Sangue em Pó escrita por Mirian Rosa


Capítulo 12
Epílogo




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            A depressão de Peter no cativeiro aumentava cada vez mais, já que nem a companhia de seus colegas de tráfico no cárcere ele tinha. Isolado em uma cela destinada a presos de alta periculosidade, não tinha o que fazer a não ser rememorar o que aprontou nos seus últimos vinte anos... O que mais lhe vinha à mente eram as cenas da noite em que matou Ralf Schneider e do “reencontro” com o mesmo, na pele o irmão gêmeo Michael. Não imaginava que seu truque seria descoberto, muito menos que seria reconhecido como o “Peter Mackintosh” em Madrid, quando fora lá apenas para tomar algumas doses de uísque e se distrair. Receber Javier Marquez não estava nos planos do escocês. O colombiano pegou Peter de surpresa no aeroporto. E também, foi pego de surpresa ao reconhecê-lo.

            Pegaram, juntos, um trem com destino à Holanda. Peter decidira que a casa de Lars era um local seguro. Durante a viagem, explicou a Javier a troca de identidade.

            — Jav, você sabe que a Interpol está na minha cola, precisei fazer aquilo.— explicou Peter, naquele longínquo dia, para o colega da Colômbia.

            — E mata o alemão?— retrucara Javier.— Pete, tem noção do tamanho do problema que você arrumou? E se alguém naquele aeroporto te reconheceu? Hein?

            — Relaxa cara! A chance de isso acontecer é mínima! Mas não sei quase nada sobre a vida dele.

            — E então? Vai que algum parente dele descobre? Mudando de assunto, o que você está fazendo da vida e onde está morando desde a sua morte?

            — Perguntinha tétrica essa a sua, não? Estou na Holanda, vivendo com a identidade desse alemão e trabalhando naquela galeria de arte onde o Lars é curador.

            — Faz o quê?

            — Sou faxineiro.

            — Sei... E o original fazia o que da vida, sabe?

            — Não. Parecia ser bem apessoado, mas isso não significa muito. Existem diversas ocupações e há tempos não sou de julgar livro pela capa.— disse Peter.

            — Filosofando, Pete?— ironizou o colombiano.

            — Se você acha...

            Essa história lhe vinha à mente sempre que se lembrava dos detalhes da execução do crime. Como abordara Ralf na Torre Eiffel, e o levara para o Arco do Triunfo. Conversaram por um tempo, o suficiente para que Peter ficasse nervoso e a toda hora levasse as mãos às costas para tocar na pistola presa no cós de sua calça e também ao silenciador recém-comprado este no bolso. Enquanto o alemão tirava fotos do local, afastou-se alguns metros engatou o silenciador à arma mirou, prendeu a respiração, fechou os olhos e atirou. Quando tornou a abri-los sua vítima jazia no chão, já sem vida. Disparou algumas vezes contra o rosto dele para desfigurá-lo, porém sem contar quantos disparos efetuara. E tirou três isqueiros dos bolsos quebrou dois deles sobre as mãos de sua vítima e ateou fogo. Ainda sentia o cheiro da pele queimada de Schneider e ouvia o barulho dos tiros, sentindo asco de si, que dera no alemão, que só soube que era um médico casado e pai de dois filhos quando foi desmascarado em Amsterdã. Depois disso tudo, revistou os bolsos do sujeito e trocou as carteiras, não sem antes pegar as notas que tinha e juntar com as de Ralf. Não se preocupou em saber detalhes da vida de sua vítima muito menos em ver se o desaparecimento do mesmo era investigado. Estava lá na cadeia amargurando sua derrota. E era tudo culpa disso. Michael certamente ficaria satisfeito com a notícia. E foi exatamente nisso que Carlson pensou quase no final do expediente no dia seguinte à prisão.

¨¨¨¨¨

            Carlson repassava alguns detalhes do caso quando achou, dentro de sua gaveta um nome anotado com telefones, e-mail e o nome de um hotel de Lyon, próximo à Interpol. Foi até a sala dos agentes com o papel em mãos:

            — Minha nossa! Ô memória ruim essa minha! Schweizer, venha comigo.— disse Carlson chegando à sala onde os agentes se encontravam. Passara algumas horas, pela manhã, conversando com os agentes sobre os interrogatórios. Todos, exceto Santeri que estava no laboratório analisando a cocaína com Thierry, estavam na sala.

            — Xi... O que houve, chefe?— perguntou Nikolas desconfiado do chamado.

            — Nada demais. Venha até minha sala.

            — Pois não, Carlson?— perguntou Nikolas já na sala.

            — Esquecemos de algo importante ontem.— revelou o americano a sós com Nikolas em seu gabinete.

            — O quê?— o alemão estava desconfiado. Aparentemente nada fora esquecido.

            — Contar para o Michael que, finalmente, prendemos o homem que matou seu irmão.

            — Ah, é! Tem razão! Quer que eu faça isso agora?— perguntou Nikolas aliviado.

            — Se assim o quiser... Fique à vontade.— permitiu Carlson.

            Nikolas pegou o telefone e ligou para Munique, casa de Michael. Não sabia, mas Ingrid e os dois filhos de Ralf moravam com Michael agora. Uma mulher atendeu a ligação.

            — É... Quem está falando?

            — Ingrid.— respondeu a mesma.

            — Oi, Michael Schneider se encontra?— perguntou Nikolas todo atrapalhado. A última coisa que ele imaginava era que a viúva de Ralf atendesse a ligação.

            — Está sim, quem deseja falar com ele?

            — Nikolas Schweizer, da Interpol.

            — Interpol?— perguntou Ingrid assustada.

            Nisso, seu ex-cunhado/companheiro deu um pulo da cadeira onde estava assustando até mesmo Nikolas. “Credo, que barulheira” pensou o agente ao ouvir o ruído de algum móvel ter sido subitamente empurrado.

            — É o Nikolas?— perguntou Michael para a ex-cunhada, de pé ao lado dela ansioso para falar com o agente.

            — É. O que você tem na Interpol, Michael?

            — Outra hora eu te conto.— desconversou Michael tomando o telefone das mãos de Ingrid.

            — Nik? O que houve?

            — Michael? Boas novas! Não sei se a notícia saiu nos jornais aí da Alemanha, mas... Peter Mackintosh foi preso essa madrugada aqui em Lyon.

            — Sério?— a voz do engenheiro parecia animada.— O verme desprezível está preso?

            — É. Estava vendendo cocaína perto de Gerland. O estádio de futebol daqui.

            — Bom saber. Preciso voltar aí?

            — Um minuto. Carlson, Michael quer saber se precisa voltar aqui pra alguma coisa.

