Shiki Fuujin escrita por Pitty-chan


Capítulo 5
Parte Cinco


Notas iniciais do capítulo

Bom, eu sei que disse que este provavelmente seria o último capítulo, mas eu me embolei. No fim, eu teria que condenssar a história pra que tudo cabesse aqui, e isso não era algo que eu queria fazer... Então o fim fica pro próximo capítulo! 8D Muito obrigada a todos os que leram até aqui!

PS: "Aiji" em japonês significa "filho amado".



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“Otou-san?”

Ignorei a palavra como pude, empurrando-a para o lado, e continuei olhando estarrecido. Olhando, olhando, olhando... De boca aberta. Realmente, ele se parecia muito comigo. Eu diria que era uma cópia esculpida em carrara.

Porém, havia algo estritamente diferente. Sua atitude, seu olhar, sua forma de se mover hiperativamente pra lá e pra cá... Até mesmo sua voz. A maneira que tentava chamar minha atenção dizendo ‘Anousa! Anousa!’.

Ele era todo Kushina.

“Nee, Otou-san?” O garoto viu que eu estava congelado no lugar e tentou se aproximar, sacudindo a mão direita na direção dos meus olhos, tentando me tirar do meu pequeno transe. “Anousa! Anousa! Você vai ficar aí parado? Não vai falar comigo?”

“Ah... hã?”

Parecido comigo em aparência, parecido com Kushina em personalidade. Parecido comigo e com Kushina. Comigo e com Kushina... Kami-sama tenha piedade da minha alma.

Talvez fosse um surto psicótico violento. Podiam ser os sinais do esgotamento nervoso de alguém que estava literalmente andando pelo corredor da morte.

                                                                                               

Otou-san?! Como isso poderia ser possível?

Parte do meu cérebro estava ruminando a possibilidade, a teoria e a especulação, enquanto a outra metade - aquela que controlava a parte responsável pelas minhas funções motoras - estava chocada além da capacidade de operar normalmente.

Não era eu. Era você.

Ficou silencioso durante algumas batidas de coração, enquanto eu procurava no seu rosto alguma possibilidade de eu ter me confundido. Mas não havia possibilidade. Simplesmente não havia. Era o meu bebê, meu aiji como seria no futuro. Talvez isso significasse... Que você realmente sobreviveria. Que você não morreria, mesmo sem mim e sem Kushina, mesmo sem ninguém para olhar por você. Um fio de esperança acendeu-se sem que eu percebesse na superfície cristalina dos meus olhos.

“Otou-s-...”

Eu andei alguns passos diminuindo a distância entre nós, interrompendo a sua frase no meio. Quantas vezes eu havia sonhado com isso? Desde aquele primeiro momento quando Kushina me disse que estava grávida, eu fantasiei na minha cabeça com o dia em que você correria na minha direção sorrindo e eu o pegaria e te rodaria no ar, ouvindo-o me chamar de ‘otou-san’.

Os dias que nós passaríamos juntos! Os domingos preguiçosos, as noites de outono cheias de afazeres, as tardes de inverno, as manhãs de primavera. Eu te ajudaria a estudar, brincaria com você quando se sentisse sozinho, te ensinaria a dar cantadas nas garotas, te levaria pra comer ramen no dia da sua formatura, te diria como eu me sentia orgulhoso de você não importasse o que você fizesse... Mesmo que fosse em relação à alguma intriga na vila. Eu não me importaria! Eu teria rido com você se isso chegasse a acontecer.

Eu imaginava que teria tempo até que eu te visse dessa maneira na minha frente. Eu queria ver todo o seu caminho, toda a sua jornada antes que você deixasse de precisar olhar para cima para enxergar meu rosto. Antes que você estivesse alto o suficiente para me olhar olho no olho sem se inclinar. Porque eu queria ter o privilégio de ver você crescer centímetro por centímetro.

Eu queria ter tempo para poder colocar você nos meus ombros e andar por aí te mostrando pra vila inteira como meu maior orgulho. Eu queria celebrar cada um dos seus aniversários. Eu queria ter tempo. Eu precisava ter tempo. Tempo pras coisas importantes como ter aquela conversa indiscreta sobre de onde os bebês vêm, tempo pras coisas banais como te contar o que acontece quando você bebe água rindo tanto ao ponto dela subir pelo nariz. Eu precisava de tempo pra tudo.

Mas eu não o tinha, inevitavelmente. Alimentar todos aqueles pensamentos era tolice, querer ousar prender o instante entre minhas mãos. Impedir que a areia da ampulheta rolasse e descesse.

Porque é a ordem natural das coisas. Estranha, distorcida, mas natural. O ser humano sempre quer o que jamais poderá ter. E essa é a graça de saber que você não pode ter algo: Isso te deixa desesperado.

Enquanto eu fechava totalmente a distância entre nós, o som vindo de mim foi de lamento, como se eu não pudesse me aproximar de você rápido o bastante. Como se o fato de não ser rápido o suficiente estivesse me privando de segundos preciosos que eu nunca recuperaria.

Assim eu o abracei apertado, com todo o meu fôlego. E contra toda a loucura do momento, isso tirou uma parte do peso de cima de mim.

Não sei te dizer ao certo o que senti naquela hora. Eu não podia fazer nada além de desejar por algo impossível. Eu não podia fazer nada além de te amar apaixonadamente, de uma maneira tal que doía.

Porque querendo ou não, independentemente da minha declaração presunçosa para a raposa, o meu plano não era o bastante para salvar a todos. Eu poderia apenas ganhar... tempo, tempo o suficiente para que alguém fugisse com você e que os inimigos perdessem seu rastro ao menos por alguns anos. Essa constatação tão contraditória com meu último pensamento chocou-se violentamente dentro da minha mente. Eu não tinha tempo, mas tudo o que podia fazer era ganhar tempo!

Com o Shiki Fuujin eu só poderia selar metade do chakra da Kyuubi dentro de mim, apenas a parte Yin. A outra parte, apesar de ser menos nociva, estaria novamente à solta depois da minha morte. É claro que Madara teria perdido o momento. É claro que levaria alguns anos até que ele pudesse levantar-se contra Konoha outra vez. É claro que isso daria uma margem suficiente para que alguém, provavelmente Jiraiya-sensei, sumisse com você do mapa. É claro que o demônio-raposa estaria apenas com metade de sua força. Mas esta era uma medida apenas temporária. Era questão de apenas... dois, três anos. Talvez menos. Talvez muito, muito menos.

E então todos estariam em perigo outra vez.

Meu corpo estremeceu pela antecipação, e meus braços se entrelaçaram ao seu redor protetoramente, ainda mais firme. A ansiedade fervendo dentro de mim ajudou a levar até a extenuação, e o peso da responsabilidade sobre os meus ombros por pouco não me derrubou. Eu poderia chorar, eu poderia gritar, eu poderia espernear, eu poderia fazer qualquer coisa naquele instante, mas nada daria vazão à minha angústia. Eu tinha escolhido você em detrimento a Konoha. Eu já tinha tomado a minha decisão, permitindo a mim mesmo apenas passar os meus últimos segundos ao seu lado - o que agora me parecia algo tremendamente estúpido e perigoso.

