Segredos Submersos escrita por lovegood


Capítulo 53
Epílogo | Antes da meia-noite


Notas iniciais do capítulo

Agora que chegamos ao fim, um breve disclaimer: algumas das citações feitas pelo decorrer da história pertencem a Edgar Allan Poe (retirados de alguns de seus poemas, diversos contos e consequentemente personagens, todos presentes em "Contos de Imaginação e Mistério"), Ray Bradbury ("Fahrenheit 451") e Matthew Arnold (o poema "A praia de Dover", cuja tradução foi retirada justamente do meu exemplar de "Fahrenheit")
E é isso. Vejo vocês lá embaixo.



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– Tudo que eu posso dizer a você, minha filha – disse Poseidon; minha cabeça ainda estava apoiada com força contra seu ombro e seus braços contornavam minha cintura da mesma forma em que os meus seguravam seu pescoço –, é obrigado.

Não consegui dizer qualquer coisa. Talvez o sentimento de alívio, misturado com cansaço e felicidade e muita, mas muita dor, evitou que as palavras conseguissem sair de modo coerente, portanto apenas assenti veementemente por dentro de seu abraço, enterrando ainda mais meu rosto na curva de seu pescoço. Sorvi o cheiro que Poseidon exalava – levemente salgado como o mar e tão familiar e receptivo, por mais que eu nunca houvesse convivido com ele, que até senti uma pontada de tontura – esperando que ele durasse para sempre.

Infelizmente, não durou. Logo senti o aperto de meu pai se afrouxando do meu corpo e percebi que eu deveria soltá-lo.

– Não foi nada – consegui dizer. Havíamos nos soltado, mas Poseidon ainda segurava minha mão de leve. Percebi o quanto ela era maior do que a minha, o que me fez sentir como uma criança momentaneamente. – No final das contas, foi você quem conseguiu voltar sozinho.

– Mas se você e seu irmão – minha garganta pareceu secar por um único instante ao ouvi-lo chamar Percy assim; como reagiria Poseidon se soubesse que seus filhos já haviam se beijado? – não houvessem lutado tanto junto do restante de seus amigos, eu não teria conseguido voltar em primeiro lugar. E por isso eu agradeço.

Houve um breve momento de silêncio, no qual eu havia de pensar no que falaria. Permaneci fitando nossos dedos entrelaçados, de alguma maneira não conseguindo olhar para cima de modo a encontrar seus olhos. Poseidon percebeu tal hesitação, e, com a mão livre, recostou os dedos por baixo de meu queixo e levantou-o gentilmente. Não consegui evitar que um pequeno sorriso, apenas com o canto dos lábios, surgisse em meu rosto.

– Eu também o agradeço, pai – falei, agora encarando seus olhos. Eles eram incrivelmente profundos e pareciam conter neles o segredo de toda a humanidade. – Se o senhor não tivesse aparecido, acho que Pallas teria me matado.

– Duvido muito, Hermione. Com toda a sua capacidade...

Dei de ombros e revirei os olhos, um tanto impaciente, mas ainda assim sentindo uma pontada de humor. Pais... não importava se fossem trouxas, bruxos ou deuses mitológicos; eles sempre superestimariam alguns de seus feitos. Novamente, Poseidon percebeu parte de minha inquietação e desviou levemente de assunto:

– Sua mãe ficaria muito feliz.

Tais palavras roubaram de minha boca qualquer outra coisa que eu poderia ter preparado para dizer. A mucosa pareceu secar e abri e fechei os lábios umas três vezes, tentando puxar para a ponta de minha língua pelo menos uma frase e conseguir expressar todos os meus sentimentos, mas falhei miseravelmente. Lembrei-me do último sonho que tivera com Poseidon em Siracusa, logo após retornarmos ao Acampamento e depois de Tânatos ter levado Harry e Ron de mim, quando minha mãe apareceu em uma espécie de miragem e sua figura ao lado do deus dos mares pareceu simplesmente tão... certa! Eles haviam sido muito felizes juntos, mesmo que por um período ínfimo.