            — Dessa vez não, a não ser que queira visitar Mackintosh na prisão.— respondeu o americano.

            — Só se quiser fazer uma visita pro Peter.— Nikolas reproduziu a fala do chefe para seu conterrâneo.

            — Não, não. Muito obrigado. Dispenso. Esse sujeitinho miserável já me fez sofrer muito nesses últimos meses.

            — Tudo bem. Só te liguei pra contar a notícia da prisão. Ainda estávamos te devendo essa.

            — Só de me deixarem de frente com aquele sujeitinho asqueroso naquela viagem à Holanda já quitaram a dívida. A cara de susto dele quando me viu...

            Enquanto Michael conversava com Nikolas ao telefone Ingrid ouvia a conversa cada vez mais intrigada. Quem era o “sujeitinho asqueroso”, o “verme desprezível” e o “sujeitinho miserável” que Michael usava ao telefone? E mais: eram três pessoas diferentes ou eram todos “apelidos” de uma só pessoa? E em momento algum, ligou a conversa do ex-cunhado com o agente da Interpol à morte de seu marido. Finalmente, após aproximadamente vinte minutos, Michael desligou o telefone.

            — Que conversa foi essa?— perguntou em tom de censura.

            — Ingrid, a Interpol prendeu o cara que matou Ralf em Paris.— explicou Michael.

            — Como é que é?

            — Foi o que lhe falei antes de viajar para a Holanda, um traficante de cocaína escocês matou Ralf e assumiu a identidade dele...— disse Michael explicando para a ex-cunhada, com quem morava desde o sumiço do irmão, a história inteira de novo. A família de Ingrid sequer se manifestara sobre o desaparecimento de Ralf.

            — Pegaram o sujeito então?

            — Exato.

¨¨¨¨¨

            Depois de lembrar Nikolas para contar à notícia a Michael Schneider, Carlson foi até o laboratório da polícia francesa “resgatar” seu agente e também ver se a análise fora concluída. Ao chegar, ficou conversando com o delegado que fora, assim como ele buscar os resultados da perícia. Santeri entregou-lhes os papéis e voltou para o laboratório ajudar Thierry, um futuro agente da Interpol, em sua opinião, em seu trabalho sobre barbitúricos. Depois de ver que era cocaína pura o que os traficantes portavam, esperou o finlandês ajudar o estagiário e voltou para a Interpol com Santeri.

            — Que confusão que foram essas minhas últimas horas! Preciso relaxar e dormir.— disse Santeri, cansado.

            — Vai sair com a Sofia, Korhonen?

            — Quem sabe.— disse o finlandês num tom evasivo.— Não planejamos nada ainda.

            — Korhonen, poderia lhe fazer uma pergunta?

            — Claro.

            — Por que escondeu sua relação com Sofia por todo aquele tempo? Achava que relacionamentos eram proibidos?

            — Não... Só não queria misturar as coisas... E ela também... Mas fora daquele prédio, não escondíamos de ninguém nossa relação.

            — Eu sei... Vi vocês dois se beijando cinematograficamente naquele restaurante perto da Ponte Bonaparte. Mas vocês não me viram lá. Estava com a minha esposa.

            — E não fez nada com a gente?

            — Não posso impedir um agente de se apaixonar. Mas a coisa mudaria de figura se em vez de namorando vocês estivessem, por exemplo, de papo com um conhecido narcotraficante por lá.— era Carlson lembrando-se do caso de Pablo Ortega, agora, um presidiário.

            — Entendi...— disse Santeri entendendo o que Carlson dissera com aquela conversa: Agentes da Interpol eram livres para fazer o que bem entendessem, desde que não atrapalhassem as investigações. O namoro dele e de Sofia jamais seria reprovado pelos superiores do casal. Finalmente ambos poderiam planejar um casamento, embora o filho, já planejado não tivesse assustado Carlson.

            — Aliás, se ainda quiserem ter um filho, fiquem à vontade... Nossa missão já se encerrou nesse caso.

            — Ok, eu falo com a Sofia sobre isso. E é claro que ainda queremos ter nossos filhos.

            — Certo... Nossos?

            — Dois ou três.

            — Estão animados! Vejamos se essa animação continua depois que o mais velho nascer.— gracejou o americano.

            A dupla caminhou pelos quarteirões que separavam o laboratório da Interpol. Depois da conversa sobre o relacionamento de Santeri com Sofia, o finlandês aproveitou que estava em alta com seu chefe para “promover” Thierry. Aquele garoto tem talento, Carlson, só precisa de experiência. Logo poderá entrar aqui. Elogiou Santeri terminando sua frase quando entraram no estacionamento da Interpol.

            — Ok, Korhonen, quando precisarmos recrutar novos agentes me lembrarei do nome desse rapaz. Thierry Lefebvre. É isso?

            — Exatamente.

            Na sala onde trabalhavam, Santeri e Carlson encontraram seus colegas/subordinados trabalhando ainda no caso Madrid, como fora chamado por conta do local do óbito dos nigerianos.

            — Acho que já chega desse caso.— disse Carlson.

            — Ainda temos o resultado de DNA do Ortega pra esperar. Aí sim, podemos dizer caso encerrado.— disse Nikolas.

            — DNA do Ortega? Por quê?— perguntou Carlson intrigado.

            — Esqueceu da Catalina? Temos que saber se foi com ele que ela transou antes de ser assassinada pelo Vampiro.— Jean.

            — Ah, sim. Havia me esquecido desse capítulo da história. Mas creio que isso fuja da nossa competência.— disse Carlson.— Mas está interligado com nosso caso... Ah, não sei. Vamos continuar nesse caso, mas sem grandes preocupações.

            — Se o senhor assim o deseja.— disse Santeri puxando Sofia para um canto. Contou que Carlson os “liberara” para ter um filho. A italiana até que gosta de saber da notícia, mas está mais preocupada com o caso no momento.

            — Temos ainda algumas coisas para acertar nesse caso, San. Em casa nós conversamos sobre isso, certo?— disse Sofia que, depois de assumir para Carlson que namorava o colega, mudou-se para a casa do mesmo.

            — Ok.— concordou Santeri beijando a italiana.

¨¨¨¨¨

            Na prisão, não era só Peter quem rememorava sua vida pré-carcerária. Seus dois colegas também o faziam. Embora Lars, ao contrário de Peter e Pablo, já tivesse um pouco mais de “experiência” no ramo. Não era, de fato, a primeira vez que amargava no xadrez, já frequentara aquele ambiente em outras ocasiões. Como três anos antes na Bélgica e há poucos meses, aquela história do quadro. Mas o que volta e meia se repassava na mente do holandês não eram suas prévias experiências carcerárias, e sim o dia dez de abril à tarde quando, arrumando sua casa, tocaram a campainha. Abriu a porta e para sua surpresa quem estava lá do outro lado da soleira era Peter Mackintosh! O cara dado como morto na França há algumas horas.

