Segredos Submersos escrita por lovegood


Capítulo 33
Exit light; enter night


Notas iniciais do capítulo

Mais comprido e um pouco mais inspirado que os últimos capítulos.



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Eu estava novamente no Acampamento Meio-Sangue.

Como eu chegara lá, eu não tinha a mínima ideia.

O tempo estava bom e o ambiente agradável. Na sala em que eu estava, havia apenas eu, Rachel Elizabeth Dare e uma mesa entre nós. Não havia mais ninguém por perto, nem sinal de Quíron, nem o Sr. D., muito menos os outros campistas.

Os lábios de Rachel se moviam mas produziam um som muito baixo para que eu pudesse ouvir. Não que eu me importasse, no fim das contas. Minhas pálpebras pesavam e o ambiente ao meu redor em certos momentos se tornava confuso, borrado.

Eu queria muito dormir.

Apoiei os cotovelos na mesa e pendi a cabeça sobre minha mão.

Rachel permanecia balbuciando. Ela não parecia notar a minha presença. Sentada do outro lado da mesa, seus olhos pareciam observar por trás de mim, levemente arregalados, vidrados, fixados no nada.

Os olhos de Rachel pareciam estar mais brilhantes, também. O tom esverdeado de suas íris por um instante lembrou-me de Harry. Onde estaria ele, a propósito...?

Eu não me lembrava que os olhos de Rachel eram verdes, de qualquer forma...

Ainda debruçada sobre a mesa, eu lutava para não dormir, mas não aparentava estar dando muito certo. Minhas pálpebras acabaram por se fechar, por cinco segundos no máximo; e quando voltaram a abrir, o ambiente em que eu estava era outro.

Não mais no Acampamento Meio-Sangue, mas em uma praia.

Rachel e a mesa permaneciam lá, na exata posição que antes estavam – nem mesmo eu havia mudado de lugar –, só que agora em cima da areia ao invés do chão de madeira da sala anterior.

Ventava forte; eu tinha que proteger o rosto para evitar que areia entrasse em meus olhos. A sensação de sonolência crescia cada vez mais e tudo parecia se fechar sobre mim, borrando o cenário ao meu redor e deixando-me cada vez mais confusa.

Minha mente parecia estar em uma espécie de limbo – entre a inconsciência, querendo puxar-me para si, e a realidade, a qual eu tentava ao máximo me prender, por mais que esta estivesse sendo gradativa e continuamente distorcida.

O sol pareceu de repente ficar muito mais quente que outrora; o som das ondas se quebrando aumentavam em meus ouvidos, por mais longe que o mar estivesse. Todos os sons, desde o mar até os pássaros cantando e o sangue martelando em meu cérebro pareciam aumentar – tudo, menos a voz de Rachel, que permanecia movimentando os lábios silenciosamente, os olhos fixos e com o mesmo brilho esverdeado.

Tentando ignorar ao máximo a confusão que se instalara em minha cabeça, eu disse:

– Rachel? Eu não consigo ouvi-la.

A rapidez com que o olhar dela se voltou a mim quase me assustou, e, repentinamente, tudo se aquietou. Ela voltou a falar, no mesmo volume de antes, mas consegui captar duas pequenas frases, ao mesmo tempo que a baixa maré trazia uma fina camada de água salgada aos nossos pés e logo após recuava, engolindo a areia em que pisávamos.

– Pela morte, dois irão partir... para a fúria dos Deuses poderem impedir.

O mar aumentou de tamanho. Não tive tempo de perguntar qualquer coisa, fosse à Rachel ou a mim mesma, a água que veio em nossa direção e nos engolfou foi rápida demais.

– Hermione! – uma voz feminina exclamou.

Foi quando eu acordei, assustada demais para pensar em algo racional o suficiente.

Nas primeiras frações de segundo minha mente ainda estava perdida, tentando localizar onde e o que estava acontecendo, mas logo depois conseguiu se acalmar. Um pouco.

