Frozen escrita por jesskhn


Capítulo 3
Capítulo 02 – Promessas incertas




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No portão de casa uma ambulância estava parada aberta e, ao lado dela, um carro preto completamente amassado e com um arranhão prateado na porta. Pulei os destroços da cerca deixando a mochila para trás. Um policial segurou-me.

- Não pode passar – disse com firmeza.

- É a minha mãe, me solta! – gritei agitando-me violentamente até voltar a correr. As lágrimas escorriam gritando “Eu sabia, eu sabia, eu sabia”.

O policial me soltou com pesar nos olhos enquanto eu parava ao lado de um grupo de médicos abaixados sobre o jardim. Pude ver o homem bêbado dentro de um saco preto não mais resmungando e com os olhos finalmente descansando. Senti um ódio circular dentro de mim, não apenas dele, que já estava saciado, mas de mim. A culpa era minha.

- Kohana! – gritou uma mulher abraçando-me. Quis que fosse minha mãe, mas não era. Ela me abraçou e recebi seu gesto aproveitando para desabar em seus ombros – Eu sinto muito querida, fique calma.

- O que aconteceu com ela?

- Vou lhe explicar, mas agora precisamos ir, os médicos a estão levando para o hospital.

Entramos em seu carro seguindo a ambulância. Ao chegarmos lá, encontramos Mizuki. Ela correu para me abraçar já com os olhos inundados.

- Vim assim que recebi o recado – disse ela apesar de eu não entender.

- Mandei uma mensagem para ela – disse Hikari, sua mãe.

- Hikari, onde ela está? – perguntei em prantos, queria desesperadamente vê-la.

- Vou procurar alguém que saiba, volto em um minuto.

- Quer uma água Kohana? – perguntou Mizuki sentando-me em um dos bancos de espera.

- Por favor – pedi.

Ela trouxe um copo e ficou ao meu lado em silêncio, apenas segurando minha mão para dizer “estou aqui”. Alguns minutos depois Hikari voltou, sentando-se ao meu lado e pegando a mão disponível.

- Sua mãe está na UTI – disse ela abatida. Ela e minha mãe eram tão amigas quanto eu e Mizuki – O estado dela é complicado.

- O que ela tem? O que houve com ela? – perguntei temendo a resposta.

- Vou explicar o que houve. Fui até sua casa para almoçar com sua mãe já que ela estava de folga e ficaria sozinha. Passamos a tarde juntas conversando até a hora de eu ir embora. Estava na cerca quando ouvi o barulho do carro. O motorista estava completamente bêbado. Ele virou de repente em minha direção. Quando pensei que ele me acertaria, o motorista girou o volante e o carro foi em direção a sua mãe que estava no jardim. Ele a jogou contra uma árvore com força. Ela bateu com força a cabeça e as costas. O motorista foi jogado para fora do carro e quebrou o pescoço assim que caiu no chão.

- Oh, Deus! Que horror – choramingou Mizuki apertando minha mão.

- E ela? O que os médicos vão fazer? – perguntei.

- Só há uma forma de ajudá-la que é uma cirurgia de risco. É a única coisa que pode ser feita no momento.

- E se ela não agüentar a cirurgia? – o desespero era claro em minhas lágrimas incontroláveis e minha voz rouca e distorcida.

- Oh, querida, fique calma! – ela disse abraçando-me – sua mãe é forte, ela vai agüentar.

- Quando é a cirurgia?

- Daqui a algumas horas, vamos poder fazer uma breve visita antes, mas precisamos esperar.

Meu peito ardia com dor, ódio e culpa. Senti como se o sangue de minha mãe estivesse escorrendo em minhas mãos. Meus olhos ardiam e meu corpo estava dormente. Aos poucos perdi os sentidos e mergulhei na inconsciência. Logo não havia nada a minha volta. Estava tudo escuro. Era um mundo não apenas estranho, mas um mundo onde a pessoa que eu mais amava parecia desaparecer.

***

- Kohana, acorde – ouvi uma voz dizer. Abri meus olhos com dificuldade observando o rosto de Hikari. Ao meu lado Mizuki dormia ainda segurando minha mão. Fora do hospital havia uma noite opaca e sem vida.