            — Peter? Não sabia que fantasmas visitavam os outros durante o dia! Pra mim era só à noite e para puxar o nosso pé.

            — Deixe de gracinhas, Lars.— respondeu Peter entrando na casa.

            — Alô polícia?— ameaçou Lars de celular imaginário em punho.

            — Vai ligar pra polícia, cara?

            — Se você continuar me tratando desse jeito...

            — Sem essa, vai. Você está em vantagem. Preciso me esconder.

            — Ok. Eu te concedo um refúgio se me contar direitinho essa história de Paris. Quem é o defunto, na verdade?

            Peter pegou uma carteira no bolso traseiro da calça. Olhou um documento.

            — Ralf Schneider. Alemão.

            — Só agora que você olhou isso aí? O que mais tem aí?

            — Só isso, parece ser uma habilitação.

            — Você já pode dirigir na Alemanha.— debochou Lars.— Mas eu acho que defuntos não dirigem.

            — É...

            — E o que mais sabe da vida desse tal Ralf Schneider. E pra que você fez isso, Pete?

            — A Interpol já me identificou nas imagens do aeroporto de Madrid do dia que a carga perdida chegou. Ah, não sei quase nada da vida desse cara. O negócio agora é ficar quieto e esperar que eles esqueçam que eu existo.

            — Existia. Você se matou, bestão!— disse Lars.— E vai fazer o que enquanto estiver morto? Sei que parece tétrico, mas...

            — Sei lá... Só quero tirar a Interpol da minha cola.

            — Já sei disso. Então, preferiu se fingir de morto a ir pro xilindró?

            — O que você acha? Qualquer um faria o mesmo na minha situação.

            — Mas... Pete... Não foi você quem matou aquelas mulas. As cápsulas se romperam no estômago delas, se tem dedo de alguém da rede nessa, esse dedo só poderia ser do Javier ou do Henry.

            — Tem razão. Provavelmente do Henry.

            — Por quê?

            — Não sei como te explicar, mas que ele não andava muito normal da última vez em que nos falamos... No dia da chegada da carga. Toda hora trocava Dakar e Madrid de posição.

            — Como assim?

            — Ele me dizia que o avião faria escala em Madrid antes de chegar a Dakar, coisas assim.

            — Esquisito mesmo.

            Já Pablo, tinha coisas mais sérias para se lembrar. Antes de ingressar na Interpol, algumas semanas antes de ser convocado para a equipe de Carlson, era policial em Barcelona. Detetive e dos mais corruptos, embora nunca houvesse provas de que ele era um malandro. E também, traficava cocaína numa área da capital da Catalunha. Outra coisa até Amsterdã nunca provada. Mesmo com toda essa sujeira na ficha, o agente fora convocado para uma entrevista... Início da triagem para um futuro ingresso na polícia internacional.

            — Oficial Ortega,— começou o entrevistador.— Você está prestes a assumir uma responsabilidade muito maior que a que já tem desde que ingressou na polícia, compreende?

            — Sim, claro. Ser um agente da Interpol não é serviço pra qualquer um.

            — Perfeitamente, quero que saiba disso antes de ir para Lyon.

            — Já vou?

            — Sim.— respondeu o entrevistador.— A Interpol está solucionando um complicado caso sobre o tráfico de cocaína, envolvendo um dos maiores produtores da droga, um colombiano chamado Javier Marquez. Aparentemente esse inescrupuloso traficante adulterou quilos da droga que foram enviadas aqui para a Europa através de mulas do tráfico e essa adulteração provocou a morte de todas elas. Foi uma perda irreparável. Independentemente de essas pessoas terem se oferecido para essa prática abominável. Tinha até duas meninas de onze anos no meio. Como a história toda começou aqui na Espanha, você entrará na equipe para ajudá-los a resolver esse caso.

            Enquanto o entrevistador fazia aquele discurso e falava mal de Javier, Peter e Henry, Pablo se revoltava. Não com os fatos e sim com as palavras do sujeito. “Eles não são nada disso!” pensava. Por um instante, achou que não deveria entrar para a Interpol, pois trairia seus colegas, logo, no entanto, percebeu que poderia colocar a turma em vantagem contando diretamente da fonte o que a polícia estava planejando. Agora, por culpa de um vacilo em Amsterdã estava em uma cela da cadeia de Lyon e não do lado de fora, comemorando as prisões com seus ex-colegas. E lá dentro só conseguia pensar em uma coisa: Fuga. Também isolado, por saber demais e ter trabalhado na Interpol, mesmo não merecendo, planejava um jeito para escapulir do presídio antes de ser julgado por narcotráfico.

            Os dias passaram e Lars sempre que possível ajudava a polícia para que sua pena fosse atenuada, foi com a polícia ao local onde ele, Marius, Peter, Victor e Pablo “moravam” em Lyon e também ao ponto do Ródano onde jogaram o corpo de Catalina, que foi encontrado passando em frente à Interpol, em poucas horas, e a arma de Marius usada no crime.

            — Foi bem aqui, disse quando estavam as margens do Ródano que começava a descongelar na chegada de Março.

            Um agente, equipado para mergulho em águas geladas, entrou no leito do rio e saiu de lá, dez minutos depois empunhando um enferrujado revólver.

            — É esse o revólver, Van Gogh?— perguntou-lhe outro agente.

            — Está bem deteriorado, mas é parecido. Um minuto. Poderia virá-lo? Não sei se eu vi demais ou se de fato havia algum desenho no cano...

            O agente virou a arma para que Lars pudesse ver o outro lado. Lá estava o desenho. Era um semicírculo com duas retas saindo de pontos opostos imitando dentes caninos. A marca de Marius “Vampiro” Dragulescu, o mais temido traficante de cocaína da Romênia e do Leste Europeu. Também chamado de Dragonildo.

            — É. Foi essa mesmo.— reconheceu Lars.

            — Parece um desenho de criança.— comentou o agente.

            — É... Mas é isso o que a arma tinha, dentes de vampiro.— explicou Lars.

            O agente não disse nada “Cada louco com suas manias” pensou. Mas isso não era a única coisa que movimentaria o “Crime do Ródano” três semanas depois da prisão do trio, saiu resultado do exame de DNA confirmando era de Pablo o sêmen encontrado no corpo de Catalina. Depois da confissão de Lars, tal notícia não pegou ninguém de surpresa.