Nas três vezes em que eu abri e fechei a boca, queria ter puxado para ela palavras, perguntas: sobre como a relação deles havia sido, como haviam se conhecido e como um amor tão grande pôde nascer a partir dali. Mas não consegui, e desta vez Poseidon não percebeu – e se percebeu, não entrou no assunto.

– Eu... eu sei – minha voz saiu por um fio. Senti os dedos de meu pai soltarem dos meus, e sabia que a conversa logo acabaria. – Talvez, quando eu finalmente chegar em casa, eu conte para ela tudo o que aconteceu. Como se não bastasse todas as aventuras bruxas... quem sabe é agora que ela tem um ataque no coração.

Poseidon soltou uma risada fraca, mas que eu soube que era verdadeira.

Atrevi-me a olhar para trás, em direção ao elevador que descia de volta ao Empire State. Meus amigos já haviam descido, e por entre todos os tronos, eu era a única mortal.

– Seus amigos devem estar aguardando-a – disse Poseidon. Nossa conversa estava acabando. – Percy também...

Balancei afirmativamente a cabeça e pus as mãos no bolso, voltando a olhar meu pai. Minha garganta pareceu secar outra vez ao ver a forma em que ele pareceu me olhar ao mencionar Percy, e percebi que ele sabia de tudo entre nós dois – qualquer que fosse a coisa que houvesse entre nós dois. Senti-me um tanto idiota; era óbvio que Poseidon saberia. Como eu poderia ter pensado que algum dia seríamos capaz de esconder algo – mesmo que não soubéssemos exatamente o que era esse algo – de um dos Três Grandes? Ainda assim, o olhar de meu pai não parecia me julgar, muito menos nos dar consentimento; havia naquelas íris apenas uma espécie de contemplação. Como se dissesse: isso aí fica por conta de vocês, mas no fim das contas, qualquer que seja a decisão final, pode ser a decisão certa.

Pigarreei e olhei para meus pés.

– O senhor tem razão – falei, tentando deixar a voz casual. – Eu já vou descer. Acho que daqui a pouco já vamos voltar ao Acampamento.

Poseidon assentiu. Adiantou-se e segurou meu rosto com as duas mãos gentilmente.

– Cuide-se, minha filha. Mas saiba que eu também estarei cuidando-a daqui.

Fiz um sinal de concordância.

– Tentarei.

Ele me soltou e eu virei de costas, começando a andar até a saída do Olimpo. Foi depois de poucos passos que parei, subitamente lembrando-me de algo e sentindo a urgência em perguntar.

– Pai! – chamei-o. Poseidon, que também tinha começado a andar em direção ao seu trono, do mesmo modo parou e se virou para mim. Suas sobrancelhas se franziram. – E Morfeu?

Não pude evitar que uma leve onda de rancor transbordasse de minha voz. Afinal, eu não havia feito tanta coisa para impedir que ele e Pallas chegassem ao Olimpo? E por mais que Pallas eu conseguira derrubar, não conseguia não me sentir frustrada ao pensar na possibilidade de Morfeu ter escapado, ileso. Poseidon viu a clara frustração em meu rosto e crispou os lábios, exprimindo simpatia.

– Bem, ele conseguiu escapar – disse Poseidon. – E sei como é frustrante, mas você já fez em muito a sua parte, Hermione.

– Eu sinto como se fosse culpa minha, de certa forma.

Poseidon cobriu o espaço entre nós novamente e pôs uma das mãos em meu ombro.

– Morfeu ter fugido é o mais longe possível de ser culpa sua, filha. Ele é... assim mesmo, sabe como é. Não há muito o que fazer, mesmo. Sempre se alia ao lado errado e consegue sair quando as coisas começam a dar errado para ele. Hipnos fica louco... – riu brevemente, um tanto nostálgico. – E de qualquer forma, com Pallas de volta ao Tártaro, duvido muito que Morfeu possa fazer alguma coisa. Não vai ser difícil para nós o acharmos, Hermione.

