Mais Um Conto de Natal escrita por lua_j88


Capítulo 2
Um ladrão em Londres




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Robert não estava no seu melhor humor. Papai Noel não fora exatamente gentil quando lhe deu as previsões para sua longa viagem. Um pouco de dinheiro, um trenó velho, duas renas, e um teletransporte até o país que lhe fosse mais conveniente.

- Eu escolho o país? Seus cientistas não decidiram nenhum lugar onde a probabilidade de achar a criança seja maior?

Estava no escritório do velho. Tomava uma xícara de chá enquanto olhava fixamente pela janela, como quem procura alguma coisa.

- Não. Infelizmente, é impossíivel rastrear a criança.

- E como espera que eu a ache, hein, Noel?

Papai Noel franziu a testa.

- Você estava na lista dos mal criados quando era criança?

Robert olhou para Noel e sorriu. Seu sorriso de sempre: sarcástico e zombeteiro.

- E sempre foi mais divertido do que estar na dos bonzinhos.

Tomou mais um gole e continuou.

- Voltando ao assunto, como o senhor espera que eu ache a tal criança?

- Você terá de procurar alguem que pareça viver em outro mundo, alguem que viva, como dizem os humanos? Ah, sim, no mundo da Lua.

- E o meu prazo? O cristal se romperá quando a criança crescer? Afinal, os duendes são sempre crianças.

Papai Noel bufou. Não tinha pensado nisso.

- Exceto você – o velho respondeu, ignorando a pergunta.

Robert alargou seu sorriso.

- Exceto eu – ele olhou pela janela. A duende Carla brincava com uma boneca de porcelana. Afundava a boneca ocasionalmente na neve – e.... vou ter de procurar em todo mundo até achar uma criança que viva no mundo da Lua? Devem existir milhares.

Papai Noel sorriu.

- Você vai saber. O destino está lhe guiando, duende.

Robert tomou o último gole de chá enquanto franzia a testa. Ele era um duende. A regra da magia dizia que, se você conseguisse encontrar o refúgio de Noel no pólo Norte, e passasse pelo menos dois dias lá sem ser visto, tinha permissão para roubar um pouco de magia. Mesmo assim, ser chamado de duende ainda não era costume do ladrão.

Pousou a xícara na mesa e disse:

- Vou para a Inglaterra.

- Não será reconhecido? Ainda é muito procurado, não?

- Tomarei cuidado.

- então – Papai Noel ergueu os braços – que assim seja.

Uma luz envolveu o escritório. Robert tapou o rosto com a mão, tentando proteger-se.

E então, ele ouviu.

Ouviu a buzina dos carros, as vozes das pessoas, o riso das crianças.

E, acima de tudo, sentiu aquele cheiro. Aquele cheiro antigo, sábio.

O cheiro de Londres.

Abriu os olhos devagar e olhou em volta. Era bom estar em casa.

Com exceção das renas e do trenó, é claro. Os animais reclamavam ao seu lado, e o trenó estava largado, sem o menor cuidado, no chão.

Robert largou o trenó ali mesmo: não lhe faria falta. Quanto as renas, vendeu-as a uma loja de animais. Não sem antes roubar o dinheiro da caixa registradora antes.

Saiu da loja e pensou aonde iria. Por onde começar. Primeiramente, pintaria o cabelo. Não queria ninguem acabasse o reconhecendo e chamasse a polícia.

Não no primeiro dia de liberdade.

Andou até um restaurante próximo e pediu para usar o banheiro. Como um bom banheiro, tinha um bom espelho. Robert sorriu ao constatar que sumira por treze anos, e não envelhecera nem um pouco. Magia, é claro.

Tocou nos cabelos pretos e se concentrou. As pontas começaram a mudar de cor, clareando até a raiz.

Robert sorriu. Loiro. Estava parecendo menos sério que de costume.

- O cabelo claro faz isso – pensou, enquanto saía do banheiro, do restaurante, e ia direto pras ruas.

Olhou para o bolso e contou o dinheiro. Não era muito. Roubaria mais depois. Enquanto isso, nada como uma orquestra ou coisa do tipo.

Havia um teatro onde as melhores orquestras se apresentavam. Podia ir ali a noite, relaxar um pouco.

Olhou seu reflexo na vitrine de uma loja. Terno preto. E caro. Noel caprichara quando ele disse que queria roupas humanas.

