Dados Viciados escrita por DarrenShanLover


Capítulo 3
Final Clichê?




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- Como sou o mais velho e mais debilitado, - ele disse. – me permitiria começar?

            Gabriel o encarou sem dizer uma palavra.

            - Mas que rapazinho bem educado! Dando prioridade aos mais velhos! – ele sorriu. – Muito bem, eu começo apostando cinco ciclos.

            Olhou brincalhão para meu amigo, o desafiando a cobrir sua aposta. Tenho quase certeza que ele colocou apenas cinco ciclos para pegar leve com Gabriel. E este percebeu isso. Por que era um problema? O ego dos garotos é muito delicado.

            - Eu pago e aumento – ele anunciou, colocando doze ciclos à frente.

            O velho parou durante um minuto, com expressão pensativa. Colocou mais sete ciclos na mesa, pagando a quantia proposta pelo meu amigo.

            - Não quero adicionar mais nada. – ele decidiu finalmente. – Qual é o seu lance, rapaz?

            Dessa vez, quem parou para pensar foi Gabriel.

            - Sete.

            - Escolha interessante... Eu fico com cinco. – o velho sorriu. – E, finalmente, a primeira jogada.

            Não sei se eu estava enxergando direito. Mas, assim que eles colocaram os “ciclos” na mesa, eu percebi que a respiração de Gabriel ficou acelerada. Podia ver seus ombros subindo e descendo um pouco mais rápido do que o normal. Os outros não pareceram perceber, então achei que era só meu problema de vista atacando novamente.

            Por que eu esqueci os malditos óculos?!

            Mas, enfim, o velho pegou os dados e, depois de chacoalhá-los um pouco, os jogou na mesa. Pularam algumas vezes. E, depois do que me pareceu uma eternidade (imagina o quanto pareceu a Gabriel então!)  os dados finalmente pararam, revelando dois números.

            Dois e... Seis.

Três números acima do tal lance. Será que Gabriel podia vencer?

            - Sua vez. – anunciou o velho.

            Seu tom de voz não continha nenhuma emoção, era impossível saber se estava confiante ou não.

            Gabriel pegou os dados da mesa. Fechou os olhos, como que pedindo sorte. Silenciosamente pedia que ele tivesse a maior sorte do mundo. Pois, apesar de aquilo ser, aparentemente, um simples jogo de apostas, como ficam os boatos? Gente que desapareceu depois de jogar, que morreu. E tinha toda aquela sensação sinistra.

            Aliás, porque ainda não fomos embora dali? Como eu disse, nossas mentes estavam a toda, mas nossos corpos pareciam se recusar a atender nossos pedidos.

            Ele jogou os dados, que dessa vez, não pularam na mesa, caíram na primeira batida. Eles marcavam:

            Um e... Cinco.

            Apenas um número abaixo do seu lance. Ele tinha ganhado!

            Com um sorriso no rosto, recolheu os ciclos e os colocou mais perto de si. Agora, estava confiante e eu não sabia dizer se isso era bom ou mal. Gabriel não podia subestimar esse adversário.  

            - Tsc... – Isa cochichou. – Isso tá errado, muito errado...

            - Você acha que ele está o deixando vencer?

            - Com cert...

            - Mocinhas! – o velho nos cortou de imediato, num tom calmo e infantil, perigosamente infantil. – Não falem, sim? Assim atrapalham o jogo. 

            Calei na mesma hora. Não gostava disso, mas algo me dizia que aquele cara era perigoso, muito perigoso. Novamente, amaldiçoei minha curiosidade e teimosia.

            - Muito bem, meu rapaz. – ele disse, agora para Gabriel. – Venceu a primeira partida, faça o primeiro lance! Esse será sobre o seu total no fim da terceira rodada.

            Bem, ele tinha seis pontos agora, mais duas rodadas, se tirasse total em todas, ganharia trinta. Mas isso era muito improvável. Meu lance seria dezenove, ou vinte e três, mas eu não estava jogando, não era minha mão que lançaria a sorte.    

