Sangue em Pó escrita por Mirian Rosa
Lyon, 28 de Abril. Quinze dias se passaram desde a entrada de Sofia no grupo e já há dezoito dias, Peter Mackintosh era dado como morto. Na sede da Interpol, o foco das atenções dos agentes era a máfia, mais em específico a família Fiorella e seu implacável “chefe” Don Angelo Fiorella. Sofia falava sobre as diversas atividades e a imensa lista de crimes que tal família era acusada de ter cometido e de ainda cometer, fazendo Don Corleone e Al Capone parecerem mais dois padres que outros mafiosos para os colegas, Nikolas estava cada minuto mais assombrado com a falta de escrúpulos dos Caporegimes de Fiorella. Renato e Santeri também estavam assombrados com o que ouviam, mas um deles estava mais interessado em conseguir outras coisas com a italiana, e não eram conhecimentos sobre a máfia.
Havia algo estranho entre os agentes, o clima andava pesado desde a morte de Mackintosh. Tal estranheza estava presente, principalmente entre o finlandês e a italiana. A hostilidade com que se tratavam era quase irônica, o que gerava diversas dúvidas para Renato e Nikolas. Os dois comentavam esse caso e o alemão levantou a bandeira:
— Renato, acho que entre esses dois há algo mais que relação de trabalho. Acho que desse mato sai cachorro.
— É coelho, Nikolas.— corrigiu o brasileiro.— Mas... Você está insinuando que os dois podem estar juntos, é isso?
— Talvez... Preciso investigar mais.— ponderou o alemão.
A poucos metros de onde o alemão e o brasileiro especulavam, numa sala reservada, Santeri e Sofia estavam conversando também a respeito das investigações, Santeri decidira contar à italiana que Carlson queria pôr mais um agente na equipe, mas não havia se decidido ainda.
— Parece que o Carlson quer aumentar a equipe, Rossini... Ele acha que nós quatro não estamos dando conta do recado. Mas é só especulação, por enquanto.
— Mais um, é?— perguntou Sofia, sem saber muito bem o que dizer.— Creio que será melhor. Quanto mais gente estiver investigando mais rapidamente poderemos resolver esse caso.— concluiu a agente estranhando o fato de Santeri não parar de acariciar as costas de sua mão. Tentou tirá-la debaixo da do finlandês, mas Santeri segurou-a e foi só aí que Sofia percebeu que o bonitão da terra dos mil lagos tinha segundas intenções naquele momento.
— O que significa isso, Korhonen? — perguntou ela, séria.
— Santeri.— permitiu o agente.— Já vai ver.— terminou puxando Sofia para perto de si e beijando-a. A italiana, apaixonada pelo finlandês desde que se conheceram na sala de Carlson quinze dias antes, rezava para que isso um dia acontecesse, correspondeu. Depois...
— Santeri, não devíamos ter feito isso...
— Por que não, Sofia?— perguntou o finlandês.
— Ah, não sei... Aqui é nosso local de trabalho...
— Ah, sim... Mas, se for isso, não estamos atrapalhando ninguém. O Schweizer e o Almeida estão lá fazendo o serviço. Nem perceberam que a gente se beijou e a investigação continuaria empacada, tendo nós dois nos beijado ou não.— disse Santeri revelando-se um humorista por trás de uma carapaça de frieza, tipicamente nórdica.
— Isso lá é verdade.— concordou a italiana rindo.
O casal beijou-se novamente combinaram de se encontrar mais tarde, fora da Interpol para namorarem direito, e depois, voltaram para a sala deles, onde foram surpreendidos por Carlson que lá também estava conversando com Renato e Nikolas.
— Demoraram nessa reunião particular, não?— brincou o americano.
— Impressão sua, Carlson.— disfarçou Santeri, sem-graça.
— Espero que sim. Bem, como eu já havia dito para Korhonen, na época ainda era só especulação, entrará um novo agente na equipe. É um especialista em perfis criminosos, o que facilitará o trabalho. Chama-se Dario Fraschetti e, como podem perceber, ele é compatriota de Rossini. Ele chegará dentro de três dias. No momento trabalha no escritório da Interpol em Roma.
— Confirmado, então?— perguntou Santeri.
— Claro. Espero que vocês se entendam.— disse Carlson prevendo, intuitivamente, a “rixa” que se seguiria.
¨¨¨¨¨
Os três dias de intervalo entre o anúncio da entrada de Dario e sua chegada passaram relativamente rápidos, haja vista que a morte de Mackintosh desnorteou os agentes. Muito embora eles já estivem com Don Angelo Fiorella na mira.
— Gozado...— comentou Nikolas.— Nesses relatórios aqui não há indícios de envolvimento de mafiosos com o narcotráfico...
— A maioria dos mafiosos não mexe com narcotráfico mesmo, Nikolas, gostam de fazer contrabando de azeite pra os Estados Unidos. Bom, isso em tempos de guerra. E também extorquir comerciantes.— contou Sofia.