Sentei-me e esfreguei o rosto com força, arrancando a sonolência das pálpebras com minhas próprias mãos.

Eu estivera deitada em um sofá rasgado e aos pedaços, o que fazia com que agora minhas costas doessem com o desconforto o qual meu corpo foi sujeito durante o sono. Meu rosto e cabelo estavam encharcados. Assim que sentei, senti a água escorrer por meu pescoço e entrar dentro da camiseta. A princípio estava com raiva, quem fora o idiota que resolveu jogar água em minha cara?

Levantei o olhar e deparei-me com Annabeth, parada, de pé, aparentando estar levemente exasperada, com um pequeno balde na mão. Ela suspirou ao me ver acordada.

– Finalmente, hã? – disse ela. Não soube dizer se ela soava irritada, impaciente ou aliviada. Talvez os três. Annie pegou uma toalha da mochila e jogou em minha cara.

Comecei a me enxugar, ao mesmo tempo que as imagens do sonho voltavam à minha mente. A praia, Rachel, a sonolência que mesmo dentro de um sonho parecia ser tão real. Pensar nisso fez com que eu arqueasse as sobrancelhas, não tendo ideia do que estava acontecendo comigo.

Primeiramente, eu acordara em cima de uma mesa em um parque de Baltimore ao lado de Harry e Ron, sem nenhum de nós termos ideia de como chegáramos lá. Andáramos pelo parque e encontramos Annabeth, Percy, Thalia e Nico jogados no chão, também adormecidos. E sem ter ideia do que aconteceu depois, eu acordei aqui e agora, em um local que parecia ser totalmente diferente da praça que estávamos antes.

Quer dizer, era totalmete diferente da praça, considerando que nós duas estávamos em um beco sujo e estreito. Ao lado do sofá em que eu estivera dormindo, havia uma gigante lata de lixo. Torci o nariz.

– Annabeth, o que está acontecendo? – perguntei. Seus olhos cinzentos pareciam expressar urgência e um certo desespero, coisas que nunca vira antes ser expressadas por Annabeth Chase. Ela não sabia. Ela estava tão confusa como eu. – Então eu não sou a única que tem acordado de sonhos estranhos sem nem lembrar como eu dormi em primeiro lugar?

Annie apenas assentiu e sentou-se no banco ao meu lado.

– Onde nós estamos? – voltei a questionar. Ela deu de ombros, mordendo o lábio inferior. – Onde estão os outros?

A filha de Atena deu de ombros novamente. Suspirei e passei a mão por meu cabelo molhado.

– Eu acabei de acordar também, Hermione – disse Annabeth. – Acordei e logo reparei que há algo muito errado acontecendo. Já é a terceira vez que isso aconteceu comigo. Acordar em um lugar totalmente desconhecido, sem saber como chegamos lá e como dormimos a princípio.

– É provável que isso esteja acontecendo com os outros também – murmurei e Annabeth limitou-se a concordar com a cabeça. – Mas você se lembra do que aconteceu depois que você acordou naquele outro parque? Depois que eu, Harry e Ron acordamos você, Percy, Nico e Thalia? Porque as minhas lembranças acabam ali.

– Não muito – respondeu. – Vocês nos acordaram, todos estávamos confusos e sonolentos, presos em sonhos profundos. Conversamos um pouco sobre os sonhos que havíamos tido; sinto que eles são bem importantes. Depois, tudo parece uma espécie de borrão na minha cabeça, e eu acordei aqui.

Nós duas levantamos do sofá e começamos a andar, saindo do beco para a calçada de uma avenida movimentada, a qual me lembrei imediatamente.

– Annabeth – parei-a com a mão, uma memória importuna, por mais que difusa, voltando à minha mente – eu já estive aqui. – Ela arqueou as sobrancelhas, surpresa, perguntando um “o quê?” implícito em seu olhar. – Estamos em Baltimore, ainda. Não tenho certeza do lugar exato em que estamos, mas eu já passei por aqui. Enquanto nós estávamos separados, antes de Grover me encontrar.

