Moving In Together escrita por makkori
- Venha morar comigo.
A proposta foi sussurrada antes da hora de fecharem os olhos e o céu se tornar o breu que sempre caracteriza a madrugada. Sua respiração parou por um momento e os olhos desfocaram, mas a culpa não era do sono, tampouco da escuridão.
Com um ronco dissimulado, fingiu já estar entregue nas mãos de Morfeu¹.
E o outro apenas suspirou e afundou a cabeça no travesseiro e murmurou um boa noite.
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- Eu quero que você se mude.
A questão voltou para assombrá-lo. Ele sabia que uma hora ele teria que parar de se esquivar e debater o assunto. E sabia também que o chunchcrunchcrunch que fazia não iria salvá-lo de responder. Isso porque o outro iria esperar o tempo que fosse até ele engolir .
- Você não gosta da minha casa atual?
- Não foi isso o que eu quis dizer.
Crunchcrunch.
- Se gosta não vejo motivos para eu sair de lá. Quer um pouco?
- Não, obrigada – recusou, impaciente - Eu quero que você more comigo. Se quiser ficar no seu apartamento, eu posso conviver com isso. Eu posso ir conviver nele. Com você.
Crunchcrunchcrunch.
- O que me diz?
Crunchcrunchcrunch.
- Hiroto?
Gulp. Cof cof.
Cofcofcofcof.
- HIROTO!
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- Não acredito... Você... Fingiu engasgar?
- Não, aquilo foi real. E oportuno.
- Tão oportuno que até pareceu algo forjado.
Hiroto passou as mão nos cabelos, aflito.
- Você não entende, Nao, eu... Não sabia o que dizer. E a insistência me fez engolir errado.
- Você é um idiota.
- Não sou!
- ...
- Ok, eu sou.
- Claro que é.
As duas últimas semanas tinham sido horríveis e a sensação de medo não dissipava. Porque Hiroto, em toda sua vida, não fazia a mínima idéia do que fazer. E essa situação não era exceção.
- O que vai fazer?
Hiroto estava aflito e angustiado e com o estômago embrulhado pelo sentimento sem definição. Nao suspirou e fechou a janela antes que o vento levasse os papéis jogados propositalmente em sua mesa e balançou negativamente a cabeça enquanto pensava na situação do amigo. E nunca passaria na sua cabeça que Hiroto estava considerando sair do país e ir para, quem sabe, a Coréia do Norte, que era ali ao lado e, melhor, isolada.
- Não aceitar. Só não sei como o recusar ainda...
- Não aceitar por..?
- Ah, hm, aquela história de sempre, hm, é, privacidade e etcetera. Como andar pelado pela casa e ir no banheiro de porta aberta. É, tipo isso. Não estou preparado para abandonar esses costumes caseiros importantes, é.
De fato, um idiota.
- Que desculpa fajuta.
- Cala a boca.
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- Hiroto, acho melhor darmos um tempo.
O garoto saiu do estado de transe induzido pela tela da TV e olhou e olhou e acho que não devia ter feito isso porque a feição séria do outro era demais para conseguir sustentar o contato ocular.
- Não tenho mais certeza que você realmente quer isso como eu quero.
- Isso...? – sussurrou.
-É, isso, nós. Não gosto de me sentir o único correndo atrás das coisas , eu não sou o único nessa merda que eu nem sei se dá mais para chamar de relacionamento.
A parede estava de uma cor alaranjada quando Hiroto olhou para fora e viu o sol abaixando lentamente. Pena que outro interpretou essa quebra de olhares como uma resposta muda, e não uma fuga. Cerrou mais os punhos, pensou por mais alguns segundos e depois decidiu não pensar pois sabia que se o fizesse talvez agora, agora que o céu já apresenta a noite do dia seguinte, ele ainda estivesse naquela sala, observando um Hiroto distante.
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- Mas que diabos, Hiroto!
- Vai embora, Nao.
- Não até você voltar a se comportar como um ser humano e arrumar sua casa... E tomar um banho.
- Não quero, vai embora.
- Olha, Hiroto – tirou um objeto não identificado e uma embalagem de alguma comida da borda da cama - Eu sou seu amigo, por isso vou te falar algo – sentou-se na área recém limpa – Você até agora estava com medo de elevar sua relação. Agora que ela está reduzida a quase nada você está deplorável. Seja sincero com você mesmo. Você não gosta dele.