- Onde está minha mãe?

- Vamos vê-la agora, está na hora das visitas. Ela está em um quarto já para a cirurgia. Vou entrar primeiro depois você, está bem?

- Está bem.

- Coma essas bolachas, você deve estar com fome. Vão chamá-la quando puder entrar, fique acordada.

Assenti mordendo a primeira bolacha esforçando-me para não pensar no pior. Após alguns minutos e meio pacote de bolachas uma enfermeira apareceu.

- Kohana Maito?

Levantei-me e a segui até uma pequena sala. A enfermeira vestiu um avental em mim, uma touca e uma máscara.

- Desculpe, são apenas procedimentos. Sua mãe está naquela porta – disse ela apontando – vou chamá-la quando o horário de visitas acabar.

Assenti para ela e parei frente à porta. Respirei fundo secando as lágrimas e entrei. Sentia meu corpo tremer, mal conseguia respirar dentro do pequeno quarto branco. Aproximei-me hesitante da cama até observar o rosto de porcelana tão perfeito de minha mãe, agora marcado por alguns arranhões, curativos e dor. Segurei sua mão levemente enquanto observava seus olhos se abrirem lentamente. Mesmo naquela situação e com tanta dor, seus olhos brilharam ao me ver e um leve sorriso apareceu.

- Olá meu bem – disse ela com a voz fraca. Ao ouvir sua voz lutei contra as lágrimas.

- Oi mãe – respondi com a voz trêmula.

- Você está péssima – comentou ela com uma risada fraca – parece que acabou de acordar de um pesadelo.

- Ficaria feliz se isso acontecesse logo.

- Oh querida, não queria preocupá-la.

- Eu não devia te-la deixado sozinha – disse sem resistir as lágrimas – Era como se eu soubesse que algo ruim aconteceria. Sinto-me culpada ao vê-la aqui, ainda mais pelo fato de que eu poderia ter impedido aquele homem, ou pelo menos tentado. Eu o vi quando estava a caminho da escola, mas como estava atrasada não fiz mais do que dizer que não era uma boa idéia. Céus, como me odeio!

- Não se sinta assim meu bem, isso poderia ter acontecido a qualquer momento com qualquer um. Não se sinta culpada, eu não a culpo.

- Queria pelo menos estar lá com você, talvez eu pudesse impedir ou fazer alguma coisa.

- Há certas coisas que simplesmente acontecem meu bem, não há como evita-las. Na maioria das vezes são necessárias.

- Não quero acreditar que isso é necessário. Quero levá-la para casa.

- Também quero isso, mas meu bem, também quero que você seja forte caso isso não seja possível.

- Vou levá-la para casa, não tem essa de “não ser possível”.

- Como você é teimosa – disse com um riso fraco – sinto ter-lhe passado essa herança – ela disse sorrindo.

- Me orgulho de tudo que herdei de você.

- Querida, quero que fique com algo – ela começou – mas preciso que pegue para mim sem contestar, promete?

- Sim, eu prometo.

- Certo – ela sorriu – pegue o medalhão.

- Mas mãe! – me surpreendi ao ver qual era seu pedido.

- Você prometeu – disse ela em tom de aviso.

Peguei o medalhão cuidadosamente, tirando-o de seu pescoço. Ele brilhava em seu tom azul cristalino.

- Não deveria fazer isso – reclamei.

- Coloque em seu pescoço – pediu ela e assim o fiz – Agora, preste atenção. Esse medalhão é o presente que seu pai me deu quando nos casamos. Ele disse que era um grande símbolo de proteção herdado dentro da família dele. Quero que fique com ele sempre. Não o tire por nada, você promete?

- Prometo, assim como prometo devolver ele quando você estiver em casa.

- Por mim tudo bem – disse ela sorrindo graciosamente – agora me conte, como foi a aula hoje?

- Mãe! Estamos em um hospital e você quer saber como foi a aula? – perguntei atônita e rindo ao mesmo tempo.

- Qual é o problema? – ela pareceu ironicamente ofendida – sou sua mãe, sua vida é meu principal interesse.

- É, eu reparei.

- E então? Algum rolo, namorado ou marido que eu não saiba? – ela semicerrou os olhos sorrindo.

