Para mim, era o mesmo de sempre – aquele elixir delicioso descendo pela minha garganta, embora eu não estivesse precisando, e os sentimentos, meus e os dela. Tudo entrelaçado.

Nós acabamos achando Aidou depois daquilo. E muitas coisas aconteceram desde então: o alunos da Turma da Noite ainda não haviam voltado, e os pesadelos, ou ilusões – ou seja o que for – que Yuuki sentia, estavam aumentando.

Foi por isso, então, que ela pediu ao Diretor para nos levar à Associação dos Caçadores, onde acharíamos os registros de antes das memórias de Yuuki começarem.

E aí aconteceu – Yuuki gritou e eu consegui me recompor. Corri até ela e a abracei, enquanto a página na frente dela queimava.

Algumas horas depois, já à noite, voltamos à Academia.

Bati na porta do quarto de Yuuki – como será que ela estava?

-Quem é? – sua voz estava assustada. Algo não ia bem.

-Sou eu. Posso entrar?

-Sim.

Abri a porta do quarto – a pequena Yuuki, minha melhor amiga, a garota que eu amava, estava sentada sobre sua cama, encolhida, assustada.

-Tem algo errado? – perguntei enquanto ficava na soleira da porta.

-Bem... eu estou me sentindo meio sozinha ao pensar que todo mundo foi pra casa para os feriados...

Ela estava mentindo, para que eu não me preocupasse.

-Não é isso, certo? – indaguei, entrando no quarto e me sentando na beira da cama.  –Você estava pensando nas suas memórias, certo? Em como a página pegou fogo no quartel general.

-É – admitiu. – Eu estava pensando que isso não pode ser normal, como se algo estivesse me impedindo de saber o que aconteceu dez anos atrás. Eu acho... que talvez as minhas memórias tenham sido apagadas por alguém com algum propósito.

Cheguei mais perto. Yuuki estava concentrada por um momento, pensando. Eu não podia deixá-la daquele jeito; justo ela, a pessoa que mais se preocupava comigo! Agora era a hora de eu me preocupar com ela, também.

Ela se virou para mim, e analisou minha expressão.

Dessa vez eu não precisaria esconder meus sentimentos.

-Ei, porque você está tão preocupado? – ela perguntou, se ajoelhando e colocando uma das mãos gentis no meu rosto, empurrando-o um pouco, com delicadeza.

Fechei os olhos por um momento para depois fitar os dela.

-Você não gosta quando eu me preocupo? – foi de algum modo dramático, mas não importava – eu estava sim, preocupado.

Ela arregalou os olhos um pouco e tirou sua mão do meu rosto, para colocá-la no meu ombro.

-Não é isso – Yuuki disse. – Eu só... com o precioso tempo que te resta... eu não quero que você o gaste se preocupando comigo. - Como ela podia dizer uma coisa daquelas?! Depois de tudo o que aconteceu! – Eu... estou bem! – ela sorriu como sempre.

Uma garota tão forte, como ela ainda podia tentar me enganar daquele jeito, fingir que estava bem?

-É por isso que você deve pensar mais em si mesmo! – ela queria que eu fosse egoísta, então?

Foi demais para mim. Segurei seu pulso e o tirei de meu ombro.

-Zero...? – ela perguntou, obviamente surpresa. Então cheguei mais perto.

Olhei-a solenemente.

-Yuuki...

-O que foi?

Eu tinha que fazer aquilo. Por isso fui até ela – até seu pescoço na verdade – e a mordi sem hesitar.

Prová-la não era meu principal objetivo naquele momento. Eu só queria que ela entendesse... ou então eu estivesse querendo entendê-la, talvez por meio de seu sangue.

Yuuki suspirou quando sentiu a mordida – seus olhos devem ter lacrimejado, mas dessa vez ela se entregou a mim mais do que das outras vezes.

Estávamos praticamente nos abraçando – quero dizer, era um abraço, e ela segurou um dos meus braços enquanto sentia.

Para mim, era o mesmo de sempre – aquele elixir delicioso descendo pela minha garganta, embora eu não estivesse precisando, e os sentimentos, meus e os dela. Tudo entrelaçado.

Mas eu não estava com sede. De modo que me inclinei sobre Yuuki – e a soltei.

Ela ficou surpresa.

-Por que você não resiste? – indaguei, sentindo seu sangue em meu queixo, mostrando as presas de propósito. – Eu não posso continuar vivendo a menos que eu continue tirando o seu sangue... – limpei o que restara no queixo, e me acalmei. – Você não entende? Você é a vítima, Yuuki!

E era verdade. Por que ela não entendia de uma vez?

-Zero...

Coloquei minhas mãos sobre seus ombros, sentindo como ela era pequena e delicada.

E... humana.

-Você tem todo o direito de me fazer sofrer! – afinal, eu era o monstro que lhe tirava a vida com frequência. – Não importa o quanto você queira fazer eu me preocupar, não importa o quanto você quiser se envolver em coisas perigosas, faça como quiser! Mas mesmo isso não é suficiente para retribuir o que você fez. – Era como eu me sentia. Ela tinha que saber. – Mesmo se eu passasse o resto da minha vida fazendo coisas para você, eu não reclamaria!

Sua resposta foi colocar as duas mãos no meu peito, agarrando a minha camiseta – e quando percebi, ela estava chorando.

-Estou com medo! Meu passado... o que aconteceu?

Yuuki... finalmente entendi o que se passava e a abracei, enquanto suas lágrimas escorriam.

Coloquei a mão em sua cabeça e ela se agarrou em mim, chorando ainda.

Está tudo bem, Yuuki. Eu estou aqui. A noite inteira, se você precisar. Eu vou te proteger. Eu juro.