Você levantou a cabeça, nos separando por centímetros que se tornaram instantaneamente insuportáveis para mim, e sorriu um sorriso que em qualquer outra situação teria sido tranqüilizador.

O que eu deveria fazer? Eu não sabia se ainda tinha a habilidade de sorrir. Tentei sorrir de volta, mas o meu sorriso outrora tão fácil foi patético e se desfez no meu rosto, se transformando em uma careta. Eu tive que ceder ao pensamento mais prático.

“Você não é real.”

Um sobressalto. Seus olhos azuis se encontraram com os meus e depois desviaram, olhando ao redor, exatamente como Kushina quando queria desviar um assunto. Sua hesitação o fez começar a se mover pra lá e pra cá. E então você confirmou a minha afirmativa.

“Provavelmente não.”

“Entendo, eu devo estar sonhando então.” Eu disse, sem na verdade querer entender. Aquilo não devia ser nada além de um monólogo comigo mesmo, dentro da minha cabeça. Mas a imagem que eu via era você. E isso já era o bastante.

“Sim e não.” Você franziu as sobrancelhas, calculando uma maneira certa de explicar, ainda andando de um lado para o outro e gesticulando abertamente. “Talvez isto seja apenas uma tentativa sua de tentar se comunicar consigo mesmo. Uma tentativa da sua mente de lhe dizer a solução lógica que ela encontrou. Uma solução que inconscientemente você está fazendo de tudo para ignorar, Otou-san.”

“Uma solução?”

“Sim.”

“Há uma solução?”

“Há.” Seus olhos voltaram do passeio hiperativo ao redor e se concentraram em mim de novo. “O seu subconsciente apenas não a acha válida o suficiente para trazê-la à tona.”

“Eu gostaria então que o meu subconsciente parasse de decidir as coisas por mim.”

Passou um momento até que algo a mais fosse dito, e eu comecei a ficar com raiva da auto-proteção automática da minha mente. Se eu havia realmente chegado a uma conclusão interna, por que ainda não a sabia? O que por mil demônios eu não faria para salvar Konoha há essa altura? Mais do que isso, o que eu não faria para salvar você? Nada parecia grande coisa pra alguém que já tinha chutado o balde.

“Isso provavelmente vai te chatear.”

Pude sentir a cautela na sua voz abaixando-a alguns decibéis. A inquietação começou a me mastigar, e eu tive vontade de agir hiperativamente também. Andar pra frente e pra trás até formar uma vala no chão, como os personagens de desenhos animados.

“Naruto,” Eu estremeci novamente ao usar o seu nome pela primeira vez. Um quê de precipitação havia nisso, algo que me incomodava, algo totalmente errado. Eu me aproximei segurando você pelos braços, tentando manter a voz no mesmo nível. “aiji, por favor, me diga o que é.”

E então você suspirou, parando pela primeira vez e me olhando nos olhos de novo. Dessa vez o que havia neles não era um sorriso e sim um grande pesar, o que por um minuto me desconcentrou.

“Você vai selar a Kyuubi em mim.”

“Eu... o quê...?”

A postura cada vez mais trêmula que eu tentava manter por fim se perdeu em um frenesi quando o stress nervoso me tomou. Eu comecei a tremer incontrolavelmente.

“A única maneira que a parte lógica da sua mente encontrou de te convencer disso foi criar uma projeção de seu filho, foi que eu mesmo viesse aqui. Que eu mesmo te contasse, Otou-san.” A sua voz ficou mais estridente, um eco da voz de Kushina nas minhas memórias. “E é por isso que estou aqui, para te convencer!”

“Eu... selar a Kyuubi em você?”

“Isso mesmo. Não há outra maneira, Otou-san!” Você procurou o foco dos meus olhos, o mundo ainda girando fora do controle de sua órbita. “Me diga, você vê outra possibilidade?”

Eu não respondi. Eu não estava certo de que sabia a resposta. Aquilo me fez sentir completamente instável, como quando eu ouvira sobre a morte da sua mãe, como se algo em mim estivesse absolutamente torto.

Você estava certo, aquela era a única chance. O único jeito de selar o monstro por completo, sem que Madara jamais pudesse pôr suas mãos em qualquer parte dele outra vez. Assim seus planos seriam totalmente frustrados. Um recém-nascido, seu chakra ainda volúvel e por isso facilmente moldável ao da Kyuubi, de modo que ambas as energias não se repelissem e sim se tornassem uma só. Um jinchuuriki.

Mas o que seria de você? O que seria do meu pequeno, indefeso aiji? O que seria do meu bebê quando eu fosse embora desse mundo?

Eu não poderia, simplesmente me seria impossível. Inadmissível - no cerne do definitivamente, incabivelmente inaceitável. Eu engasguei, um som seco vindo do fundo da minha garganta.

Logo eu que te amava da forma mais pura, da forma mais verdadeira que um pai podia amar seu filho. Por que eu tinha que fazer isso? Por que entre todas as pessoas no mundo eu tinha que condenar logo você? Eu não fui capaz de sacrificar Shisui, como eu poderia colocar você na linha de frente e não me importar? Como eu poderia fazer algo assim?

“Eu vou ser feliz, Otou-san.” A sua voz quebrou a minha linha de pensamento em partes microscópicas. Seus olhos encontraram a agonia absoluta nos meus, como se eu estivesse assistindo você ser retalhado aos pedaços e queimado à estaca. “Eu vou ter amigos. Eu vou ter pessoas que vão estar ao meu lado apesar de tudo. Eu serei aquele que equilibrará o futuro nas mãos. Eu nunca mostrarei medo. Eu nunca vou desistir. Eu sou o filho do Yondaime Hokage! Como poderia desistir?”

Você sorriu, o espelho da minha face com traços de Kushina outra vez.

Agora tudo fazia sentido, um sentido sobrenatural. Desde o começo cada uma das minhas ações estava pendendo para esse desfecho, até a impossibilidade que eu tive de soltá-lo mesmo que fosse para seu próprio bem. Inconscientemente eu já estava me preparando para quando a hora chegasse. A hora em que contra todos os meus instintos eu teria que deixar você ir...

Você segurou a minha mão, seus dedos se fechando ao redor dos meus, e me dizendo sem palavras que no futuro fariam grandes coisas. Que você venceria inúmeras batalhas. Que influenciaria e salvaria a vida de multidões. Que mudaria a forma de pensar de muitas pessoas. Que o menino da profecia de Jiraiya-sensei estava muito mais próximo do que ele esperava.

...que você me superaria.

Mas você era uma criança, e criança pra mim tinha que ser protegida e segura. Você saberia... Você teria um imenso alvo na testa, e saberia o que era nunca se sentir seguro.

