Era até engraçado o jeito que ele ficava concentrado em um livro. Os óculos escorregando até a ponta do nariz, quando ele mordia a boca pra se concentrar, como as sobrancelhas se juntavam em confusão...

   Só para ajudar, empurrei os óculos que escorregavam com a ponta da borracha do lápis.

- Obrigada. – disse Luke ainda muito ocupado para me olhar.

   Levantei a sobrancelha.

- Já disse valeu. – respondeu sem eu nem ter feito a pergunta.

- Pois é, você me conhece bem demais. - disse dando de ombros como toda a vez.

   Luke se distraiu por poucos segundos, me deu uma olhada de "AVÁ!" e revirou os olhos nas órbitas.

- O que? - perguntei.

- Fala sério Rach, eu te conheço desde os três anos! - respondeu como se fosse óbvio. - Te conheço bem até demais

- E daí?

- Deixa pra lá! – respondeu voltando realmente a atenção para o livro.

   Estava assim, ele sentado de perna de índio no sofá da minha casa, com minha cabeça em seu colo e o livro apoiado em sua outra perna. Era uma cena bizarra, e para quem passasse estava claro que éramos namorados, mas não era bem assim. Só amigos era uma boa definição.

   A porta da sala abriu e mamãe entrou saltitante passando por nós e indo direto preparar o jantar. Dei um pulo de susto, mas ao ver que era só ela, voltei à posição normal.

- Oi, crianças! – gritou da cozinha. Ouvimos alguns barulhos estranhos e uma panela caindo.

- Oi, mãe!

- Oi, Vicky! – gritou Luke dando um rápido aceno com dois dedos por trás da cabeça.

   Como ele sabia que minha mãe olharia se ele a chamasse pelo nome, eu não sei, mas que deu vontade de rir...

   Eu e minha mãe moramos sozinhas desde que meu pai fugiu de casa com a empregada para a Bahamas. Parece filme? Sim, eu sei. Mamãe já se recuperou bastante e agora está pensando em começar a namorar novamente.

- Ainda não me acostumei a ver você chamando minha mãe de Vicky! – ri com vontade. – Ah, - completei já recuperada do ataque de riso. – e aquele seu teste para fazer um filme? – perguntei.

   Quando Luke ia me responder, o telefone dele começou a tocar aquela música estranha que nem eu sabia o nome.

- Alô? Não, não, não tem problema. Posso sim! Às cinco e meia? Tudo bem. Pode ser! Muito obrigado. Até! – e assim ele terminou a ligação. O rosto brilhando denunciava alguma coisa.

- O que? – perguntei.

- É hoje!

- O que é hoje? – perguntei novamente. Daí caiu a ficha! O filme.

- O teste. Disseram-me que era para ir até o centro para fazer o teste.

   Gritei de felicidade e pulei em seu colo o abraçando. O grito fez com que mamãe viesse correndo e patinasse até chegar ao nosso encontro.

- O que foi isso, Rachel? – perguntou com a mão no peito.

- O Luke conseguiu uma vaga pra fazer o teste! – disse ainda mais animada.

- Parabéns, querido. – disse sincera, o abraçando fortemente.

- Valeu, gente! Valeu mesmo, mas tenho que ir logo senão perco o horário! Tchau gente! – gritou pegando suas coisas saindo de casa rápido.

- Luke! – gritei indo até a porta com um caderno na mão.

- Não dá, tenho que fazer um papel agora! Depois te ligo! Até amanhã. – berrou entrando no Chevy preto e enferrujado.

   Esperei que ele saísse.

   Respirei fundo virando para mamãe que estava cozinhando.

- Era isso que eu queria avisar. Ele esqueceu um caderno aqui em casa. – disse colocando o mesmo em cima da mesa da cozinha com irritação.

- Não se preocupe, ele volta pra pegar cedo ou tarde. Não é sempre assim? – disse ela convincente.

- É. – disse de mau-humor, pegando o caderno e subindo as escadas.

   Sentei na cama e coloquei o caderno grosso na gaveta do criado-mudo.

   Fiquei tentada a abrir e ver o que tinha ali, mas me repreendi e tirei a mão de cima do tampo do criado-mudo. Levantei e fiquei andando por todo o quarto com meu telefone na mão.

  A campainha tocou e saí correndo pulando de dois em dois degraus. Cheguei à porta toda descabelada. Já se passavam das dez horas da noite. Há essa hora, mamãe deve estar no sétimo sono.