Fiz que sim com a cabeça, ainda um tanto contrariada.

– Você não precisa mais se envolver nesse tipo de assunto – disse Poseidon e aquela foi a palavra final. Apenas concordei, não conseguindo segurar um suspiro de cansaço, e retomei meu caminho em direção às ruas de Nova York outra vez.


O restante da tarde se estendeu na volta dos campistas ao Acampamento Meio-Sangue. Ao anoitecer, todos já haviam retornado e os últimos ritos funerários em homenagem aos campistas caídos eram feitos junto à fogueira.

A mortalha de Thalia Grace foi uma das últimas a ser queimada. Ela era simples; preta com detalhes em cinza e em azul. Tal disposição de cores lembrou-me de uma noite tempestuosa e o azul de suas íris, e tive de enxugar poucas lágrimas teimosas que caíram de meus olhos. Junto de mim durante o rito para Thalia estavam Harry, Ron, Annabeth, Percy, Nico e as Caçadoras.

Conforme as chamas crepitavam e a mortalha de Thalia parecia dissolver, fumaça subia em direção ao céu escuro como se soubesse o caminho que devia seguir. No que observei, aos poucos, o cinzento da fumaça ascender em direção à noite, meus olhos alcançaram as estrelas que daquele ponto aparentavam se localizar no infinito. Por um único instante elas pareceram cintilar de uma maneira levemente mais forte assim que a fumaça começou a se dissipar, e naquele momento eu soube que Thalia Grace estaria bem.

Percy, que estava ao meu lado, também olhava naquela mesma direção. Apontou para o céu estrelado e seu dedo começou a se movimentar de cima para baixo, de um lado para outro no ar. Franzi o cenho e foi só após desviar o olhar de Percy em direção às estrelas que percebi que ele tracejava uma constelação para que eu visse.

– Aquela é a constelação da Caçadora – disse, conforme eu apertava os olhos para vê-la melhor. Mas não era mais necessário; o desenho das estrelas agora parecia brilhar com mais intensidade após eu tê-la percebido. – Ártemis fez isso quando a líder anterior das Caçadoras, Zoë Nightshade, caiu em batalha. O pensamento que Thalia também pode estar lá é um pouco reconfortante.

Meu olhar se voltou para Percy, assim como o dele se voltou para mim. Seus olhos claros pareciam brilhar ainda mais que o habitual, fosse pela noite estrelada ou pela luz da fogueira, e, pela milésima vez nesse longo dia, consegui apenas esboçar um leve sorriso.

– É bom saber disso – falei, minha voz raspando na garganta e saindo por um fio. Percy sorriu de canto também, mas logo aquele singelo momento em que parecíamos haver nos prendido se dissolveu, pela voz de Nico. Ela soou incrivelmente distante, mas ainda assim senti meu rosto esquentar, o que me forçou a desviar o olhar de Percy.

– Já está ficando tarde – disse Nico. A mortalha de Thalia já havia se transformado em cinzas por completo. – Não sei vocês, mas vou voltar ao meu chalé.

Todos assentiram e aos poucos fomos deixando para trás a fogueira, cada um seguindo seu próprio caminho. Eu não tinha ideia do horário que poderia ser, mas meu corpo não protestou em qualquer momento; assim que as palavras de Nico haviam chegado aos meus ouvidos, pude finalmente perceber como minhas pálpebras estavam pesadas.

Eu e Percy seguimos juntos em direção ao chalé de Poseidon, sem trocar palavras.

A primeira coisa que fiz foi tirar meus sapatos, para então pegá-los com as mãos e me dirigir à minha cama. Eu já estava separando o pijama quando olhei por cima do ombro e reparei na forma em que Percy estava parado contra uma das paredes. Olhando ao redor constantemente – junto de alguns relances que lançava a mim –, um tanto retesado, como se estivesse nervoso.

