspirei derrotado. O ouvi dar um pequeno sorriso e ergui meu rosto para ele.

– Isso eu posso resolver para você.

– Pode? - Arqueei uma das sobrancelhas.

– Posso! - Tirou do bolso do casaco uma faixa vermelha.

Sorri. Entendi o que ele queria e talvez desse mesmo certo.

Caminhamos para o lugar de espera dos competidores. Sentei-me do banco com Dimmy em pé ao meu lado. Amarrei os cabelos em um rabo de cavalo e esperei que me chamassem. Nada de Aurora, para onde quer que eu olhasse.

Eu não a culparia se ela não viesse, mas eu realmente precisava que ela estivesse ali. Encaixei as lêminas nos patins e segurei a rosa vermelha em meus dedos.

Pouco tempo depois ouvi meu nome ser chamado pelo microfone. Era minha vez.

Levantei-me um pouco nervoso e coloquei-me de pé na entrada da pista de gelo. Dimmy parou atrás de mim, tocando meu ombro.

Fechei meus olhos calmamente e ele amarrou a faixa sobre os mesmos. Eu estava completamente cego novamente. Ele segurou meus ombros e aproximou os lábios de meus ouvidos.

– Me surpreenda. - Sorri.

Ele me deu um leve impulso e eu deslizei até o que imaginei ser o centro da pista, parando em meio a mesma. Um silêncio se formou em todo o clube, como se não acreditassem que eu estava ali... E vendado!

Levantei a rosa em uma das mãos, torcendo para que ela entendesse o sinal. Poucos segundos depois ouvi a voz chorosa e conhecida soar em meio a multidão.

– Comece deslizando pela direita e depois apenas sinta a música. Você conhece essa pista como ninguém e pode patiná-la até mesmo com olhos vendados! - Sorri com a tão conhecida ironia usada por minha treinadora e melhor amiga.

Era bom saber que ela ainda não havia desistido de mim. Coloquei a rosa no gelo, a frente de meus pés e esperei que a música começasse. The Reason - Hoobastank. Era perfeita para ocasião.

Comecei deslizando pela direita, como minha treinadora me dissera para fazer. E de resto, apenas realizei as manobras com meu coração, sentindo a música. Dei saltos, fiz piruetas, perfeitamente, como se nunca houvesse parado de patinar. Não saí da linha nenhuma vez e encerrei a apresentação com o salto triplo carpado que eu nunca havia conseguido realizar.

Escutei os aplausos e os gritos da multidão. Tirei a venda olhando para frente e pude ver Aurora me encarando orgulhosa, enquanto as lágrimas cobriam-lhe a face.

Recolhi a rosa do chão e fui até ela.

– Obrigado por não desistir de mim. - A abracei o mais forte que pude.

Ela sorriu pegando a rosa que lhe estendi.

– Você estava ótimo.

– Obrigado. - Disse sem jeito. Logo vi Dimmy me chamar.

Me despedi de Aurora e fui até ele.

– O que achou? Perguntei com um largo sorriso.

– Impressionante. - Sorriu. A mesma pergunta; A mesma reposta de um ano atrás. - Vamos? - Ele me olhou, tentando ocultar o olhar triste.

Procurei por um relógio no clube, ficando triste também quando vi as horas.

– Onze horas. - Sussurrei, abaixando a cabeça. A tristeza tomando conta de mim.

Eu só tinha mais uma hora.

Me troquei rápidamente e fui com ele até o parque onde nos conhecemos. Caminhávamos de vagar e o silêncio se fazia presente. Eu queria perguntar, mais não tinha coragem.

– Voltei por que tinha um assunto inacabado. - Ele disse em meio a um sorriso, novamente me respondendo antes de eu perguntar.

Chegamos ao parque e fomos para diante da fonte iluminada, jogando jatos de água coloridos para cima.

– Que assunto? - Arrisquei perguntar sem encará-lo.

– Você. - Respondeu simplista, virando a face para mim.

– Eu?

– Sim. Por minha causa, você decidiu se afundar. E por minha causa, você estava decidido a morrer antes da hora. Eu precisava fazê-lo mudar de idéia.