            — O Lars já tinha falado disso. Ela foi morta enquanto transava com o Pablo, se não fosse dele, ou o exame fora adulterado ou Lars, Peter e Pablo mentiram.— disse Nikolas.

            — Pablo nos contou no dia de sua prisão. Vampiro pegou os dois juntos e abriu fogo...— contou Santeri.

            — É. Há outras hipóteses, mas vamos ficar só com essas.— disse Carlson.

            — Verdade.— disse Jean mesmo achando que não havia mais nenhuma alternativa para o caso em tela. “Ou é adulteração ou mentira do trio”

            Mas o tempo traria novas surpresas para o caso...

¨¨¨¨¨

            Cada vez mais deprimido, Peter sabia que não sairia da cadeia tão cedo. Isso se saísse. O cárcere o enlouqueceu tanto que ele só viu uma saída. Fez o que planejara.

¨¨¨¨¨

            No dia seguinte, na Interpol...

            Carlson entra na sala onde seus agentes estão iniciando os trabalhos do dia. Está com uma expressão tensa, sisuda que normalmente não teria. Nikolas é o primeiro a ver o chefe naquele dia.

            — O que aconteceu, Carlson?

            — Vejam isto.— disse Carlson exibindo aos agentes uma foto. Nikolas tem ânsia de vômito ao vê-la, Santeri, Renato, Dario, Sofia e Jean ficam emudecidos de choque.

            — Não pode ser.— murmura o francês.

            — Fraschetti, olhe bem pra foto e diga-me se se trata de uma armação ou foi o que parece mesmo ser.

            — Preciso mesmo olhar pra essa foto, Carlson?— perguntou Dario com a voz triste.

            — Infelizmente...— respondeu Carlson sem vontade.

            O italiano olhou para a foto fixamente por alguns minutos contendo a ânsia de vômito.

            — Ao que tudo indica, sim. Foi realmente o que parece, não foi cena montada pra tapear a polícia e tudo o mais. Mas, não dou muita certeza não, chefe. Sendo o fotografado quem é...

            — Obrigado.— disse Carlson recolocando a foto dentro de um envelope. E voltando para seu gabinete.

            Assim que Carlson saiu de perto os agentes que entreolharam surpresos.

            — Alguém me diz que eu não vi aquilo!— pediu Renato ainda tentando assimilar a notícia.

            — Infelizmente, ou felizmente, vai saber, você viu sim, Renato. Não só você. Todos nós. E agora? O que faremos?— era Nikolas, o alemão também tentava se recuperar da notícia. Massageava o estômago, seu “ponto fraco” que invariavelmente, após ver a tal foto, “lembrou” seu dono de que existia.

            — Nada.— disse Santeri.— Pra ser sincero acho que esse último acontecimento não afeta o caso. Só se for cena forjada, mas muito bem montada. Agora, se for realmente o que se parece, está fora do nosso alcance.

            — É. Mas por que será que ele fez isso?— perguntou Jean.

            — Depressão, ouvi dizer.— respondeu Dario.

            — Certo.— disse Nikolas.— Não aguentou ficar trancafiado em uma cela. Agora...

            — Vamos falar com o Carlson. Talvez ele saiba mais detalhes desse acontecimento bizarro.— sugeriu Renato.

            — Boa ideia.— aprovou Nikolas.

            A recente descoberta pesava com um resquício de culpa sobre os ombros dos agentes. Teriam eles sido os responsáveis pelo que acontecera? “De certa forma, somos”, imaginou Nikolas. “Afinal, a prisão dele fomos nós que pedimos, ninguém mais.”

            — Carlson, podemos entrar?— perguntou Santeri.

            — Claro. Algum problema?

            — Essa última notícia.

            — Sim, Korhonen, sei que é chocante, mas... O que tem ela?

            — O que faremos?

            — Nada. Creio eu que nada poderá ser feito com essa informação.

            — Falo com o Michael?— perguntou Nikolas.

            — Se achar necessário contar-lhe tal fato, Schweizer, fique à vontade.

            Nikolas foi até o telefone colocou a mão no aparelho e ligou-o, mas desligou logo em seguida.

            — Não sei se vale a pena.— disse ao final.

            — Acalme-se, pois não há urgência. Por mais que o tempo passe o fato não vai se modificar.— disse Carlson.

            — Como os outros dois reagiram?— perguntou Santeri.

            — Não sei. Aliás nem sei se os agentes carcerários contaram aos dois o acontecimento.— disse Carlson ainda chocado com o acontecido.

            Depois do almoço, Nikolas parecia ter se recuperado do choque. Estava mais tranquilo. E decidido a contar a notícia a Michael. Pegou o telefone e ligou para a casa do mesmo em Munique. Dessa vez foi atendido pelo próprio.

            — Alô?

            — Gostaria de falar com Michael Schneider.

            — É ele quem está na linha.

            — Oi, Michael, sou o Nikolas da Interpol. Tenho mais notícias sobre o caso.

            — Mackintosh fugiu?— perguntou Michael assustado. Sua sobrinha de dois anos estava na sala o chamando de “Pai”. Não conseguia separar Michael de Ralf.

            — Não. Longe disso. Ao contrário. Ele se matou na prisão.

            — Como é que é? O cara se suicidou?— perguntou Michael já com a menina no colo.

            — Exato. Enforcou-se com os lençóis da cama. Típico. Parece que estava meio deprimido.

            — Ninguém se mata quando está meio deprimido cara. Ele estava, pelo jeito, totalmente deprimido pra ter feito isso.

            — É.

            — Quando foi isso?

            — Os carcereiros descobriram hoje de manhã. Temos uma foto. Quer que eu envie pra você?

            — Poupe-me dos detalhes sórdidos, Nikolas.

            — Tá bom. Bom era só isso que eu tinha pra lhe contar. Qualquer coisa, eu estou às ordens.

            — Certo. Obrigado pela notícia, Nikolas.

            Os dois se despediram e Nikolas voltou a trabalhar. Mas as imagens de Peter pendurado pelo pescoço em uma corda feita de lençol pendendo da grade da cela não lhe saíam da mente. “Igualzinho ao Fritz. Eu vou sonhar com esse negócio.” Pensou. Na época do suicídio do traficante de Frankfurt, Nikolas demorara uma semana para se recuperar da notícia do suicídio. Só conseguira ao perceber que solto, Fritz estaria colocando a segurança de diversas pessoas em risco.

¨¨¨¨¨

            No presídio o agente responsável agora tinha dois problemas: Remover o corpo de Mackintosh sem causar alarde e contar a notícia aos colegas do mesmo, Pablo e Lars.

