A Senhora da Montanha escrita por Josiane Veiga


Capítulo 3
Capítulo 3




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A Senhora das Montanhas

Capítulo III

Por Josiane Veiga

Nota: Sou contra o sistema de Castas na Índia porque acredito que todo o ser humano deve ser respeitado. Tenho intuição que Live-chan e Luciane concordariam comigo, portanto usei um tanto de opiniões pessoais neste capítulo. As referências políticas foram extraídas do Wikipedia.

Nada no mundo revoltava mais Live do que o sistema de castas existentes na Índia, que nada mais era do que uma divisão social na sociedade Hindu. As castas são quatro: os brâmanes (religiosos e nobres), os xatrias (guerreiros), os vaixias (camponeses e comerciantes) e os sudras (escravos). À margem dessa estrutura social havia os parias, sem casta ou intocáveis, também chamados de haridchans ou haryans.

Os intocáveis na sociedade Hindu são aqueles que realizavam trabalhos indignos, sujos, que não devem ser feitas a alguém. Por isso eles são considerados individualmente sujos, e assim não podem praticar contato físico com os "não-sujos", as partes mais puras da sociedade. Vivem separados do resto das pessoas. Ninguém pode interferir na sua vida social, pois os intocáveis são os últimos no ranking social, são considerados menos que humanos e não são considerados parte do sistema de castas.

Não obstante, os Intocáveis eram os mais pobres. Suas crianças não têm direito a educação e apesar das leis atuais tentarem minorar esta terrível realidade, o preconceito das demais castas não permite que eles tenham a oportunidade de uma vida melhor.

Mas Live queria fazer algo. E usaria o dinheiro do avô para tentar dar uma vida melhor as crianças dos “intocáveis”. Seu projeto era simples, mas audacioso: uma escola de período integral onde as crianças teriam acesso à educação, alimentação e a esperança de um futuro melhor.

A montanha onde Live morava ficava próximo a uma vila e era lá que ela esperava começar seu trabalho. Descendo do jipe do avô, ela cobriu os olhos com as mãos. O dia estava claro e quente. Normalmente o clima na Índia era agradavel, e suas estações eram bem definidas. Fazia calor no verão e nevava no inverno. Usando um vestido longo e coberto de desenhos florais, ela foi até um armazém desocupado. Seria sua primeira compra com o dinheiro da herança e como ela já havia começado a negociar antes mesmo de voltar à Índia, o armazém saiu por uma bagatela.

Sorrindo ela caminhou em direção ao enorme pavilhão. Observando o lugar, notou que precisaria de pintura, móveis, divisórias... Mas Live não tinha medo de trabalho! Maire ficaria orgulhosa dela quando viesse a Índia e visse tudo que a filha conquistou.

-Será meu trunfo e um pedacinho de mim que deixarei para o mundo - murmurou tocando as paredes.

Lágrimas lhe vieram aos olhos quando pensou que muitas das crianças de que ela cuidaria poderiam ser médicos, professores ou qualquer outra coisa que não fosse a atual situação.

Live ficou pouco no local. Precisava fechar o negocio e por isso não se demorou. Deixou o jipe próximo ao armazém e foi caminhando até o escritório em que assinaria os papéis de compra. No caminho, conversou com algumas pessoas e cumprimentou os comerciantes.

Duas horas depois ela saía do escritório do advogado do avô com as papeladas do armazém. Já planejava para o dia seguinte uma viagem até Nova Delhi, onde compraria os primeiros computadores, mesas e materiais escolares. Também precisava contratar profissionais qualificados para ensinar as crianças. Neste ponto, ela iria solicitar ajuda aos grupos cristãos que viviam na Índia.

Era lamentável que sua própria raça se recusasse a ajudá-la. As pessoas sentiam-se superiores aos “intocáveis” e também não queriam tocá-los, porque na religião hindu, alguém de casta tem que buscar a purificação. E assim os intocáveis eram tratados com todo o preconceito do mundo.

Live era da casta “Vaixás” pois seu avô sempre foi um grande empresário. Mais tarde, ele mesmo vendeu a multinacional e se isolou do mundo, mas com o dinheiro da venda, ele e a neta viveriam bem até o resto de suas vidas. Apesar da excelente condição financeira, ela nunca esqueceu os mais pobres. Não que Live tivesse vocação para freira, mas a moça considerava imoral viver com tantos privilégios sem ajudar quem precisa.

Ela pensava sobre essas coisas, quando esbarrou em alguém na rua.

-O que está acontecendo? É o terceiro dia consecutivo que eu encontro você. – ela disse sorrindo.

Nicolas estava com uma sacola de alimentos nos braços. Usava uma roupa mais formal da que vestia quando pintava, mas os cabelos em desalinho não o deixavam tão sério. Além disso, no dia anterior, quando tiveram aquela conversa despreocupada, Live já começava a sentir que a relação deles se transformava em uma amizade.

