Réquiem escrita por Lady May, Babs


Capítulo 6
Capítulo IV - Explicações


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo ficou maior do que prevíamos, mas não havia nada que fosse tão irrelevante a ponto de ser excluído.
Aqui juntamos algumas pontas que deixamos soltas nos capítulos anteriores e damos mais passos em direção ao fim da história.



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Nota importante: Como já foi escrito, as informações serão adaptadas a bel prazer das autoras de Vampiro: a Máscara, o que quer dizer que os vampiros são nossos, assim como suas fraquezas.

______ * * * ______

 

Explicações

 

Há alguns dias.

 

Desde a origem dos clãs, os Tremere carregam a alcunha de feiticeiros, pois, através de seus próprios artifícios, aprenderam a dominar uma forma de magia vampírica que é mais potente do que qualquer outro poder derivado do Sangue.

 

Matheus, como um antigo membro dos Tremere, tinha plena consciência das vantagens que a Taumaturgia oferecia e, experiente, assim que Elliot lhe pediu ajuda, já tinha em mente o ritual exato que poderia ser realizado para explicar o desaparecimento de Mirella.

 

No hotel, o lorde e o pontifix esperavam a ligação de Baldwin, um dos mais fiéis subordinados de Matheus. Elliot andava de um lado ao outro tentando aplacar sua ansiedade, enquanto seu amigo estava confortavelmente sentado numa poltrona lendo algum clássico da literatura. Quando o celular tocou, o moreno encarou Matheus esperando notícias.

 

- Nosso assassino foi encontrado e já está sendo levado à cena do crime. – informou ao desligar o aparelho – Vamos voltar à casa da Mirella. 

 

* * * 

 

Matheus pretendia produzir um clone da bailarina, partindo do mesmo princípio da criação dos homúnculos, seres gerados como uma extensão do mago, altamente leais e capazes de servir ao mestre como espiões ou ajudantes.

 

Mas como Mirella era um ser humano e sua réplica não exerceria papel maior do que o de vítima de um atentado, o ritual poderia ser simplificado, já que o mais importante, no futuro, seria sua identificação por meio de seus restos mortais carbonizados. 

 

Com amostras do DNA da garota, tirados de itens de higiene pessoal, não demorou mais que um par de horas para que um clone perfeito para a ocasião estivesse pronto.

 

O pontifix deixou o quarto, voltando à sala de estar, e encontrou Baldwin, que carregava o corpo de um homem que há muito aterrorizava a cidade Paris com seus crimes hediondos. Fazia alguns meses que a Camarilla descobrira a localização do Assamita e estava pronta para destrui-lo, esperava apenas o melhor momento. Certo de que ninguém sentiria falta do espião ou do assassino, como os mortais o conheciam, Matheus resolveu usá-lo como carrasco de Mirella e ao mesmo tempo livrar-se de um problema.

 

Com os corpos inanimados no chão da sala e tudo pronto, os vampiros incendiaram a pequena casa em que a garota morara desde que viera viver com a tia. Vendo que agora não haveria mais volta e que logo o local estaria cheio de repórteres e curiosos inconvenientes, Matheus, Elliot e os outros deixaram o local com a mesma discrição com que chegaram.

 

* * *

 

Por ser a voz da Camarilla dentro da cidade onde governa, o príncipe tem a função de manter a paz e de fazer as leis que manterá a cidade em ordem e livre de invasões. Por essa razão, assim que deixou a casa da bailarina, Matheus foi logo contar a autoridade da cidade tudo sobre o espião, exigindo que uma investigação fosse feita tanto na Cidade Luz, quanto nas outras cidades da Camarilla, além de uma visita à fortaleza do Clã Assamita.

 

Matheus fazia isso para garantir a segurança da Máscara, mas também para forçar Laila a se revelar, eliminando, de uma vez por todas, os problemas com a vampira.

 

Quando o príncipe assegurou que tudo seria resolvido, o pontifix retornou ao hotel.

