Vocês devem imaginar o que eu fiz não é?

A Hermione lá parada dizendo entrelinhas “Vamos Ronald, pare de sonhar e viva, o futuro é agora, me beije”.

E eu fiz o que?

Nada.

Absolutamente nada!

Cara! Está para nascer pessoa mais covarde que eu.

Agora estou deitado no sofá em frente a lareira de casa totalmente deprimido.

- Oi Rony – a voz é da Gina.

Eu não respondi.

- Sabe... – ela continuou – Eu queria te perguntar umas coisas...

Porque esse povo insiste em me encher quando estou querendo ficar o dia inteiro me lamentando.

 - Será que da pra ter um diálogo? – ela perguntou brava.

- Pergunta, Gina! – finalmente respondi.

- O Harry me contou sobre as missões que está recebendo, parece que precisa salvar pessoas?

- É.

- Eu fui uma missão? - A voz dela era receosa.

Eu não via o rosto de minha irmã, mas tenho certeza que sua feição está preocupada.

- Era... – respondi sem emoção.

- Era aquele lance do correr não era?

- É...

- Então, obrigada Rony – ela agradeceu.

- Não fiz nada.

- Errado – escuto Gina andar, ela para de frente a mim – Você fez tudo, tudo por mim, pelo Harry e por mais quem tenha salvado.

- Grande coisa! – eu reclamei.

Estou realmente chateado.

- O que foi? Você é o grande novo herói e fica ai se lamentando.

Eu sentei no sofá nervoso.

- Você não faz idéia do que eu passo ou do que estou passando, ok?

A Gina se encaminhou e sentou-se ao meu lado.

- Quem é que reclamava que queria estar no lugar do Harry. O herói, o Eleito?

Eu bufei e revirei os olhos a encarando:

- Não vem dando lição de moral...

Ela suspirou e olhou calada para baixo.

- Deve ser difícil completar essas missões e todo o resto...

- Não imagina o quanto.

Lembrei do: “Para o bem da Humanidade”

- Mas sabe Rony – ela voltou a me olhar solidária – Você está trazendo vida pra gente.

Às vezes é necessário outras pessoas reconhecerem seu esforço para se lembrar de como o que fez é imprescindível.

Eu não consegui responder, apenas sacudi a cabeça afirmativamente.

- Já recebeu a nova missão? – ela perguntou tentando parecer desinteressada, quando estava na cara que estava curiosa.

- Ainda não...

Ela suspirou decepcionada.

- Não que eu precise da mensagem – continuei explicando – sei que vai ser alguém próximo a mim, mas as palavras me dão, sei lá, um empurrão, tipo: “Você pode Ronald, vamos?” Entende? – perguntei.

- Hum – ela mordeu seus lábios pensativa – Já sei o que fazer com você então.

Ela se levantou do sofá e andou até as escadas.

- Vai fazer o que? – perguntei confuso.

- Aguarde – ela virou seu rosto e sorriu.

O que a maluca da minha irmã está aprontando?

Pouco me importa.

Dou de ombros e volto a deitar no sofá.

Enquanto a próxima missão não chega posso ficar lamentando minha covardia.

Fecho os olhos e caio no mundo dos sonhos.

Estou em pé numa ponte com os braços esticados, olho para cima e sinto grossas gotas de chuva caindo sob minha pele.

Com uma facilidade não vinda de mim consigo subir nas grades que impedem os pedestres de caírem no lago. Me equilibro erguendo os braços perto do mergulho. Olho para as águas e vejo o rosto dela sorridente, mais linda do que jamais a tenha visto.

Ela me chama.

Eu pulo.

Sinto a água gelada em todo meu corpo. Com muito custo abro meus olhos e a vejo de novo.

Está com um vestido vermelho e dança me chamando cada vez mais para o fundo do lago. Como se me dissesse: “É para o bem da humanidade”.

Eu a obedeço e sinto ficar sem ar.

Como ação automática abro minha boca tentando sugar o ar que não existe e engulo água.

Sinto meu pulmão queimar.

Sinto meus braços se debaterem desesperados tentando achar a superfície.

Sinto meus sentidos irem se desligando.

Sinto me deixar levar para o mais fundo de mim mesmo.

De súbito acordo sendo no sofá e respirando forte.

Esse “Para o bem da Humanidade” vai me deixar maluco.

E ai acontece:

Sabe aquela idéia que temos? Que as coisas não podem ficar pior do que já estão?

Normalmente piora.

E para mim piorou quando senti enfiarem um saco preto em minha cabeça.

Piorou quando me arrastaram a força para outro lugar.

Piorou ainda mais quando me fizeram sentar numa cadeira e amarraram meus braços.

Tenho quase certeza que são o Miller e o Marvin.

Minhas suspeitas se confirmaram quando eles tiraram o saco de minha cabeça e vi dois vultos na penumbra do lugar em que me arrastaram, dava pra ver que estavam com máscaras de lã.

- Marvin e Miller? – mais afirmei que perguntei.

Eles se entreolharam, talvez se questionando como eu havia descoberto.

Esses dois são muito tapados mesmo. Porque não mostram seus rostos de uma vez?

- Mais alguma missão? A próxima carta? – pergunto tentando parecer displicente – Mais alguma mensagem tipo a última: “para o bem da humanidade”?

Eu dou risada forçado.

- Você é maluco? – escuto a voz da Gina sair por detrás de uma das máscaras de lã.