Você sofreria, choraria, se desesperaria. Você seria maltratado, rejeitado, pisado. Não te dariam valor, não te dariam chance, não te dariam o benefício da dúvida.

Ninguém andaria com você no colo. Ninguém te chamaria de filho. Ninguém te teria como maior orgulho.

Ninguém te amaria.

Eu só poderia ter fé no povo de Konoha e acreditar que eles te tratariam como o herói que você é. Que eles olhariam por você assim como olhariam por mim se eu estivesse no seu lugar.

Você não pode me salvar, Otou-san.

Não há outro método.

Não haverá em você o poder para me proteger depois de tudo isso.

Se era pra ser assim desde o começo... Me diga o que adiantou então, Naruto? Me diga, de que adiantou amar você? De que adiantou toda a dor?

Pra isso não tem remédio. Não tem justificativa, perdão ou pretexto. Porque ‘eu te amo’ era uma desculpa muito pobre para o que eu estava prestes a fazer, mas mesmo assim inegavelmente era verdade. Se eu fiz o que fiz foi por amor.

Por Konoha, mas também por você. Porque eu não tinha esperanças de nada que pudesse salvar nem a você nem a Konoha quando dentro de alguns anos vocês ficassem novamente expostos. Eu não tinha como protegê-los, e isso doía como se eu estivesse sendo arrastado lentamente sobre uma cama de lâminas. Doía tanto que qualquer pessoa normal aceitaria qualquer morte com um sorriso só pra se ver longe daquele tormento.

Porque quando você ama as coisas da lógica e da razão passam a cada vez menos ter sentido.

Sacudi os ombros em um movimento inconsciente, como se eu estivesse tentando sacudir a dor e lançá-la fora.

“Você vai me odiar...” Eu sussurrei de forma quase inaudível.

“Talvez... Talvez durante um tempo eu vá. Mas eu também vou entender.”

Eu meneei a cabeça, confirmando. Finalmente o desfecho estava aqui. Você sabia e eu sabia. Não era algo que nenhum de nós podia negligenciar. Eu considerei por uma fração de segundo se eu suportaria que você me odiasse, mas foi apenas durante um mero instante infinitesimal. Isso não era sobre a minha vida, e sim sobre a sua. A minha decisão provavelmente traria desgraça ao seu destino, mas a minha vontade de ter a certeza de que você permaneceria vivo e seguro... o meu egoísmo falou mais alto.

“E o seu filho?! Para ele, perder você vai ser tão terrível quanto perder seu próprio destino!”

“Mas não para mim.”

Eu virei as costas, me preparando para me despedir daquela ilusão e voltar ao castelo em ruínas da realidade. Virar as costas para você... A sensação de separação era rasgante, e eu não duvidava nada que tenha sido infinitamente pior do que o que o Wakedori fez na Kyuubi. Eu em meu inferno pessoal, criado por mim mesmo. Meu purgatório particular.

Anousa! Anousa!” Você disse olhando através das minhas costas, como se quisesse poder me seguir. “Eu amo você, Otou-san.”

Eu quase voltei. Quase voltei pra cair de joelhos e começar a implorar. Mas eu sabia que aquilo não era real, e que a realidade me esperava. Que a minha demanda me esperava.

E com isso a ilusão se desfez, a missão de me convencer do meu subconsciente cumprida com sucesso.

Abri os olhos e a escuridão os encheu, o fogo massificando o ar ao meu redor. Drip. Drip. Drip. A poça de sangue se alastrando, inexorável. Você estava nos meus braços, um bebê de poucas horas de vida... e eu estava falhando. Senti a cabeça ficar mais leve. Isso provavelmente devia significar que uma dose cada vez menor de oxigênio estava passando pelas minhas veias.

Eu trinquei os dentes e espremi os olhos, a dor do Wakedori me atingindo com precisão cirúrgica dessa vez, meus músculos protestando enquanto eu fazia uma força descomunal para ficar novamente de pé. Eu não tinha percebido ainda, mas estava arquejando. Só haviam se passado menos de três segundos desde que o chakra da Kyuubi tinha sido partido ao meio, o monstro ainda estava completando o mesmo rugido de antes. Tudo havia acontecido na velocidade de um trovão dentro da minha mente, e naquele instante eu poderia me jogar no chão alegremente chutando e urrando de dor.

Os olhos da raposa ainda estavam em mim, cheios de um ódio tão feroz que ela parecia destroçada. Essa visão ficou confusa na minha mente, meio embaçada, meio desigual.

O Shinigami atrás de mim continuou com seu ritual, seu braço esquerdo ainda para o alto enquanto manchas negras começavam a subir por ele e se concentrar em sua mão. O terço de contas se enrolando em seu braço.

Em meio a um rugido a Kyuubi exclamou acidamente.

“Tolo mortal, por que fazes isto?!”

“Porque não tenho outro bem além de meu filho e de Konoha.” Minha voz saiu entre dentes, ainda abalada pela agonia impenetrável do jutsu de divisão de chakra. “E você pretende destruí-los.”

“Que tolice, desperdiçar tanta energia para salvar uma vila que tem menos afeição a ti do que um caçador tem por sua presa! Tu não foste nada além de conveniente para eles. Assim como sabeis que este sacrifício fútil não significará nada dentro de meros an-...!”

Interrompi a frase da Kyuubi ao meio.

“Konoha não é inocente, seus erros são grandes. Mas eu não posso amar apenas parte dela, apenas a parte saudável e digna de prestígio!” Pensei no extremismo separatista dos Hyuuga. Pensei nos erros do Conselho. Pensei nos massacres que poderiam ter sido evitados. Pensei nos Uchiha. Pensei em tanta coisa que estava errada... Talvez os céus tivessem motivos para nos condenar à ruína e nos enviar um desastre natural como a Kyuubi. Mas quem neste mundo shinobi poderia nos julgar? Tudo era, querendo ou não, parte de Konoha. E eu não poderia excluir nada dela. Minha voz saiu entrecortada de novo. “Eu devo amá-la como um todo, como tudo o que ela é. Amor não é algo que deva existir somente quando chegam a nós boas notícias. Se fosse assim... amar seria fácil.”

Minhas mãos tremeram debaixo de você, e eu percebi o peso real das minhas palavras. Ali, e não durante a batalha mortal, eu entendi finalmente o que ser Hokage significava, e que havia um modo de não desistir de nada que eu queria proteger. Algo que Orochimaru jamais compreenderia. Algo que Danzou possivelmente nunca entenderia. Algo que o Conselho negligenciou por seus interesses, e que mesmo eu não havia sido capaz de retrucar.

O Hokage não é alguém que sacrifica pessoas, que suja as mãos de outros. É ele quem suja suas próprias mãos. Porque o líder de Konoha não foi instituído para ser servido, e sim para ser servo. Ele foi instituído para proteger e não para ser o protegido. Ele veio para sangrar. Ele veio para ser a sombra que mantém a chama do fogo acesa, mesmo durante as tempestades.

