Diários da Noite escrita por MsWritter


Capítulo 5
Aquele dia


Notas iniciais do capítulo

Presente de aniversário atrasado para Carol! Tá eu sei, vocês vão dizer: Mas que maldito presente de grego é esse? Bom, é que tem pra hj... Espero que tenham gostado desse devaneio. A todos pela atenção, muito obrigada!



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"Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal" (Friedrich Nietzsche)

Já faz duas semanas desde que escrevi pela última vez, e sinto que seja este o momento de relatar os fatos que me corrompem os pensamentos e despedaçam meu coração diariamente.

Nunca mais folheei os diários, não sendo capaz de ler o relato frio dos eventos acontecidos nas noites em que Alucard andou pela Europa. Eram desprovidos de qualquer tipo de sentimento ou pensamento do vampiro, deixando claro que estes morreram após o século em que vagou pela terra. Não havia mais Vlad dentro dele, e a parte demoníaca do monstro não me interessava. Alucard nunca escreveu nada que se passava em seu coração morto, da mesma forma como não me dizia quando estávamos sós. Mas no fundo eu sabia que ele sentia algo, mascarado por trás daquele sorriso macabro. Eu via flashes de emoção que identificava como cinismo, mas hoje compreendo que era tristeza. Uma tristeza vazia que ocupava mais espaço em sua alma do que a loucura de sua eternidade.

Alucard sentiu algo durante os séculos, mas ele jamais escreveu. Podendo apenas imaginar o que isso seria pelo que conhecia de Vlad e do vampiro, não me importei mais em ler. Era um sofrimento desnecessário afinal.

Tentarei então relatar os fatos ocorridos, mesmo que isso me custe várias pausas e lágrimas que não consigo mais conter. Estou determinada a cumprir minha missão, na esperança de que isso recupere minha paz, mesmo ao custo de minha sanidade.

      Eu já havia recebido alta há semanas, e nada de Vlad reagir. Não deixei o hospital em momento algum, mas também não me foi permitido ir muito além da parede de vidro.

Eu queria vê-lo de perto, queria tocá-lo e sentir seu calor, ter certeza de que estava vivo, mas apenas alguns poucos médicos tinham acesso à área. Tudo parecia ainda mais sério agora.

E então, um dia, depois de quase um mês em silêncio, e os médicos já perdendo a esperança, Vlad acordou.

No entanto, ele não se mexeu. Nunca soube se tentou abrir os olhos, pois estavam vendados. Não tentou vencer as bandagens que seguravam sua mandíbula no lugar. Nada. As únicas coisas que davam algum sinal de vida eram sua respiração rápida e os bib bibs acelerados da máquina que monitorava seu coração.

Estava tendo um ataque de pânico. Foi sedado antes que algo pior acontecesse, e após alguns exames, recebeu uma dose mais alta de remédios, permanecendo em coma induzido por mais um mês.

Então chegou o dia em que pararam a medicação, retiraram as bandagens, permitiram que nos aproximássemos. Fiquei observando pelo vidro Celas se aproximar, arrumar uma mecha de cabelo. A vampira então murmurou alguma coisa e eu vi os olhos âmbares de Vlad se abrirem em seu rosto, seu perfil em minha direção. Eu podia ver algumas cicatrizes sobre seu nariz, provavelmente vindo de uma pior do outro lado do rosto recentemente barbeado, livrando-o da barba de dois meses que cresceu enquanto ele não habitava seu corpo.

Os olhos fraquejaram, fecharam-se sutilmente. Celas pousou a mão sobre a testa dele, murmurando mais alguma coisa. Os lábios de Vlad se moveram devagar. Por um instante tive medo de acreditar no que vi a minha frente. Minha impressão era que ele havia murmurado “Integra” para Celas. Nunca ele pronunciou meu primeiro nome. Nunca. Então não acreditei em um primeiro momento. Ai Celas olhou diretamente para mim através do vidro. Em pouco tempo estava entrando no quarto, hesitante.

Um brilho de reconhecimento passou por seus olhos cansados e depois ele os fechou. Aproximei-me com certa curiosidade, admito. Queria saber que tipo de cicatriz maculava o outro lado do belo rosto de Vlad.

Não estava preparada para descobrir que não havia mais rosto ali.

Apenas um amontoado de pele disforme e marcada, sem estrutura, sem definição. Nada. Passado o choque me disseram que ele teve aquela parte do rosto triturada e não havia nada que pudessem fazer para reestruturá-la.

Quando penso novamente naquele momento, tudo o que me vem a mente é em como lamento não ter prestado atenção nas palavras que apenas metade dos lábios foi capaz de articular. Apenas na metade imóvel daquela boca que já fora tão bonita, mas agora estava arruinada para sempre.

Não sei o que ele disse. Daria tudo para saber. Só que naquele momento não me importavam seus sentimentos, não me importavam seus medos, não me importavam seus outros ferimentos. Porque sim, seu ombro esquerdo, seu pulso, toda aquela lateral havia sido atingida com igual magnitude. Só me importava seu rosto arruinado, sua aparência grotesca. E todos os dias eu me culpo e me repreendo pelo sentimento que tive. Era nojo. Eu o repudiava, não conseguia tolerar suas feições.