 

______ * * * ______ 

 

Em toda a sua existência, Laila nunca estivera na Turquia, porque sabia que em algum lugar daquele exótico país estava Alamut, a mística fortaleza do clã Assamita. Verdade que desde o Tratado de Tyre, o castelo perdera muitas das proteções mágicas que o cercava, permitindo, assim, a entrada de qualquer membro da Camarilla que viesse assegurar que o acordo estava sendo cumprido.

 

Feliz pelo fim de seu exílio voluntário, Vadette guiava sua senhora através das montanhas, enquanto a vampira permanecia em silêncio em companhia de seus pensamentos. Tentava em vão imaginar o quão desagradável e humilhante seria sua recepção em Alamut, pois os Filhos de Haqim, como o clã costuma denominar a si mesmo, não esquecera o que a Camarilla havia lhes imposto.

 

E ela, como uma princesa, estivera presente quando as clausulas do Tratado foram votadas e fora a primeira a apoiar as decisões de retirar as defesas do prédio e de tornar maldito o sangue de qualquer cainita para, assim, evitar a Diablerie, o condenável pecado do canibalismo. Tudo em favor da ordem. 

 

Agora, essa mesma ordem a ameaçava. Laila sabia que havia quebrado muitas regras, que toda Camarilla estaria a sua procura e que, se a encontrassem, sua pena seria máxima. Tudo por Elliot. 

 

A ventrue nunca sentira nada pelo vampiro além de cobiça, vontade de ter algo que jamais seria dela, e, depois que ele fugiu, tudo o que restou foi seu orgulho ferido, já que o vampiro a repudiara. 

 

E era, sobretudo, por sua vaidade que a vampira enfrentava o terreno irregular e logo estaria frente a frente com os selvagens assamitas. Para ter Elliot, deixaria de ser uma princesa Ventrue.

 

- Chegamos, senhora. – anunciou Vadette tirando a dama de seus devaneios. 

 

Laila observou o prédio abismada. No topo do monte, havia uma grade fortaleza medieval em estilo mouro.

 

* * *

 

Laila andava por um corredor mal iluminado e úmido, se é que fosse possível, na companhia de Vadette e uma vampira assamita vestida com roupas no estilo punk. O trio caminhava ao encontro dos anciãos, que decidiriam o destino da visitante.

 

No fim do corredor, havia uma enorme porta de ferro, que, assim que eles passaram, rangeu, provocando eco, ao ser fechada.

 

Agora eles estavam num grande salão de pedra perfeitamente redondo. A única iluminação vinha de tochas que produzia uma chama bruxuleante e fraca e a mobília resumia-se a algumas cadeiras, grandes como tronos, espaçadas de maneira irregular nas paredes.

 

A sala não estava vazia. Havia algumas pessoas conversando animadamente e no chão, corpos humanos inanimados.

 

- Finalmente chegaram. É uma grande honra receber um ventrue em nosso humilde recanto.

 

O homem que falou ostentava um sorriso maligno que, mesmo assim, não deformava seu rosto bonito. Ele vestia um manto colorido demais para um vampiro e muito deselegante para os padrões de Laila. Seu nome era Vesh.

 

- O que podemos fazer por você? – perguntou o ancião.

 

A vampira explicou o que havia acontecido na ultima reunião da Camarilla, a investigação que afetaria tanto ao assamitas quanto ela e, por fim, pediu que o clã a escondesse em Alamut.

 

- Porque ajudaríamos você? – debochou outro ancião.

 

- Porque eu poderia ajudá-los a acabar com a maldição lançada pelos Tremere. – replicou Laila convicta.

 

Todos os presentes, exceto Laila e Vadette, que desconhecia as últimas novidades, riram. 

 

- Há quase 10 anos a maldição dos Tremere foi quebrada por nossos magos. – explicou Vesh – Terá que propor algo melhor que isso, princesa.

 

- Impossível! Saberíamos se a maldição fosse quebrada e vocês estivessem cometendo diablerie. – disse incrédula.

 

- Vocês só saberiam se saíssemos atacando qualquer cainita, mas depois de tanto tempo de exílio, aprendemos a ser discretos. 