Em uma vila ninja como Konoha coisas como paz são naturalmente muito frágeis. Sendo assim, mesmo quando o vento da chuva das dificuldades deixou a chama pequena e quase extinta, de quem foram as mãos que a acolheram e a protegeram durante todos esses anos? Os donos de todas aquelas mãos respondiam pelo nome de Hokage.

Será que Danzou um dia chegaria a compreender? É pelo desejo de ser uma dessas mãos protetoras que pessoas como eu são chamadas. Não pela glória, não pela honra, não pela força, e sim pela vontade. Pela garra. Pelo intuito de preservar e socorrer a vila e a todos os que vivem nela.

Se ele não entende algo tão simples como isso, é por isso que nunca houve nele o pré-requisito para ser o Terceiro.

O Conselho sempre esteve enganado. Eles tentaram me convencer de continuar com um sistema que apóia apenas a dor e o sofrimento de uns em prol de outros. Não importava se fosse errado. Não importava se fosse desleal. Eles não se importariam em passar por cima de muitos para atingir o que achavam ser necessário. Mas tendo mais que o dobro da minha idade eles deveriam saber que os fins não justificam os meios... Sacrificar os Uchiha nunca deveria ter sido uma opção, por mais que eles estivessem corruptos, por mais que fossem perversos.

Sangue não se lava com sangue.

Quantas pessoas iriam sofrer se isso acontecesse? Quantos morreriam? Quem restaria? E se alguém restasse, o que sentiria vendo todos os que ama sendo despedaçados? Será que conseguiria sobreviver em meio a toda essa dor? Será que conseguiria se reerguer da lama? Será que conseguiria perdoar?

Ou será que apenas se consumiria em um sentimento de vingança? Mesmo sabendo que vingança é apenas outro meio de perpetuar a desgraça...?

E se assim fosse, quem poderia culpar essa pessoa? Quem poderia olhar em seus olhos e dizê-la que ela não tinha razão? Que ela não tinha motivos para sentir-se da maneira que se sentiria?

Um sistema que não sabe mais distinguir o bem do mal é um sistema que já não pode ser usado. Um sistema na qual eu ficaria feliz em destruir com minhas próprias mãos, despedaçando o plano de Madara e acabando com qualquer razão pela qual os Uchiha precisassem ser chacinados.

Por isso eu desejei que a minha morte pudesse trazer paz definitiva a Konoha. Que houvesse paz, e que a paz começasse comigo. Que ninguém mais precisasse se sacrificar depois de mim.

Mas o que eu não sabia era que esse era apenas mais um dos desejos que não seriam realizados. Que o sistema que eu reneguei com todo o entendimento escaparia por entre minhas mãos, me vencendo. E que esta carga de desgraça que eu não consegui evitar causaria no futuro o rompimento entre você e seu melhor amigo, uma das maiores tristezas da sua vida.

Toda essa seqüencia de pensamentos durou menos de um segundo. A precipitação rareou minha mente, tornando-se uma bola de gelo no meu estômago, e eu comecei a me sentir tonto. O gosto de sangue dentro da minha boca transformou-se em fel.

“Tu falas de amor...” Os dentes da raposa se arreganharam e ela sorriu um sorriso zombeteiro, soltando-se ainda mais das correntes que agora ficavam difíceis para que eu mantivesse. “Tu falas de coisas ingênuas demais para um guerreiro. Tu sangras, Hokage, tua força é meramente humana. E não poderás selar-me como um todo.”

Deixei meu olhar cair sobre você, ainda chorando no meu colo. Foi então que a raposa finalmente entendeu minha real intenção e caiu em si que eu estava prestes a mandá-la para uma prisão realmente sem escapatória.

“MALDITO SEJA!” Exclamou, fazendo com que você gritasse e chorasse de medo. Meu rosto endureceu e enviei um olhar frio para o demônio enquanto ele se sacudia nas correntes quase soltas. “JAMAIS SEREI DERROTADO! MATAREI A CRIANÇA ANTES MESMO QUE TU POSSAS-”

“NÃO VOU DEIXAR VOCÊ MATAR O NARUTO!”

A besta parou em choque momentâneo. Minha voz havia sido capaz de ultrapassar a da Kyuubi e mostrar ainda mais ódio, se isso fosse possível. Mesmo assim, ela ainda rugiu gravemente. “Sobre o que estás tagarelando?! O que é um Naruto?”

Mantive meu olhar em você. Mesmo sendo tão pequeno você já tinha o cabelo do mesmo loiro chocante aos olhos que o meu. Suas bochechas pequenas estavam vermelhas de chorar durante horas seguidas, e seus olhos estavam fechados com força. Agora eu poderia jurar que um rápido sorriso, mesmo que triste, apareceu no meu rosto naquele momento.

“Ele vai crescer sozinho... sem mãe... sem pai...”

Eu disse baixo o suficiente para que somente nós pudéssemos ouvir. A raposa estava subitamente em silêncio, como se estivesse me testando a sanidade.

“Mas ele será um herói. Um herói entre todos os heróis.” Adicionei, com um sorriso orgulhoso, - a manta branca que te embrulhava empapando-se de vermelho. Aposto que o monstro realmente me provou totalmente louco quando no meio da batalha comecei a sussurrar uma canção de ninar, te balançando de um lado para o outro. “Otou-san está aqui com você, Naruto.” Sussurrei suavemente, e com isso você rapidamente se acalmou em soluços baixos, se aconchegando no calor do meu peito enquanto ele ainda estava lá.

Eu e Kushina éramos apenas... um homem e uma mulher fadados à morte. Mas nós conseguimos colocar você no mundo... Nosso bebê. Nosso aiji. Nossa criança especial. Para mim você foi a maior prova de amor que eu pude dar a alguém, um verdadeiro milagre.

E mesmo assim, essa minha falsa gentileza que teve que recorrer à métodos suicidas falhou em te salvar. Naquele momento... Naquela hora não teve outra escolha a não ser te abandonar.

Por isso eu me deixei morrer.

Se eu... Se eu tivesse tido outra escolha... Você não teria sido tão desprezado... nem sentido tanta dor. Você não teria... Não teria sofrido desse jeito.

Mas o que eu fiz?

Coloquei o meu egoísmo e a sua vida em uma balança, e no fim acabei escolhendo a mim. Porque para mim a sua vida não somente valia mais do que a vila inteira, valia mais até mesmo do que os seus sentimentos.

Por isso, mesmo que você venha a me odiar pelo que eu estou fazendo a você... Proteger a vida de quem se ama é um instinto natural. Mesmo que você me odeie... É para isso que os pais servem. É isso que é ser um pai.

Eu só posso te pedir perdão por ser egoísta ao ponto de não te deixar escolha.

“Isso mesmo, o papai está aqui com você...”

Ao som da palavra ‘papai’ os olhos da Kyuubi se arregalaram do tamanho de dois pratos de porcelana.

