Peter Jansen e o Ladrão de Chapinhas escrita por gui_brs


Capítulo 4
Caçando a porcaria da bandeira




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O chalé de Hermes era uma bagunça danada. 77 inquietas crianças pulavam de cama em cama, algumas delas liam, outras estavam estiradas no chão, esperando que alguém os visse.

                Um garoto, que devia ter lá pelos seus dezenove anos, se aproximou.

                – Oi, meu nome é Lung Castilho. – Ele apertou a minha mão – sou o líder do chalé. 

                – Oh, oi, eu sou Peter – apertei a mão do Lung. Lung! Que mãe em sã consciência colocaria o nome do filho de Lung? Ainda bem que a minha mãe, apesar de tudo, devia ter um parafuso no lugar. Só um mesmo.

                Lung me mostrou onde eu poderia ficar. Era um lençolzinho forrando o chão. Minha noite ia ser super confortável! Imagine dividir um quarto – um pouquinho maior do que um quarto comum, por isso era chamado chalé – com 77 pestes! No meio da noite eu era chutado e pisoteado por alguns pés, que só podiam estar carentes e necessitados de contato físico... Eu fui chutado 170 vezes, sim, eu contei. Também contava o número de explosões enquanto mamãe cozinhava de madrugada.

***

                Eu fiz uma nova amiguinha hoje. O nome dela era Doralice, eu acho. Ela quis me matar com um palito de dente durante o almoço, realmente, uma maneira bem amistosa para se conquistar um amigo. Doralice era do chalé de Ares, o deus da guerra (bem, Geroven me disse que era deus da guerra, mas não posso afirmar; nunca me ensinaram geografia tão avançada.)

                Doralice pegou o palito do paliteiro de bronze e virou-se para a mesa do chalé de Hermes (onde eu me encontrava espremido entre 77 pestes)

               – Oi – ela disse, sorrindo – tudo bem?

                – Oi, tudo sim. – voltei a comer o meu pedaço de pizza tropical. (Era uma pizza que foi inventada no Brasil, era cheia de frutas... Mas, graças aos deuses, não tinha melancia.) Doralice me fuzilou com o olhar.

                – VOCÊ DEVERIA PERGUNTAR COMO EU ESTOU ME SENTINDO! – ela tentou enfiar o palito no meu peito, mas eu desviei com o garfo, que a sujou de caldo de manga da pizza. Doralice deu um gritinho. – Você sujou a minha blusa! Vai pagar por isso!

                Doralice era muito lerdinha, eu corri pelos campos de melancias (que ficavam atrás das mesas do refeitório) Tentei desesperadamente fugir daquele palito de dente assassino. Eu realmente estava com medo que ela me espetasse. Entrei no banheiro masculino, crente de que estava seguro. Doralice não estava nem aí, entrou assim mesmo. Agarrou o meu pescoço.

                – Pare com isso, sua baleia! – provoquei.

                Doralice deu um grito de orca, e apertou ainda mais o meu pescoço. Aí aconteceu uma coisa bem curiosa: Eu senti o meu estômago esquentar, o calor ia até as pernas e braços. Pisquei o olho, mas, quando eu abri, Doralice tinha sido engolida pelas águas dos vasos sanitários, sua cabeça estava entalada na privada. Antes que ela conseguisse sair, peguei a saboneteira de bronze que estava na pia. Assim que Doralice colocou a cabeça para fora, eu dei com a saboneteira na cabeça dela. Ela caiu desmaiada... O chão tremeu, e muito.

                Quando eu saí do banheiro, todos que estavam no refeitório há alguns minutos, estavam plantados lá na porta, esperando para ver quem sairia com vida. A maioria comemorou quando viu que eu saí de lá. Algumas irmãs de Doralice foram fracas, começaram a chorar e se suicidaram meses depois, pois sua heroína, Doralice Laura Suzana Alice Marlene Cristina de Souza, fora derrotada por um garoto (Eu) novato.

                – Ela vai ficar bem – Disse o senhor Austin, o centauro.

                – Que não fique! – teimei – não estou nem aí! Ela tentou me matar com um palito de dente!

                O Sr. Austin deu um pequeno sermãozinho, falando qualquer coisa sobre estar decepcionado comigo. Não ouvi o que ele disse, fiquei lembrando a hilariante cena: Doralice com a cara afogada no vaso. Não me segurei, comecei a rir na frente do Sr. Austin e saí correndo para o chalé de Hermes. 