— É... Lembrei-me agora, de quando li o livro “O Poderoso Chefão”. Don Corleone, que perto de Don Fiorella virou um monge budista, não quis nem saber de virar traficante.— continuou o alemão.
— Tem muita ficção naquela história, mas ela é bem genuína, sim. Mas temos que ver que Don Corleone “trabalhava” no período entre guerras. Hoje, o narcotráfico é um negócio bem lucrativo para a máfia.
Os agentes continuavam os debates quando, via mensagem, Carlson os chamou. Santeri, o mais afastado do debate, interrompeu a produtiva conversa de Nikolas e Sofia para avisar-lhes que Carlson os chamara.
— O Fraschetti deve ter chegado.— concluiu o finlandês.
Entraram na sala de Carlson aos tropeços e encontraram o novo agente do grupo ao lado do americano. Dario Fraschetti era alto, tinha olhos e cabelos escuros e, assim como Santeri, transpirava uma autoconfiança incrível. Com trinta e seis anos, trabalhava como psicólogo forense em Roma, onde nascera e vivera até então. Era especializado em identificar perfis criminosos através dos vestígios deixados na cena do crime e já havia posto, antes de ingressar na Interpol, quarenta assassinos perigosos atrás das grades (Coincidentemente ou não, a maioria deles ligados ou à “Cosa Nostra”, ou à “Camorra”).
— Pois bem.— começou Carlson.— Esse é Dario Fraschetti, que peguei emprestado, por assim dizer, de nossa sede Romana. Fraschetti, essa é a equipe que está cuidando do caso. Santeri Korhonen, Nikolas Schweizer, Renato Almeida e Sofia Rossini, sua compatriota.
— Prazer.— disse Dario, tímido, mas seguro, aos novos colegas. Nikolas percebeu, na hora, que os “santos” de Dario e Santeri não combinavam. “Essa história vai ensebar” pensou o alemão, desejando que sua previsão não se concretizasse.
Em apenas algumas horas trabalhando juntos, Nikolas teve que se contentar com a previsão nada furada que fizera. Tudo que Santeri decidia fazer nas investigações, Dario contra-argumentava. O alemão percebeu que ambos estavam, veladamente, disputando a liderança subsidiária do grupo e, se continuassem naquele impasse, os narcotraficantes é que acabariam lucrando, enquanto integrantes da equipe que os investigavam se digladiavam.
— Ô, dois! Façam o favor de convergirem seus pensamentos e pararem de bancar dois adolescentes!— interferiu Schweizer.— Isso vai travar as investigações, gente. E quem vai sair no lucro são os traficantes.
— O Schweizer tem razão.— reconheceu o finlandês, acalmando os ânimos.
Como se não bastasse tal problema, Nikolas ainda tinha a “investigação paralela” que fazia sobre o estranho relacionamento de Santeri e Sofia. Algo dizia ao agente que havia “boi na linha” naquela relação. Nikolas, entretanto, não tinha provas de seus pressentimentos, precisaria, e muito, da ajuda do acaso.
Passados alguns dias, o alemão desistiu de querer provar - mais para si mesmo que para qualquer outro - que Sofia e Santeri tinham algo mais. Sabia que o finlandês - com quem trabalhava havia quatro anos - não poria uma investigação daquele calibre à prova por conta de um inoportuno relacionamento. Entretanto, guardou suas hipóteses na manga para voltar a investigar o caso quando achasse oportuno. “Autos ao arquivo provisório até a juntada de novas provas”. Brincou Nikolas consigo mesmo, imitando um despacho judicial.
Mas, enquanto Nikolas tentava se desencanar da história, a mesma só esquentava entre o casal. Poucos dias depois de se beijarem, o casal dormiu junto pela primeira vez e logo estavam terminantemente apaixonados um pelo outro e decididos a permanecerem juntos.
Os dias se passaram e os atritos entre Santeri e Dario eram constantes. As hipóteses que um criava, o outro tentava derrubar, gastando todos os argumentos existentes na contestação. Isso sem contar que ambos tentavam, um mais que o outro, chamar a atenção de Sofia, só que era notório que o finlandês ganhava ambas as disputas, o que deixava o italiano indignado.
— Pessoal, por favor, vamos deixar essas mesquinharias de lado. O Javier e o Mackintosh é que vão sair no lucro.— sibilou Nikolas ainda mais irritado. Logo depois, percebendo a burrada que falara: Como Mackintosh poderia sair no lucro se estava morto? Muito embora, para tal pergunta, o alemão tivesse uma resposta alternativa.
— Tem razão Schweizer.— concordou Santeri sem perceber o “furo” de Nikolas.
— É, mas Korhonen errou quando disse que a máfia está por trás da morte de Mackintosh, não acha, Sofia?— perguntou Dario galanteando a conterrânea.
— Ao contrário, Fraschetti, as características do homicídio que vitimou Mackintosh são típicas da Camorra, a máfia napolitana. Família Fiorella, suponho eu.— disse Sofia deixando Dario irritado.