            No horário de almoço, funcionários do IML de Lyon removiam o corpo de Mackintosh para o necrotério. O trajeto da maca passaria no refeitório do presídio, Pablo, doido para sair daquele prédio, viu a maca deixada temporariamente sozinha, mas logo um funcionário se aproximou dela.

            — O que houve com esse cara?

            — Suicídio. Vamos levar o corpo pra ver se há alguma outra coisa em jogo.— respondeu o funcionário que fora lá apenas para retirar a maca do local.

            “Tem sim” Pensou Pablo. “Minha liberdade”. Não deu nem tempo do funcionário assimilar o “golpe”. Pablo deu-lhe uma gravata e ele caiu desacordado. Assim, aproveitando que o refeitório do presídio ainda estava deserto, Pablo arrastou-o até um banheiro. Lá dentro, o espanhol vestiu as roupas do funcionário, colocou seu uniforme do presídio nele e se “infiltrou” na equipe. Então, teve o sórdido desejo de saber quem era o defunto. Levantou o lençol. Suas pernas fraquejaram e ele quase caiu. Era Peter! “Ah, não!” Pensou o espanhol. “Você não, cara!” Pensava Pablo encostado na parede oposta à maca soluçando. “E agora? Como farei?” Continuou Pablo. Queria fugir, mas tudo se facilitaria se Peter fosse junto. Agora... Era impossível. “Bem, vamos em frente.” Pensou o espanhol ao se deparar com o novo problema. A última coisa que ele esperava era ver seu “mentor” a caminho do IML. Para uma autópsia.

            Logo, chegaram outros funcionários, estranharam um pouco Pablo, chamando-o pelo nome do dono “original” do uniforme. Mas, fingiram que tudo estava certo, e não pararam para conferir a fisionomia de Pablo com a estampada no crachá.

            Cerca de uma hora após o horário de almoço no presídio, quando os presos já estavam devidamente recolhidos em suas celas, o funcionário abordado por Pablo acordou, no banheiro do presídio. Desorientado, saiu de lá e caminhou até a porta sendo abordado por um dos agentes carcerários. Confuso tentou explicar o que aconteceu e descreveu o preso que o abordara, querendo saber qual fora a causa da morte do preso que seria levado para o IML. Desde então, não se lembrava de mais nada. Foi aí que via rádio, outro agente carcerário comunicou-se com ele, avisando-o do sumiço de Pablo Ortega, o traficante amigo do defunto. A cela dele estava vazia.

            Antes do almoço e da fuga de Pablo, Lars foi conduzido, sem algemas, até a sala do diretor do presídio. Lá se sentou na cadeira em frente à mesa do mesmo. O diretor foi enfático e rápido na mensagem.

            — Lars, não sei se você considerará a notícia boa ou ruim, mas... Seu colega de tráfico Peter Mackintosh foi encontrado morto na cela dele hoje pela manhã.

            — Morto? Como ele morreu?— Lars ficou surpreso.

            — Aparentemente, suicídio. Enforcamento. Tem algo a dizer?

            — Ele morria de medo de vir parar atrás das grades. Não deve ter aguentado muito o tranco.

            — Ok, obrigado, está dispensado Van Gogh.

            — Certo.— disse Lars conformado com a notícia. Sabia que Peter não conseguiria ficar muito tempo lá dentro. Ou se mataria ou fugiria. Um espírito de sádico tomou conta de Lars quando este achou por bem a primeira alternativa ter sido a escolhida. Foi até o refeitório após ser avisado da morte de Mackintosh, no horário do almoço, como todos os demais presos e não viu Pablo por lá. Continuou sua rotina, sendo subitamente interrompido na leitura de mais um livro. Foi, pela enésima vez, conduzido para a sala do diretor do presídio.

            — Ortega. Seu amiguinho espanhol resolveu cair fora do presídio. Onde acha que posso encontrá-lo?

            — Talvez naquela casa onde ficávamos antes de sermos presos. Não me ocorre outro lugar agora.

            — Tudo bem.

            A polícia de Lyon estava fechando o cerco, ninguém queria ver Pablo solto por muito tempo, principalmente os agentes da Interpol. Pablo sabia demais sobre a instituição e sua atuação no combate ao narcotráfico para permanecer solto, ou melhor, fugido.

¨¨¨¨¨

            Na Interpol, naquele mesmo momento, Carlson contava a mesma notícia para um revoltado grupo de agentes.

            — Ah, não acredito!— berrou Nikolas. Os olhos do alemão transbordavam de ódio. Seus braços tremiam descontroladamente; tamanha era sua raiva pelo acontecido.

            — Quer dizer que aquele bastardo escapou...— disse Santeri chateado.— Mas, Carlson, já sabem como?

            — Com a ajuda de Mackintosh, mesmo parecendo bizarro.— contou Carlson já imaginando a cara de interrogação de seus agentes.

            — Dessa vez ele estava realmente morto... Como poderia ter ajudado Pablo a fugir?— pergunto Dario, intrigado.

            — Ortega infiltrou-se na equipe da perícia que retirava o corpo do presídio. Tomou rumo ignorado.— respondeu Carlson.

            — Espertinha a figura.— ironizou Sofia.

            — Opa!— disse Renato.— Será que não o detiveram lá no necrotério? No prédio onde a perícia está sendo realizada? Alguém deve ter percebido que ele não é integrante da equipe.

            — Boa hipótese, Almeida. Vou checar.— disse Carlson.

            — Que estranho!— era o brasileiro de novo.— Como não perceberam que um membro da equipe estava diferente?

            — É...— disse Santeri.— Ortega está se revelando tão ardiloso quanto Mackintosh.

            — Por aí.— disse Jean.— Peter fez escola.

            — Tem alguma coisa me incomodando nessa história.— disse Sofia.

            — O quê?— perguntou Nikolas.

            — O Lars não está no meio? Esses grupos não se dissolvem com facilidade.

            — Lars resolveu colaborar com a polícia e deve estar incomunicável com Pablo. Soubemos que eles nunca se encontram nos locais comuns da cadeia.— disse Jean.— Pablo está seguindo regras diferentes no presídio, faz tudo isolado. Não pode se comunicar com nenhum outro por já ter sido policial.

            — E também, Lars falou tanto que acabou encrencando Pablo e Peter ainda mais. Pablo não deve estar muito feliz com as últimas atitudes do holandês. Pablito deve estar com o Lars entalado na garganta. Ou, outra hipótese: Pablo o “convidou” pra fugir, só que Lars, receoso de perder os privilégios adquiridos com a delação premiada, recusou a ideia. Então, Pablo fugiu sozinho.— disse Dario.

            — Excelente Fraschetti. Resta saber agora qual é o correto.— disse Santeri. Ele e os demais colegas de Dario pareciam tê-lo perdoado pela furada com o plano de Jean em Janeiro.