“Está sacrificando seu próprio filho?!” Ouvindo o urro da besta você começou a chorar outra vez. Isso me deixou com raiva, e eu enviei um olhar fatal ao demônio-raposa.

“Olhe o que você fez! Agora que eu acabei de conseguir que ele se acalmasse!” E então deixei um suspiro cansado me escapar, voltando a niná-lo mais uma vez. Como se esta fosse apenas mais uma das noites insones pela qual eu e Kushina passaríamos, você nos acordando durante a madrugada simplesmente porque estava com fome. Eu o pegaria, o ninaria, e o levaria para que ela te alimentasse.

A raposa se sacudiu contra as correntes. O poder inacreditável de chakra que estava sendo usado para ser o suficiente a segurá-la já era difícil de acreditar, mas para mantê-la presa durante tanto tempo já era algo praticamente ridículo. NINGUÉM podia ter aquela quantidade de chakra e suportar por tanto tempo!

O demônio me enviou um olhar soturno. Eu já estava completamente calmo, sorrindo para o meu bebê como se não houvesse nada de errado com o mundo. Isso provavelmente o fez ficar tanto enojado como furioso. Como eu podia ficar tão calmo e não ter medo quando ele era temido por todo o mundo?! Todos tremiam ao som de seu nome! Todos corriam para salvar suas vidinhas patéticas à simples menção de Kyuubi! Todos temiam o mais poderoso e cruel ser da face da terra! Todos! E o Quarto Hokage também deveria!

Mas não.

Eu simplesmente estava lá com meu menino precioso, como se não estivesse há poucos metros do demônio mais perigoso da história, como se não fosse sacrificar minha vida para salvar a vila, como se não fosse ver outro dia raiar, como se não estivesse prestes a enviar minha alma para o abismo da morte e do sofrimento eterno. Como se...

Como se não fosse nunca mais ver meu filho outra vez.

Vê-lo crescer... Vê-lo se formar... Nem ao menos ver seu primeiro sorriso...

Lágrimas começaram a transbordar silenciosamente das margens do meu controle. Aquelas lágrimas que eu estava segurando há tanto tempo. O sal escorrendo junto com a água e lavando a sujeira do meu rosto, fazendo o corte abaixo do meu olho esquerdo arder. Você finalmente se acalmou e voltou a dormir pacificamente outra vez, seus olhinhos se fechando em paz. Aquela pequena vida, meu único legado...

Por você eu acendi de uma vez só os dois lados da vela. Eu consumi toda a minha vida em uma chama só. Diante dos pés do Shinigami eu levei minha oferta de amor, meu sacrifício de imolação. Mais que palavras, mais do que toda a força da minha existência, - meu amor eu quis entregar. Eu me fiz fraco para que você pudesse ser forte. Eu me fiz morto para que você pudesse viver a minha vida.

Porque se você dependesse da constância da minha força estaria totalmente perdido. Mas você dependeu do amor. E isso... Isso é a única coisa que vence todas as fraquezas humanas. Tudo que é humano passa, tudo que vem de nós tem uma durabilidade muito pouca. Mas o amor é a única coisa que mesmo falha, egoísta e cruel... é a única coisa que é eterna.

A Kyuubi resfolegou novamente, rugindo cada vez mais alto. Suas correntes afrouxaram totalmente e ela se libertou, suas nove caudas se sacudindo tenebrosamente em meio ao negro da escuridão.

Eu havia queimado toda a minha adrenalina, já não havia mais nada de mim. O meu chakra estava aos trapos por causa do esforço contínuo de segurá-la e simplesmente não conseguia se renovar. Eu estava muito próximo do limite, me agarrando na linha da vida com as pontas dos dedos, tentando permanecer ali imóvel para não correr o risco de cair. Mas isso era irrelevante, pois quando o Shinigami estivesse pronto eu ia cair. Por enquanto eu tinha apenas que me concentrar em respirar uniformemente.

Com seu chakra dividido ao meio e impossibilitado de fluir normalmente, o monstro rugiu enlouquecidamente para mim. Eu podia ver o desejo de matar lutando com seu instinto de sobrevivência. Ele estava dividido entre tentar fugir da ilusão ou tentar me destroçar e pagar para ver. Sua fúria mais letal do que nunca.

Em contrapartida, minhas reações estavam cada vez mais lentas, minha mente aérea. Eu não conseguia mais sentir o vento cortante. Ou o demônio havia parado de emaná-lo, ou meus nervos sensitivos tinham desligado. Qual dos dois era verdade eu não saberia dizer, mas estava claro que a luta estava se tornando mortal para alguém.

Eu o coloquei na parte segura da ilusão outra vez, desejando que você permanecesse dormindo. Contra minhas esperanças eu o ouvi choramingar, mas não pude me virar para olhá-lo. Embora eu estivesse desesperado para me certificar que você estava seguro eu não podia me dar ao luxo de desviar meu foco agora, já que naquele momento o Yondaime Hokage era nada além de um cadáver ambulante. Uma alma renegada apenas esperando pela extrema unção para poder se desprender do corpo.

A seqüência de selos passou exaustivamente pelas minhas mãos enquanto a Kyuubi movia apenas duas de suas caudas de encontro a mim. Agora ela não estava em um estado muito melhor que o meu, seus movimentos também muito desajeitados e imprecisos.

Sons agudos de algo se rachando e quebrando ecoaram na face da escuridão enquanto ela acertava o vácuo do ar e eu perdia minha fina concentração, tendo que começar a seqüência de novo. Mas nós estávamos nos movendo rápido demais para a tontura dos meus sentidos, e eu não conseguia distinguir ao certo quem estava cometendo mais erros.

Minha mão direita se encontrou com o solo, e ao apoiar por pouco não perdi o equilíbrio.

Kuchiyose no Jutsu!

Seguido da minha invocação, um pequeno sapo com um imenso pergaminho surgiu ao meu lado em uma nuvem de fumaça.

Fator cinco: Hakke no Fuuin Shiki e Shishou Fuuin

Deslizei para um ponto mais profundo dentro da escuridão. Como a última kunai lançada em uma batalha - assim foi a última imagem que atingiu meus olhos antes que a escuridão assombrasse o interior das minhas pálpebras para sempre.

Uma bola incandescente ardendo como fogo, mas atingindo sem queimar. Escuridão instantânea.

Sem dor.

Surpreendentemente sem mais nenhuma dor.

Os gritos que ouvi não foram meus, enquanto a luz dos meus olhos se extinguia como o brilho de uma supernova implodindo.

Eu não queria morrer, eu não devia morrer.

Mas ali estava eu, aceitando resignadamente o modo mais programado de deixar minha vida pra trás; exatamente como chorar sem lágrimas, olhar sem ver. Eu queria gritar, queria me mover, mas eu era como um boneco inanimado. A vida já não estava comigo.