– Tá tudo bem? – perguntei com cautela.

Percy voltou a olhar para mim e foi onde seu olhar desta vez se fixou. Deu de ombros, como se não quisesse demonstrar preocupação, mas suas mãos e pernas estavam inquietas. Ergui as sobrancelhas, de modo a dizer que eu não acreditava nem um pouco que ele estava bem.

– Eu... sei lá – disse ele, passando a mão pelo rosto e pelos cabelos para depois suspirar e olhar ao redor. Seus olhos se movimentavam pelo chalé inteiro e tive a impressão deles estarem tentando me evitar. Não pude evitar que um leve arrepio passasse por meus braços.

– Ok... – comentei, voltando a separar meu pijama. Hesitei por um instante antes de continuar – olha, se você quiser conversar sobre o que está te deixando inquieto, podemos fazer isso. Se não quiser, não tem probl...

Percy logo me interrompeu, de forma mais abrupta do que ele provavelmente teria pretendido:

– É você que está me deixando inquieto, Hermione, e é esse o meu problema!

Nós dois nos calamos abruptamente e ao mesmo tempo. Ele pôs uma mão na cintura e outra na boca, desviando o olhar e ficando vermelho, enquanto a minha boca permanecia aberta, como se a fala houvesse congelado lá.

Percy esfregou os olhos e suspirou.

– Desculpa – murmurou. Ainda sem dizer nada, apenas assenti, por mais que ele provavelmente não tenha visto, meus lábios lentamente se fechando. – Não quis dizer isso.

Um silêncio constrangedor pairou no ar, conforme eu engolia em seco e não tinha nada a dizer. Meu rosto devia estar tão vermelho quanto o dele.

– É só que... – continuou de repente, não olhando para mim e falando com uma certa freneticidade, como se conversasse consigo mesmo. Em passos rápidos, contornou a extensão do chalé e parou próximo de mim. – Eu comecei a pensar sobre... sobre aquela noite.

Ah.

– A n-noite do seu... aniversário.

Concordei novamente com a cabeça. Percy voltou o olhar para mim, mas desta vez fui eu quem desviei o rosto. Pigarreei baixinho antes de falar:

– E...?

O vento que passou pela janela aberta foi o suficiente para fazer meu corpo todo estremecer e os pelos dos braços e da nuca se eriçarem.

– E... e... – Percy deglutiu ruidosamente; pude ver o movimento de seu pomo de adão. Nossos olhos finalmente se encontraram e vi neles tanta dúvida e incerteza que um soco pareceu ser dado em minha barriga. Teria sido melhor se Pallas ainda estivesse ali, pensei, ao invés de ter de lidar com essa situação assim tão de repente – eu simplesmente não sei o que pensar.

Permiti a mim mesma soltar uma risada fraca.

– A gente ficou adiando por tanto tempo, não é? – falei e não soube dizer como as palavras conseguiram sair com tanta fluidez. Talvez eu estivesse falando mais para mim mesma do que Percy. – A cada vez que esse assunto vinha na minha mente eu pensava: não dá para pensar nisso agora, Pallas, Morfeu, Poseidon exilado, etc. Agora que tudo acabou e essa nova realidade resolveu bater à minha porta, eu não tenho ideia do que fazer. E nem por onde começar.

Outro momento de silêncio que pareceu se estender para sempre, que na realidade não devia ter passado dos cinco segundos. Quando Percy resolveu quebrá-lo, sua voz nada mais era que um murmúrio:

– Talvez podemos começar por aqui.

Se eu houvesse tido tempo o suficiente, minhas sobrancelhas franziriam e eu contemplaria sobre o que diabos Percy queria dizer com aquilo, mas esse tempo não existiu. Logo que as palavras foram processadas por minha cabeça, porém antes de eu esboçar qualquer reação, Percy cobriu o espaço restante entre nós e não tardou para que seus lábios se encontrassem com os meus.

