Réquiem escrita por Lady May, Babs


Capítulo 3
Capítulo I - Reencontro




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2007, Paris.

 

Uma bonita garota de rosto oval, cabelos loiros na altura dos ombros, levemente repicados nas pontas com uma franja presa em diagonal com um strass, possuía olhos rasos na cor castanho claro, nariz pequeno e levemente arrebitado. Sua boca era pequena e completava-se com lábios lineares. Esta caminha durante o alvorecer pelas ruas ainda silenciosas da cidade luz. Tinha os olhos fixos em um fragmento de papel que levava nas mãos.

 

      Adentrou uma pequena mercearia onde escolheu, de acordo com sua lista, os itens de que precisava. Caminhou para o caixa, deparando-se com Jean, um senhor de meia-idade, com cabelos grisalhos na raiz, nariz fino, sempre trajando vestes de segunda e dono do pequeno comércio.

 

-Bonjour, Jean! – Cumprimentou Mirella.

 

-Bonjour, mademoiselle! – Respondeu de volta. – Só isso hoje? – Perguntou cortesmente enquanto cobrava os itens.

 

-Sim. – Respondeu simpática.

 

-E como andam os ensaios? – Continuou

 

-Corridos. – Explicou. – Amanhã estrearemos Coppélia, o senhor conhece?

 

-Sim – Respondeu, acrescentando – Em minha juventude costumava assistir todos os dias que estavam em cartaz. É uma bela história.

 

-Uma das que eu mais gosto. – Concordou a garota. – Depois nos falamos. – prometeu enquanto juntava seus pertences e voltava à rua, agora ganhando seu habitual movimento.

 

      Demorou cerca de quinze minutos para alcançar sua residência: uma pequena e isolada casa ao fundo do terreno da Ópera Garnier.

 

      A casa, térrea, resumia-se a dois pequenos quartos, sendo que um era usado como escritório, uma cozinha, banheiro e uma aconchegante sala de estar.

 

      O espaço destinado à sala era relativamente o maior da casa. Em azul degrade as quatro paredes do recinto apresentavam uma única tapeçaria com tema medieval. Logo na entrada, um pequeno aparador em que Mirella sempre colocava delicados arranjos florais. O sofá, azul escuro, dispunha-se na parede adjacente a tapeçaria. Oposta ao mesmo, uma pequena televisão e fotos de família enfeitavam a estante. Por fim, o teto revestido de gesso iluminava-se graças ao lustre com acabamento preto fosco com minicúpulas de tecido da mesma cor do acabamento.

 

      Passando por ela, chegava-se à cozinha, decorada em tons pastéis e sem maiores atrativos. A garota depositou as compras em cima da mesa da cozinha, arrumá-las-ia depois. Dirigiu-se para o quarto. Esse se resumia a um cômodo simplório. Na cor erva-doce compunha-se de uma cama de baldaquim – herança de família – um armário em tabaco preto e uma poltrona com a atual função de porta-bolsa. Pegando uma das bolsas, correu para a Ópera. Estava atrasada para o ensaio.

 

***

      Diferentemente da decoração luxuosa do Palácio[1] as salas de aulas transmitiam seriedade e simplicidade. Amplas, possuíam um piano, barras em todas as paredes e grandes espelhos nas paredes opostas às portas.

 

-Onde esteve? – Perguntou Pauline assim que avistou a amiga. – Eliseé está furiosa porque não conseguiu ensaiar com todo o elenco no palco.

 

-Eu fui fazer compras. – Respondeu de modo sincero.

 

-Onde esteve, Stra. Sudré? – Esbravejou Eliseé, a coreógrafa-geral. – Bom, não importa. Aqueça-se na sala um e vá para o palco. – Ordenou antes de retirar-se. Pauline venha comigo!

 

***

      A noite exalava o agradável odor de juventude. A cidade luz enchia-se de jovens pelos bares, namorados passeavam de mãos dadas pelos jardins ou as margens do Sena, enquanto os turistas eram facilmente localizados com suas câmeras fotográficas no perímetro da Torre Eiffel ou do Arco do Triunfo.

 

      Somente assim, imersos em tão vivo ambiente e protegidos pela escuridão que Elliot, Matheus e Tiffany chegaram a Paris.

 

-Há séculos que não venho a Paris. – Comentou Elliot consternado. Matheus e Tiffany, como bons amigos, calaram-se.

 

      Caminharam pelas iluminadas ruas da cidade. Desfrutando do cálido odor de sangue fresco e jovem. Uma verdadeira tentação.

 

-Sim? – Perguntou a dama ao atender seu celular.

 

-Sente-se triste ao vir para essa parte do mundo não? – Começou Matheus enquanto sua noiva falava ao telefone.