Virei o rosto. Respirei fundo contendo a ânsia de esvaziar o estômago no quarto da UTI e sai pela porta, sem jamais olhar para trás. Devo ter perdido a visão de um olho âmbar e outro branco marejarem e, sinceramente, não sei se isso é algo que eu lamento.

Passei o resto da semana trancada em meu quarto. Sai apenas quando ouvi a movimentação de Vlad chegando e sendo transportado para seu quarto. Dirigindo-me até seus aposentos, no entanto, encontrei apenas a porta sendo fechada por Celas. A vampira me encarou com seus olhos vermelhos, de uma forma como achei que era raiva, mas percebi um profundo pesar em suas palavras, entendendo finalmente que era tristeza o que se camuflava na voz dela. Disse-me que Vlad queria descansar, para deixá-lo sozinho por um tempo. O choque de tê-lo visto aquele dia já havia passado. Não tinha aceitado ainda, como poderia? Mas queria vê-lo novamente, queria saber como estava. Verbalizei este pensamento para a vampira, ela ficou alguns segundos encarando os próprios pés, quando me respondeu. Jamais esquecerei a resposta. Ela disse “Vlad-san está confuso. Mas creio que principalmente cansado. Ontem, quando ficou sabendo da alta, ele me perguntou para onde deveria ir... Parece que ele acha que agora que não se parece mais com Alucard, não é bem vindo à mansão”.

É lógico que aquilo pesou fundo dentro do meu estômago. Ele ainda acreditava que só estava conosco por se parecer com Alucard? Caramba, ele ERA Alucard, não tinha como separar. Mas nós gostávamos dele por ele! Eu o amava... e por amá-lo não pude tolerar seu rosto destruído. Porque era minha culpa. Se eu tivesse lhe dado a chance de se explicar... Se ele tivesse me dito que não havia concordado com a Rainha em nos casarmos obrigados... Se eu não tivesse sido tão mimada aquele dia...

Será que teríamos nos casado e vivido felizes? Será que eu teria o tão falado herdeiro da Hellsing? Tantos serás são o que me consomem a alma...

Ele não saiu do quarto naquele dia. Na verdade, fui vê-lo três dias depois, sentado na mesa, tomando café da manhã. Aparentemente Celas havia insistido para que ele saísse do quarto, já que a vampira havia trocado seus horários de forma a se sentar na mesa com ele, tomando sangue em um copo com canudo de forma que lembrava muito um milk-shake.

E Vlad tentou sorrir para mim. Sorrir com olhos tristes, com apenas metade de seus lábios obedecendo a seu comando, mas sorrir. Sentei-me a mesa, mas não consegui comer nada.

Os dias que se passaram foram parecidos. Ocasionalmente ocupávamos os mesmos cômodos, mas não conseguíamos mais nos sentir a vontade um na presença do outro.

Até que um dia ele me disse que estava indo embora. Quando eu perguntei porque, ele simplesmente me respondeu que não conseguia mais suportar o olhar que ei lhe dirigia. Eu cheguei a implorar que ele ficasse, que não era repúdio, era culpa. Que eu sentia muito tudo, que seria diferente. Ele deu meio sorriso mais uma vez, respondendo: “É por isso mesmo Milady. Foi um acidente, ninguém teve culpa. Mas minha presença a faz se sentir culpada. Quero que se sinta livre, por isso eu vou”.

Na manhã seguinte nem Vlad e nem Celas estavam mais na mansão.

Perambulei por aquelas paredes vazias por dias, até que notícias de ataques por vampiros me chamaram a atenção. Decidi voltar a trabalhar, mas apenas me dei conta do padrão poucas horas antes do último ataque, sendo incapaz de impedi-lo. Aqueles malditos vampiros estavam tramando alguma coisa... Para que diabos estavam traçando um pentagrama com sangue? Por que em lugares tão impactantes? Seminários, escolas... Crianças e padres apenas...

            No mês seguinte Celas estava de volta. Não explicou o que fazia novamente na mansão, nem onde estava Vlad. Quando finalmente tomei coragem para perguntar, foi em meio a gritos de dor e desespero que soube que, severamente ferido, Vlad não resistiu à uma virada na temperatura, logo após o caso de pentagrama. Parece que ele havia percebido antes de mim e tentado impedir. Provavelmente tenha conseguido.

            Celas nunca me contou como tudo aconteceu. Sinceramente, acredito que não queira realmente saber. Parece que ele foi sepultado na Romênia. Gostaria de me conformar acreditando que agora ele esteja em paz.

            Sigo hoje meus dias vazios, carregando apenas a culpa por ter arruinado a vida dele. Por causa de malditos cinco segundos.


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Notas finais do capítulo

Então é isso. Até mais! Acompanhem Anjo!



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