Assim como nos dois beijos anteriores, a princípio houve um retesamento e uma hesitação inicial. No que senti sua boca querer se aprofundar na minha e suas mãos pegarem minha cintura com tanta segurança, meus músculos logo relaxaram e meus lábios se entreabriram, permitindo a entrada de sua língua.

O calor imediatamente subiu por meu rosto e se irradiou pelo corpo inteiro, conforme nossas línguas pareciam se entrelaçar e os dedos de Percy corriam primeiro pela cintura, depois pelas costas, de cima a baixo até chegar aos meus quadris e voltar para a cintura, e os meus dedos se enlaçavam em seus cabelos e desciam pela nuca em direção ao pescoço. Sua boca era úmida e quente e seu simples toque já era o suficiente para arrepiar minha pele.

Nossos lábios se separaram momentaneamente, dando um ao outro uma série de pequenos e curtos beijos, enquanto Percy puxava-me mais para perto de si e dávamos passos um tanto cegos pelo chalé, até ele me encostar contra uma das paredes. Sua boca encontrou a minha novamente para um outro beijo longo e agora mais calmo, mas igualmente profundo como o anterior.

Havíamos chegado a um ponto em que parar parecia ser a coisa mais irracional a se fazer. Seu corpo estava agora encostado inteiramente no meu e o calor era tanto que eu nem sabia como não havíamos nos separado ainda. Mas não importava, não naquele momento, porque era bom demais para que interrompêssemos. Eu conseguia sentir a respiração de Percy bater levemente em minha face por poucos segundos, antes do beijo se aprofundar ainda mais. O toque de seu rosto contra o meu e o de suas mãos percorrendo meu corpo pareciam fazer minha pele arder em brasa. Meus dedos soltaram seu cabelo e gentilmente traçaram a linha de sua mandíbula.

Nossos lábios acabaram por se soltar, mas no que eu tentava recobrir a respiração – agora frenética e descompassada; meu peito subia e descia como se eu nunca houvesse respirado antes – Percy seguiu com pequenos beijos sedentos o caminho até meu pescoço. Meu corpo reagiu abruptamente com tal toque e tive de morder o lábio para evitar que um gemido involuntário escapasse.

Então ele parou e seu rosto voltou a se recostar no meu. Não abri os olhos; apenas acomodei meu rosto para uma posição mais confortável. Os lábios de Percy tocavam em minha bochecha e seu nariz roçava minha pele, de modo a eu sentir sua respiração se acalmando. Suspirou, como se percebesse novamente que aquilo não era boa coisa.

– Isso é tão bom – murmurou ele; sua voz saiu um tanto abafada por minha pele –, mas é tão errado. E é isso que eu não sei como agir em relação a nós dois.

– Eu sei como é – sussurrei em resposta. Meus olhos abriram lenta e preguiçosamente e acabei por mudar de assunto, ambos de nós ainda naquela posição. Seus braços enlaçavam minha cintura, enquanto tirei os meus de seus ombros. – Poseidon sabe sobre nós.

E tão rapidamente quanto o beijo começou, Percy me soltou e seus olhos expressavam um certo alarme.

– O quê?

– Se não sabe – falei – pelo menos ele deve ter alguma ideia. E acho que não vai intervir; acredita que nós dois teremos de descobrir um jeito de lidar com isso.

Percy inspirou profundamente e passou a mão pela boca, que estava vermelha e um pouco inchada. Consciente de mim mesma, passei a mão em meus lábios e dei graças aos deuses por ninguém ter nos pego.

Depois de um longo momento de silêncio, tive de voltar a me manifestar:

– Você sabe que isso não vai dar certo, não é? Seja lá o que for “isso”. Percy, temos de encarar os fatos: eu gosto de você e você gosta de mim. Só que nós somos meio-irmãos, entende? Não é... certo que continuamos nesse ciclo. De ficar reprimindo nossos sentimentos por longos dias para depois jogarmos um no outro com beijos que, por melhores que sejam, só vão aumentar nossa frustração.