 

-Você não tem idéia. – Confirmou o outro. – Me corrói o coração vir a Paris. Enquanto muitos dão a vida para vir para cá, eu luto com todas as minhas forças pelo contrário.

 

-Sinto muito tê-lo forçado a vir.

 

-Nada tem a ver com isso Matheus, além do mais, minha presença se faz necessária nesta reunião. Não poderia faltar, mesmo que quisesse e mesmo odiando Paris. – Disse o moreno.

 

-Desculpem-me pela intromissão, mas Ambrosin nos espera no hotel.

 

      Aquela seria a primeira noite das três anteriores a reunião da Camarilla. Rumaram para o hotel. Lá chegando encontraram-se com o amigo e também servo de Tiffany.

 

-Boa noite minha senhora! – Cumprimentou o vampiro. – Pontifix Matheus, Lorde Elliot. – Acrescentou com uma pequena reverência.

 

- Boa noite. – Cumprimentaram em resposta.

 

- Minha senhora, as malas já foram devidamente acomodadas e dois automóveis estão à sua disposição. – Explicou entregando as chaves para os respectivos hóspedes.

 

- Obrigada Ambrosin. – Agradeceu Tiffany. – Por que não tira o restante da noite para descansar? – Propôs.

 

- Obrigado. – Completou dirigindo-se para a noite com uma pequena reverência.

 

-Até mais tarde. – Desejou o lorde antes de pôr-se a caminhar, sem rumo, pelas ruas de sua antiga Paris.

 

-Não seria melhor que alguém o acompanhasse? – Sugeriu a dama.

 

-Ele ficará bem. – Acalmou-a Matheus oferecendo seu braço e juntamente com sua noiva adentrando o luxuoso hotel.

 

***

 

-Sim? – Permitiu Elliot ao ouvir baterem na porta de seu quarto.

 

-Está tudo bem? – Questionou o amigo entrando no quarto que se encontrava em completa escuridão.

 

-E por que não estaria? – Revidou.

 

-Tiffany está preocupada com você. – Explicou Matheus. – Acha que não deveria ter vindo.

 

-Agradeço a preocupação, mas realmente estou bem. – Disse. – Já sou grandinho Matheus.

 

-Meu caro amigo, está realmente pronto para encontrar-se com Laila após todo esse tempo?

 

      Elliot calou-se. Estivera tão absorto em devaneios e vagas lembranças de seu passado que se esquecera por completo daquela que lhe tirara a felicidade.

 

-Imaginei. – Concluiu o Pontifix permitindo que o silêncio instalasse-se no ambiente.

 

-Não poderia esconder-me dela pela eternidade, não? – Comentou. – Desejo, contudo não ser obrigado a tolerar sua presença por muito tempo.

 

-Compreendo. – Ponderou o outro. – Bem, vou deixá-lo dormir.

 

-Tenha um bom descanso também. – Desejou o lorde sabendo que não dormiria aquela manhã. Como descansar com o fantasma de sua Catharina assombrando-o tão de perto?

 

***

 

      Com a retirada do grande astro e a chegada da noite, os seres das trevas, protegidos pelo suave reflexo lunar aventuravam-se pelas ruas. Tiffany, acompanhada por Matheus, encontrou Elliot sentado à mesa do amplo e requintado restaurante do hotel. Segurava às mãos, uma taça de vinho.

 

-Boa noite, Elliot. – Cumprimentou a dama.

 

-Boa noite. – Retribui sinalizando para que se sentassem.

 

-Tem algum compromisso para esta noite? – Perguntou Tiffany visivelmente com segundas intenções.

 

-Não que eu me lembre. – Respondeu simpático.

 

-Então eu poderia ter a honra de sua companhia para ir à Ópera? –Continuo enquanto Matheus divertia-se com a cena.

 

 -Seria uma honra.

 

-Obrigada. – Agradeceu contente.

 

      Elliot concordou com um aceno. Tiffany sempre conseguia o que queria. O rapaz admirava a mulher a sua frente, não por sua beleza, que de fato era estonteante, mas por sua sabedoria. Sempre que se sentia aflito ou desconsolado, era ela quem lhe conjurava palavras de calmaria.

 

      Triunfante com sua recente bajulação, Tiffany retirou-se para o quarto, arrumou-se assim como seus acompanhantes e sem demoras dirigiram-se ao Palais Garnier.

 

            Situada na IX divisão administrativa, a Ópera Garnier era mais um dos pontos turísticos obrigatórios em Paris. Com 11000 m2, o majestoso edifício era ornamentado e ricamente decorado com frisos de mármore de diferentes cores, colunas e estátuas. Até mesmo o telhado possuía esculturas douradas.

