Coincidências? escrita por Otsu Miyamoto


Capítulo 22
Vinte e Dois


Notas iniciais do capítulo

*Torii = Portão tradicional japonês comumente usado em templos



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— Eles estão se dando tão bem... – Shunrei comenta ao ver sua amiga desaparecer ao longe.

— É impressionante como eles são... Compatíveis – Shiryu sorriu – Ele é genioso e sua amiga também tem personalidade forte.

— Sem dúvidas. E tem um coração enorme. Quando eu perdi meu avô, eu perdi tudo... É difícil pra uma garota de 15 anos ir para um orfanato sem nada. Mas eu fui muito abençoada. As pessoas lá são maravilhosas. Eire se tornou uma boa amiga e me incentivou a estudar para conseguir a bolsa na fundação.

— Ela faz o mesmo curso que você?

— Não, ela faz pedagogia. É definitivamente a área dela... – Shunrei pegou uma fruta, enquanto pensava – Quando entramos na faculdade foi muito difícil. Eu era a única bolsista do curso e não tinha amizades. Então percebi que a Saori parecia solitária... Sempre tinha muita gente perto dela, mas não de fato, com ela, sabe?

— É difícil de acreditar. Com a personalidade extrovertida dela.

— Foi o que eu pensei. Ela me acolheu instantaneamente. A amizade cresceu rápido e Eiri também se deu muito bem com ela... – Shunrei sorriu com as boas lembranças e Shiryu estava totalmente encantado por ela. A observava quase sem piscar.

Em algum momento ela começou a rir muito.

— O que foi?

— Uma vez, Eire e eu fomos a casa da Saori, ainda no primeiro ano da faculdade, e passamos uma tarde ótima. Era nosso ultimo ano no orfanato, então Saori sugeriu de morarmos lá. Seria a solução de todos os nossos problemas e ela teria companhia. Realmente precisávamos de um lugar para ficar até o final do ano, então foi tentador, mas...

— Mas... – Incentivou.

— Não trabalhávamos ainda e tínhamos nos conhecido naquele mesmo ano. Não queríamos abusar da generosidade dela. Saori estava ajudando muito com a faculdade, por que garantimos a bolsa, mas os materiais eram praticamente inacessíveis. Ela nos fornecia tudo o que precisássemos. Então, pensando nisso, decidimos recusar.

— E o que Saori fez?

— Nos trancou na casa por dois dias – A lembrança à fez sorrir de novo.

— É sério? – Acabou rindo também.

— De verdade! Ela nos deu uma verdadeira palestra sobre os prós e contras de morarmos com ela e no fim, não tivemos como manter a recusa, então...

Por um momento, Shiryu se perdeu na voz dela. Shunrei estava tão bonita, sob os raios de sol que passavam pelas folhas das arvores logo atrás, que não pode conter seus pensamentos...

Imaginou como seria se ele chegasse mais perto. Como ela reagiria se ele segurasse sua mão, ou tocasse em seu rosto.

Como seria beijar aquela boca tão convidativa?

A vontade estava começando a dominar seus pensamentos.

— Shiryu? – Shunrei o chamou, curiosa.

— Ah, desculpa, eu... Me distraí, por um momento... – Comentou sem graça.

— Não precisa se desculpar – Ela corou e desviou o olhar, constrangida.

— Shunrei, eu estou atraído por você... – Confessou. Na verdade as palavras simplesmente saíram. E depois dessa enorme bandeira que havia dado, talvez fosse o momento certo – Não paro de pensar em você.

A jovem quase não acreditou no que ouviu. Shiryu a fitava de maneira tão intensa que seu coração disparou.

Ele era tão bonito, tão educado, tão generoso, tão gentil... Ela não poderia ter tanta sorte assim.

— E, se você me permitir... – Ele continuou, extremamente atento a todas as reações dela – Eu gostaria de... – Não pode terminar de falar, pois seu celular tocou.

Suspirou frustrado, enquanto pegava seu celular no bolso.

 — É o Seiya, só um instante.

— À vontade... – Shunrei respondeu rápido, soltando a respiração que não percebeu que segurava.

 — O que foi? – Atendeu, esforçando-se para não parecer nervoso.

— Cara, traz a Shunrei aqui. O festival está fantástico. Tem várias barraquinhas de jogos e comida. Escolhemos o dia errado para um pic-nic – Sorriu.

— Ele está nos chamando para o festival... – Afastou brevemente o aparelho e fitou Shunrei.

— Tudo bem, vamos.

— Estamos indo, Seiya.

— Não demorem, por que está lotando rápido – Desligou, costumeiramente sem se despedir.

Shunrei já estava recolocando as coisas dentro da cesta, então Shiryu se aproximou e ajudou. Sentia como se houvesse perdido o momento para falar, então esperou.

Ele pegou a cesta e afastou-se para que ela pudesse pegar a toalha. Cuidadosamente, ela a dobrou para por sobre a cesta e Shiryu acompanhava atentamente cada movimento. Percebeu que ela corou quando estava perto dele.