– Eu sei. Hermione, você não tem ideia de como eu sei.

Mordi o lábio inferior e tive de assentir.

– Por mais difícil que seja esconder os sentimentos – falei, e minha voz parecia não querer sair pela garganta – não é certo ficarmos nos arriscando assim. E... a vida segue, não é?

Percebi que eu queria convencer mais a mim mesma do que reconfortá-lo apenas quando poucas lágrimas pareceram turvar minha visão. Desviei meu olhar em direção ao relógio – faltavam vinte minutos para a meia-noite. Em pouco tempo um novo dia surgiria, e com o coração na mão, eu sabia que com aquele dia minha vida também seria diferente.

– Quer dizer – falei – nós não estamos nem no verão, que é a temporada correta de ficar no Acampamento. Você, Annabeth, Nico e todos os outros campistas; só estiveram aqui por causa das missões e da guerra, certo? E as aulas de Hogwarts ainda estão acontecendo... Gina, Luna, Neville e todos os outros já voltam amanhã, Percy. Harry e Ron também. Por mais que eu tenha descoberto ser uma semideusa – minha voz falhava e agora as lágrimas caíam livremente – eu ainda sou uma bruxa. Não posso abandonar minha vida anterior em prol da nova.

Percy concordou com veemência, por mais que seus olhos estivessem levemente endurecidos.

– Então você vai com eles? – perguntou. Respondi que sim e ele fitou o chão. Ficou em silêncio por algum tempo, antes de levantar o olhar novamente. – Hermione, você está certa. E bem... daqui alguns dias eu terei de voltar à vida de nova-iorquino comum outra vez, então acho que os dois lados acabam ganhando. A vida realmente segue.

– Você acha que consegue? – questionei suavemente.

– O quê?

– Retornar à vida de nova-iorquino comum.

Percy riu baixinho.

– Duvido muito. Mas é o que eu sempre tento, então acho que o restante desse ano não vai ser diferente. De qualquer forma, aos verões o Acampamento tem de chamar os campistas. Verei você lá?

As lágrimas haviam secado, mas como um gesto fantasma ainda passei a mão pelos olhos. Não consegui segurar uma pequena risada também, e avancei para abraçar Percy. Assim que nos soltamos, nossos olhares se encontraram por uma última vez e o sorriso que brotou em ambos nossos rostos pareceu ser cúmplice e com uma pontada de esperança – gostávamos um do outro, de fato, mas em poucos dias nos separaríamos e o tempo haveria de passar, assim como os minutos marcados em um relógio, apenas contando o aparecer de um novo dia. Quem sabe, em nosso próximo encontro o tempo já teria feito sua mágica e apagado nossos sentimentos?

– Pode contar comigo.

No fundo, porém, eu sabia que era muito provável que não esquecêssemos os sentimentos que tínhamos um pelo outro – havíamos passado por muita coisa juntos para que pudéssemos esquecer tão facilmente. Mas nesse instante não senti raiva, muito menos fiquei mal por mim mesma; eu sabia que daqui em diante o tempo seria nosso amigo, e não precisávamos de pressa para resolver tais assuntos.

Não estávamos mais em uma missão entre a vida e a morte, no final das contas.

Tive de respirar fundo ao me deparar tão subitamente com o senso de paz que invadiu meu corpo, ao contrário da frustração latente que eu sempre sentira ao pensar sobre mim e Percy.

Todas as memórias possíveis do último mês – desde que Percy sentara ao meu lado no chão do Expresso de Hogwarts – pareceram escorrer por minha mente, em uma única fração de segundo. Por mais que houvesse muitas memórias ruins, havia muitas boas também. Lembrei-me do dia 1º de setembro e em como, nos momentos antes de encontrar Percy, eu me sentia frustrada com algo além de simplesmente descobrir que o homem que me criara não era meu verdadeiro pai. Na época, acreditava que tal frustração provinha apenas daquela descoberta.