 

- Você não sabe como está sendo difícil para nós controlar nossas crianças, sedentas pelo seu sangue. – comentou um terceiro ancião. 

 

- Não assuste, assim. – repreendeu Vesh ainda sorrindo – Então, princesa, ainda estamos esperando por sua proposta. 

 

- Eu não tenho uma proposta. – sussurrou, devido à humilhação a que estava se submetendo – Não sou mais uma princesa, não tenho mais a proteção do meu clã... Não tenho mais nada a perder! 

 

- Já que não tem mais nada a perder, estaria disposta a fazer qualquer coisa para que lhe garantíssemos proteção, não? – ponderou Vesh. 

 

- Talvez. – respondeu desconfiada. 

 

- Então faremos o seguinte: permitiremos sua estada aqui e decidiremos o que queremos em troca por esse favor. – Vesh encarou a vampira que guiara Laila – Rya, leve a dama até seus aposentos. 

 

- Sim, senhor. – a vampira fez uma mesura e saiu da câmara – Sigam-me. 

 

* * * 

 

O quarto destinado à Laila não tinha, nem de longe, o conforto a que estava acostumada, mas a dama não reclamou, pois em sua cabeça tentava se convencer de que poderia ser muito pior.

 

- Senhorita Laila, não deixe o quarto a não ser acompanhada por mim ou pelos anciãos. Não queremos que acidentes aconteçam. – avisou Rya com um sorriso de desdém – Ninguém a incomodará aqui.

 

 ______ * * * ______

 

Atualmente.

 

Quando Mirella acordou, o sol há muito vencia a batalha com as grossas cortinas. Ainda confusa com sua nova realidade, a jovem vestiu-se e deixou o cômodo. 

 

A mesa do café da manhã já estava posta e como Gaspar desconhecia as preferências da moça, mandou preparar um pouco de cada prato matinal de todos os países da Europa. 

 

- Bom dia, senhorita Mirella. – cumprimentou o mordomo enquanto puxava uma cadeira para que a moça se sentasse – Posso perguntar-lhe se dormiu bem? 

 

- Muito bem, obrigada. – respondeu envergonhada. 

 

O mordomo a serviu eficientemente. A bailarina experimentou um pouco de tudo só para não fazer desfeita, mas achou tudo aquilo um exagero. 

 

Ao fim da refeição, Gaspar disse: 

 

- Tenho alguns afazeres, então não poderei lhe fazer companhia e a senhorita Tiffany não despertará até o anoitecer. Sinta-se a vontade para conhecer a casa e os jardins, sim?! 

 

- Ah... Obrigada. 

 

- Gosta de ler, senhorita? 

 

- Muito, por quê?

 

- No fim desse corredor – o homem apontou o caminho – fica a biblioteca. Por que não pega um livro e não o lê no jardim? Está um lindo dia.

 

- Farei isso. – disse animada com a idéia. 

 

* * * 

 

Mirella passou o dia caminhando pela propriedade aproveitando os raios de sol. Quando escureceu, a bailarina entrou e encontrou Tiffany sentada no confortável sofá da sala folheando a revista de programação da TV a cabo. 

 

- Boa noite. – cumprimentou a vampira – Como foi seu dia?

 

- Boa noite. Meu dia foi bem agradável, obrigada por perguntar. 

 

- Gaspar me disse que conheceu a humilde biblioteca de Elliot. Achou algum livro que a interessasse? 

 

- Li A dama das Camélias esta tarde. – comentou.

 

- Gosto muito dessa obra, – aprovou – mas tratando-se de Alexandre Dumas, prefiro A Rainha Margot

 

- Pretendo ler depois... – prometeu.

 

As duas ficaram em silêncio. 

 

- Tiffany, será que podemos terminar aquela conversa que estávamos tendo antes de você sair? – pediu Mirella com os olhos brilhando de curiosidade – Aquela sobre esquecer Hollywood? 

 

- Ah, sim... – lembrou. E para a alegria da garota, Tiffany concordou – O que quer saber?

 

- Você disse que o sol não queima os vampiros, não é? 