- Gina?

- Ele só ta meio assustado com tudo, também olha o que fizemos – o outro da máscara diz e a voz é do Harry.

- Harry? – pergunto confuso.

- Ah ele nos descobriu – disse minha irmã frustrada tirando a máscara de lã.

- Ele conhece nossa voz há anos, era natural – comentou meu melhor amigo também retirando a máscara.

- O que vocês pensam que estão fazendo? – eu questionei indignado vendo minha irmã se agachar e me encarar séria.

- Tenho uma missão para você.

Espera aí!

A Gina é...

- Você é... – eu engoli em seco – A pessoa que me manda as mensagens?

Ela virou seu olhar para o Harry meio cúmplice.

Talvez com medo de realmente revelar a verdade.

- Como assim? – ela gritou levantando – Você não sabe quem te manda as missões?

- Não – respondi meio obtuso.

- Então como recebe as missões?

- Por carta, peças de xadrez... – expliquei confuso – o Harry não te falou?

- Não! – gritou com a mão na cintura e virando seu olhar para o Harry.

- Bem eu tentei – meu amigo se defendeu – mas antes de te explicar você veio com a idéia de uma nova missão ao Rony e começou a traçar planos e eu nem tive mais voz na conversa.

Ela bufou e virou seu olhar para mim novamente.

- Então você simplesmente segue palavras em uma carta sem ao menos saber quem está lhe enviando?

Dito desta forma parece loucura.

- É, basicamente – eu respondi.

- E se supostamente lá estivesse escrito “Ronald, pule de uma ponte para salvar a humanidade”. Você pularia?

Merlin!

Minha boca está escancarada.

Como a Gina sabe?

- Não é você mesmo que me manda as mensagens? – pergunto abobado.

Gina chega perto de mim e bate fortemente a palma de suas mãos uma contra a outra me assustando.

- Rony, acorda! Se eu soubesse que mandar em você era tão simples não tinha feito essa encenação toda.

- Da pra me soltar? – eu reclamei tentando fazer minhas mãos se soltarem da corda que me amarraram.

- Não! Ainda não te falei qual a sua missão! – rebateu Gina.

- Não! Não quero saber de missão sem fundamento Gina.

- Sem fundamento?! – ela gritou indignada – Nem sabe o que tenho pra te propor.

- Não me importo – retruquei no mesmo tom de voz – Minha vida já é tão detestável que nada pode melhorá-la.

- Ah! Pare de se lamentar! – ela gritou apontando o dedo indicador na minha cara – Sua vida vai parar de ser detestável assim que tomar certa atitude.

- Não quero... – comecei a falar, mas ela não me deixou terminar.

- Você conhece certa garota de cabelos castanhos esvoaçantes? – ela perguntou começando a andar em volta da cadeira que eu estava preso.

- O que a Mione tem haver... – comecei, mas novamente Gina não me deixou terminar.

- E você conhece certo garoto de cabelos ruivos que ultimamente está achando sua vida detestável?

- Você podia chegar ao ponto , detesto esses joguinhos...

- Junte eles – ela terminou.

- O que?!

- Ah eu sei, você quer motivos para eles ficarem juntos? Posso enumerar...

- Não é necessário...

- Rony, todos esperam por isso! Todos!

- Eu já disse a ela que o beijo aconteceu na guerra, mas ela não me escuta – Harry disse para mim, me defendendo.

- O beijo aconteceu na guerra mas quem tomou a iniciativa? – perguntou Gina virando seu olhar pro Harry.

- A Hermione – meu melhor amigo respondeu.

- Exato! E ela obviamente espera que você tome a iniciativa desta vez, Rony.

- Não é questão de eu tomar a iniciativa... – tentei me defender.

- Não? Quantos sinais a Hermione te deu esperando o beijo? Aposto que muitos, talvez ela te diga frases soltas, talvez use palavras suas contra você mesmo, talvez ela apenas feche os olhos esperando que você encoste seus lábios e você simplesmente não o faz, estou certa?

Eu abri e fechei minha boca umas cinco vezes tentando me defender mas não saiu nada.

Certa? Minha irmã dizia as coisas como se tivesse presenciado os últimos acontecimentos entre nós dois.

- Você está precisando de uma Submissão – continuou a Gina com um sorriso enorme nos lábios – Se você consegue completar missões tão difíceis sendo empurrado apenas por palavras em uma carta, essa vai ser fácil, fácil.

- Eu fico nervoso, e não me dou bem com duas missões ao mesmo tempo. Então não! – dei meu ultimato tentando levantar da cadeira o que foi em vão já que continuava amarrado.

- Ah eu respeito isso, Rony – continuou minha irmã me encarando com aquele olhar da minha mãe que me dava arrepios – mas discordo, e como sei que não sabe usar seu cérebro, irei te ajudar. Amanhã é aniversário dela, e ela está sozinha em sua casa, é um ótimo dia para você lhe dar um beijo de presente de aniversário.

- Acho que não...

- Rony, você sabe que não é capaz se alguém não te empurrar a fazer – minha irmã ás vezes é perversa dizendo a verdade – Já esgotou sua coragem não existente em tentativas de beijos anteriores frustrados, então com minha ajuda, irá conseguir. Precisamos de um milagre, Rony, e eu tenho um plano perfeito.

- Se eu disser não, você irá me fazer dizer sim?

- Obviamente.

Eu suspirei derrotado.

- Que plano perfeito?