            - Vinte e oito. – Gabriel disse, confiante.

            Muito alto! Os números variavam de dois até doze, como ele achava que poderia ganhar sempre números altos? Ele teria que, no mínimo tirar dez em um e doze no outro, ou onze e onze. Caramba! Ele não ouviu que quem faz o menor lance vence?

            Tiago balançou a cabeça negativamente ao meu lado. Ele tinha chegado à mesma conclusão. Na verdade, acho que todos tínhamos chegado. Menos Gabriel.

            Eu pude ver que os olhos do velho brilharam, ele tinha quase certeza que ganharia o jogo.

            - Eu fico com vinte e um. – anunciou, sem nem parar para pensar no lance. – E agora, para esta rodada, meu lance é oito. Aposto dez ciclos.

            -  O meu é dez. E, além de cobrir ainda aumento mais dez ciclos, ou seja, coloco vinte no total.

            O velho pagou, novamente sem aumentar a quantia proposta.

            E, de novo, aquela tensão dos resultados tomou conta do ar à nossa volta. Isabela estava com um ar pensativo, devia estar analisando o jogo ou algo do tipo.  Kiara estava chacoalhando as mãos nervosamente, provavelmente para se livrar da adrenalina. Tiago estava balançando a cabeça negativa e violentamente, bravo com a escolha irracional de Gabriel, só que, aposto, ele provavelmente estava pensando “ainda bem que não sou eu que vou perder”.

            O velho pegou os dados da mesa e, sem nem ao menos chacoalhá-los, os jogou sobre o tabuleiro de damas pintado.

            Cinco e... três. Oito.

            Ele havia ganhado, era completamente impossível que Gabriel tirasse dez e, mesmo que tirasse, o velho ganharia a rodada, pois seu lance havia sido o menor.

            - Nem precisa jogar para ver quem ganhou. – anunciei.

            - Não seja apressadinha, moça. – o homem disse. – Temos que adicionar pontos para Gabriel, certo?

            Meu amigo pegou os dados, fazendo o mesmo que antes, ele fechou os olhos. Se não tirasse dez ou mais, não conseguiria atingir seu objetivo de vinte e oito pontos no final da terceira rodada. Finalmente, jogou os dados na mesa.

            Quatro e... seis.

            De fato, dez, porém o lance do adversário era menor...

            O velho recolheu os trinta ciclos na mesa para si. Acho que fora impressão minha novamente, mas eu achei ter visto a respiração de Gabriel falhar e eu jurava que ele pareceu mais pálido e cansado. Só que aquilo não tinha sentido, tinha?

            - Bem, eu não vou mudar meu lance para a terceira rodada.

            Apesar de ter perdido aquela rodada, Gabriel tinha conseguido o número que precisava. Se tirasse menos que dez seria um problema, mas ele havia tirado exatamente esse número. Devia estar muito mais confiante.

            Ele encheu a mão de ciclos e despejou-os no tabuleiro.

            - Trinta ciclos.

            Os olhos do velho se encheram realmente de brilho agora. Aquilo me fez tremer da cabeça aos pés e eu pude sentir cada pelo da minha nuca eriçar.

            - Você tá louco, Gabriel?! – Isabela explodiu ao meu lado.

            - Trinta é muito, Pinto!!! – Tiago disse.

            Isa continuou, atônita:

            - Se você perder, su...

            - Ou, ou, ou!!! - o homem interrompeu, a voz tremendo de raiva. - Garotinha, garotinha... Eu não gosto de crianças que falam muito, sabia disso? Se não ficar quietinha aí, vou ter que fazer algo que não vou gostar...

            Ela engoliu a seco e se calou. Porém, eu podia ver que estava se remoendo por dentro tentando achar alguma resposta para algo que eu não fazia idéia. O mais estranho era que, ao olhar para Tiago, eu percebi a mesma confusão em seus olhos. Eles sabiam de algo importante... Sobre o que ela queria alertar Gabriel? O que de  tão terrível aconteceria se ele perdesse.

