Recuo para trás enquanto ela ainda permanece sorrindo deixando-me cada vez mais tensa.

-O que quer de mim? – pergunto tropeçando nas palavras.

-O que eu quero? – ela devolveu tombando a cabeça para o lado – Tenho que fazer um favor pra você no fim das contas.

Arqueio uma sobrancelha antes de ela agarrar meu pulso onde tilintava a pulseira que Leon colocara.

-Temos que agradecer Sebastian pela inteligência de colocar isso em você – ela comentou – Agora se torna bastante útil.

Tento me soltar dela, mas seu aperto é mais forte que presumia que iria quebrar meus ossos.

-Por que está fazendo isso? – pergunto ainda forçando minha soltura.

-Minha dona tem um amplo interesse em você – ela respondeu olhando-me – E eu também para ser franca.

-Me largue – rosno dando um forte puxão me soltando.

Acabo me desequilibrando, batendo minha cabeça com certa força no trono que estava atrás de mim acompanhada da dor nas minhas costas e no cotovelo em que tentei me apoiar.

Levo minha mão a cabeça sentindo uma certa tontura enquanto Ária me encarava com um leve sorriso emoldurando seus lábios. Ajeito-me na cadeira ao segundo que ela se posta na minha frente.

-Uma tola completa – ela refletiu se afastando batendo palmas uma única vez.

Puxo o ar para meus pulmões enquanto vejo se formando uma espécie de mesa cirúrgica com direito a todos os materiais possíveis para ela, apesar de serem bem esquisitos.

O que afinal ela pretende fazer?

Ofego novamente dando-me conta de suas ações que me fazem correr meus olhos por todo o salão atrás de alguma saída enquanto ela mantinha-se entretida examinando suas coisas.

Movo-me sem mais demora para uma porta lateral que até então não tinha reparado, mas algo prende minhas pernas antes que alcançasse a maçaneta da porta, deixando-me completamente gelada quando sinto dedos frios acariciando meu pescoço antes de passar a mão ao redor dele.

-Uma tola genuína – Raphael comenta com seus lábios ao meu ouvido.

Sinto um tremor percorrer meu corpo enquanto sua risada musical ressoa antes de se afastar de mim.

-Hora de acabar com isso – ele anunciou solene – Angelique.

Viro-me lentamente para olhá-lo, tentando em vão controlar o medo e a surpresa que se apossara de mim.

-Então é você que quer esse corpo – concluo meio gaguejando.

Ele me olhou antes de deixar um sorriso aparecer em seus lábios.

-Um corpo igual o seu quero distância – ele disse sério – Causa mais problemas que sua alma podre.

-O que vão fazer comigo? – pergunto sentindo todo meu corpo retesado.

-Espere pra ver – ele respondeu estalando os dedos.

Sinto uma leve dor nas minhas costas que começa a se intensificar deixando a ponto de soltar um alto grito caso não cerrasse os dentes enquanto Raphael aproximava lentamente de mim com um pequeno sorriso nos lábios deixando-me preocupada.

-O que você está fazendo? – pergunto lutando contra a dor que começava a se tornar sufocante – Se quer me matar, mata duma vez!

Sua risada permeia em meus ouvidos deixando-me nauseada.

-Aprecio muito uma morte lenta – ele comentou pegando-me nos braços – Mas, não terei esse prazer com você.

Luto contra dor para respirar vendo seu rosto sereno, mas com um intenso brilho nos olhos.

-Raphael... – consigo falar – Não faça isso.

Ele deixou seus olhos recaírem sobre meu semblante.

-Estou fazendo um favor pra você – ele disse colocando-me na mesa de pedra – Deveria estar agradecida.

-Vocês estão querendo nos matar – declaro tentando me levantar, mas Ária me segura – Sua piralha.

Ela deixou um sorriso aparecer nos seus lábios enquanto a dor aumentou ainda mais saindo de minhas costas para percorrer todo meu corpo ao segundo que consegui discerni que eles começavam a falar uma língua estranha que compreendo que intensificava minha tortura.

Remexo-me na mesa querendo sair dali, mas algo que me prendia enquanto cerro meus dentes prendendo de qualquer maneira o grito que ameaçava sair a qualquer hora.

Forço minhas pernas a se movimentarem, mas noto estranhas marcas que até não tinha notado nelas, quer dizer, por todo meu corpo deixando-me confusa.

O que acontecia de fato?

Procuro respirar calmamente querendo recuperar o controle de meu temperamento para pensar em uma maneira de sair dali, mas a dor não me deixava nem por um segundo. Pelo contrário, aumentava com o passar do tempo deixando a beira de um colapso.

Trinco meus dentes notando as amarras que prendiam meus braços a mesa, forço-as a se soltarem só que minhas forças estavam quase que se esvaindo lentamente. Remexo-me novamente querendo sair enquanto a dor ainda não tinha se tornado intolerável. Até o segundo que a pulseira em meu pulso começasse a esquentar queimando minha pele e de surpresa solto um agudo grito que é bem recebido pelos meus torturadores sendo que Raphael entra na minha linha de visão me encarando.

-Hora de começar – ele sentenciou passando seu indicador ao redor do meu colo indo ficar no exato ponto onde ficava meu coração – Bons sonhos, criança.