Lancei-lhe um olhar que dizia não querer aprofundar o assunto, e Annabeth compreendeu. Eu passara por aquela avenida enquanto fugia do esconderijo decrépito de Pallas, do incêndio, de William Wilson, do cadáver de Annabel Lee atormentando meu cérebro. Fechei os olhos com força e enterrei o rosto nas mãos, tentando fazer com que aquelas memórias fossem embora. Annabeth afagou meu ombro gentilmente, em um gesto de solidariedade. Enquanto eu estava em repouso, eu havia contado ao grupo apenas pequenos fragmentos do que aconteceu quando eu estava nas mãos de Pallas, assustada demais para contar tudo em detalhes (as torturas, a dor dos machucados, os enjoos constantes, o abuso emocional – pare de pensar nisso, Hermione, pare pare pare, minha consciência começou a dizer).

Talvez eu ainda estivesse assustada demais para contar agora à Annabeth, e ela entendeu.

– Pare de pensar nisso, Hermione – murmurou ela. Assenti, segurando sua mão para buscar apoio. – Lembre-se de respirar. Nosso único objetivo agora é encontrar os outros, entender o que diabos está acontecendo e fazer com que isso pare. Nós vamos ficar desorientados demais se esse negócio de dormir, acordar, dormir, acordar continuar acontecendo, ainda mais que o grupo está se separando ainda mais a cada vez que acontece.

Concordei novamente e murmurei um “você está certa”. Continuamos a andar pela avenida, sem saber exatamente para onde íamos.

– Você sonhou com alguma coisa, agora? – falei.

– Com Atena – minha atenção voltou-se totalmente à ela.

– Conversou com ela?

– Não – Annabeth parecia frustrada. – Eu tentava, mas não conseguia. Ela estava tão perto, dava-me a impressão de ser tão fácil falar com ela, mas algo dava errado. Parecia haver alguma... coisa entre nós.

A voz de Annabeth nunca soara tão confusa ao dizer “coisa”.

– O que era exatamente, não sei – continuou. – Não era algo físico... era mais para uma sensação de ser impossível falar com Atena por mais próxima que ela estivesse. Algo... confuso, não tem outra palavra para descrever!

– Algo que parecia deixar tudo ao seu redor... borrado? – arrisquei, falando o que eu havia sentido nos sonhos. – Como se alguma coisa a puxasse para longe dela? Como se houvesse uma voz em sua mente te levando inconscientemente ao lado oposto?

– Uma voz que nada falava, mas simultaneamente tudo dizia – Annabeth enterrou os dedos em suas madeixas loiras, em pleno sinal de frustração. Logo fechou os olhos e respirou fundo. Assim que os abriu, voltou a se manifestar. – Com o que você sonhou?

– Uma praia e Rachel Elizabeth Dare.

O cenho de Annie voltou a franzir.

– Acho que Rachel estava em sua forma de Oráculo, pelo brilho verde nos olhos dela e a forma como parecia estar em transe. Acredito que este sonho tenha sido mais para um aviso... para que nós não esqueçamos que ainda estamos em uma missão que Quíron nos enviou, afinal, no início do sonho eu e Rachel estávamos no Acampamento. E para que nós não esqueçamos que, como em toda missão, há uma profecia a ser realizada em seu decorrer.

Os olhos cinzentos de Annabeth se arregalaram. Ela sabia aonde tal conversa ia chegar.

– A profecia, Annabeth – disse eu, agora exasperada. – A profecia que diz que duas pessoas de nosso grupo irão morrer. E... eu sei que nós não devemos ficar paranoicas em relação a quando e como tudo isso vai acontecer, mas o fato de eu ter sido relembrada disso justamente agora... Annabeth, eu não sei você, mas eu tenho a forte sensação que isso vai acontecer em pouco tempo.

Nós duas havíamos chegado a uma grande escadaria, que dava em uma construção que aparentava ser um museu. Sentamos em um dos degraus e ficamos em silêncio por um tempo, o que me agradou. Todos os problemas que estavam surgindo – somados aos que já tínhamos antes – martelavam meu crânio incessavelmente, então um minuto de silêncio era um alívio.