Shunrei estava curiosa sobre o que Shiryu teria dito se não tivesse sido interrompido, mas não tinha coragem de perguntar.

— Vamos? – Ela pareceu fazer um leve esforço para pronunciar, enquanto dava passos firmes. Shiryu ficou preocupado que a declaração a tivesse assustado.

Shiryu respirou fundo e tentou afastar os pensamentos negativos. Resolveu mudar o foco, por hora.

— Então, suas aulas já voltam essa semana, certo?

— Sim, estou quase concluindo... – Seu tom de voz foi baixo, quase decepcionado – Finalmente...

— Você não parece muito animada – Observou.

— Eu estou sim... De verdade. O problema é que... – Suspirou, o fitando brevemente – Meu avô teve um tipo de câncer raro. E seus últimos dias foram muito sofridos. Eu assistia impotente e sempre dizia para ele aguentar mais um pouco. Ele tinha um carro, mas já não conseguia dirigir, então eu dizia que logo eu teria idade para tirar a habilitação e seria mais fácil as idas ao hospital... Logo eu faria faculdade e conseguiria dinheiro para agilizar o tratamento... Logo eu poderia cuidar melhor dele...

— Eu sinto muito.

— Ele era bem forte e eu tentava ser tão forte quanto... Eu repetia tanto isso que, quando ele não pode mais aguentar, perto do fim, ele me fez prometer três coisas – Shunrei o fitou e levantou um dedo da mão, representando – Primeiro, eu tiraria a habilitação assim que fosse possível, porque assim eu poderia ir aonde eu quisesse, sempre que quisesse.

— Saori mencionou que essa habilitação era importante pra você, agora faz sentido.

— Pois é. Todos os bens que e o meu avô tinha foram leiloados e o valor revertido ao orfanato. Eu não tinha carro, mas precisava cumprir a promessa.

— A segunda promessa tem relação com se formar?

— Exatamente. Eu prometi que estudaria muito para conseguir entrar em uma boa faculdade e ter uma profissão. Assim eu poderia cuidar de mim mesma.

— Então porque não esta empolgada?

— Eu basicamente vivi para cumprir essas promessas... Quando eu tiver concluído o que eu faço depois? Eu... Não sei...

— Você não vai se esquecer dele. Vai continuar crescendo e progredindo, do mesmo jeito que faria se ele ainda pudesse te ver, Shunrei. Não tenho dúvidas de que seu avô se orgulharia da mulher que você se tornou.

Shunrei sorriu enquanto seu coração se aquecia por completo. Seu rosto esquentou então sabia que estava corada, por isso, desviou o olhar, como se algo no parque a tivesse atraído.

Também estava comovia, com as lembranças de seu avô e as palavras de Shiryu.

— Obrigada... – Falou baixo, após um breve momento – É gentileza sua, Shiryu...

— É a verdade. Você é tão jovem e já passou por tanta coisa. E permanece sempre com um sorriso lindo no rosto. Isso é uma virtude.

Shunrei não pode evitar sorrir ao ouvir isso.

— Meu avô dizia isso, sabia? Que sorrir em meio à adversidade é uma virtude, um privilégio, que todos possuem, mas poucos usam.

— Palavras muito sábias. Qual o nome do seu avô?

— Dohko.

— O senhor Dohko era um homem realmente incrível.

— Absolutamente... Ele era o melhor... – Comentou, soltando um longo suspiro satisfeito.

— E qual a terceira promessa?

— Ah, bem... – A jovem corou e sentiu seu coração acelerar – Ele... Me disse para encontrar alguém para amar – Shunrei se obrigou a olhar apenas para frente, sem coragem de encontrar com os olhos dele – “Não tem problema nenhum querer ser sozinho”, ele disse, “Mas, tudo o que você conquistar, minha menina, terá ainda mais valor se tiver alguém que ame para compartilhar”... É isso...

“Muito pertinente, Senhor Dohko”, Shiryu sorriu com o pensamento.

— Ele está absolutamente certo... Até um tempo atrás eu pensava assim, que tudo bem estar sozinho, mas agora não me parece mais tão bom...

— E o que te fez mudar de ideia? – Perguntou curiosa.

— Você... – Ele admitiu, mas logo ficou tenso então emendou – O acidente... Eu passei a pensar uma segunda vez em tudo o que eu já tinha pré-estabelecido... – Foi sincero, pois o acidente realmente o fez rever algumas coisas... Mas, a verdade é que estava mais nervoso agora do que estava alguns minutos atrás, então amenizou a declaração, para não parecer apressado.

— Claro, sim... – Shunrei balbuciou nervosa – Eu também, depois do acidente, revi algumas coisas... – Respirou fundo, tentando controlar seu pobre coração não acostumado a essas emoções.

— Tem muitas pessoas aqui – O jovem murmurou.  Um grande Torii*, improvisado para a entrada do festival já sobressaia. E já estava lotado.