 

- Sim, não queima, mas causa um desconforto tão grande que nós o evitamos. – esclareceu – Apesar de que isso não nos impede de sair durante o dia se quisermos. 

 

- E crucifixos, água benta?

 

Tiffany riu discreta.

 

- Isso é mito mesmo. A maioria de nós até mantém algum vínculo com a religião.

 

- Irônico...

 

- Estacas também são mito. Elas fazem menos mal a nós do que fazem a vocês humanos.

 

- Espelhos? – tentou esperançosa.

 

- Apenas o clã La Sombra não tem reflexo, não sei por quê. Aliás, lembre-se disso, pode ser útil.

 

- Hum... – foi só o que a bailarina expressou.

 

- Acabaram as perguntas? – Tiffany parecia divertida.

 

- Onde... hum... vocês dormem? 

 

- Em camas, ora! – exclamou como se fosse óbvio – Bem, na verdade, não dormimos. 

 

- Como assim?

 

- Desde a nossa transformação, quando nos sentimos cansados e nos deitamos para recuperar as forças, entramos num estado próximo do transe. É complicado explicar o que acontece... estamos descansando, mas, ao mesmo tempo, a par do que nos cerca e prontos para despertar ao menor sinal de perigo. 

 

- Entendi... E vocês bebem mesmo sangue humano?

 

Tiffany ficou séria.

 

- Bem, nós temos a opção de beber o sangue de animais, mas não tem o mesmo sabor e vitalidade do sangue humano. – replicou escolhendo as palavras com cuidado – Os de nossa raça que seguem essa... dieta, devem caçar com mais frequência, pois a falta de sangue nos deixa mais suscetíveis a perder o controle.

 

Mirella permaneceu em silêncio.

 

- Espero não tê-la assustado. Elliot me mataria.

 

- Não, não. Só estou assimilando o que me disse. 

 

- Chega de aulas sobre vampiros por hoje. – ponderou Tiffany – Vamos assistir a um pouco de TV? 

 

A dama ligou o aparelho e colocou num canal francês. Era hora do jornal e a âncora, uma mulher de cabelos curtos e porte elegante, dava uma notícia.

 

“A polícia divulgou novas informações sobre o incêndio que vitimou duas pessoas na madrugada da última quarta feira nos fundos do Palais de Garnier. Contudo o caso continua longe de ser esclarecido.

A perícia confirmou as suspeitas de que o incêndio foi criminoso. Os corpos encontrados também foram identificados. Tratam-se de Mirella Sudré, primeira bailarina da companhia e Ector Jacques, assassino procurado há mais de dois anos.

Também foi encontrado na cena do crime, uma pistola.

A polícia investiga o que poderia ter levado Jacques até a casa da bailarina e a possível relação que existia entre eles, apesar de que conhecidos da jovem afirmam que os dois nunca haviam se encontrado antes.”

 

Assim que a mulher terminou, seu parceiro, um homem carismático, começou a falar sobre um assunto completamente diferente.

 

“Nossa repórter Danielle Moreau está em Champagne e tem notícias exclusivas da feira de...”

 

Tiffany desligou a televisão amaldiçoando sua idéia, mas também quem imaginaria uma situação daquelas?

 

Mirella estava apática e encarava o eletrônico desligado completamente descrente, como se tudo não passasse de um pesadelo ou de uma brincadeira de mau gosto.

 

Preocupada com a reação que a bailarina teria ao se encontrar com Elliot, a vampira deslizou discretamente para um canto afastado da sala, discou o número do amigo e, ao ouvir sua voz do outro lado da linha, explicou o ocorrido e fez suas suposições. 

 

Ao desligar o celular, Tiffany viu que Mirella continuava no mesmo estado. Sem ter o que dizer, permaneceu em silêncio.

 

* * * 

 

Depois daquela fatídica noite, Mirella passava a maior parte do tempo em seu quarto ou na biblioteca, as refeições quase sempre eram ignoradas e as conversas, escassas.

 

A toreador sentia-se impotente, mas tinha medo de piorar as coisas, então permanecia calada e dava à bailarina todo o espaço que ela precisava.