-A vi caminhando pensativa e vim esbarrar em você de propósito.

-Verdade?

-Não... Na verdade estava saindo do mercado - riu.

Com a cabeça, ele lhe mostrou o mercadinho em que toda a população do vilarejo comprava alimentos.

-Você sempre faz comprar aqui? –ela perguntou.

-Sim. O dono vende produtos orgânicos. Uma maravilha de lugar.

Ela sorriu.

A pele de Nicolas era tão clara e vistosa que seus dedos coçaram de vontade de tocá-la. Nunca, em sua vida havia conhecido alguém tão bonito. Aliais, a aparência dele até era estranha... anormal. Nem mesmo modelos de revistas eram tão atraentes e perfeitos, e, no entanto, ele preferia se esconder a se mostrar.

-Está me ouvindo?

Enrubesceu ao perceber que ele estava falando e ela não prestara a menor atenção. Nicolas devia considera-la maluca, olhando para ele como uma adolescente apaixonada diante de um ator da novela favorita.

-Desculpe...

-Quer jantar comigo?

Live abriu a boca, sem saber se ele falava sério ou estava brincando.

-Sei que como boa hindu você não come carne. Eu também não. Mas sei preparar uma torta fria de abóbora que é uma maravilha. Como não tenho ninguém para dividir a refeição e você também não tem...

Minha nossa! Além de convida-la, ele ainda achava que tinha que lhe dar explicações. Era o homem perfeito, sem dúvidas!

-Eu adoraria...

-Posso te esperar as sete, então?

-Claro que sim...

Sorrindo ele se afastou e subiu em uma moto. Ela ainda o ficou observando durante alguns minutos, imaginando se era um sonho que um homem daqueles a tinha convidado para jantar. Abanou a cabeça tentando afastar os pensamentos tolos. Nicolas era alguém bonito demais para ela. Muito provavelmente ele apenas buscava uma amizade, e ela já sonhava com seus beijos.

Beijos...

Suspirou alto ao imaginar aquela boca perfeita sobre a sua.

-Com licença...

O som a fez saltar do lugar. Tomou um susto ao perceber que não estava sozinha. Desviando o rosto da rua onde Nicolas havia sumido, ela observou um homem alto do seu lado. Pelas roupas caras e sacerdotais, Live percebeu que ele era um líder religioso local.

-Sim?

-És a srta. Kamadeva?

-Sim, sou eu.

-Sou Nirek Sabal, sacerdote do templo da cidade, dedicado a Brama.

Live arqueou as sobrancelhas.

-E um prazer. – respondeu.

-Fui um grande amigo de seu avô. Ele costumava vir muito ao templo, rezar por você.

-Também rezei aos nossos deuses por meu avô enquanto permaneci fora da Índia. –ela falou com um pouco de peso da consciência.

Apesar de não ser totalmente mentira, Live não tinha muito amor a religião. Micaela e Maire eram cristãs, mas sempre houve muito respeito entre elas. A aquariana acreditava num Deus Criador e só. Era nisso que se resumia toda a fé dela.

-Lembro vagamente de você quando era criança. Tão diferente das outras meninas, você treinava artes marciais e estudava línguas buscando se aprimorar para o que você chamava de missão.

Live quase riu. Apesar de muito jovem, ela fez tudo que podia para ser uma boa guardiã do signo de Aquário.

-Sim...

-Esteve em que país?

Apesar da surpresa inicial de ter encontrado um sacerdote na rua, ela já começava a simpatizar com o homem.

-Estive na Espanha.

-Lindo lugar.

-Verdade.

-Foi para lá estudar?

-Sim, formei-me em sociologia.

Apesar do hinduismo aceitar a homossexualidade e ter em sua mitologia relatos de relações de criaturas do mesmo sexo, Live não citou Mic e Maire, sua família da Espanha.

-E agora, pretende trabalhar na Índia?

Estranhamente nervosa, Live resolveu abrir o jogo com aquele sacerdote.

-Voltei para ajudar os “intocáveis”.

Os lideres religiosos na Índia possuíam a casta mais alta, portanto a jovem acreditou que teria em Nirek um grande inimigo. Mas para a sua surpresa, o sacerdote moreno sorriu.

-Irei torcer pelo seu sucesso.

Isso ela não esperava! Mas ficou muito feliz com a reação dele.

-Sabe que terá opositores na sua luta, não? –ele a alertou.

-Estou preparada.

Para quem já enfrentou demônios japoneses, humanos não dariam medo nenhum. Mas de alguma forma inexplicável Live receava que talvez saísse machucada desta batalha.

-Preciso ir... Foi um prazer conhecê-lo.

Ela já caminhava pela rua quando ouviu o sacerdote dizer baixo.

-Ela tem a coragem de Visnhu para lutar pelos fracos.

De certa forma, isto a encheu de orgulho...

Continua...


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