E então, caro leitor, ele se sentiu em casa mais uma vez.

Começou a andar pelas ruazinhas, pensativo. Olhava para as pessoas, as pessoas olhavam pra ele. Ninguem o reconhecia, não é? Tambem, ele não reconhecia ninguem. Mas não estava certo de que reconheceria. As crianças que usara como reféns deveriam ter crescido. Os pais ricos dessas crinaças deveriam estar velhos, se não já mortos. Ele era o único que continuava igual.

Pensou no que fazer com as renas que vendera. Devia continuar com elas? Afinal, poderiam ser úteis... Talvez fosse melhor buscá-las. De fato, seriam úteis...

Parou em frente a um café. Tinha ido ali quando garoto. Era um lugar que trazia memórias. Uma construção simples, de madeira, mas muito agradável. Música, conversa, e um preço barato.

Robert olhou pela porta da loja, que era de vidro. O lugar não mudara muito. De fato, as garçonetes pareciam mais jovens do que no seu tempo, quando só trabalhavam senhoras ali. Uma delas – devia ser a única que restara – estava sentada no balcão, acariciando seu próprio e ralo cabelo branco, enquanto olhava pra ele e falava no telefone. Robert reconheceu-a. Sra. Rose, a balconista. Uma velha mentirosa, com uma mente trapaceira e um olhar audacioso.

- Achei que tivesse morrido – murmurou. E então entrou.

Sentou-se numa mesa mais no canto da loja, na intenção de não ser reconhecido pela velha. Pediu um chá e um misto quente a uma garçonete, e pôs-se a olhar a janela. Estava chovendo lá fora. Como um dia normal em Londres.

Uma mulher sentada na mesa ao lado possuía um jornal pousado ao lado de seu lap top, onde escrevia.

- Com licença – pediu Robert – posso ler o jornal?

A mulher assentiu, mas ficou o encarando. Robert colocou o jornal na frente de si, a fim de repelir o olhar assustador da mulher, e evitar que a Sra. Rose o reconhecesse. Foi então que viu.

Havia uma foto sua no jornal. Uma bem grande. E em baixo dizia.

O famoso ladrão Robert, conhecido por cometer inúmeros assassinatos, além de roubos e assaltos com refén, e sumido há treze anos, finalmente retornou. Ou não. De alguns meses para cá, homens vestidos com o típico terno antigo de “trabalho” de Rob, roubam artigos caros de museus, dizendo ser o próprio – como alguns o chamam – ladrão violinista. Pode ser que, no fim, sejam só pessoas cujo talento para o crime não foi ouvido no mundo, e que desejam parecer mais perigosas usando o nome do velho assassino. “mas sempre tem a chance” Diz o policial Rogers, numa entrevista, “e nossos homens estão investigando, que esses bandidos façam parte de uma nova quadrilha, liderada por Robert”

Não temos certeza de nada ainda, mas a polícia está oferecendo recompensa para quem conseguir achar O ladrão violinista, vivo ou...

Robert não conseguiu deixar de sorrir. “O ladrão violinista”. Pelo visto, nenhuma de suas aventuras tinham sido esquecidas. Era “violinista” pela vez em que se disfarçara de músico, e entrara numa orquestra a fim de usar a filha de um famoso compositor como refém. Sempre soubera tocar violino, então foi uma missão fácil. Só foi descoberto meses depois do crime. Ficara com o dinheiro do resgate. E com a fama.

Balançou a cabeça e levantou-se, devolvendo o jornal à moça. Não esperaria o chá, estava com vontade de andar.

Foi quando viu que a mulher não estava lá.

- Lá está ele! É Robert, eu sei!

Ela estava parada a porta, junto com uma pequena multidão de policiais.

- A... A senhora tem certeza? O ladrão tinha cabelo preto e....

- É claro que eu sei! Foi o homem que matou meus pais! Eu o reconheceria mesmo vestido de mulher!

- É ele! – gritou um dos policiais – eu sei, já persegui esse rapaz um milhão de vezes há uns anos!

- Peguem-no – gritou um outro.

Tiros foram disparados. Robert pulou e jogou uma das mesas na sua frente, como proteção. Sua cabeça estava lenta, mas o coração batia forte. Era a volta do grandioso ladrão. Ou da fuga dele.