***

                O jantar foi bem calmo, Doralice estava na enfermaria.

                Geroven estava sentado na mesa central, junto com o Sr. Austin e o Sr. M. Annie Bell estava sentada na mesa de Atena, os dois me olhavam o tempo todo com uma expressão de pobre-coitado-que-vai-morrer-hoje ou algo do tipo. Cheguei à conclusão de que eles estavam preocupados com o que Doralice iria fazer quando saísse da enfermaria. Eu não temia nada, ela não queria tomar outro banho de privada...

                O Sr. Austin pigarreou e bateu com a colher na taça. Ele era um centauro, logo, não era nada delicado. A taça se espatifou em 57 mini pedacinhos. Com certeza ele conseguiu a atenção que queria.

                – Bem – ele coçou o queixo – nós da administração do acampamento decidimos fazer a caça à bandeira hoje.

                Houve algazarra, fiquei me perguntando o que seria a caça à bandeira.

                – Silêncio! – O Sr. M gritou.

                Concordamos – continuou o Sr. Austin – que vocês estão precisando de mais diversão aqui dentro, mais coisa de acampamento, apesar de vocês serem filhos de deuses. – Essa idéia ainda era meio nova para mim. Eu sempre fui Peter Jensen, um garoto comum e normal. Não Peter Jensen, um herói, filho de um deus olimpiano. – Por isso, também, mudamos as regras: Agora vale tudo. Tudo mesmo, desde esfaquear até matar. Se o assassinato for bem legal, o time ainda ganha pontos extras! – o Sr. Austin bateu palmas, como se estivesse se divertindo.

                O Sr. M murmurou qualquer coisa no ouvido do velho centauro.

                – Ah, que ótimo! – o Sr. Austin levantou-se da cadeira modificada para que confortasse o se traseiro. Anunciou:

                – Podem comemorar! Teremos a participação da moribunda Doralice Laura Suzana Alice Marlene Cristina. Ela decidiu participar, mesmo estando com um dos braços quebrados e com infecção generalizada.

                Yuppie! Comemorei intensamente por dentro. Nenhuma notícia seria melhor do que essa: Minha inimiga ia lutar comigo até a morte numa estúpida – e obrigatória – brincadeira letal.

                As regras da caça à bandeira eram bem claras: “O participante que se recusar a participar será gentilmente jogado no lago dos crocodilos. E seja o que os deuses quiserem.” Eu pensei seriamente em ir com os crocodilos. Eles pelo menos não tinham palitos de dente!

                Equipe vermelha contra equipe azul. Não tinha idéia de quem era quem, mas sabia que Doralice era minha adversária. Annie Bell – que estava no mesmo time que eu – desejou-me boa sorte. Ela disse que eu ia precisar. Com certeza, ela me acalmou muito.

                Annie Bell era a líder do nosso grupo. Tirou meia dúzia de campistas para buscar a bandeira rival junto com ela, mais meia dúzia para se infiltrar no campo adversário, antes que eles chegassem ao nosso e escalou três pessoas para defender a nossa área: Eu, Henry Soul e Josh Soul, os irmãos gêmeos super estranhos, filhos de Apolo.

                Sr. Austin tocou uma sineta de bronze que estava repousada numa almofadinha vermelha, sobre a mesa central. Ouviram-se muitos gritos de guerra. Pude ver, no canto do olho, um grupo adversário chegando junto a nós. Era Doralice, junto com três de seus irmãos. A minha nova amiguinha, de seis primeiros nomes, tinha uma arma totalmente horripilante: Um palito de churrasco elétrico! As faíscas sibilavam na ponta daquele treco. Ela me ameaçava e ria demais. Gorda estúpida!

                Eu peguei a minha caneta mágica, Lululu, e a ameacei também.

                – Ah, Peter! Você tem uma caneta! – ela zombou

                – É – eu sorri – que demais, né? Foi o Sr. Austin que me deu.

                – Ah, seu burro! Eu to zoando com a sua cara! Urg!

                Eu não conseguia olhar para a cara de Doralice e ficar sério. A cara dela era para dentro! Parecia que tinha tomado uma panelada quando criança.

                Eu apontei Lululu para aquela infeliz. Ela estremeceu. No fundo ela sabia que a caneta tinha certo poder. Avancei. Furei o pé de Doralice, a tinta azul saiu lentamente da caneta e juntou-se ao seu sangue. Mais uma vez, ela deu um grito de baleia orca. Saiu correndo para a casaronazona.