 

Naquela noite, a vampira pensava em tocar piano para passar o tempo, porém, ao sentir a presença da jovem, resolveu ir ao jardim e esperar pacientemente a chegada de Matheus e Elliot.

 

            ______ * * * ______

 

- Vou encontrar Tiffany. – informou Matheus assim que chegaram à casa do lorde. – Boa sorte. – desejou ao amigo.

 

- Vou precisar. – confessou um tanto desanimado.

 

Matheus caminhou lentamente pelos jardins da propriedade até avistar quem lhe prendia a atenção há tanto tempo. Tiffany Toreador encontrava-se sentada em um banco de jardim, admirando o céu estralado.

 

- Bu. – sussurrou Matheus, brincando antes de sentar-se ao seu lado.

 

Sorridente, Tiffany beijou-o carinhosamente. O vampiro rapidamente passou seus braços pela cintura da bela mulher, trazendo-a para mais perto de si, antes de aprofundar o beijo.

 

- Estava com saudades. – confessou a vampira quando cessaram o beijo.

 

- E eu morri de tantas saudades. – replicou, divertindo-se com o jogo de palavras. 

 

- E o Elliot? – perguntou também curiosa pelo desenrolar da história. 

 

- Falando com a Mirella, imagino. – respondeu ainda prendendo-a em seus braços. 

 

- Estou preocupada com ela. – desabafou. – praticamente não falou nada desde que recebeu a notícia.

 

- Não deve ser nem um pouco fácil, para ela. – concordou Matheus. 

 

- Poderiam ter me contado o que pretendiam. Eu poderia ter amenizado a situação. 

 

- Desculpe-me. – pediu o pontifix.

 

- Tudo bem. – disse dando de ombros. – Agora já está feito. – voltou seu olhar para o céu. - É... será uma longa noite. – filosofou. 

 

- Então, por que não aproveitar? – disse entre sussurros novamente. 

 

Beijaram-se apaixonadamente, enquanto distribuíam carícias recíprocas. 

 

Interrompendo o momento novamente, Matheus retirou uma delicada caixa de veludo vermelho do interior do bolso de sua calça. 

 

- Um presentinho. – explicou beijando-lhe a mão. 

 

Tiffany, agora com a caixa entre as mãos, abriu-a delicadamente, surpreendendo-se com seu interior. Descansando no veludo vermelho, uma requintada gargantilha de ouro branco, acompanhada de uma rosa finamente lapidada em diamante. 

 

- É lindo, Matheus. Obrigada. – agradeceu.

 

- Não deve ser tão bela quando a feita por um Toreador, mas... 

 

- É perfeita. – interrompeu-o.

 

- Que bom que gostou.

 

O vampiro retirou o colar do tecido aveludado, passando-o pelo pescoço de Tiffany antes de fechá-lo. Em seguida, beijou-lhe o pescoço. Prendeu-se algum tempo naquela região, beijando-a com carinho, antes de novamente tomar-lhe os lábios. 

 

            * * *

 

Elliot entrou discretamente na biblioteca. Mirella estava sentada de frente para o piano e, apesar de seus dedos fazerem, casualmente, algum movimento sobre as teclas, nenhum som era produzido. Sua expressão estava fechada, como a de alguém que pensava muito. Ao perceber que não estava mais sozinha, seus olhos amendoados fitaram o rosto soturno do vampiro.

 

Naquele momento, toda a confusão no rosto da bailarina transformou-se em determinação, pois tudo o que importava era expressar todos os seus pensamentos em palavras na tentativa de aplacar a raiva que sentia por ter confiado em um estranho. Chegou até a tomar fôlego, mas Elliot foi mais rápido.

 

- Sei que deve estar me odiando, mas me deixe explicar, por favor. – como Mirella não se manifestou, ele continuou – Nós não tínhamos outra opção a não ser inventar essa mentira. Se simplesmente tirássemos você de lá, com certeza, cedo ou tarde, Laila ou qualquer outro a encontraria. Com todos pensando que está morta, ganhamos tempo até resolvermos tudo...