E de fato, tal descoberta foi a causa principal da frustração, mas – no fundo – havia algo a mais. Talvez a sensação ainda enterrada em meu subconsciente de que, de alguma maneira, minha vida mudaria.

Destino?

– Só espero que você não volte a aparecer em Hogwarts – disse eu – porque aí eu saberei que tem muita coisa errada.

– Eu tentarei, Hermione.

Acabamos por rir baixinho novamente.

Nunca foi o destino, acabei por concluir, depois de tanto tempo ponderando sobre tal assunto. Talvez houvesse algo que, de fato, moldasse nossas vidas para seguir um certo caminho – mas ao contrário do que a palavra “destino” parecia pregar, tal caminho não era imutável.

Ainda com tais pensamentos permeando minha cabeça, voltei-me ao pijama que eu havia largado em cima da cama quando Percy me puxou para aquele beijo e comecei a ir em direção ao banheiro. Eu terminaria de me arrumar e logo dormiria; junto com o tempo, em algum momento eu haveria de acordar em um novo dia.

Por cima do ombro, olhei para o relógio.

Ele já marcava meia-noite.





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Notas finais do capítulo

Foi uma longa jornada...
Foram longos quatro anos de publicação e uau; eu ainda não consigo acreditar realmente que eu consegui terminar essa fic. Por mais que o site mostre quatro anos e um mês desde o dia 10 de dezembro de 2010 às 22:21h, a publicação em si durou uns dois anos e alguns meses. Foram quatro anos com essa história martelando em minha cabeça, em todos os seus altos e baixos, mesmo durante o período de dois anos no qual a história permaneceu em hiato. E, convenhamos, por mais que o hiato tenha me frustrado MUITO durante a época, no fim, eu fiquei até feliz por ter pausado a história por um tempo – se tal pausa nunca houvesse ocorrido, ela com certeza teria tomado um rumo muito diferente e creio que no final eu não teria tanto orgulho dessa fic como eu tenho hoje. Segredos Submersos é o projeto mais ambicioso e de maior duração que eu consegui me engajar e finalizar, e fico muito, mas muuuuito feliz ao finalmente vê-lo pronto. Não é perfeito, claro, mas é o suficiente para mim.
No dia 10 de dezembro de 2010, ao postar a versão inicial do prólogo da fic, eu não tinha ideia das proporções que ela ia tomar e que seria apenas no início de 2015 que seria finalizada – eu definitivamente esperava um projeto de prazo menor, mas não me arrependo de um único instante gasto digitando, pesquisando e anotando em um caderno surrado o enredo e personagens. Houve diversos fragmentos de vidas, diversos personagens – incluindo alguns originais –, diversas referências, diversas influências (muito obrigada, Edgar Allan Poe e tantos outros gênios cujos trabalhos eu tanto admiro!) e, o principal, diversos leitores. Alguns (muitos) foram embora mais cedo, outros me incentivaram mesmo durante o período de paralisação, e sei que nem todos que ficaram até o final estiveram comigo desde o início, mas isso não importa. Vocês estão aqui agora e é isso que mais aquece o meu coração.
Ahhhh... acho que já estendi demais essa conversa, mas vocês não têm ideia do quanto meu coração parece estar cheio de alívio e tristeza simultâneos; talvez eu esteja nesse lenga-lenga aqui porque não quero admitir a mim mesma que um capítulo tão grande em minha vida esteja sendo concluído. Posso admitir que pensar em mim mesma clicando na opção de "finalizada" na página de edição da história é um tanto assustador.
E então, aqui chegamos ao fim, THE END, e não sei exatamente como agir. Só sei que, aos meus leitores, eu gostaria de dizer uma única coisa em especial: muito obrigada.



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