            — É só interrogar Lars. Ele está colaborando mesmo, mas...— começou Nikolas.

            — Mas o quê, Schweizer?— perguntou-lhe Santeri.

            — Mas se Lars está mesmo colaborando, teria contado ao diretor do presídio que Pablo pensava em fugir. E se estiver realmente incomunicável com Pablo, como ele saberia da história?— era o alemão terminando a frase.

            — Mas ainda assim, talvez saiba onde Pablo se enfiou.— disse Renato.— Podia não saber da fuga, mas talvez saiba onde Pablo pode ter se escondido;

            — É, pode ser... Mas seria muita burrada da parte de Pablo ir para algum lugar em que já fora visto. Não duvido nada de que o suspeito em tela zarpou para a Espanha.— disse Dario.

            — Ainda tem essa, Gott!— disse Nikolas, chateado.— Mas como? Onde ele arranjaria dinheiro para pagar o transporte?

            — Verdade, Nikolas, ele está sem um centavo nos bolsos, ficaria impossível sair de Lyon.— disse Renato.

            — Eu sei.— retrucou o alemão.— Agora encontrá-lo aqui... Sei não...

            Apesar dos temores de Dario e também da polícia, Lars não deixava dúvidas de que “Pablito” ainda se encontrava em território Francês. E, de fato, nem de Lyon o fugitivo saíra. Saiu do presídio junto com a equipe e mentiu que iria depois a pé para o prédio do necrotério. Saiu de uniforme e tudo pelas ruas, e escondera-se na mesma casa em que ficavam antes da prisão, mas desde quando a polícia apareceu lá pela primeira vez, no mesmo dia de sua fuga, “mudou” sua residência para a Ponte Bonaparte. Mesmo estando a ponte em uma área extremamente urbanizada de Lyon. Tal ponto ficava em frente a um movimentado restaurante. O dono do estabelecimento bem que estranhou aquele sujeito, vestido com roupas de perito médico perambulando pela área. Mas, por achar que era paranoia sua e nada fez. Talvez fosse um perito, de fato, que se esquecera de trocar de roupa ao sair do trabalho.

            Enquanto se escondia, o espanhol lembrava-se de quando estava na Holanda, com Javier. Do dia em que sumiu do hotel onde se hospedara com os colegas da Interpol até quando voltou, dois dias depois de flagrado no Hard Rock Café na companhia do mesmo.

            Na madrugada na primeira noite que passaram na Holanda, levantou-se às quatro horas esperou quase duas, seguindo instruções de Javier e saiu do hotel às seis. Foi direto para a área onde o colombiano pediu-lhe para encontrá-lo. Passaram os dias envoltos em planos e ele nem viu Peter e Lars. Uma hora, Pablo achou que já poderiam parar de se preocupar e, com Javier, foi ao Hard Rock Café tomar umas cervejas e conversar sobre amenidades. Eram quase seis horas da tarde quando eles ainda conversavam e sentiram um flash na direção deles. Não ligaram, pois havia um grupo de gregos tirando fotos incessantemente sentados a uma mesa próxima a eles e nem viram Nikolas e Santeri os encarando furiosos. Se os vissem poderiam ver o ódio que saía dos olhos do alemão como laser. Voltaram para a casa em que Javier estivera naquele período e quando Pablo voltou para o hotel Van Gogh, surpreendeu-se ao ver seus colegas da Interpol ainda lá. Estranhou a hostilidade com que Santeri, Nikolas, Renato, Dario, Jean e Sofia o tratavam. Em momento algum suspeitou que soubessem que seus contatos paralelos. E tudo piorou quando percebeu que Nikolas e Jean não saíam de sua cola, era marcação cerrada por 24 horas! Mas tudo se esclareceu seis dias após seu retorno. Carlson chegou à Holanda e foi logo entrando em seu quarto:

            — Agente Ortega, podemos ter uma conversinha?— perguntou-lhe o americano. Os olhos de Carlson estavam cheios de ira.

            — Sim, claro. Algum problema?

            — Isso é pergunta que se faça seu cretino? Tem ideia do que fez?— perguntou o americano aos berros. Não tardou para que os agentes se amontoassem na porta do quarto para assistirem ao “espetáculo”. “O circo estava armado”.

            — Carlson, do que o senhor está falando?— perguntou Pablo.

            — E você ainda pergunta seu vermezinho desprezível? Tem ideia do que fez?

            — Do que o senhor está falando, Carlson?— Pablo continuava sem saber o que acontecia.

            — Pablo Ortega, deixe de se fazer de cínico!—sibilou Carlson.

            — Eu juro, Carlson, eu não estou fingindo nada!— foi aí que viu o sorriso debochado estampado nos rostos de Santeri, Nikolas, Renato, Jean, Dario e Sofia. Carlson continuou a passar-lhe um sermão, pediu-lhe sua insígnia o expulsando da Interpol. E logo perguntou aos agentes qual deles se habilitava em contar a Pablo o motivo de sua expulsão, tendo Santeri dito que era para o próprio Carlson fazer-lhe. Ao ver a foto, suou ao se lembrar do flash. “Era isso! E eu achando que eram aqueles gregos!” pensou Pablo sendo mantido preso em uma delegacia por ordens da Interpol até o fim da missão na Holanda. Depois disso, fora entregue às autoridades espanholas perante as quais responderia por tráfico de entorpecentes. Foi-lhe concedido o direito de responder ao processo em liberdade. Estava livre há quase quatro semanas quando recebeu um telefonema de Peter pedindo para buscá-lo na estação de trens de Barcelona. Nesse meio tempo, Javier fora deportado, também pela justiça espanhola, e morreu naquele terrível acidente aéreo. Logo, decidiu que queria voltar para a Interpol. E, assumindo o controle do caso, deu um jeito de levar os colegas para a França, Lyon, mais especificamente e também de fazê-los aparecer para os policiais indo para a mais vigiada área de tolerância da cidade. Gerland fica perto de muitos pontos turísticos e sempre com diversos policiais à paisana prontos para levar para a cadeia traficantes desprevenidos e para o hospital usuários que abusassem do uso dos entorpecentes. Até mesmo seu “caso” com Catalina fora pensado para encurralar a turma. Mesmo sabendo que Vampiro era agressivo, ele foi para a cama com Catalina. Para forçar seus colegas a chegarem mais cedo a casa e os pegassem em pleno ato, escondeu parte das ampolas que Lars preparara embaixo de sua cama. Só não calculou que Marius tentaria matar o casal. Ele sabia que eles mesmos nunca seriam presos. Isso seria um privilégio de agentes da Interpol que nunca eram vistos por ele, mas Dario sempre estava lá. Até o dia em que o italiano cometeu a besteira de chamar a polícia para colocar o trio no xadrez... Aí, Pablo virou o jogo de novo. Estavam novamente em Lyon, mas fora por ordens expressas de Angelo Fiorella. Até que foram presos por Peter ter assassinado um alemão em Paris. Continuou a viver como um fugitivo, o que de fato era; por quatro dias.