 

- E depois que tudo estiver resolvido? Nunca mais terei uma vida normal! Tudo o que construí... – lágrimas de desespero rolavam pelo rosto da garota.

 

Elliot sabia que a moça estava com a razão. Sentia-se culpado por ter-lhe imposto aquele sacrifício, mas não agüentaria o peso de mais uma morte.

 

- Eu fui egoísta, eu admito. Me perdoe. – disse ajoelhando-se na frente de Mirella e segurando suas mãos. – Eu não queria que nada de mal a acontecesse.

 

- Agradeço por se preocupar comigo – replicou sincera – Mas o pior, e é isso que não consigo perdoar, é que vocês mataram duas pessoas inocentes para forjar provas! Isso é doentio! 

 

- Na verdade... – Elliot se permitiu um sorriso – um deles não era tão inocente assim. Era um vampiro assamita que julgou poder nos espionar. Só demos sorte de ele não ser tão discreto quanto deveria. Quanto ao outro corpo,... bem... não era de uma pessoa.

 

- Como assim? – surpreendeu-se.

 

- Nós temos alguns truques muito convincentes. – respondeu – Desculpe, mas não posso dar maiores detalhes. 

 

- Claro... pode me matar, mas dar detalhes é impossível. – pensou alto. 

 

- Sei que está chateada. – afirmou – Não posso forçá-la a confiar em mim, nem a ficar nesta casa, se não quiser. Pode ir embora, mesmo que não seja seguro. – frisou. 

 

- Eu não tenho para onde ir. – retorquiu mais áspera do que queria. 

 

- Então vai ficar? – perguntou Elliot quase sem conter sua felicidade e alívio. 

 

- Estou morta, esqueceu? – Mirella levantou-se – Vou ficar, mas isso não significa que perdôo o que fez porque abusou da confiança que eu tinha em você. – mais lágrimas mancharam seu rosto – Mesmo que para me manter em segurança. 

 

A bailarina deixou a biblioteca e seguiu para seu quarto. O vampiro permaneceu no cômodo tentando, a cada instante, convencer-se de que aquela fora a atitude correta a ser tomada.

 

            * * *

 

 - Gostaria de lhe pedir uma coisa. – pediu Tiffany enquanto o casal passeava pelo jardim.

 

- Sabe que pode pedir o que quiser. – comentou Matheus. 

 

- É em relação ao Elliot e a Mirella. – continuou. 

 

- Hum. 

 

- Gostaria de ajudá-los. – argumentou. – Na verdade gostaria que você os ajudasse. 

 

- O que quer que eu faça, exatamente? – questionou-a curioso. 

 

- Eu gostei dela. – começou. – E realmente acredito no discernimento de Elliot. Pensei que pudesse ajudá-la. – explicou. – Com taumaturgia, talvez. – propôs por fim.

 

Matheus manteve-se em silêncio por algum tempo, para a angústia da dama. 

 

- Acho que posso fazer isso. – falou o pontifix, encerrando com o silêncio. – Se ela for mesmo a Catharina, então surtirá efeito. – explicou-lhe. 

 

- Que bom! – alegrou-se. – Obrigada. 

 

Matheus aproximou-a de si novamente, para outro beijo.

 

- Terá que distrair Elliot para mim, Tiffany, pois ele pode não aprovar o que vou fazer. – pediu o pontifix assim que se separaram. 

 

- Farei isso. – garantiu sorrindo. 

 

* * * 

 

A pedido do noivo Tiffany seguiu pela casa até a biblioteca, certa de que encontraria Elliot por lá.

 

- Posso? – Perguntou a mulher ao pé da porta.

 

- Você sempre pode, Tiffany. – Respondeu.

 

A vampira assustou-se ao contemplar a cena: A biblioteca encontrava-se em total escuridão Elliot, sentado no divã próximo a janela com as o rosto enterrado entre as mãos.

 

- Elliot. – Chamou a vampira com pesar, sentando-se ao seu lado.

 

- Fui um idiota. – Confessou – Deveria ter previsto a reação dela.

 

- Você fez o que devia fazer e ela sabe disso.

