Toulouse, França.

Era uma sala escura, de forma retangular, parecida com um imenso corredor, com o teto alto, iluminada apenas pela luz fraca das velas ao longo de sua extensão e pela luz do fogo fraco da lareira. Prostrada em frente à lareira, havia uma grande poltrona feita de couro preto e, acima daquela, pendurado na parede alta, jazia um enorme retrato, onde se via um rapaz louro de aparência jovial e muito bem vestido, embora parecesse que seus trajes datassem de mais de um século atrás.

Toda a extensão das paredes da grande sala era adornada por uma fileira de portas. Da única porta ao fundo da sala, podia-se ver um homem alto entrando e caminhando em direção à lareira, sem nem olhar para nenhuma porta por onde passava. O som de seus passos firmes no chão de mármore acinzentado tornava o ambiente ainda mais macabro. Era quase como se aquela sala fosse um mundo paralelo, onde não existia e nem nunca haveria de existir vida alguma.

O homem chegou à lareira, ficou parado por alguns instantes observando o fogo. Passados dois minutos, ele se virou e olhou em direção à porta pela qual entrara no cômodo. Tornou a se virar para o fogo e sentou-se com leveza e elegância na grande poltrona. Seus sapatos de couro preto reluziam à luz do fogo, muito bem engraxados, vestia calças pretas sociais e usava uma camisa azul-escura com uma gravata vermelho-sangue no colarinho e, por cima da camisa, um belíssimo paletó preto desabotoado, com abotoaduras douradas nos punhos.

Ele observava distraído o grande retrato à sua frente, quando a porta do fundo da sala se abriu com estrondo e um segundo homem começou a atravessar a grande sala. Levantando-se depressa, o primeiro homem passou a mão nos cabelos tão dourados quanto a mais pura barra de ouro de modo a tirá-los dos olhos de cor rubi e se virou para encarar o homem que vinha em sua direção.

Jacques Blanc era o rapaz jovem e bem vestido com trajes pretos e detalhes dourados que vinha se aproximando do homem loiro. As velas ao seu redor dançavam conforme ele ia passando apressado por elas. Observava que, a cada passo seu, o homem loiro ia abrindo um meio sorriso no rosto malicioso. Ao chegar a ele, lhe dirigiu a palavra.

- Monsieur Ford, – Disse, com uma breve reverência - a missão foi cumprida conforme o planejado.

Ele parou de falar como se esperasse uma congratulação. Vendo que não viria, continuou:

- Coletamos todos os dados necessários sobre a organização inglesa da qual o senhor tanto fala. Agora basta darmos continuidade ao plano, já que temos o que faltava.

O sorriso do homem se alargou ainda mais, revelando dentes caninos de tamanho fora do normal e seus olhos vermelho-vivos faiscaram com malícia.

- Excelente, meu jovem Jacques. Daremos continuidade imediatamente. Avise seus homens. Iremos à Inglaterra amanhã ao anoitecer. Prepare-se devidamente, primeiro iremos de encontro ao líder da organização, mas deixe tudo pronto para a próxima etapa. – Disse o homem chamado Ford.

- Oui oui, monsieur. - Respondeu o outro.

Jacques se retirou do recinto por uma das portas laterais do aposento. Assim que ele saiu de vista, Ford tornou a sentar-se na poltrona e voltou a observar o retrato. Cruzou os braços, fechou os olhos, ainda sorrindo. Abaixo do retrato se lia, escrito em letra cursiva em uma pequena placa dourada: “Henri Ford – Líder da rebelião do fim do século XVI – Por um mundo livre de pragas”.

- Ah... Bons tempos... – Comentou consigo mesmo.