            — Viram um suspeito perto da Ponte Bonaparte.— contou-lhes Carlson.

            — Interrogaram o cara?— devolveu Nikolas.

            — Nem conseguiram chegar perto dele. Assim que viu os policiais, disparou a correr.— era Carlson lamentando.

            — Não é pra menos. Se eu estivesse na mira da polícia também sairia correndo se visse um tira se aproximando de mim.— admitiu Renato.

            — Imagino.— disse Carlson.

            Uma noite, os agentes de Carlson resolvem ir juntos ao tal restaurante, cujo dono volta e meia via Pablo por perto. Seria bom para relaxarem um pouco. A investigação complicada os deixara tensos além da média.

            O jantar fora produtivo em vários aspectos. Os agentes resolveram colocar todo o tempo de investigação em pratos limpos. Nikolas admitiu ter visto Santeri e Sofia transando duas vezes.

            — Foram em duas ocasiões. Nápoles e em Barcelona. Eu já estava com o estômago meio revoltado quando vi a cena, desandou de vez. Ah, o Carlson me forçou a contar que presenciei tais cenas.— contou o alemão.— Mas não fiquei assistindo as cenas mais hã, picantes. Tinha uma hora que eu sentia vergonha de mim mesmo por vê-los transando. Mal conseguia dormir depois.

            — Tudo bem.— disse Santeri.— Nós dois fomos meio imaturos escondendo nossa relação de vocês.

            — Verdade. Não queríamos misturar as coisas, mas acabamos misturando.— disse Sofia.

            — Parte do que me fez desmantelar os planos de Jean foi ciúmes de vocês dois.— confessou Dario.

            — Você já sabia, Dario? Achei que era só eu!— surpreendeu-se Nikolas.

            — No dia que vimos o Pablo de conversa mole com Javier na Holanda. Os dois deram um beijo de cinema bem na nossa frente, Nikolas! E... Devo confessar também que eu era um pouco apaixonado por você, Sofia. Mas você escolheu o Korhonen, então, deixa quieto.

            — Sério?— perguntou Sofia surpresa. Nem imaginara que Dario era apaixonado por ela.

            — Sim, mas já passou.— disse Dario.

            — É verdade.— admitiu o alemão servindo-se de outra porção da comida.— Tinha me esquecido. Mas essa cena me surpreendeu também. Jamais pensei que vocês fariam aquilo em público.

            — Nikolas, era só lá na Interpol que escondíamos nossa relação. Mas fora daquele prédio... Até o Carlson já nos tinha visto. Aqui, nesse mesmo restaurante onde estamos agora.— disse Santeri.

            Terminaram o jantar bem depois das dez da noite, quando saíam do estabelecimento, rindo, animados com a conversa franca que tiveram lá dentro, e avistaram um sujeito assustadoramente familiar rondando o prédio e se escondendo abaixo da ponte.

            — Pablo!— exclamou Nikolas ao reconhecê-lo.— Ele está ali! Nós o achamos!

            Santeri quase saiu correndo atrás da figura, mas foi impedido pela namorada.

            —Vamos ligar para a polícia.— sugeriu Sofia.

            E foi exatamente isso o que Santeri fez.

            No telefone o finlandês pedia para a polícia agir com discrição ao chegarem às mediações da ponte, pois o fugitivo em tela era um sujeito bastante astuto.

            Logo Nikolas viu três viaturas chegando com as luzes e sirenes desligadas.

            — É hoje que o circo vai pegar fogo!— cantarolou Nikolas.— Lá vêm eles!— disse em tom baixo ao ver as viaturas chegando. Só seus colegas o ouviram dizer tais palavras.

            Nove agentes saltaram dos carros perguntando aos agentes da Interpol onde estava o fugitivo recém-encontrado.

            Pablo, embora não tivesse ouvido Nikolas avisando da chegada da polícia, desconfiou e como qualquer pessoa prestes a ser perseguida disparou a correr pela Quai de Tilsit, vendo logo que Nikolas, Renato, Jean e três agentes de polícia passaram a persegui-lo. Atirou-se no canal próximo à passarela Saint-Georges.

            — Renato, me diga que eu não vi o que acabou de acontecer! Pablo se jogou no rio!— disse o alemão, incrédulo, parando bruscamente de onde vira Pablo se atirar no canal.

            — Eu também não estou acreditando!— disse o brasileiro próximo ao alemão. Logo, os agentes viram algo se movendo dentro da água. Era Pablo, que saíra nadando pelo canal.

            — Ele saiu nadando?— perguntou Santeri incrédulo enquanto os policiais de Lyon pediam instruções ao chefe pelo rádio. E Jean fez uma catastrófica previsão:

            — Ele não vai aguentar muito tempo. As águas ainda estão com a temperatura muito baixa. Logo os efeitos irão aparecer. Ele vai morrer afogado no Ródano ou de hipotermia!— disse o francês, quase gritando.

            — Essa foi pra matar. Será que ele queira se matar mesmo, ou só despistar ou fugir mesmo?— perguntou Sofia.

            — Por ter saído nadando isso significa que a intenção dele era fugir mesmo.— disse Dario.

            De fato, depois de nadar uns vinte metros, Pablo já parecia sentir os efeitos de praticar natação às onze horas da noite em águas geladas. A temperatura da água estava abaixo de dez graus Celsius. O corpo já não respondia tão rápido quanto o espanhol queria, as braçadas estavam cada vez mais demoradas e fracas. Suas pernas também não o impulsionavam como antes. A respiração tornava-se cada vez mais difícil, como se houvesse uma pilha de tijolos em seu peito, ou pior, que ele estava preso em um bloco de gelo e os sons a sua volta confusos. As vozes de Peter, Javier, Lars, Carlson e outras ecoavam em sua mente, em frases desconexas que pontuaram seus últimos meses. Isso misturado ao vozerio real que acontecia nas margens do canal em que se atirara. Agentes judiciários franceses e da Interpol conversavam sobre exatamente o que fazer com ele que estava quase desmaiando, entregando os pontos, quando tudo escureceu de vez. Seu corpo afundou nas águas escuras e geladas do canal.