 

- Será? – Revidou – Eu acabei com a vida dela, como se já não bastasse a minha existência ser um inferno, ainda tinha que tornar a de outra pessoa também!

 

- Dê-lhe algum tempo, Elliot. É tudo muito novo, muito diferente para ela. – Explicou.

 

- Nunca deveria ter voltado a Paris. – Desabafou.

 

- E perder a oportunidade de encontrá-la! – Surpreendeu-se. – Sei que discorda de mim Elliot, mas nada acontece por acaso e isso inclui sua ida a Paris e seu reencontro com ela.

 

- Você não entende, Tiffany.

 

- Dê tempo ao tempo, e verá como as coisas terminaram. – Aconselhou beijando-lhe a face, retirando-se.

 

* * *

 

Seguro de que Tiffany faria um ótimo trabalho com Elliot, Matheus entrou sorrateiramente no quarto da bailarina, encontrando-a dormindo um sono perturbado pelos acontecimentos e, possivelmente, pela conversa com o lorde.

 

Mais uma vez valendo-se do DNA da garota, o vampiro realizou um ritual para que as lembranças das vidas passadas da bailarina lhe viessem em sonho.

 

Havia riscos, já que nem sempre experiências passadas foram prazerosas e felizes, mas Matheus tinha a esperança, embora não admitisse, de que Mirella fosse Catharina e de que se lembrasse de Elliot.

 

Com tudo pronto e Mirella ainda dormindo, Matheus deixou o quarto esperando que os resultados não demorassem a surgir.

 

* * *

 

Os três vampiros desfrutavam a cálida noite de primavera, acomodados no amplo jardim da propriedade, enquanto degustavam um châteu d’Yquem levemente acrescentado de sangue. 

 

Conversavam sobre amenidades, Tiffany acomodada nos braços do pontifix.

 

- Ambrosin? – respondeu a vampira ao toque de seu celular. 

 

Desvencilhando-se dos braços do vampiro, Tiffany pôs-se a caminhar pelo jardim enquanto ouvia atentamente o servo. Ao retornar à companhia do grupo, uma ruga de preocupação marca seu rosto bem desenhado. 

 

- O que houve? – questionou Matheus, preocupado. 

 

- O Sabá está dando mais trabalho do que imaginei.  – explicou. – Precisam de mim em Roma.

 

- Quando a veremos novamente? – questionou Elliot. 

 

- Logo, espero. – desejou – Se me derem licença. – pediu retirando-se do jardim.

 

Rápida, Tiffany já arrumara a maioria de seus pertences quando a bailarina pediu permissão para adentrar o quarto.

 

- Precisa de alguma coisa? – questionou a vampira de modo solidário.

 

- Soube que vai embora. – Explicou a bailarina – Gostaria que ficasse – Comentou em tom infantil. – É que... acho meio estranho ficar aqui, sozinha. Sei que é infantil da minha parte, mas...

 

- Não estará sozinha. – corrigiu-a enquanto finalizava seu nécessaire. – Estará na companhia de Elliot e Matheus. – esclareceu. – Excelentes companhias, se me permite dizer. 

 

- Você entendeu o que eu quis dizer! – repetiu. – Sentirei saudades. – confessou encabulada.

 

- Também. – respondeu a vampira depois de alguns instantes. – Eu voltarei logo. – prometeu. – Assim que as coisas por lá se acalmarem.

 

- Tudo bem. 

 

- Seja boazinha com o Elliot. – pediu. – Está sendo tão difícil para ele quanto para você. – Esclareceu.

 

- Serei. – Prometeu. 

 

- Eu sei que sim. – concordou. – Cuide deles para mim, sim? – pediu. 

 

Com um aceno de cabeça e lágrimas brotando de seus olhos, a bailarina concordou. A Toreador abraçou-a, despedindo-se. Com outro abraço despediu-se do amigo, não sem antes deixar-lhe alguns avisos e recomendações.

 

Em seguida dirigiu-se para o carro de Matheus, que já esperava eficientemente na entrada da residência. Depois, seguiria de avião até a milenar cidade de Roma.

 

Continua...

 


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Notas finais do capítulo

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