Segredos Submersos escrita por lovegood


Capítulo 44
O labirinto subterrâneo




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Assim que desci as escadas do bueiro, senti a escuridão me embalar.

Meus pés logo aterrissaram em uma poça. Pisquei com força, tentando fazer meus olhos se ajustarem à súbita mudança de luz. O único feixe que iluminava o subterrâneo era a luz provinda do exterior, acima de minha cabeça, a partir da entrada do bueiro na qual Nico agora descia.

Auguste Dupin, o último a descer, feixou a tampa do bueiro e logo tudo ficou escuro.

Lumos – disse Marie. Mesmo que fraca, sua voz reverberou pelas paredes curvas do túnel subterrâneo. Uma pequena bola de luz branca, o suficiente para nos guiar, iluminou a ponta de sua varinha. – Vamos.

Passamos a andar em silêncio. A única coisa que não fazia tudo ao nosso redor ficar absurdamente quieto era a fraca – mas constante – corrente de água que escorria por baixo de nossos pés.

Virávamos, íamos para trás e para frente, em certos momentos fazíamos curvas ou dávamos voltas – Marie parecia saber religiosamente o caminho que estávamos seguindo, mas para mim tudo parecia uma massa desconexa de curvas e viradas, como um labirinto. Eu definitivamente não gostaria de tentar andar por esse lugar sozinha.

Reparei, porém, que apesar de todas as curvas e voltas que podíamos traçar lá dentro, a água abaixo dos nossos pés sempre parecia correr em uma única direção. E estávamos indo contra essa corrente. Não resisti e tive de fazer a pergunta:

– Para onde a água está indo?

Eu, Percy e Nico andávamos um ao lado do outro – definitivamente havia espaço; o túnel era de uma considerável largura. Marie ia à frente, guiando-nos, e Dupin ia atrás de nós, como se nos guardasse. Foi ele quem respondeu:

– Ao portão de entrada do Mundo Inferior.

Não fui eu quem falei em seguida, mas Percy, aparentando estar muito surpreso:

– Espere, o quê!? – mesmo na penumbra, vi seu cenho franzido.

– Essa é uma das diversas portas de acesso, ora – disse Dupin, dando de ombros. Percy tornou o olhar surpreso a Nico, que teve a mesma reação de Dupin.

– Não tinha suspeitado isso, mas agora que você disse, até que faz sentido – comentou o filho de Hades. – Isso aqui não é um bueiro qualquer, não é?

– É um portal de acesso a vários locais diferentes – disse o seguidor de Pallas. – Não necessariamente todos eles se situam na mesma “realidade”, se é que me entendem. A Névoa sabe esconder bem.

– Tipo um limbo? – questionei – Entre diversos mundos?

– É, eu diria que é isso. Não entre diversos mundos, mas especificamente entre dois.

– O nosso mundo e o Inferior – comentou Marie.

– Tipo uma zona de transição – continuou Dupin. – Uma terra de ninguém.

Senti um arrepio percorrer minha espinha. As paredes curvas do túnel de repente me pareceram muito mais assustadoras do que antes.

– Deve haver muitas criaturas por aqui – disse Nico tranquilamente, como se estivesse comentando sobre o clima. – Não necessariamente pertencentes ao Mundo Inferior, mas também não humanas.

– Nico – falou Percy – você não está ajudando.

Nico murmurou um “foi mal” ao mesmo tempo que Marie e Dupin riram.

– Realmente têm aqui várias criaturas – disse Marie, ainda com uma ponta de risada em sua voz –, mas não se preocupem. O Maelström fica basicamente do lado oposto da porta do Mundo Inferior, vai ser difícil nos depararmos com um monstro.

– Difícil – murmurei –, mas não impossível.

Dupin riu e deu uma leve palmada no meu ombro. Senti-me um tanto intimidada. Por mais que eles já houvessem me ajudado múltiplas vezes, ainda não sentia-me totalmente confortável. Soltei uma risada nervosa. Percy e Nico nada disseram.

– Ainda assim – dei uma leve desviada no assunto – é um lugar bem esperto para o esconderijo de vocês.

Os seguidores de Pallas deram de ombros.

Caímos em silêncio outra vez, assim que tivemos de fazer uma curva à direita. Por mais que fraca, a água descia constantemente contra nós. Pus-me a contemplar o ruído daquele escorrer que também parecia escorrer por meus ouvidos, e de certa forma aquilo me relaxou.