Porém, na hora isso me pareceu pouco sutil e ligeiramente desapontador. Talvez tenha sido porque a todo o momento haviam me ensinado a viver, a lutar com toda a força até o último fio de resistência... Não me ensinaram a desistir.

Não me ensinaram a morrer.

Sem hesitação, o fogo da minha vida começou a se apagar, me deixando frio como um cadáver. Eu ainda podia sentir vagamente as mãos de alguém me sacudindo e algumas vozes implorando que eu continuasse de olhos abertos. Mas eu estava meio vivo e meio morto, de pé sobre a corda bamba da fina linha entre a existência e a não-existência.

Aos poucos eu caí entre a realidade e o virtual, chegando ao interior de algo que não sabia o que era. Os corredores metálicos ladeados por canos compridos de aço eram escuros e pareciam em algum estado entre o frio e o congelante. Mas eu não sentia frio - eu não tinha nenhuma sensação corpórea. Como se eu não estivesse... vivo. Perturbador. Foi como se o tempo tivesse parado completamente.

É, de fato, foi exatamente o que ocorreu, o tempo realmente parou naquele segundo de quase-morte/quase-vida. Mas acontece que o ‘como se’ faz as coisas soarem mais interessantes e misteriosas.

Ignorando o fato que eu estava em um lugar totalmente ilusório e sem sentido, comecei a andar pelo caminho que parecia mais conveniente. Essa história de alucinação ou sonho parcial já estava no sangue, e já não me incomodava mais. Assim, no fim do corredor sombrio estava uma única porta, para quais todos os outros caminhos convergiam.

A tal porta não tinha nada de particularmente espetacular. Você talvez esperasse que uma porta tão aleatória fosse brilhar de forma sobrenatural, ou então dar a impressão de que se estivesse olhando dentro de um buraco negro, ou possivelmente um vórtex temporal...

Mas não, ela só se parecia com uma porta comum.

Bem, uma porta comum com uma bela maçaneta circular em prata de lei... Mas você pegou a idéia.

Abri a dita maçaneta sem entusiasmo, apenas para girar os olhos ao que a minha vista me dedicou. À minha frente havia um imenso portão com grades de ferro maciço – ou ao menos o que parecia ser ferro maciço -, ladeado por firmes paredes de placas de metal.

Ao centro das grades sólidas e rígidas estava um pequeno retângulo de papel branco onde se lia a imponente palavra ‘Selo’. Água saía por entre as imensas grades e através do portão, espalhando-se por todo o chão e chegando até as pontas das minhas sandálias.

Estranho por se dizer, ao invés de ser transparente ela era esverdeada como todo o resto - graças à luz sombria que batia nos interiores daquele imenso cárcere dentro de mim. Como um pântano ou um rio com lodo.

Olhei da água aos meus pés até as sombras inescrutáveis do portão. O demônio percebeu que eu havia girado os olhos com impaciência, saindo parcialmente da escuridão para me fitar abertamente. Imensos olhos vermelhos me encararam. Tentando descrevê-los e caracterizá-los eu passei pelos verbetes 'terríveis', 'muito terríveis', 'mais terríveis ainda', e 'terríveis como o gosto de Jiraiya-sensei para roupas'.

É, provavelmente eles estavam enquadrados no último adjetivo.

Pisquei. Nós estávamos nos encarando de uma forma casualmente ridícula por um tempo que já havia passado há muito da fase do ‘vamos nos encarar para criar uma atmosfera de drama’. No máximo, você só precisa de três minutos para ter esse efeito, e então é só começar logo com toda sorte de frases inteligentes e afirmativas cruéis.

“Nem ao menos nesse momento introspectivo comigo mesmo eu me livro de você?”

“Se desejavas manter sua consciência para si mesmo, tivestes uma péssima idéia ao resolver trancar metade da minha consciência dentro de si, Hokage-kun.” Ele sorriu, ironicamente. “Eu também adicionaria ao fato que não fostes tremendamente sábio ao vender sua alma a um Shinigami, por assim dizer.” Seu sorriso alargou-se em seu focinho gigante. “Teoricamente estaremos juntos pela eternidade.”

“Pois é, nem me fale.” Eu sorri sarcasticamente, disposto a levar aquilo ao máximo da esportiva que pudesse levar. “Sabe como é. Eu só gostaria de passar meus últimos milésimos de segundo de vida na consciência e com meus amigos próximos e parentes, e não tendo com você uma excêntrica conversinha autista que terá milênios de eterna danação e luta nada condescendente para acontecer.”

A Kyuubi me olhou através das grades, seu sorriso se alargando à comprimentos colossais. As águas começaram a subir e a se agitar cada vez mais, chakra vermelho se envolvendo ao redor dos meus tornozelos e planejando me submergir e me sugar grades adentro - provavelmente com algum propósito possivelmente doloroso.

Eu imaginei que a qualquer momento certas garras atravessariam as fendas entre as grades, desejando nada além de me atingir e dar início à nossa eterna batalha.

“Ah, não faça doce. Não fique chateado por eu ter invocado o Shinigami para selar você, monstro. Tenho certeza que muitas pessoas morreriam pra encontrar com ele.”

A raposa me olhou de lado, pega ligeiramente fora de guarda. Eu franzi as sobrancelhas, incrédulo. A piada não tem a mínima graça quando você tem que explicar ela.

“Realmente não fostes muito sábio, Namikaze Minato. Neste momento...” O demônio deu uma pausa de efeito, esperando que suas palavras me assaltassem. “...falta pouco para a sua criança morrer. É apenas uma questão de tempo até que eu me solte deste selo inútil.” Ele fez menção de apontar para o pedaço de papel preso às grades com suas garras.

Ao contrário do efeito que o monstro esperava, eu apenas soltei uma sonora gargalhada. A Kyuubi rosnou instintivamente, franzindo o cenho de forma suspeita.

“Você vê, Kyuubi-dono, eu não sou quem realmente deveria se preocupar.” O franzido no cenho do demônio aprofundou, e eu pude ouvir o barulho de suas caudas se sacudindo. O chakra vermelho ao redor dos meus tornozelos se intensificou. “Você não vai machucar o meu filho. Acredite em mim quando digo que você é mais mole que pudim dentro do corpo dele. É ELE quem está no comando. Então, se você quiser viver, é melhor que faça o que ele ordenar.”

“Não sejas tolo...”

“Ah, não. Não estou sendo tolo.” Eu sorri maliciosamente, minha mão direita indo inconsciente em direção ao meu peito, onde o tecido do colete jounin estava rasgado. Desenhada na minha pele estava a marca do selo com sua espiral negra. “Uma vez que parte de você está dentro dele também, vocês dois se tornarão um só. Se ele se ferir, pegará seu chakra para se curar. Se ele precisar de poder, ele usará o seu como o aprouver. E...” Eu pausei, cada parte do meu espírito desejando com toda a força que você jamais tivesse que chegar a esse ponto.

“Se ele morrer, você morre.” Eu ressaltei com ênfase.