- Mãe! – senti o rubor.

- O que?

Coloquei a mão no rosto e comecei a rir, não acreditando no que estava ouvindo. Logo após, ela começou a rir também.

- Você sabe que não quero me envolver com ninguém no momento. Tenho coisas mais importantes para me preocupar.

Ela me encarou durante um tempo, sua risada reduzida a uma linha fina de um sorriso nulo.

- Isso tem algo a ver com meu relacionamento com seu pai? – perguntou seriamente.

- Não – menti.

- Ah, eu sabia que tinha – ela revirou os olhos tristemente – Querida, meu maior medo é que você acabe se fechando e passando a vida sozinha por causa disso. Mesmo você tendo amigos eles vão seguir a vida deles também.

- Eu supero.

- Pode superar, mas não muda o fato de que seu coração será solitário e infeliz. Não quero te ver infeliz. Há um buraco dentro de nós que apenas um sentimento de verdade pode preencher. Você não pode aceitar o vazio dentro de seu coração!

- Estou bem desse jeito mãe, vamos encerrar o assunto? – pedi.

- Tudo bem, mas quero que me prometa algo.

- Ai, lá vem! – revirei os olhos.

- Vamos lá, cumprir promessas é uma aventura e tanto! – disse sorrindo.

- Certo o que é dessa vez?

- Quero que me prometa que você será feliz com alguém, que vai se permitir essa chance, não por ser uma promessa, mas por amor.

- Só pode estar brincando – cruzei os braços.

- Vamos lá, quero ser chamada de vó!

- Você tem outra filha também.

- Quero netos vindos de você também! – reclamou ela com um sorriso maroto.

- Está bem – disse rendendo-me e rindo apenas por concordar com aquela loucura – eu prometo.

- De coração?

- De coração – respondi.

- Obrigada meu bem – disse ela com um largo sorriso e brilho nos olhos. Uma pequena lágrima escorria em seu rosto.

Algumas batidas surgiram na porta. Nossa conversa fora tão boa e tranqüila que o tempo pareceu trapacear.

- Preciso ir – disse a ela – mas não quero te deixar novamente. Estou com medo.

- Também estou com medo querida, mas que opções temos no momento?

- Não sei se vou agüentar caso você não volte para casa. Sei que preciso aprender a viver por conta própria, mas não quero aceitar um mundo onde você não exista. Não consigo!

- Ah, meu bem – ela passou a mão pelo meu rosto secando as lágrimas enquanto as suas escapavam – como eu gostaria de poder vê-la crescer mais do que já vi! Fui mais sua filha do que sua mãe todo esse tempo. Gostaria de compensar todos esses anos que foram apenas nossos. Gostaria de ser eterna para te ter para sempre, mas isso não é possível.

- Gostaria que fosse possível também mãe.

- Não importa o que aconteça meu bem, estarei sempre com você. Seja ao seu lado ou em seu coração, onde serei eterna.

- Obrigada por tudo mãe! – disse já sem controle algum de minhas lágrimas e soluços, abraçando-a. Eu sabia das possibilidades. Sabia que poderia ser a última oportunidade de dizer aquilo.

- Fiz tudo por amor e de coração minha pequena.

Sorri para ela. Eu precisava ir, mas não conseguia soltar sua mão. Era doloroso demais pensar na possibilidade de não vê-la mais.

- Preciso lhe contar algo antes que você vá – disse ela puxando-me para perto – Os melhores anos da minha vida, além do tempo que nós duas passamos juntas, foram ao lado do seu pai.

Aquela idéia foi difícil de acreditar. Sorri e lhe dei um beijo.

- Seja forte – disse a ela – vou te esperar para levá-la para casa.

- Você também! – ela respondeu. Parei ao lado da porta olhando para trás e guardando em minha memória seu sorriso fraco, mas deslumbrante. Fechei a porta as minhas costas e, sentando-me no chão, chorei como nunca o havia feito antes.

Passara-se quase a noite toda enquanto esperávamos aflitas.

- Senhorita Maito? – disse uma enfermeira aproximando-se.

- Sim? – respondi rapidamente, o coração disparado.

- Eu sinto muito, fizemos o possível.


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