            - O que você ia dizer? – sussurrei para Isa.

            - Se... – ela começou, entretanto, assim que as palavras saíram de sua boca, ela pareceu repensar o que dizer. – se ele perder não sabemos o que irá acontecer.

            Não era isso. Eu tinha certeza. Eles sabiam de algo e não queriam contar, não queriam ou não podiam. Tá ai outra coisa que eu odeio, ficar de fora das coisas importantes.

            Encarei minha amiga, tentando ver se conseguia fazer com que ela me dissesse mais alguma coisa, mas sua expressão era indiferente. Resolvi prestar atenção no que realmente importava.

            O velho tinha voltado a sorrir e, também enchendo as mãos de ciclos, anunciou.

            - Eu pago. Trinta também. – depois pegou os dados da mesa. – Então, está pronto, moleque?

            - Nasci pronto. – ele respondeu.

            Ah, “nasceu pronto”! Eu sabia que aquilo ia dar merda, ele estava confiante demais, tinha apostado demais, tudo estava muito bom pra ser verdade.

            O velho pegou os dados e, sem mais nem menos, os jogou na mesa. Não houve closes épicos ou musiquinhas de fundo, o que, na minha opinião é um dos pontos mais chatos da vida real. Os dados caíram e revelaram os resultados quase instantaneamente.

            Dois e Quatro. Seis. Com mais dezesseis que ele havia acumulado das outras rodadas, tinha vinte e dois no total. Vinte e dois. Um número acima do seu lance.

            Sua expressão mostrava o que a maioria de nós já havia concluído: a menos que Gabriel fosse muito, mas MUITO sortudo mesmo, o jogo já estava decidido. Meu amigo não deixou a máscara confiante deslizar nem mesmo um pouco. Continuava fitando o velho, sério, mas sem pessimismo.

            Pegou os dados da mesa com cuidado. E, também sem vacilar, os lançou à mesa.

            O primeiro parou rapidamente, seis. Agora, Gabriel precisava de outro igual.

            Menti, a vida pode ser bem épica e cruel às vezes. Meu amigo jogou o segundo dado de tal forma que ele saiu rodando equilibrado em uma das pontas. E, acredite, demorou pra caramba para aquilo parar de girar. O velho já estava consciente de que havia ganhado aquele jogo. Sair outro seis era quase impossível.

           E, quando, finalmente, o dado deu a entender que ia parar de rodar, e u implorei para que saísse um seis. Apertei os olhos com todas as forças tentando reunir a sorte e fazê-la dar o número que eu e meus amigos queríamos.

            No último momento, quando o dado começou a cair, revelando o resultado, uma brisa gelada e morna ao mesmo tempo bagunçou nossos cabelos e fez as folhas das árvores farfalharem. O dado girou para o sentido contrário e caiu... revelando o número...

            Seis.

            Mal pude acreditar naquilo. Quando a gente fecha os olhos pedindo alguma coisa, geralmente essa coisa não vai acontecer. Nunca acontece. Mas parecia que, naquela noite em especial, minha sorte (que pode ser chamada mais de azar na maioria das vezes) e a de Gabriel, estavam a querendo cooperar.

            Feliz, este recolheu os sessenta ciclos da mesa para si. Seu rosto se iluminou e a sensação que tive de que sua respiração estava difícil e entrecortada sumiu, tipo naqueles comerciais super falsos e clichês. Mais um fator que me levou a pensar que tinha imaginado aquilo.

            Tinha conseguido seu lance de vinte e oito. O velho o parabenizaria por ninguém ter conseguido ganhar dele antes. Voltaríamos cada um para sua casa, no conforto de nossas camas, ligaríamos a TV e, esperançosamente, esqueceríamos que todos aqueles fatos sinistros haviam ocorrido.

            Mas... se realmente isso acontecesse, não haveria história, não é?


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Notas finais do capítulo

REVIEWS!!!!!!