                – Você me paga, Peter Jensen! – Ela apontou o dedo para mim, no meio do caminho.

                Os irmãos de Doralice se entreolharam e decidiram fazer uma coisa super brava: Sair correndo.

                Eu e os gêmeos Souls batemos as mãos e comemoramos. Peter: 2; Doralice: 0.

                A prova parecia não ter fim. Nós estávamos plantados esperando alguma coisa acontecer. Eu tive a estranha sensação de que estava sendo observado. Com o passar dos minutos, me confortei, pois lembrei que o acampamento era cheio de monstros geneticamente alterados. Nada de perigoso, além do mais, eu tinha Lululu. (Que eu resolvi rebatizar, agora, ela era Lululúcia). Nada poderia me ferir! (Exceto o que realmente me feriu: um cachorro de 7 metros de altura que devia pesar umas duas toneladas, mas, falaremos disso depois.)

                Como eu ia dizendo... A prova não acabava nunca, nem um sinal de nenhum dos dois grupos. Ouvi um barulho na floresta, atrás de nós, novamente pensei que eram alguns monstros-escorpiões venenosos e geneticamente alterados, portanto, não me preocupei. Até que aconteceu... Aconteceu o que aconteceu:

                Uma massa preta – ou cachorro, como preferir – surgiu do meio das árvores. Ele veio justamente na minha direção! Por que tudo tinha que vir na minha direção? Enfim, ele veio na minha direção; pulou em cima das minhas pernas, me derrubando no chão. Aconteceu uma mágica: Enquanto ele latia, aparecia uma legenda flutuante.

                Lia-se:

                “Devolva-a, Peter Jensen. Devolva a chapinha ou sofrerá as conseqüências!”

                Ouvia-se:

                “Au au au. Au au au au au au au !"

                – Ah, era só o que me faltava, senhor cachorro! Eu não roubei porcaria de chapinha nenhuma! Você deve ser a vigésima pessoa que me pergunta isso. Quer dizer... Vigésimo ser, não sei...

                O cachorrinho não gostou de ter sido o vigésimo. Com suas garras – do tamanho de palitos de churrasco – rasgaram minha armadura, assim como o meu peito. Senti um líquido quente descendo. Eu estava sangrando. Sangrando muito, e os idiotas dos gêmeos Souls ficaram só olhando. Ainda tiveram a audácia de pegar um pacote de pipoca com manteiga no refeitório. Aquela maldita pipoca me salvou:

                O monstro deu um soco na minha cara, e, finalmente, sentiu o cheirinho da pipoca. Com um enorme grito, passou com suas suaves patas na parte lateral do meu corpo, me jogando diretamente no mar – que ficava a uns 30 metros de distância. Sim, eu voei.

                Os gêmeos Souls gritaram e saíram correndo – queriam a todo custo proteger a pipoca com manteiga. Era uma coisa divina! – eu, na água, senti uma coisa extraordinariamente diferente: o sal, ao invés de me ferir, borbulhava onde havia sangue. Eu estava sendo lentamente curado. Bem lentamente mesmo, parecia até internet discada. De repente, todos estavam me olhando. Apareceram de todos os cantos, quando percebi, eu estava rodeado de campistas, eles olhavam alguma coisa em cima da minha cabeça.

                Fui olhar o que era. Quase que saio correndo quando vi: Uma melancia flutuava brilhante em cima da minha cabeça. Ela girava no seu próprio eixo e falava: Poseidon, Poseidon. Até que a melancia borbulhou e explodiu, me sujando todo. Dentro dela havia um tridente com uma boca. Ele falava: Poseidon, Poseidoooon! Como quando se tenta assustar uma criancinha que acabou de ouvir uma história de terror. Todos olhavam para a cara dele. “Cri, cri, cri, cri” ouvimos um grilo cantar, feliz.

                O tridente desanimou-se.

                – Ah, ele é filho de Poseidon. – Anunciou a todos, pouco antes de explodir em luz. Virou purpurina prateada. Os filhos de Hermes ficaram zoando o coitado do tridente e fazendo uns “hããã” debochados. Só porque ele virou purpurina. Não resisti, ri também. Que coisa mais sugestiva para se virar após uma triunfal explosão, não?

                – Peter! – O Sr. Austin abriu caminho entre o povão – Precisamos conversar! Agora! – Ele me puxou para dentro da Casaronazona.


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Notas finais do capítulo

Comentários são bom vindos :D