            Em terra firme, os três agentes que perseguiam Pablo com a ajuda de Renato, Nikolas e Jean viraram-se para Santeri contando as ordens que receberam dos superiores. Miraram as armas para o rio. Atiraram. Nikolas encolhe-se imaginando que o pior aconteceria.

            O barulho foi aumentando gradativamente, agora era uma ambulância que chegava ao local. Colocaram o corpo de Pablo em uma maca e o levaram.

¨¨¨¨¨

            Quando Pablo acordou, quatro dias depois, estava em um local totalmente branco. Todos falavam em tom baixo e murmuravam palavras desconexas no entendimento do espanhol. Demorou-se muito tempo para que ele compreendesse que estava na ala médica do presídio de Lyon, o mesmo do qual fugira há dez dias. Fora lá que ele teve, no fim, que confessar seu envolvimento no homicídio de Catalina. A cicatriz em seu braço direito o entregara. E ele já tinha falado para Santeri a respeito dela. A polícia lhe atirara dardos tranquilizantes, quase igual ao usado em safáris, e ele por pouco não morreu afogado. Foram necessários seis policiais para retirar seu corpo inerte das águas geladas do canal do Ródano. Era tratado por conta da hipotermia e também dos ferimentos que conseguira ao se jogar no rio: várias escoriações e equimoses.

            Confuso, Pablo tentava compreender o que ocorria à sua volta. Teve a clara impressão de que iria morrer. Nadara até o fim de suas forças quando seu corpo cedeu e nem viu quando foi retirado das águas e levado para um hospital de ambulância. Só acordara quatro dias depois de recapturado, já transferido para a ala médica do presídio, já que seu caso não inspirava mais tantos cuidados.

            — O que eu estou fazendo aqui?— perguntou ao ver um médico entrando de cara amarrada na sala.

            — Você quase morreu afogado.— respondeu o médico.

            — É? Há quantos dias?— perguntou Pablo desinteressado em seu quadro clínico.

            — Quatro. Depois de quatro dias dado como foragido você foi recapturado.— contou o médico. Mas o que Pablo mais queria saber era como estava de volta ao presídio. Mais dois dias de internação e, por fim ele recebeu alta. Foi direto para a sala do diretor do presídio, dar explicações sobre sua fuga e, também, ser alertado de que sua situação processual mudara.

            — Muito bem, Ortega. Fugiu da cadeia, não? Sabe das consequências dessa sua insanidade?

            — Sei lá.— depois de recapturado Pablo parecia não estar “nem aí” para qualquer coisa. Mesmo que essa coisa fosse sua liberdade.

            — Bom, talvez sua fuga, e principalmente por que para proporcioná-la você feriu um agente do governo, aumente sua pena em até três quartos.

            — Eu já estou preso mesmo, totalmente ferrado. O que pode piorar?— explodiu o espanhol.— Meu melhor amigo se matou, e outro cara que eu achava que era da minha turma me traiu contando tudo.— Pablo, agora, soluçava.

            — Van Gogh foi esperto. Sabia que colaborar com a polícia o ajudaria a atenuar a pena... O que vai ser abonada da dele vai se acrescentar na sua.— disse o diretor do presídio.

            — Azar.— disse Pablo com a voz alterada e doido para por um fim naquela conversa chata.

            — Ok.— disse o delegado. E, virando-se para os agentes, ordenou que levassem Pablo de volta para a cela e que dobrassem a vigilância sobre o Espanhol.

            No dia seguinte a recaptura de Pablo, tal assunto era conversado na Interpol.

            — Belo fim de noite vocês tiveram.— brincou Carlson.

            — Ô! Foi maravilhosa! Ver um cara quase morrer afogado e ainda receber dardos tranquilizantes nas costas feito um cervo na savana africana foi realmente o máximo.— ironizou Nikolas.— Uau!

            — Dardos tranquilizantes?— perguntou Carlson intrigado.

            — Não sei se é bem isso, mas atiraram coisa parecida nele pra facilitar a captura.— disse Jean.

            — Não queriam perdê-lo de vista. E ele já estava quase entregando os pontos. Não conseguia mais nadar por conta do frio.— contou Dario.

            — Um momento! Vamos recapitular? Nadar?— era Carlson cada vez mais confuso.

            — Deixem que eu explico.— ofereceu-se Santeri contando os detalhes. Nikolas, Renato e Jean perseguiram Pablo da ponte Bonaparte até a Passarela Saint-Georges. Do nada, o espanhol se atirou no canal do Ródano e passou a nadar coisa que não aguentou por muito tempo. O frio absurdo que fazia naquela noite impediria qualquer pessoa de realizar aquela façanha.— Creio eu que nem mesmo um superatleta treinado para nadar em águas geladas daria conta do recado por muito tempo. Logo depois de começar a competição, por assim dizer, ele já estava dando sinais de que não iria “durar” por muito tempo, a velocidade caiu...— concluiu Santeri.

            — Interessante.— disse Carlson depois de compreender o que se passava.

            Dois meses depois, a primavera já tornara o tempo mais ameno, se Pablo tivesse fugido agora, certamente não teria problemas em sair nadando no Ródano quase de madrugada. Carlson vai à sala onde seus agentes estão, trabalhando com rastreamento de cargas de cocaína, heroína e outras drogas pelo mundo contar-lhes que as sentenças de Lars e Pablo haviam sido prolatadas.

            — Foram é? Quais foram as condenações?— perguntou Nikolas.

            — Lars pegou cinco anos de regime fechado já Pablo conseguiu vinte, graças à fugidinha.

            — Hum, legal.— disse Nikolas agora aparentando desinteresse, voltado a rastrear cargas de ópio no pacífico.— Justas essas penas.— completou.

            Três dias depois de contar aos seus agentes as sentenças de Lars e Pablo, Carlson reuniu-se com os mesmos no Parc de la Tete D’Or. Seria apenas um momento de descontração da equipe. Santeri e Sofia não se desgrudavam, pensando no bebê que teriam, num momento próximo, mas a italiana ainda não engravidara. Jean, Dario, Renato e Nikolas apenas se distraíam com a bela paisagem do parque. Carlson, por sua vez apenas observava o local e seus agentes conversando. Jean, Dario, Nikolas e Renato não paravam de bater papo. Após alguns minutos comentou com o que se sentara ao seu lado:

            — Sabe... Esse caso foi um dos mais complicados que resolvi. Gostei da equipe que montei. Vocês formam um ótimo time. São geniais. Acho que os próximos casos serão mais fáceis, Schweizer.

            — Talvez.— disse Nikolas ostentando um sorriso ligeiramente cínico.— Vejamos o que nos espera a partir de agora.

FIM

Pedralva-MG de 21/09/2006 a 15/12/2009


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