Amor Após a Morte escrita por Daani_Graah


Capítulo 3
02. Conversando Com o Demônio - Maríe


Notas iniciais do capítulo

Esperamos que gostem!



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02. Conversando Com o Demônio - Maríe

Quando seus olhos se abriram, percebi o pavor presente nos meus.

Jane me odiaria por ter escondido dela a verdade. Por tê-la feito pensar que nunca mais me veria. Por tê-la feito sofrer durante esse ano que foi tão terrível para ela quanto fora para mim. Talvez até pior pelo fato de ela ter pensado que eu estava morta. E estava... Mas...

Meu coração não pulsava, as lágrimas não caiam dos meus olhos, mais eu sofria, eu estava morta, mas sempre soube que ela estaria bem. Ao contrário de Jane.

Ela me odiaria por toda a eternidade, e conviver com ela me odiando e me fuzilando com o olhar durante toda minha existência seria o inferno para mim. Apesar de já ter vivido nele por um longo tempo...

A perfeitinha morta agora se encontrava de olhos abertos... Eu podia ver sua pele perdendo o tom corado. Podia sentir a escuridão domando-a internamente, assim como fez comigo. Assim como fez com todos os condenados.

Podia imaginar a dor da felicidade que um dia ela tivera, indo embora, todo o otimismo esvaindo de seu corpo e de sua mente, agora completamente tomada pela escuridão.

Jane me olhou profundamente nos olhos sem expressão. Tentei me controlar o máximo possível para não parecer tão apavorada quanto estava por dentro.

Ela não me olhava com raiva, me olhava... Maravilhada... Como se estivesse vendo um anjo. Apesar de eu ser um demônio sem alma.

- Maríe... Você... Está... Viva. - Nesse momento pude perceber que sua voz era trêmula, como se um nó a tivesse tomado na garganta, mas as lágrimas não podiam escorrer por seu rosto.

- Não... Jane... Eu... – como a voz dela, a minha tremeu. Meu corpo estava perdendo a força e eu o sentia desmoronar rumo ao chão. E por mais incrível que parecesse... Quando me dei conta, ainda estava intacta, de pé como se nunca tivesse me mexido.

- Chega gracinhas! O teatrinho foi ótimo mais isso está melancólico demais! Vocês terão simplesmente a eternidade para explicar uma à outra suas vidinhas medíocres. – E agora a voz sombria percorria minhas espinhas como se as estivessem rasgando com uma faca.

Jamais me acostumaria com aquele demônio.

A ETERNIDADE... Condenada pela eternidade a viver zanzando por aí sem rumo.

O vulto vermelho vinho se aproximava de mim... Sua sombra negra como ébano se estendia até a porta igualmente escura a algum lugar atrás de mim.

- Por que... Estão levando Jane? PARA ONDE A ESTÃO...

Uma mão friamente cortante encostou na minha pele, me impedindo de continuar a frase. As unhas afiadas do demônio roçavam minha pele, dando a sensação de me estar perfurando friamente sem medo da reação.

- Sua... Jane... Ficará bem. Cada ritual é diferente queridinha. E se intrometa que você irá...

Ela se interrompeu. Eu esperei, encarando-a nos olhos sombrios sem expressão aguardando uma resposta. Nada obti.

- Eu irei...?

- RÁ! – a gargalhada irônica me fez pular. – Irônico não? Eu poderia continuar minha frase com: Você irá morrer... Mas... Você JÁ está morta. Que. Irônico! – ela parou... Mais uma vez. Virou o rosto á sudeste. Segui seu olhar. Lá havia um castiçal com um brilho incandescente. Cegava-me. Paralisou-me.

De tão impressionada que fiquei não percebi que o demônio agora se virava para mim.

- Bu. – falou ela calmamente. Ainda assim me fazendo pular. – Te assustei de novo não foi lindinha? – ela riu sozinha. - Pobrezinha. Tão linda, mas tão BURRA.

Demorei tempo demais para perceber o que era aquilo. AQUILO era o que os condenados tinham de melhor. Toda sua personalidade, seu otimismo, a felicidade, as motivações. Tudo aqueles que os davam motivos para viver e seguir em frente. Por isso todo esse mundo nojento era perturbadoramente AGONIANTE.