– E o que você quis dizer com “Alguém quis que você tivesse este presente de Natal”? - O encarei confuso.

Ele aproximou-se de mim e me pediu para fechar os olhos. Assim o fiz e logo senti sua mão ao lado do meu rosto. Então foi como se eu abandonasse meu corpo e fosse vagar por um acontecimento em que não estive presente.

– “Por favor... Por favor... Volte. Volte e faça ele acreditar na vida novamente... Volte Dimmy.”

Abri os olhos, encarando o rosto de Dimmy a minha frente.

– Sofia... – Sussurrei o nome da pequena, ainda surpreso.

– Sim... Sofia acreditou tanto na magia do Natal e na promessa que fiz, que ela usou toda fé que tinha neste pedido. E ele se realizou. - Ele me olhou sorrindo e eu fiquei ainda mais confuso.

– Deus... – Levei a mão a testa, buscando compreender cada palavra dita por ele.

– Sabe Léo... – Ele fez uma pausa, encarando os esguichos de água e eu o olhei. – Eu realmente não era alguém que valia a pena antes de te conhecer. Mas isso mudou no instante em que esbarrei em você. Desde aquele dia eu passei a amá-lo com todo meu coração e a querer o melhor para você. Então, tire a cabeça a idéia de tirar sua vida, pois eu jamais permitirei que você o faça. - Me encarou com os olhos tristes, me fazendo abaixar a cabeça.

– Eu sinto muito... – Sussurrei.

– Me prometa. - Sua voz soou firme e eu voltei a olhá-lo. – Prometa que vai ser forte, que não vai desistir de viver. - Em seus olhos, agora, já podiam ser vistas as lágrimas.

– Eu... prometo. - Deixei que as lágrimas molhassem minha face silenciosamente.

Ele sorriu aliviado. Tirou uma moeda do bolso e me estendeu a mesma.

– Para que? - O olhei, depois de pegar a moeda.

– Meu pai uma vez me disse que se você fizer um pedido de todo coração e jogar a moeda nesta fonte, seu desejo será atendido. - Ele sorriu, enfiando as mãos nos bolsos. Eu desviei os olhos dele encarando o metal em minhas mãos.

Olhei para o relógio da matriz e faltavam dois minutos para meia noite.

– Você vai voltar? - Perguntei com a voz um pouco tremula pelo choro.

Ele suspirou pesadamente, tirando os olhos da fonte e me encarando.

– Provavelmente não. Estou aqui hoje apenas para retribuir o favor que você me fez um dia. - Colocou a mão em meu rosto. – Eu espero que cumpra a promessa que me fez e que desta vez, você me deixe descansar em paz. - As palavras gentis ecoaram por minha mente. Fechei os olhos devagar, deixando as lágrimas caírem.

– Então eu não o verei de novo...

– Não é porque não pode me ver que não estarei ao seu lado. E além do mais, nossos caminhos ainda se cruzarão de uma maneira muito interessante. – Ele deu um breve sorriso.

– Como assim? - Inclinei o rosto um pouco confuso.

– No tempo certo, você irá descobrir. - Sorriu, acariciando meus cabelos.

Meu coração quase parou quando ouvi a primeira badalada do sino e ambos o encaramos de imediato.

– Está na hora. - Ele sussurrou com um sorriso triste. E eu emudeci. Não queria perdê-lo novamente. - Peço que me perdoe pelo que farei agora, mas isso também faz parte do meu assunto inacabado. - Ele aproximou o rosto do meu e eu arregalei os olhos.

Ele olhou fundo em minhas orbes e eu encarei seu sorriso lindo extremamente próximo.

– Por você, valeu a pena viver... Novamente. Te Amo Léo. Não se esqueça. - Fiquei estático e seus lábios juntaram-se aos meus, em um beijo calmo que não durou muito pois logo o sino se calou. E quando abri os olhos, novamente era só eu e minhas recordações.

Me permiti chorar silenciosamente, quase que me esquecendo da moeda em minha mãos. Me virei de frente com a fonte, apertei forte o metal roliço cujo ainda segurava e fechei os olhos brevemente.