Annabeth esfregava o rosto com as mãos, em gesto visivelmente preocupado. Coloquei meus dedos sobre suas pernas quando estas passaram a balançar, como um tique.

– Desculpe – balbuciou, mas eu não prestei muita atenção; ela havia sido desviada por outra coisa.

Por outra pessoa, na verdade, que se localizava do outro lado da rua.

Não soube dizer especificamente o porquê daquela pessoa ter me chamado a atenção, mas de qualquer forma ela chamou. Talvez meu olhar simplesmente a tivesse captado no momento certo. Talvez ela estivesse destinada a fazer com que eu olhasse, como se estivesse me chamando.

Era um homem, alto, negro e careca, cujo olhar também apontava para mim e Annabeth. Havia uma certa malícia em seu sorriso, como se ele soubesse de algo importante que nós duas não, e como se isso fosse algo do qual ele poderia se aproveitar. Nossos olhares se encontraram por um único instante – logo depois eu desviei o meu, para dar um tapinha no ombro de Annabeth e apontá-la o mesmo homem. Entretanto, assim que meus olhos se voltaram ao local onde ele estava (desta vez com Annie olhando junto comigo), não havia mais nada nem alguém lá.



Eu estava de volta à praia.

O tempo permanecia bom – o céu estava incrivelmente azul e limpo, o sol sobre minha cabeça era escaldante. Era a mesma praia na qual eu havia falado com Rachel, mas o ponto no qual meus pés se situavam era diferente. Não mais na areia, mas em uma região rasa do mar. A água fria, em sua maré tranquila, batia em minhas canelas.

Se eu olhasse ao longe, em direção à areia, eu conseguia ver uma breve silhueta da mesa e suas duas cadeiras dispostas ao seu lado.

Mas Rachel não estava mais lá – de fato, a praia estava deserta –; se estivesse, eu poderia facilmente ter visto o vermelho de seus cabelos, ou o brilho esverdeado que seus olhos emanavam ao estar submetida ao poder do Oráculo. Mesmo a essa distância da mesa em que eu agora estava, eu tinha certeza que teria sido capaz de observar aquele rastro de luz.

Ainda ventava e eu ainda tinha de pôr a mão no rosto, para evitar tanto o feixe de luz solar escaldante quanto a areia que insistia em vir em direção aos meus olhos.

Desviei o olhar da mesa ao longe, e encontrei parado em minha frente um homem, a menos de um metro de mim. Ele não era negro nem careca – havia uma boa quantidade de cabelos castanhos naquela cabeça, para falar a verdade – mas, por alguma razão, eu soube que era a mesma pessoa que estivera observando a mim e Annabeth.

Aparentava no mínimo ter uns quarenta anos – aparentava, muito provavelmente teria mais. Do modo como era capaz de mudar a aparência, de um negro careca para um caucasiano de cabelos castanhos e barba para fazer, ele poderia ter séculos ou milênios de existência – e seus olhos, agora azuis, pareciam expressar a mesma malícia que o sorriso do negro antes tivera, quase como se zombasse de mim.

A luz do sol permanecia forte, o que forçava tanto a mim quanto ao homem estreitarmos os olhos para vermos um ao outro. Uma de suas mãos pendia ao lado do corpo, fechada em punho, como se segurasse alguma coisa.

Eu nada disse, ele muito menos. Não soube quanto tempo se passou com nós dois apenas se encarando. Finalmente, ele se adiantou e cobriu a distância entre nós dois em poucos e pequenos passos, até o ponto em que ficamos a pelo menos vinte centímetros um do outro (ele era alto, reparei, e vestia paletó e gravata. Quanta cara de executivo...). Ergueu o punho fechado na frente do meu rosto e logo abriu a mão.

Ele está segurando um punhado de areia, pensei.

Não tive tempo para estranhar – ele logo assoprou a areia em meus olhos.