Não soube dizer quanto tempo havia se passado com apenas o ruído da corrente descendo por baixo de nossos pés, mas repentinamente Marie parou e por pouco não esbarrei nela. Sua mão forte segurou meu ombro, impedindo-me de seguir em frente.

Senti a forte sensação de termos nos deparado com um imprevisto. Segurando a respiração, rezei para mim mesma para que isso fosse algo comum que acontecia quando Marie e Dupin desciam ao Maelström.

Pela feição de alarme dos dois, não era.

Nox – murmurou a negra rapidamente. A luz se apagou em um instante e no outro estávamos na mais completa escuridão. Abri a boca para falar algo, entretanto Marie a cobriu com a mão, antes que qualquer palavra pudesse sair.

Eu não conseguia ver a um palmo de distância e aquilo deixava-me desorientada de uma forma horrível. O fato de eu sentir a respiração de alguém próxima a meu ombro – assumi ser a de Nico – e ainda conseguir ouvir o escorrer da água deixou-me ainda mais desnorteada por breves instantes.

Logo ouvi o que Dupin e Marie haviam ouvido por primeiro. A água em nossos pés não era mais a única coisa que quebrava o silêncio infinito.

Passos – mesmo que fracos – ecoavam adiante, levemente abafados pelo posterior ruído da perturbação que causavam nas poças de água. E eles vinham em nossa direção.

Havíamos parado a poucos metros de uma bifurcação, o que piorava ainda mais as coisas. Mesmo se tudo não estivesse escuro, eu sabia que nada seria capaz de enxergar – porque a poucos metros à frente havia apenas uma parede. Assumi que os passos vinham do caminho à direita.

Eles eram lentos e cautelosos, como se soubessem que estávamos próximos. Não seria apenas um simples esbarrão, um encontro casual e imprevisto; qualquer que fosse a pessoa – ou coisa – vindo adiante, eles estavam atrás de nós.

Senti a mão de Marie exercer uma leve pressão em meu braço, empurrando-me para trás, fazendo-nos recuar pouco a pouco.

Eu, ela, Percy, Nico e Dupin demos simultânea e silenciosamente um passo para trás, o mais cautelosamente possível. Não pude deixar de sentir um terror impregnar meus ossos quando nossos pés encontraram a água e soltaram um breve splash!

Involuntariamente cobri a boca com as mãos, como se fosse ajudar em qualquer coisa. Os passos adiante se cessaram, tão abruptamente como o meu grupo havia parado há pouco. Qualquer que fosse a coisa, ela nos ouvira.

Poucos segundos depois, avançou um passo e parou. O aperto de Marie em meu braço se intensificou.

Silêncio, outra vez. Eu mal conseguia respirar.

Outro passo, ainda mais cauteloso do que antes.

Tudo se aquietou outra vez. Eu sentia que a coisa seria capaz de me ouvir caso eu soltasse o fôlego. Até Nico parara de respirar sobre meu ombro.

Outro passo. Logo em seguida, vindo do caminho à direita na bifurcação, um feixe de luz branca e fraca – típica de um Lumos.

Marie e Dupin pareceram pensar a mesma coisa, pelo modo como o aperto dela em meu braço afrouxou. Soltei o fôlego aos poucos, ainda alarmada, mas já um tanto aliviada. Era apenas um bruxo. Provavelmente algum outro membro do Maelström.

Antes que pudéssemos avançar ou fazer qualquer outra coisa, porém, uma sucessão de barulhos passou a vir do outro lado da bifurcação, pela curva da esquerda. Gritos de ataque, passos – pareciam ser duas pessoas, pelo menos – correndo e esparramando a água para todos os lados.

Ainda não era possível vê-las, mas uma voz masculina – de um menino que ainda estava na puberdade, provavelmente – gritou:

Impedimenta! – pudemos apenas ver uma luz vermelha sair do lado esquerdo da bifurcação em direção ao lado direito, de onde vinham os passos iniciais. A varinha do bruxo que antes utilizava um Lumos pareceu bloquear a azaração com um feitiço escudo, pelo barulho do impacto que foi feito. O feixe de luz vermelha iluminou momentaneamente todo o ambiente ao nosso redor e meus olhos doeram.

Eu, Percy, Nico, Marie Roget e Auguste Dupin permanecíamos estáticos, sem saber o que fazer. Ninguém havia nos visto, ainda – nenhum dos lados chegara ao ponto da bifurcação – e parecia que o caos seria instaurado.