– Eu... Espero te ver novamente algum dia. - Sorri entre as lágrimas e joguei a moeda dentro da fonte. Enfiei as mãos nos bolsos do casaco e olhei para o céu.

– Feliz Natal Dimmy. - E novamente as lágrimas se fizeram presentes.

[FLASH BACK OFF]

Novamente cá estou, parado ante a fonte, sustentando uma moeda em mãos, pronto para fazer o mesmo pedido daquela noite.

Apesar de ter começado a viver como lhe prometi, eu imaginei nunca mais ser capaz de ser feliz. Hoje, com 26 anos, eu olho para a água movimentando-se devagar. Observo as pessoas felizes e então finalmente me dou conta de que estava sendo egoísta.

O pedido que ele me fez naquela noite foi para que eu começasse a viver e o deixasse descansar em paz... Não era isso o que eu estava fazendo, era?

Observei a moeda em minhas mãos. Ele tinha razão. Tudo mudaria. Muitas coisas aconteceriam. E nossos caminhos se cruzariam novamente de uma maneira... interessante. Sorri com este pensamento, dando atenção à pessoa que parava ao meu lado.

– Não a jogou ainda querido? - Encarei os olhos meigos de Sofia, a observando segurar com cuidado nosso filho de quatro anos, enquanto acariciava os cabelos castanhos claros.

Há cinco anos me casei com ela, imagino que esse tenha sido o “caminho” que Dimmy se referiu naquela noite. Eu a amava, apesar de ter o coração divido entre ela e seu irmão.

– Estava me recordando de alguns momentos. - Sorri. Ela também sorriu, colocando o pequeno Dimitry no chão, pois ele já se debatia em seu colo.

– Vamos te esperar perto do Ypê. - Ela abriu um imenso sorriso enquanto pegava a mãozinha de Dimitry, o levando junto com ela.

Ela era amável, fiel, dedicada e muito importante para mim. Igual à ele. Os observei se afastarem. Um sorriso bobo se apoderou de minha face.

– Linda família. - A voz desconhecida me tirou de meus devaneios. O observei. Não o conhecia. Apenas sorri:

– Sim. Eu tenho muita sorte! - Olhei minha esposa brincando de ciranda com meu filho, sentindo uma forte emoção invadir meu peito.

– Com uma família assim, você nunca se sentira sozinho. - Ele colocou as mãos nos bolsos do longo casaco preto, virando a face para mim.

– As vezes ainda me sinto sozinho. - Desabafei mesmo sem me dar conta.

– A maior solidão que nos assola é aquela qual nós mesmo nos condenamos a ter. - Me encarou com um sorriso de canto.

Não consegui desviar meus olhos dos seus. Ele tinha razão. Eu não estava mais sozinho. Há muito tempo que deixei de estar... E só agora me dei conta.

Por fim, abaixei a cabeça soltando um mínimo sorriso. Abri a mão, observando a moeda na palma da mesma.

– Sabe... - Comecei a falar, tão feliz que sentia que estava próximo a chorar. - Uma vez, alguém me disse que se fizermos um pedido com todo coração enquanto jogamos a moeda nessa fonte, esse seu pedido se tornará real. - Sorri, o encarando novamente e lhe estendendo a moeda. - Por que não tenta?

– Você não tinha um pedido a fazer? - Ele me olhou calmo.

– Sim. Mas eu finalmente me dei conta de que eu já tenho tudo que preciso. - Abri um largo sorriso, vendo-o fazer o mesmo. Ele pegou a moeda e me agradeceu com uma reverência.

Voltei meu rosto para frente, olhando para fonte:

– Feliz Natal Dimmy. - Sussurrei, me sentindo aliviado. Caminhei para diante de minha família.

Selei os lábios de minha esposa e nós saímos andando em meio ao parque, segurando as mãozinhas de nosso pequeno filho, enquanto ele se balançava entre nós. E então, mas uma vez percebi que havia tornado a ficar cego. Espero que eu tenha finalmente aberto os olhos dessa vez.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!