 

            Ao entrarem, o quarteto não pode evitar de notar a beleza de seu interior. Sendo um dos locais mais célebres, a nave da grande escadaria de mármore que, numa criativa obra arquitetônica, se abria em dupla revolução. O salão possuía também alegorias homenageando a história da música; a abóbada ratificava o tema tendo a lira como elemento principal da decoração.

 

            Caminharam pelo grande salão, pela ante-sala, com suas formas retangulares, lustres enormes e o bonito jogo de espelhos, que aumentava as dimensões do ambiente. Pelas janelas, contemplava-se o museu do Louvre.

 

            Assim que o segundo sinal de aviso soou, o quarteto dirigiu-se ao camarote prontamente requisitado por Ambrosin. Como representantes do clã Toreador, a dama e seu servo adoravam a ópera, os balés e as exposições.

 

            Apesar do luxuoso hall de entrada e suas salas e salões, a verdadeira estrela da ópera era a sala de espetáculos. Com capacidade para 1979 pessoas e comportando até 450 artistas no palco, o local era iluminado por um imenso candelabro de cristal e folheado a ouro com enfeites de liras, combinando com a pintura dos anjos no teto. Todos os assentos eram de veludo vermelho e a cortina, de seda pintada, imitava um drapeamento com cordas douradas.

 

            Assim como todo o salão, o camarote também era decorado em vermelho e dourado. Projetado na forma de semicírculo, dava aos telespectadores igual visão da cena.

 

            A Ópera era uma verdadeira obra de arte, digna de ser inspiração para romancistas famosos como Gastón Leroux, em O Fantasma da Ópera.

 

            O balé, assim como se podia observar no cartaz, era Coppélia. A história tinha como trama uma jovem e seu noivo. Esse se encanta por Coppélia, a boneca do Doutor Coppélius, um idoso fabricante de brinquedos. Swanilda, sua noiva, desconfiada, adentra a casa do doutor descobrindo que se trata apenas de uma boneca.

 

No final, os jovens noivos casam-se com a benção do fabricante que logo após o casamento sai da cidade.

 

            Elliot reconheceu muito de sua história enquanto assistia à peça. Um jovem noivo apaixonado, que se encanta momentaneamente por outra. Infelizmente sua sina diferenciava-se do final feliz que os jovens da trama tiveram.

 

            Todavia, esse mesmo destino, que muitas vezes pregou-lhe peças, por puro mimo trouxe-o de volta à Paris, e ao âmago de suas torturantes noites.

 

            Com o término da apresentação, um sofisticado coquetel fora servido para o corpo de baile e alguns convidados, dentre esses, Elliot.

 

O vampiro, que tinha nas mãos uma taça de champagne, elogiava a peça quando uma das bailarinas interrompeu-o.

 

-Mil perdões, mas o fotógrafo está a sua procura mademoiselle Elissé.

 

-Ah, Mirella estava mesmo falando de você. – Comentou. – Monsieur Elliot Tremere, esta é Mirella Sudré, uma de nossas solistas.

 

-Encantado, senhorita. – Cumprimentou-a beijando-lhe a mão.

 

-Se me derem licença por um instante, sim? – Pediu a coreógrafa.

 

-Claro. – Concordou o vampiro.

 

-A apresentação lhe agradou, monsieur? – Perguntou simpática, enquanto fixava sua atenção nos traços fortes do homem à sua frente.

 

-Muito. – Concordou. – Estava perfeita. – Elogiou enquanto analisava-a. Elliot não acreditava no que via. Com exceção dos cabelos, a jovem lembrava muito Catharina. Mirella possuía o mesmo olhar sincero e revelador que sua amada, assim como seu temperamento alegre e singelo.

 

-Algum problema? – Questionou vendo que o jovem não lhe tirava os olhos.

 

-Peço perdão, eu perdi a noção do tempo por alguns instantes. –Tentou explicar-se.

 

-Engraçado, tenho a impressão de conhecê-lo, mas não me recordo ao certo. – Pensou alto.

 

-Também tenho essa impressão. – Comentou fazendo-a corar.

 

-Desculpe-me monsieur, não percebi que falei alto.

 

-Não se preocupe.

 

-Mirella. – Chamou Pauline ao longe.

 

-É melhor eu ir. –Disse. –Muito prazer em conhecê-lo, monsieur Tremere. – Finalizou desaparecendo entre os outros convidados.

 

 -Minha Catharina. – Sussurrou Elliot crendo que sua mente cansada e atormentada pregava-lhe uma peça.

 

Continua...



[1]  A Ópera Garnier também é chamada de Palácio Garnier.


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Notas finais do capítulo

Enjoy. E por favor comentem, só assim saberemos se a história está boa.