Renato também percebia esse mal-estar, mas quase sempre ficava quieto, enquanto Nikolas chamava a atenção dos dois e ameaçava contar a Carlson sobre os atritos. Mas nem mesmo a italiana, parte do motivo dos atritos entre o finlandês e Dario, estava mais suportando a situação. Temia também, que Dario, Nikolas ou Renato desconfiassem (ou ainda descobrissem) do seu envolvimento com Santeri. O finlandês e ela decidiram que dentro da Interpol, seriam apenas colegas de trabalho, mas fora do local, nada os deteria.
¨¨¨¨¨
Praticamente um mês já havia se passado desde a morte de Mackintosh e ela ainda trazia elementos intrigantes. Os laudos de balística e os exames de resíduos de pólvora eram misteriosos, esquisitos e ilógicos. Os agentes ficaram ainda mais confusos após lerem os laudos técnicos da cena do crime.
— Tem alguma coisa errada aqui...— resmungava Renato lendo os laudos.
— O quê, Renato?— perguntou Nikolas.
— Ah, isso está muito estranho. Um dos tiros foi disparado a quase dois metros de distância da vítima, só havia impressões digitais do Mackintosh na arma, suas digitais foram queimadas após o assassinato, os demais tiros foram disparados encostados e a arma estava a vinte centímetros da mão esquerda de Mackintosh na cena que a polícia encontrou... Está difícil entender isso. E detalhe: Deus e o mundo sabem que Mackintosh é destro.
— Verdade. Ele não conseguiria atirar muito bem com a mão esquerda. Os laudos de balística estão aí?— perguntou Nikolas.
— Ah, estão. Aqui. Hum... Todos os disparos foram efetuados pela mesma arma, a nove milímetros encontrada na cena do crime.
— Se não fosse pelas digitais queimadas, pelo disparo à distância e pelo excesso de tiros, seria uma clássica cena de suicídio. Seja lá quem foi que executou esse crime, pisou na bola tentando desesperadamente desfigurar o rosto de Mackintosh como se não quisesse que ele fosse reconhecido.— disse Dario sisudo.— E... Sou canhoto, e realmente até consigo atirar com a mão direita, mas a mira não é nada estável. Jamais acertaria um alvo a mais de um metro de distância.
— Isso mesmo, Fraschetti. A não ser que o disparo à distância seja acidental.— disse Santeri miraculosamente concordando com o italiano.
— Putz!— soltou Nikolas dando um tapa na própria testa.— Essa cena só pode ser montada! Se o assassino só tivesse mesmo a intenção de “dar um susto” no Mackintosh. Pra que atirou tanto na cara dele depois?
— Hã?— perguntou Renato com cara de ponto de interrogação.
— Estou usando a ideia do Korhonen de que o tiro à distância foi acidental. Quando ele viu que o havia atingido... Resolveu liquidar o serviço, mas ainda tem uma coisa no ar... Por que o exagero?— explicou Nikolas.
— Agora sim! Outro detalhe: a mão de Mackintosh, ou o que sobrou dela, não tinha vestígios de pólvora.— informou Renato.
— Depois que ele viu que o Mackintosh “já era”, deu os outros disparos, limpou a arma, colocou-a nas mãos do escocês. Deixou a arma no chão e queimou as mãos dele. Irc! Tem que ser muito sangue-frio pra fazer isso.— disse Nikolas com cara de nojo.
— É. Concordo.— Santeri era seco.— Mas, agora, temos que descobrir se o tráfico achou um “substituto” para Mackintosh e, em caso afirmativo, quem é essa pessoa.
— Nikolas, no dia que recebemos essa notícia você disse que, talvez, tudo não passasse de uma armação, Mackintosh não seria a vítima. Esses detalhes da cena reforçam sua teoria.— era Sofia.— Dão um pouco mais de peso a ela.
— Você acha?— perguntou o alemão, surpreso.
— Acho.— respondeu a Italiana.
— Mas, o corpo é parecido com o do Mackintosh... Os legistas deram oitenta por cento de certeza que se trata do nosso procurado!— contestou Dario.
— Isso não significa muita coisa... Peter pode ter catado alguém parecido com ele lá, deu o primeiro disparo enquanto estava escondido depois se aproximou e completou o serviço. Deu os tiros no rosto, queimou as mãos, trocou os documentos. Está perambulando por aí tranquilo como se nada tivesse acontecido.— explicou Renato.
— Quantas hipóteses!— brincou Carlson aparecendo subitamente na sala.
— É, estamos queimando alguns neurônios.— brincou Renato.
— Ótimo, mas, meus caros, estive pensando o seguinte: Não é muito do feitio da Interpol, mas decidi colocar vocês pra fazerem investigações de campo. Pretendo enviá-los para Nápoles.— continuou Carlson.
— A “casa” do Fiorella?— perguntou Nikolas assustado.
— Lá mesmo, Schweizer. Alguma objeção, meus caros agentes?
— Não, não, nada, Carlson.— disseram os cinco agentes em coro.
— Ok, então. Vocês irão a Nápoles em questão de dias. Vai tudo depender do que a cúpula da Interpol decidir. Mas já podem fazer as malas. Os chefões já estão quase concordando.
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