- Mas... NÃO! – gritei. Agora não percebia que estava sendo arrastada pelo demônio para fora da sala. – Vocês... Como? Não! Vocês NÃO IRÃO fazer isso com Jane!

- Tão ingênua não é, querida? Ela é apenas mais uma condenada. TODOS aqui perdem sua alma. Perdem todo seu motivo de viver. Perdem a CAPACIDADE de viver, de sentir, de motivar-se. Ela é somente mais uma. – Sua voz agora estava menos assombradora. Estava suavemente aterrorizante, apenas.

- Mas... Eu... Aahn... Não... – O nó na minha garganta só aumentava.

- Ah, compreendo sua duvida minha querida jovem ingênua. Você? Eu te disse que seria útil, que era diferente. VOCÊ é uma exceção que nunca vi nesse inferno. Você já apareceu para mim sem alma. Você nunca sequer se sentiu realmente feliz. Você nunca sequer amou alguém de verdade...

- É MENTIRA! – eu a interrompi. – Eu AMO Jane.

- Ah querida. Seu amor é pura farsa. Seu cérebro está adormecido há muito mais tempo antes de sua morte. – Agora andávamos por um longo corredor, nunca o havia atravessado. – Essa sua cabecinha te manda tão falsos sinais quanto uma foca aprendendo a falar alemão... Você não percebe sua petulância? Não consegue perceber a forma arrogante com qual você trata essa Jane que você chama de irmã? Você não percebe o desprezo que a oferece?

- Pare de mentir sua... VÍBORA! – Eu tremi ao pronunciar a palavra que em um futuro extremamente próximo me causaria sofrimento. – Eu AMO Jane. Não é coisa do meu cérebro... Eu NÃO TENHO UM CÉREBRO... Eu sou... Um zumbi. Uma morta viva. Não posso receber falsos sinais de uma coisa que não existe!

Ela parou na minha frente, se virando, depois de tanto tempo, para mim, e me encarando nos olhos.

- Ah é mesmo querida? Então como explica o fato de não ter ligado para sua irmãzinha até a noticia de sua morte?

- Eu só... Bem... Um pouco de... Desatenção talvez... ISSO NÃO EXPLICA NADA. Eu a AMO!

- Você está esgotando minha paciência! – Seu rosto agora se fechou em uma raiva profunda. Ela me fuzilou com os olhos, e, ainda me fuzilando com os olhos, ela gritou:

- Ron! – uma forma sombria e distorcida surgiu do fim do corredor mal iluminado, e ao se aproximar percebi que mancava.

Ele me agarrou pelos braços deixando profundos hematomas na pele branca feito neve.

- Leve essa IMPRESTÁVEL daqui. Tranque-a no quarto. – seu berro soou como um trovão e me fez tremer.

Minha perna não suportou a rigorosidade de sua voz e desmoronou, me jogando no chão. Então senti a pressão mais forte ainda do braço do zumbi ‘Ron’, esmagando-me sem me soltar enquanto eu caia, desolada no chão.

O vulto vermelho vinho se abaixou, e esquivou-se em minha direção.

As mãos nos joelhos, cobertos pelas botas de extremo salto de camurça.

Ela inclinou o rosto em meu ouvido e cochichou:

- Enquanto estiver trancada, queridinha, pense bem. Verá que estou certa. Não adianta discutir com a razão. – Uma corrente elétrica atravessou meu corpo, ainda estatelado no chão, da cabeça aos pés.

- Pelo visto não adianta discutir com o demônio também. – Retruquei entre dentes.

Foi à gota d’água para ela. Sua mão branca veio em direção ao meu rosto, fazendo-o girar, e senti algo escorrer dos meus lábios.

Quem sabe uma zumbi recente ainda tivesse sangue para desperdiçar. Morrer eu sei que eu não iria.

Ela se virou voltando todo nosso caminho percorrido, provavelmente indo até Jane. E então senti uma pressão me puxar para cima, me carregando até meu quarto.

***

A porta se fechou diante dos meus olhos. Fiquei paralisada por alguns minutos em frente a ela e depois me joguei na cama.

Chovia do lado de fora do Palácio.

Fui até a janela. E se eu pudesse... Eu diria que estaria chorando com a chuva...


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Notas finais do capítulo

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