As cobertas foram abaixadas e abaixo revelou-se um par de olhos castanhos incrédulos.
- Não, você está errado, eu gosto dele.
- Não, Hiroto. Você o ama, seu grande idiota.
E essas foram as últimas palavras de Nao antes dele sair pela porta desviando dos objetos espalhados pelo chão. Hiroto ficou encarando o teto, esperando ter uma epifania ou algo do gênero ou pelo menos sofrer uma combustão porque a vida dele facilitaria tremendamente se ela deixasse de existir. Porque Nao tinha razão.
E assim como tudo em sua vida, ele não sabia como lidar com esse amor.
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Hiroto não sabia quantos dias haviam se passado desde que começou a viver como um misantropo. Mas quando a cortina estava aberta conseguiu contar quantas vezes o sol se pôs. Chutando, diria que ficou dez dias, mas a informação borrava então arredondou para duas semanas.
Cansado e triste e levantando da cama e depois caindo pela falta de uso das pernas, ele xingou baixo e decidiu não ligar e nem enviar uma carta mesmo querendo muito utilizar esses métodos-indiretos-alternativamente-convenientes. Tomou um banho e decidiu visitar o outro e assumir que era idiota e idiota e muitomuitomuito idiota mesmo. Conseguir um perdão já era conseguir mais do que devia então nem pensava na possibilidade.
E foi assim que se viu parado na frente da porta marrom trabalhada do apartamento número 78 do prédio cinzento já bem conhecido. Respirou profundamente uma, duas e três vezes, uma quarta só para dar coragem antes de apertar a campainha e depois se deparar com uma porta enquadrando o corpo do ainda namorado. Na verdade ele não sabia se ainda poderia defini-lo assim, mas não queria colocar o tão temido prefixo “ex”.
Hiroto quis chorar quando percebeu que não conseguia pronunciar nada, mesmo tentando com toda a vontade que tinha. Ele já tinha praticado tanto o que dizer, palavra por palavra, entretanto não considerou o fator realidade e a força que o mesmo realizava em seu treinamento.
- Hiroto?!
A voz surpresa e sem a raiva que imaginou encontrar incrivelmente o fizeram capaz de responder.
- O-oi. E-Eu posso conversar com você?
- Claro, entre.
O clima era desagradável, os dois comportavam-se como desconhecidos e a única coisa que Hiroto notou e agradeceu e lamentou era a indiferença e não raiva proveniente do outro.
O menor pigarreou.
- Eu...
- Você...?
- Eu... Eu sou um medroso e idiota e burro e... Eu sou um idiota que nunca quis que você achasse que eu não gosto de você. Eu gosto de você. Na verdade eu te amo. E sou um idiota.
O maior olhou e olhou e suas sobrancelhas se ergueram para depois abaixarem e sua boca elevar-se no lado direito de seu rosto. Era um sorriso astuto e esperto de quem sempre sabe. E ele sabia.
- Finalmente você percebeu.
Hiroto pensou muito antes da ficha cair e ficar com cara de bobo e acabar se sentando no sofá atrás de si. Os olhares se prenderam e ali ficaram o tempo necessário para cada um receber sua confirmação.
- Hiroto, nós não precisamos morar juntos nem nada se você não quiser. Era apenas dizer não. Eu só queria mostrar o quanto me importo com nós.
- Me desculpe.
- Tudo bem.
- Me desculpe mesmo.
- Ok.
- Sério, desculpe.
- Ok, faremos sexo de reconciliação e pare de me pedir perdão.
-... Ok.
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Assim como no início, os corpos estavam quentinhos e devidamente cobertos e abraçados e enamorados e com sono. Hiroto certamente era confuso com muitas coisas em sua vida, mas apenas uma, e a mais importante delas, era certa.
- Tora.
- Hm?
- Eu aceito.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
¹ Morfeu: Deus grego dos sonhos. Provavelmente isso já é claro e translúcido para quem gosta de Sandman (inutilidade).
Eu não coloquei o casal na descrição, pois acho que o fator surpresa é até agradável, se não fosse tão óbvio. Enfim. História bobinha.