Era o mínimo que eu poderia fazer. Eu não estaria com você para protegê-lo de ninguém. Não havia nenhuma forma em que eu pudesse te dar nenhum poder, nada meu que pudesse ficar contigo. Nenhuma parte de mim. O que seria de você se ele o encontrasse? E então, se tivesse que ser o poder da Kyuubi, o chakra da Kyuubi, a alma da Kyuubi… Então que fosse.

A raposa me enviou um olhar mortal, um sorriso maldoso chegando facilmente à seu focinho peludo. “Ou você tem muita coragem ou muita estupidez, Hokage.”

“Às vezes é necessário um pouco de cada para combater monstros como você.”

Ele meneou a cabeça em concordância, e sentou-se calmamente do outro lado do portão, olhando fixamente para a marca do selo em mim.

“Então, temo dizer que estou derrotado. Porém, eu ainda encontrarei uma maneira de escapar. E quando o fizer, terei que agradecer ao menino por fazer-me companhia.” Seu sorriso sarcástico surgiu outra vez. “Antes de devorá-lo, é claro.”

Eu também sorri. Em minha mente eu já conseguia ver você parado exatamente no mesmo lugar que eu estava naquele momento, sendo que desta vez seria o interior da sua alma. Se você realmente tivesse a personalidade de Kushina, para a Kyuubi o terror se materializaria na sua forma.

Eu já conseguia vê-lo andando de um lado para o outro hiperativamente e gritando algo como ‘chakra, agora!’ isso e ‘CALA A BOCA, SUA RAPOSA ESTÚPIDA’ aquilo. Você seria o pior pesadelo do demônio mais terrível da história. Isso soou absurdamente engraçado na minha mente.

Por que eu tinha essa certeza? Bom, porque você era filho dela. E eu... bem, eu conhecia Kushina muito bem.

Eu sempre fui uma negação na área gastronômica, mas me lembro de um dia ter tentado fazer arroz. Resultado: nem as habilidades ninja foram capazes de impedir que um saco inteiro de grãozinhos brancos minúsculos se espalhasse pelo chão da cozinha catastroficamente, fazendo com que nós possivelmente tivéssemos que passar por volta de três meses inteiros pisando em grãos de arroz.

Kushina me enviou um olhar que dizia claramente demais ‘sua estupidez me deixa com raiva do mundo’. Desejando sair dessa com vida, eu me armei do meu melhor sorriso ‘sou adorável demais para ser odiado’ e de minha aura inocente pré-concebida para ocasiões especiais.

Porém, ao que me pareceu, ela não levaria meu disfarce para o lado branco da força. A primeira pista disso poderia ter sido o céu azul se tornando em uma matiz negra de cinza e uma imensa intenção assassina irradiando de Kushina. Poderia também ter sido a placa sobre a cabeça dela, onde se lia ‘perigo: manusear com cuidado.’ Nós nunca saberemos.

De qualquer forma, eu a havia deixado seriamente irritada. Ela não era bem o ser mais paciente do universo. Quando Kushina queria ter uma discussão com alguém, essa pessoa acabava morrendo jovem e de forma bem trágica.

Neste sentido, eu logo soube que só havia dois desfechos possíveis para aquilo: ou eu seria cruelmente torturado e assassinado, ou eu estava prestes a ouvir a conversa mais chata desde a discussão quanto às oito mil melhores maneiras de matar um homem usando arame farpado, com meu bom amigo Nara Shikaku.

Fala sério, existem - no máximo - três mil boas maneiras de matar uma pessoa com arame farpado.

Sendo assim, eu imaginei por um momento se morrer seria tão doloroso quanto ouvi-la explodir meus ouvidos como balões da uma festa de uma criança de quatro anos. Mas na verdade não demorou muito até que a minha sentença fosse emitida pela minha muito irritada dama. E é... Acabou que no fim das contas ela era de assassinato mesmo.

Dizer que se supõe que o olhar mortal de um Deus da Morte seja mais intimidador do que o de um humano deveria ser algo estritamente óbvio. Mas Kushina conseguia ser muito pior. Quando a entidade responsável por toda a morte te envia um olhar mortal você pode ficar com medo; mas quando Kushina te envia um olhar mortal só há uma coisa racional a ser feita.

Hiraishin no jutsu e corra como o diabo!

Com isso em mente, eu redirecionei o olhar para a Kyuubi, sorrindo abertamente. Mas ela não me devolveu sua simpatia irônica como eu esperava.

“A verdade aparte, de nada importa, humano. Terás tempo o suficiente para arrepender-se durante toda a eternidade. Eu, porém, serei testemunha fidedigna da destruição daquela criança.” O chakra vermelho ao redor das minhas pernas amansou, e ao perdê-lo eu subitamente comecei a sentir frio. “Eles o tratarão apenas como uma arma, uma arma que não será valiosa o suficiente nem ao menos para que a mantenham afiada.”

As palavras da raposa-demônio me deixaram na defensiva. Elas passaram geladas através de mim exatamente como dardos congelantes, deixando um rastro frio de desespero e desolação. Se havia um calcanhar de Aquiles no meu plano, este era ter que contar totalmente com a nobre e muitas vezes falha Vila da Folha.

“Eu confio em Konoha.”

“Confias em algo volúvel. Algo que nem ao menos foi capaz de prever sua iminente destruição.”

E aquilo me atingiu. E continua atingindo durante infinitas vezes através da eternidade de maldição. Por que motivo? Porque eu já não podia fazer mais nada quanto a isso. Isso, especialmente, estava fora do alcance das minhas mãos.

Eu acreditei em você, Konoha, eu a confiei meu filho. O resto do mundo shinobi é composto de tolos ignorantes, amedrontados demais para entender que o demônio jamais irá escapar da prisão que criei para ele.

Eles podem possuir uma boa razão para odiá-lo. Não tenho o menor sentimento pelas outras vilas, mas não há como culpá-los por isso. Eles simplesmente não conhecem nada melhor.

Mas você, Konoha?

Em você eu confiava. Eu morri em seus braços; minhas últimas palavras foram um pedido de que meu filho fosse visto como um herói. Por que isso não foi cumprido? Ameaças à vida dele? Está brincando comigo?! Cuidado é uma coisa, mas você permitiu que meu filho crescesse para ser odiado? Me dê apenas um motivo pela qual eu não devesse desejar que vocês todos fossem direto para o inferno, sem escalas, agora mesmo.

E eu já sabia. Desde o primeiro momento em que Hizashi disse que o motivo do terremoto era a Kyuubi, eu soube a real razão do ataque. Não foi nem ao menos por algo como vingança ou ódio, e sim por medo.

Madara temeu que se tentasse mover seus pauzinhos enquanto eu ainda estivesse vivo, era bem provável que fosse mansamente colocado de volta em seu devido lugar. Eu tinha plena certeza de que ele teria que sair outra vez com o rabo entre as pernas.