Acordei sobressaltada.

Nos primeiros instantes em que meu corpo recobriu consciência, novamente senti aquela urgência provinda da confusão. O que estava acontecendo, onde eu estava?

Olhei ao meu redor, o coração batendo rápido, a respiração alterada. Por Merlin, o que estava acontecendo? Aparentemente eu dormira em pé e Annabeth não estava mais lá. Na realidade, não havia qualquer um de meus amigos ali comigo.

– A senhorita está bem? – uma senhora idosa tocou em meu ombro e me perguntou. Assenti rapidamente (talvez rápido até demais, considerando o quão não convencida ela pareceu), ainda olhando ao cenário que me circundava, tentando localizar-me.

– Estou, estou – respondi, tentando convencer mais a mim mesma do que a mulher.

Eu estava em um quarto, um quarto bem ordinário. As paredes eram de gesso branco e o chão de madeira um tanto irregular. Eu teria me perguntado que casa era aquela e se os moradores não se assustariam ao encontrar uma britânica confusa e desesperada, caso não percebesse a grande quantidade de pessoas – umas dez, pelo menos, todas com folhetos turísticos nas mãos e olhares curiosos nas expressões – próximas de mim.

Aquele lugar já fora um residencial, um dia. Mas agora aparentava ter se tornado um site de visitações, uma espécie de museu (por mais que não fosse o mesmo museu cuja escadaria de entrada eu me sentara com Annabeth, isso eu tinha certeza). Resolvi prestar atenção ao que a guia relatava ao grupo de pessoas ao meu redor, pelo menos para entender onde eu estava.

– A grande maioria dos biógrafos assume que este foi o quarto utilizado por Edgar Allan Poe durante sua morada nesta casa – dizia a mulher –, por mais que outros acreditem que o quarto de Poe tenha sido o da parte de trás do primeiro andar, e este o de sua esposa, Virginia...

Quer dizer que eu estava novamente no museu de Edgar Allan Poe? Quase entrei em choque ao pensar em tal possibilidade; seria possível que eu pudesse ter voltado para Filadélfia sem nem perceber?

Claro que não, pensei, assim que a razão substituiu o choque. Era impossível que tal coisa houvesse acontecido, e, no fim das contas, o museu de Poe no qual eu estava agora era bem diferente do qual eu visitara em Filadélfia, e Poe morara em Baltimore também por um longo tempo.

Logo desci as estreitas escadas que davam ao cômodo onde estava e encontrei a saída do museu, levando-me à rua. Eu não tinha ideia de onde qualquer um de meus amigos poderiam estar, mas pensei mais em Annabeth. Estaria ela ainda na escadaria do outro museu, perguntando a si mesma onde eu teria parado? Ou teria ela adormecido também e acordado em outro local, completamente desconhecido?

Eu estava sozinha e tinha de encontrar uma forma de achar os outros. O mais fácil seria voltar ao local em que eu estivera com Annabeth...

Exceto que eu não tinha a mínima ideia de como fazer isso. Sabia que aquele museu ficava no centro da cidade, mas onde exatamente não sabia. Eu nem ao menos sabia o nome do lugar.

Dirigi-me novamente à entrada da casa de Poe e peguei um daqueles folhetos turísticos que as outras pessoas tinham em mãos, que trazia sugestões e fotos de pontos de interesse em Baltimore. Folheei-o por um tempo e rapidamente encontrei a foto do museu cuja escadaria eu sentara com Annabeth.

Museu de Arte de Baltimore... fiquei parada por um tempo na calçada, apenas vendo as fotos do local. Era aquele mesmo. Não percebi, minutos depois, que o som de uma buzina atrás de mim era para mim. Só após o carro ter buzinado umas três vezes que eu olhei para trás, e deparei-me com quatro rapazes – deviam ter a minha idade, provavelmente – encarando-me com as janelas do carro abertas.

– E aí, gatinha? – o motorista disse.