Pulou da mesa e correu até o balcão. Dois tiros quase o acertaram. Tinha de fazer alguma coisa, mas, o que?

Olhou de relance para a velha Sra. Rose, que lhe lançou um breve sorriso e piscou para ele. Robert lançou-se contra a porta dos fundos e correu para a cozinha. Policiais entravam por ali. Robert correu em direção a porta que levava a rua. Podia agarrar-se a um carro, mas não saberia para onde ir. Alias, para onde ele iria? Tinha de ter um plano.

Dobrou uma esquina e continuou a correr, ouviu tiros atrás de si. O coração batia rápido. Mais tiros. Continuava correndo.

Chegou ao teatro e resistiu a tentação de entrar nele. Ao invés disso, contornou-o, na máxima velocidade possivel, enquanto sentia os guardas atrás dele.

O suor escorria pela sua testa. Ele ofegava. Agora estava na rua da loja de animais. Continuou dando passos, a correr, a pular e desviar dos tiros.

Atravessou a rua. Sabia o que fazer agora. Enquanto seguia em frente, tirou o casaco do terno e o colocou sobre a cabeça. A loja de animais estava logo ali.

Ele pulou a vitrine.

Caiu dentro da loja e nem ligou para o alarme que soou, nem para o vidro que cortara sua perna. Achou a porta dos fundos. Chutou-a tambem. Entrou, usou um feitiço para trancar a porta e olhou em volta. Tiros atrás dele. Tinham achado a loja. Havia gaiolas de animais na sala dos fundos, mas só uma importava. Os policiais iam vindo, ele só precisava achar a gaiola, um feitiço a destrancaria.

Os policiais desconfiaram que ele estava ali dentro e tentavam arrombar a porta, que já era velha. Ele achou a gaiola certa.

- Abra – disse, esticando a mão. E ela abriu.

Subiu em sua montaria. Seu coração batia. Sussurrou para o animal a palavra chave para aquela espécie:

- para cima.

E então os policiais derrubaram a porta.

Mas não tinha nada lá dentro, exceto um buraco extremamente grande no teto da loja, e uma rena desaparecida.

Mas como Robert poderia ter usado uma rena para escapar? E como ela fizera um buraco no teto?

Acho que você, leitor, pode descobrir sozinho.

- Acho que vou deixar a Inglaterra por último – ofegou ele, um pouco para si, um pouco para um biscoito de chocolate em formato de árvore de natal.

E a árvore respondeu:

- Claro, faça isso. Desde que ache a criança... Alias, o que acha do meu comunicador?

Robert sorriu para a voz de Papai Noel.

- Realmente moderno. Acho que seu comunicador vai ser meu jantar hoje.

- Nem pense nisso – advertiu-o Noel – Falando nisso, nossos cientistas calcularam a idade que a criança deve ter. Normalmente os duendes são escolhidos quando, como humanos, estariam na aparência dos seus três, quatro anos. A humana deve ter essa idade.

O ladrão resmungou algo sobre bebês e deitou-se sobre a rena, que voava pelos céus da Inglaterra.

- Robert, precisa de um médico?

- Eu estou bem – o ladrão retrucou – só preciso.... descansar..... Vou desligar.... – e desligou, caindo no sono em cima do animal.

Na sua linha, do seu escritório, Papai Noel desligou o biscoito com um suspiro.

- Devemos tomar cuidado com isso... – disse ele.

- O que houve, Papai Noel? – perguntou a duende Carla, sentada ao seu lado – porque ele estava tão cansado?

- Quando era criança, tinha a saúde frágil e o coração mais frágil ainda. Não podia fazer esportes. Quando cresceu não mudou muito, e ele teve de ir para o hospital diversas vezes.

- Mas... ele não fugia assim quando era ladrão?

- Fugia... mas acho que devia estar melhor fazendo exercícios (digo, fugindo) frequentemente. Ele ficou muito tempo parado na prisão. É normal que uma corrida repentina o canse. Tomemos cuidado, não podemos perdê-lo.

Carla assentiu, e olhou para o céu da janela do escritório. Via estrelas. Embaixo delas um homem devia estar voando.

Voando numa rena a procura de uma tal criança.


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Notas finais do capítulo

Oh, esse capítulo eu tive de escrever correndo, por isso está ruim... me desculpem...



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