Colocando de modo simples, ele não tinha confiança o suficiente para me enfrentar em um duelo justo. E, dessa forma, optou pela mesma antiga tentativa, a única que com certeza me jogaria contra a parede. Assim o tiro não sairia pela culatra, como quando ele fizera o mesmo contra Hashirama-sama.

Madara escolhera a Kyuubi por mera covardia. E fazendo isso, arruinara um número incontável de vidas.

“Eu só tenho a te fazer um pequeno pedido, monstro.” A raposa me olhou intrigada, e não esperei brecha para que nada pudesse ser dito. “Se, porém, contudo, todavia, você chegar a se encontrar novamente com seu invocador... me faça esse favorzinho. Diga com todas essas letras, sem omitir nada: Vá se f-...

“...-arto! Quarto!”

A voz me despertou de volta à consciência brutalmente, e eu abri os olhos para o ser que eu havia invocado – pura adrenalina correndo de novo pelas minhas veias. Meu coração batendo como louco, como se estivesse gritando só pra deixar o alvo ficar mais fácil.

“Ah! Sim!”

“Você estava de olhos fechados!”

Agora já não me lembro o nome dele. Não me lembro de como era, de que cor era e nem de qual timbre era sua voz. Quando o sapo do pergaminho surgiu ao meu lado minha concentração já estava muito rasa, as pontas dos meus dedos dormentes enviando a dormência como uma onda de freqüência de rádio pelos braços acima. Poderia ser uma cãibra forte, não fosse a quantidade considerável de líquido vermelho escorrendo pelas minhas pernas.

Não só a concentração e a memória estavam difíceis - meu índice de raciocínio estava rareando, me incapacitando de permanecer muito tempo com os olhos abertos. Eu comecei a piscar muito, tentando impedir que eles fechassem.

O sapo olhou vagamente de um lado para o outro, parando durante um longo tempo em você até repousar em mim, caindo em ligeira constatação.

“Você... É o Quarto?” Eu ofeguei, respondendo um ‘sim’ entre movimentos inconstantes, sacudindo as mãos em uma tentativa de dispersar a dormência. “Gamabunta nos advertiu do desastre que está abatendo Konoha...” Ele parou por um instante, dando uma boa olhada na Kyuubi. Ela ainda estava rugindo e sacudindo suas caudas com toda sua ferocidade, tentando forçar o chakra a sair inutilmente. “...mas entre todos os outros eu não imaginava que eu seria o invocado para lutar.”

“Eu não o invoquei aqui para lutar...” Apontei para a Kyuubi, meu ponto de apoio chacoalhante. “O chakra está dividido. Dentro de pouco tempo o Shinigami deverá estar pront-...”

“Shinigami...?”

Eu não tinha tempo. Não havia como explicar tudo minuciosamente, ele teria que se contentar com a versão resumida dos fatos. Ignorando a interrupção, desviei outro ataque do monstro, evasivo.

“O Shinigami estará pronto, e eu vou selar a parte Yin em mim e a parte Yang no bebê.” Apontei para você sem olhar - essa ação requerendo o máximo da minha capacidade limitável de concentração. “Eu preciso de um selo que seja capaz de manter até mesmo algo como a Kyuubi sob controle sem que vá feri-lo, e que ao mesmo tempo possa obrigá-la a dividir seu chakra com ele.”

“Nenhum selo é capaz de sequer manter um bijuu como este sob controle, ainda mais em um ser humano vivo!”

“Precisa hav-...”

A frase se rompeu quando uma onda de tontura me lavou, a imagem girou em um ângulo impossível e eu vacilei. Naquele momento minha visão começou a desaparecer pelas beiradas, a consciência e inconsciência passando a se alternar diante dos meus olhos.

Não havia onde se agarrar para não cair. Eu me segurei na consistência do meu chakra, alinhando os braços para os lados e procurando equilíbrio. Admiravelmente ainda capaz de me manter de pé.

“Não estou certo de que haja.”

“Há de haver.”

O sapo ao meu lado murmurou alguma coisa incompreensível demais para que o encadeamento abalado dos meus pensamentos pudesse juntar. Me lembro de ter respondido algo que não tinha nada a ver com a pergunta, totalmente aleatório, e depois ter me perguntado vagamente por que respondi aquilo.

“...-arto! Quarto!”

“Ah! Sim!”

“Você estava de olhos fechados!”

Sacudi a cabeça e pisquei novamente, a tempo de não levar outro ataque de pura brutalidade e zero chakra que provavelmente seria fulminante.

Aquilo estava sendo praticamente uma ode ao massacre. Eu com meu corpo mais pesado do que o normal -, como se estivesse usando botas de ferro, como se o conjunto dos meus ossos pesasse toneladas. E só haviam se passado poucos segundos. Logo logo meus joelhos cederiam e eu perderia o equilíbrio.

O tempo estava incrivelmente curto, e eu girei para evitar um ataque, apenas para cambalear e quase cair. A soma das minhas forças estava líquida, perene, quase como água destilada.

Contudo, através da minha dormência eu tive uma idéia. Uma idéia tão brilhante que quase me fez sorrir.

                       

Quase.

Hakke no Fuuin Shiki!

“O que disse?”

“O Selo, Hakke no Fuuin Shiki!

O sapo me olhou como se eu tivesse perdido a sanidade totalmente junto com toda aquela quantidade macabra de sangue. Ele sacudiu a cabeça de forma negativa, e começou a falar mais devagar do que o normal, como se estivesse conversando com uma criança que não compreende algo muito básico.

“Selos de Hakke não são vitalícios, eles têm um tempo pré-determinado para expirar.”

“Sim, mas são os selos mais fortes que existem! São capazes de conter qualquer quantidade de chakra!” Pra mim era claro, claríssimo como água insípida. Os fuuin - os selos – são jutsus de aprisionamento que se baseiam em isolação de chakra. O chakra é a energia vital de qualquer ser vivo, se ele não se move, nada mais se move. Se ele fica restrito, tudo fica restrito. Sendo o Hakke capaz de separar as polaridades do chakra e impedi-lo de concentrar-se... “Apenas um selo de Hakke vai ser capaz de prender o chakra da Kyuubi.”

“Isso não muda o fato de que não é eterno! Vai haver uma hora em que ele irá se expirar e ficará fora de controle!”

“Uma chave...”

Meu raciocínio foi claro e justaposto. Claro o suficiente para que mesmo o sapo não pudesse retrucar. Mas a minha estrutura... Hah. Isso já era algo contestável. A Kyuubi me lançou uma de suas caudas depressa demais para que eu me defendesse.

Foi muito rápido. Rápido o suficiente para que o meu cérebro demorasse cerca de três décimos de segundo para registrar. Ela me atingiu, e eu rolei à cerca de dezesseis metros de distância.

Nesse momento o terço de contas do Shinigami se enrolou em seu braço. Ele sorriu sombriamente, e sua mão foi na direção do espectro da minha alma.


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Notas finais do capítulo

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