Olhei para os lados, depois para trás. Não havia nenhuma mulher por perto que fosse próxima à minha idade ou com características físicas que coubessem nos critérios que fizessem uma garota ser considerada “gatinha” aos olhos de caras de dezoito/dezenove anos.

Eles estavam falando comigo? Por Merlin...

Para ser sincera, eu nunca havia pensado que as minhas características físicas pudessem caber nos critérios de caras de dezoito/dezenove anos. Ou talvez eles estivessem apenas querendo se aproveitar de mim, o que era bem provável.

Todos eles me encaravam e era clara a malícia em seus olhos. Uma malícia bem diferente do homem que aparecera em meu sonho. Uma música alta saía de dentro do carro, a qual reconheci como Enter Sandman, do Metallica. O cara do banco de passageiros logo diminuiu o volume. Talvez tenha reparado que som alto não ajudava muito na hora de assediar uma garota na rua.

– Estou falando com você, sim – o rapaz do banco de motorista voltou a falar, ao ver a óbvia confusão estampada em minha cara. – Uma moça tão bonita não devia andar sozinha desse jeito, não. Por que você não vem com a gente, se divertir um pouco?

Por Merlin, ainda não era nem meio-dia. Quase revirei os olhos e eu estava prestes a recusar, mas aí observei uma certa vantagem em tudo isso.

Eles tinham um carro. Eu precisava ir a um lugar consideravelmente longe para andar a pé, especialmente em uma cidade desconhecida como Baltimore. Eu poderia tirar proveito disso.

– Desculpe, garotos – falei. Um dos caras do banco de trás olhou para o colega ao lado, obviamente contrariado com o “garotos”. Senti uma certa satisfação, que me fez capaz de continuar com a conversa. Eu realmente não era boa quando se tratava de dar uma de garota normal ou jogar charme, mas era preciso tentar. – Mas eu tenho que ir a um outro lugar, urgente, e não posso me atrasar.

Passei a mão pelo cabelo. Diziam que funcionava.

– Ah, minha linda, mas você vai andando? – perguntou o motorista. – A gente pode levá-la até lá.

– Podem mesmo? – perguntei, tanto com a voz quanto com o sorriso em falsete. Eles não repararam o fingimento, o que era bom. Fazia-me parecer indefesa. – Ah, que bom! Então eu não vejo o porquê de recusar uma carona...

– Onde você tem que ir, linda?

– O Museu de Arte de Baltimore.

– Hm, além de bonita e britânica, é culta – apenas sorri com tal comentário, mas o sorriso era tão forçado que eu fiquei surpresa em eles não terem percebido. Por Merlin, eu já estava censurando a mim mesma por estar fazendo isso, mas agora não tinha mais volta. E eu sentia que logo viraria uma questão de vida ou morte, caso não encontrasse Annabeth e os outros em pouco tempo, então não faria diferença eu ignorar toda a educação que um dia eu recebera em relação a assédio por estranhos, pelo menos por enquanto. – Entra aí.

Um dos rapazes do banco de trás abriu a porta e saiu, permitindo que eu entrasse no carro para ficar no meio, além de ser “cavalheiro” o suficiente de fechar a porta para mim, também.

Senti meu estômago começar a afundar aos poucos ao ver o modo que o motorista e o outro, no banco de passageiro, se entreolharam. Sabia que eles tentariam se aproveitar de mim e nunca que eu pensaria que um dia entraria em um carro com quatro rapazes desconhecidos, mas tinha de correr o risco.

Eu já derrotara monstros e vira a morte diversas vezes. No bolso de minhas calças havia uma faca de bronze celestial. Se fosse absolutamente necessário, eu saberia como me defender.

Ainda assim, suspirei.

Você poderia muito bem ter pegado um táxi, idiota, minha consciência disse.

Não respondi à minha voz importuna. Enquanto o motorista dava a partida, olhei brevemente pela janela (tentando ao máximo não encontrar os olhares dos dois caras ao meu redor) e, em um breve relance, encontrei um negro careca de sorriso enigmático, observando-me ao longe.


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