Vazia.

Era assim que eu me senti por muito tempo.
Ninguém sabia o que era sentir o fardo,
O fardo de carregar um coração sangrento e parecer humana.


Não que eu mostrasse meu coração pra alguém.
Na verdade, ele era meu bem mais secreto,
Que eu protegia como se fosse uma pérola.


Não que ele valesse tanto,
Mas era o único bem que eu possuía...
E por muito tempo fui egoísta,
A ponto de não mostrá-lo pra ninguém.
Ele era apenas meu.


Eu, era uma concha emperrada.
Não uma concha lisa,
Mas sim cheia de espinhos e asperezas.
Só assim ninguém veria o que eu carregava..
Alguns tentavam abri-la,
Mas se machucavam e desistiam.


Certo dia, essa concha parou num mangue.
Um lugar sujo, cheio de caranguejos e lagostas,
Que poderiam quebrar a concha e fazer a pérola cair na lama e se perder...
Até que um pássaro viu a concha e a carregou para um ribeirinho.


A concha agradeceu ao pássaro e o pássaro mostrou o bico machucado.
A aspereza da concha tinha machucado o pássaro que tentou salvá-la.
A concha pediu inúmeras desculpas,
Mas o pássaro apenas deu um sorriso com os olhos,
Olhos que mais pareciam estrelas.


"A pérola deve ser muito bonita pra ser tão difícil vê-la" - disse o pássaro para a concha.


A concha não sabia o que fazer.
Estava distante do mangue, mas ainda estava longe do mar.
O pássaro viu que a concha precisava de água salgada.
Nada falou e carregou a concha pela boca, até uma baía ali perto,
Mesmo que o machucasse um pouco.


A concha estava numa pedra.
E o pássaro estava prestes a ir embora
- a época de migrar para o norte chegava -,
Até que a pequena concha decidiu mostrar a única coisa que tinha:
Sua pérola.


Entregou-a ao pássaro, e não pôde deixar de chorar ao ver o pássaro indo embora.


Eu já não era mais uma concha com um bem precioso:
Eu era uma concha vazia, que não carregava nada
- nem alegria, nem tristeza.


O que é mais surpreendente sobre conchas:
Um único grãozinho de areia é o suficiente pra se tornar pérola.
Por mais tempo que a concha estivesse vazia,
Uma pluma do pássaro se tornou o bem mais precioso da concha.


Foram precisos anos, mas a pluma se tornou uma pérola.
Não era alva como a outra, mas dessa vez estava maior e cor de rosa.
E a concha pensou: "e se eu machucar o pássaro de novo?"


Os espinhos e asperezas da concha foram caindo,
Com a ajuda das criaturas do mar que cuidavam da concha.


A concha continuava bem emperrada,
Mas dessa vez já não machucava pássaros.
A pérola já não era mais só minha:
Era também desses seres do mar que cuidavam dela.


Até que um dia, a concha decidiu se aventurar por outros mares.
A concha chegou a conhecer outros pássaros,
Mas nenhum era como o pássaro que possuía a pérola alva;
A concha parou então, numa enseada.


Lá, conheceu uma sereia.
Ela cuidava de seres marinhos e era como a própria concha:
Admiradora de pássaros, por mais diferentes que fossem.
A sereia levou a concha para o seu mar,
E a deixou em cima do rochedo, que a concha uma vez esteve com o pássaro.


Não demorou muito, e o pássaro que a concha tanto admirava, voltava,
Voando devagar, e parou frente a frente com a concha.


"Sua pérola se tornou minhas asas." , disse o pássaro

"E sua pluma se tornou minha pérola.", a concha respondeu.

Pássaros e conchas podem não viver para sempre,
Mas esse pássaro e concha continuavam sempre a se encontrar,
No mesmo rochedo...