Alguém passou rápido por eles e empurrou Shunrei, que precisou dar alguns passos apressados. Shiryu se adiantou e segurou sua mão, ajudando-a a manter o equilíbrio.

— Tudo bem?

— Sim, não foi nada.

Então, Shiryu sutilmente se pôs a sua frente, de modo que se algo do tipo acontecesse, ele amenizaria o impacto. Além de não ter soltado a mão da jovem, que não protestou.

O ambiente estava todo decorado e realmente, tinha barracas a perder de vista.

— Shiryu!! – Ouviu seu nome ao longe, em uma barraca de tiro ao alvo. Era Seiya, com uma mascara Kabuki na cabeça – Aqui.

Shiryu apenas soltou a mão de Shunrei quando chegaram na barraca. Claro que não antes de Saori ver. A jovem de cabelos arroxeados aproximou-se, sutil.

— Vocês estavam de mãos dadas ou estou alucinando? – Murmurou.

— Ele estava sendo gentil, quase fui derrubada na entrada.

— Aham... Aproveita e seja gentil com ele também – Piscou, provocativa.

— Fica quieta, Saori...

Corou, tentando disfarçar o sorriso. Mas estava flutuando...

— Está tentando a sorte com a sua pontaria, Seiya? – Shiryu debochou.

— Um jovem rapaz batalhador tem que tentar – Sorriu amarelo.

— E conseguiu?

— Sim, passar vergonha... – Confessou e ambos deram risada.

Shunrei observou uma pelúcia, que era oferecida de brinde na barraca e seus olhos quase brilharam.

— Uma tartaruga vermelha! – Exclamou.

— Ah, quando eu a vi pensei imediatamente em você. Sabia que ia gostar – Saori afirmou.

— O que tem de especial? – Seiya questionou.

— Assisti a um filme chamado “A tartaruga vermelha” que eu gostei muito. Só tem isso de especial, na verdade... – Sorriu, contagiando a todos.

— Neste caso, Shiryu, faça uma boa ação e pegue a pelúcia para a jovem moça – Seiya sugeriu, com um largo sorriso – Você, diferente de mim, é ótimo nisso.

— Não, imagina. Não precisa... – Shunrei rapidamente se adiantou, envergonhada.

— Eu quero... – Shiryu respondeu, trocando a cesta que segurava pelo pequeno rifle de brinquedo. Foi até o atendente da barraca e perguntou quantos alvos ele teria que acertar para ter a pelúcia.

Sete alvos em trinta segundos.

Shiryu pagou o rapaz, se posicionou.

Os alvos, que eram vermelhos, estavam intercalados com nuvens, que estavam ali para atrapalhar os tiros. E ambos se moviam, aparentemente, de forma aleatória. Shiryu respirou fundo e deu sinal para que o rapaz cronometrasse. Ele se concentrou nos movimentos dos alvos e, segundos depois, passou a atirar.

Para delírio dos curiosos, Shiryu derrubou os sete alvos na primeira tentativa, em 27 segundos.

O rapaz da barraca acionou um botão que disparou um alarme alto e várias luzes se acenderam, anunciando o vencedor.

Seiya soltou uma exclamação alta, contagiando alguns rapazes que estavam observando curiosos.

 Outras pessoas que estavam ao redor aplaudiram e parabenizaram o feito. Isso atraiu bastante atenção para a barraca, o que deixou o atendente satisfeito. Por isso, ele aproveitou e falou alto:

— Temos o primeiro vencedor do prêmio máximo do dia! Venham também aproveitar a chance de presentear alguém especial – Depois voltou-se para Shiryu, ainda falando em alto e bom tom – Você pode escolher qualquer uma das pelúcias maiores da primeira fileira. Sua namorada queria a tartaruga vermelha?

— Exatamente – Shiryu respondeu apenas, sem a necessidade de desfazer o engano.

Seiya fitou uma Saori quase eufórica, com um sorriso vitorioso no rosto, e piscou.

Shunrei, que estava observando tudo quase extasiada ficou vermelha, instantaneamente, sem saber como reagir.

Shiryu voltou sua atenção para jovem, com um sorriso descontraído e a tartaruga nas mãos.

— Aqui, é pra você.

— Shiryu... Eu... Nem sei como agradecer – Ela estava verdadeiramente encantada.

— Eu sei... – Ele a fitou e se inclinou levemente, fazendo-a perder o fôlego – Me deixa levar o bolo que você fez pra casa. Vou subornar o Seiya com ele.

— Eu ouvi isso, Shiryu, mancada... – Ambos gargalharam.

Shiryu estava tão à vontade e tão feliz, como há muito tempo ele não se sentia. Por um momento se perguntou como seria sua vida se não tivesse conhecido essa garota. E se não tivesse um irmão tão inconveniente.

Alias, Graças a Deus, pela inconveniência do Seiya.


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Notas finais do capítulo

O que será que Shiryu ia dizer, hein??



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