Lumos maxima! – o menino gritou logo em seguida. O clarão branco ofuscou meus olhos que já haviam se adaptado à escuridão.

Uma fração de segundo depois, vindo da curva à esquerda, apareceu em nosso campo de visão um garoto muito loiro, de no máximo doze anos de idade, correndo desesperadamente com a varinha iluminada.

Ele quase tropeçou ao dar de cara conosco, mas não parou o passo. Seus olhos, muito claros, se arregalaram por um instante, parecendo demonstrar medo e reconhecimento. Agarrou a mão de Marie, a mais próxima, e forçou-nos a acompanhar seu ritmo.

– Corram! – exclamou.

Não hesitamos e fomos atrás do menino, na direção que a corrente d’água abaixo de meus pés seguiam.

– Fomos descobertos, Marie! – disse ele, correndo a nossa frente. – O Ministério encontrou nossa localização!

– Ah, merda! – gritou Dupin.

– São aurores!? – exclamei no meio da confusão, até onde meu fôlego permitiu conforme corríamos.

Estupefaça! – uma voz, provavelmente a do auror que havia vindo pela direita, disse atrás de nós, querendo nos atacar. Saquei minha varinha o mais rápido que pude, ao passo que o auror soltava uma série de feitiços, lançando clarões que ricocheteavam nas paredes curvas ao nosso redor.

Protego! – gritei, desviando seu feitiço.

Era um tanto desesperador entar atacar alguém de costas, enquanto simultaneamente tenta fugir e se desviar dos ataques daquela pessoa.

– Montag! – disse Marie.

– Diga! – o menino falou.

– Onde estão os outros? Você está sozinho?

– Quase todos os outros membros estão mortos, Marie! – disse o garoto, Montag, sem parar de correr. Por mais que eu não pudesse parar e eu nunca de fato chegara ao tão falado Maelström, senti como se meu coração houvesse afundado por um instante. – Muitos aurores vieram até aqui atrás da gente, você não tem ideia!

Mortos? – tive de exclamar. – Como isso é possível? O Ministério da Magia nunca faria algo assim com inocentes!

– Mas fez! – disse Montag por cima do ombro. – Mesmo que nós sejamos bruxos; acho que eles não confiam muito nos híbridos! No fim das contas, o Ministério nunca quis de fato nos reconhecer, não é?

– Só sobrou você? – perguntou Percy.

– Winston e Mildred estão vindo mais atrás – falou Montag, como se nós soubéssemos quem eles fossem. – Mas é só.

As luzes ao nosso redor continuavam. Eu sentia como se meus pulmões estivessem entrando em colapso, mas não podia fazer minhas pernas desistirem. Derrapamos ao fazer uma curva e permanecemos correndo. Nico abaixou-se, uma azaração por pouco não o acertando.

Por poucos instantes, assim que realizamos a curva, conseguimos recuperar um pouco o ritmo da corrida – pelo fato de termos virado, o auror não mais nos acertaria, pelo menos não até fazer a curva também.

No que perdemos o auror de vista, pude ouvir uma voz feminina gritar:

Petrificus totalus! – seguido de um estrondo e um corpo caindo, paralisado, na poça d’água. A pessoa que entoara o feitiço devia ser a tal de Mildred.

Montag começou a acalmar os passos; assim também eu, Percy, Nico, Dupin e Marie fizemos.

Minha respiração estava alterada e meus batimentos cardíacos acelerados. Filetes de suor escorriam por meu corpo inteiro. Logo havíamos parado de correr e só andávamos.

– Se continuássemos a correr desse jeito, logo estaríamos na porta do Mundo Inferior – comentou o garoto Montag, virando-se para olhar o grupo inteiro. Pude perceber que seus olhos estavam levemente inchados e vermelhos, como se ele houvesse chorado.

Ele não devia ser mais velho do que eu era quando fui atrás da Pedra Filosofal com Harry e Ron, no início de toda a minha jornada. Olhei para Dupin e Marie; as feições de ambos pareciam abatidas, com a informação de quase todos seus amigos estarem mortos só agora batendo em suas cabeças. Minha vista turvou ao olhar Montag outra vez. Aquele era outro garoto que tivera a infância roubada cedo demais.

– E quem são vocês? – perguntou.

Eu, Percy e Nico apressamos em nos apresentar.

– Hermione Granger? – ele franziu as sobrancelhas, mas em seus olhos tive a impressão de ver um leve brilho. – Passei a infância inteira ouvindo sobre seus feitos, sabia?

Apenas assenti e não pude evitar sorrir. Meu sorriso se desfez, porém, quando perguntei a mim mesma o que teria levado o jovem Montag a se separar da família que lhe contava histórias sobre os feitos do Trio de Ouro.

Passos suaves ecoaram atrás de nós e virei-me de súbito, já empunhando a varinha e em alerta. Soltei a respiração ao reparar que era só uma garota, tão loira quanto Montag e provavelmente da mesma idade. Indaguei a mim mesma se poderiam ser irmãos.

– Millie! – exclamou Dupin. Foi em passos rápidos em direção a ela e puxou-a em um forte abraço.

– Aquele não era o único auror, só para avisar – disse ela – não podemos mais ficar no Maelström. Temos de sair desse subterrâneo também.

Todos assentimos. Lancei um olhar de indagação a Dupin, que agora afagava os cachos dourados de Mildred.

– E o que iremos fazer? – perguntou Percy. – Não temos mais para onde ir, temos?

Nico deu um tapa leve no tórax de Percy, silenciosamente pedindo para que ficasse quieto – ou que não fosse tão direto ao dizer que todos os nossos planos haviam sido destruídos. Percy lançou um olhar de repreensão ao primo. Eu sabia que internamente ele devia estar revirando os olhos.

Marie mordeu o lábio inferior e pôs as mãos na cintura. Não chorava – achei que ela nunca daria esse privilégio a alguém –, mas aparentava estar à beira de um colapso. Se todos os meus amigos – todos aqueles que eu aprendi a chamar de família – fossem repentinamente mortos e todo o grupo de resistência a Pallas que um dia eu poderia ter criado fosse dissolvido de uma hora para outra, eu também me sentiria assim.

– O máximo que podemos fazer – disse ela – é derrotar esses aurores malditos que dissolveram nosso grupo. Mas Millie está certa, temos de sair do túnel antes.

Por maior que fosse aquele labirinto subterrâneo, pude perceber que na fuga havíamos acabado por correr muito mais em direção aos portões do Mundo Inferior do que simplesmente até o ponto em que havíamos entrado pelo bueiro do beco da 30th Street. Portanto, tivemos de retomar um caminho de volta, retornando a andar contra a corrente d’água.

Andamos em completo silêncio, desta vez apenas acompanhando o chiado da água corrente.

Conforme andávamos, já próximos da entrada do túnel – ou pelo menos era o que eu acreditava –, novamente ouvimos passos, ecoando mais para trás e gradativamente se aproximando de nós.

No ponto em que estávamos, o túnel subterrâneo ia apenas em linha reta e o Lumos maxima que Montag ainda emitia de sua varinha já era forte o suficiente para ver o fim do corredor, que tomava uma curva à esquerda.

Atenta aos passos que aproximavam, olhei por cima do ombro naquela direção.

Mais passos, desta vez mais altos e em maior quantidade do que antes. O barulho dos pés batendo na água era alto o suficiente para sabermos que estavam lá, mesmo que ainda não tivessem feito a curva – e estavam correndo. Todos nós viramos naquela direção, preparando-nos para o ataque.

O que acabou nos atacando, porém, não veio pela direção em que olhávamos. Na realidade, o ataque veio por trás, em uma simples armadilha que poderia ter sido desmascarada se eu houvesse prestado um pouco mais de atenção ao que ocorria ao meu redor.

Estupefaça! – um coro de vozes gritou.

­– Impedimenta! – um outro coro bradou.

Foi tudo como um borrão. Quando tive finalmente a chance de virar e olhar para trás, quando finalmente minha mente discerniu o que estava ocorrendo – eu não tivera tempo para distinguir o que havia acontecido por primeiro, até então – o feitiço estuporante já havia atingido a todos nós, lançando-nos para trás. Sem que pudéssemos ter tempo para reagir, o Impedimenta já nos paralisara, deixando-nos à mercê daqueles homens.

Quando finalmente processei todas as informações caóticas em minha mente – e pude reparar que tanto Montag como Mildred estavam inconscientes –, um auror já havia nos dominado.

Aquele puxão familiar na barriga não tardou a vir para fazer-nos aparatar a um outro lugar.


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