Ele atravessou minha pele com seu dedo fazendo-me soltar um intenso grito mediante a dor. No segundo seguinte, tive certeza apenas da escuridão que me dominava por completo.

Não conseguia assimilar nada que estivesse a minha frente, sinto que o medo começa a me dominar e procuro por qualquer coisa onde pudesse me segurar, onde eu tivesse apoio para dar o próximo passo.

-Selena, abra os olhos – alguém ordenou ao meu ouvido – Vamos, você consegue. Eu sei que consegue.

Foi como se fosse uma solução que me trouxessem de formula rápida, já que abro meus olhos instantaneamente reconhecendo quem me forçou voltar ao mundo.

-Miranda – digo piscando os olhos surpresa.

Ela deixou um sorriso de alivio sair de seus lábios antes de me abraçar fortemente.

-Ainda bem que você está a salvo – ela disse eufórica – Pensei que tivesse morrido.

Não pronuncio nada, por quê, como ela poderia saber que eu estava ali?

-Miranda – digo solene – Como me encontrou?

Ela se afastou de mim, olhando-me por um segundo antes de sorrir tipicamente.

-Todos estamos te procurando – ela respondeu indo rumo aos tronos enquanto a acompanhava com o olhar – Leon me pediu ajuda para te achar.

-Ele fez o que? – indago cética e enfática.

-Ficamos preocupados com você – ela começou a se explicar sentando no trono central cruzando as pernas e apoiando o cotovelo em um braço com o queixo sendo apoiado pela sua mão – Afinal Sean não é um ser muito previsível.

Arregalo meus olhos enquanto seu sorriso torna-se triunfante.

-Surpresa por eu saber sobre Sean? – ela indagou retórica – Ou por eu saber o quanto você é ingênua?

-Do que você está falando? – pergunto mudando minha posição, mas sinto todo meu corpo doer.

-Se eu fosse você não faria tanto esforço – ela recomendou – Afinal, Sean deixou suas marcas antes de se separar de você.

-O que fez com ele? – pergunto inquisitiva.

-Não se preocupe – ela disse descruzando e cruzando as pernas novamente – Ele está são e salvo, ao contrário de você.

-O que quer de mim? – replico a olhando com certa fúria.

Ela fez um beicinho antes de soltar mais um sorriso.

-Ah antigamente você estaria me sufocando agora – ela refletiu serena – Vê como as coisas mudam? Agora sou eu quem dita as regras aqui, na verdade, sempre ditei.

-Quem é você? – pergunto séria.

-Sua amiga – ela respondeu com escárnio – Mas pode me chamar de Discórdia também.

Engulo em seco tentando amenizar a dor que estava sentindo no meu peito devido ao ferimento que Raphael fizera. Ela se levantou da cadeira e moveu-se na minha direção obtendo uma nova roupa.

Que não passava de um vestido vermelho sangue com um amplo decote e de corte medieval, deixando seus fios deslizarem por seus ombros.

-Como pode fazer isso? – pergunto estreitando as sobrancelhas – Por que deseja tanto esse corpo?

Ela arqueou uma sobrancelha me encarando.

-Acha mesmo que perdi todos esses anos, para ter um corpo de demônio? – ela indagou retórica – Francamente, ainda me impressiono com sua estupidez.

-Anos? – sibilo confusa – Você está atrás de mim há anos?

-O que? – ela indagou enfática – Acha mesmo que nos conhecemos há apenas dois anos?

A fito em silêncio enquanto move-se em direção ao trono novamente.

-Desde que soube de sua existência tive que me intrometer – ela contou solene, mas amarga – Como uma Guardiã pode ter ficado impune diante de Caos? Como isso foi possível?

-Foi você que o levou até aquele avião, não foi? – conjeturo receosa.

-Não – ela negou-se – Mais fui eu que fiz com que Sean se apaixonasse perdidamente por você. Sabe o quão fácil é modificar aquela criatura? Cupido pode ter ajudado um pouco, mas eu sou quem transformou Sean no deus que ele é hoje, fui eu que forcei Leon a quebrar o acordo com ele para te proteger.

-Com qual razão? – pergunto confusa - Você não ganharia nada com isso.

-Ganharia tudo com isso – ela disse solene – Uma guerra entre os deuses é interessante sabia e afinal, Aiden criou afeição por você e isso eu não podia aceitar também.

-Forçou-os a saírem em discussão com os Arcanjos não foi? – suponho dessa vez com mais convicção – Foi você a deusa que maltratava a Noelle, não é mesmo?

Ela revirou os olhos antes de me encarar gélida.

-Eu fiz tudo querida – ela confessou – Sabe que foi difícil fazer com que os Arcanjos mandassem você pro inferno. Na verdade, foi tremendamente difícil me livrar de você.

-Por qual razão fez essa bagunça toda? – pergunto irritada – Você destruiu tudo! Não tem vergonha?

-E você tinha? – ela indagou retórica – Você ousou colocar os seus pés em meus domínios, não achou que eu ia deixar barato.

-O que eu fiz? – pergunto pausadamente – Diga se tem coragem.

-Aiden, Leon, Sean – ela disse com reverência – Por que tinha que ser eles? Por que você tinha que entrar no meu caminho?

-Você não passa de uma mal amada que resolveu puxar o saco nos outros – replico tentando me levantar.

-Devia ter cuidado com o que diz – ela me intimou – Seus pais não foram os únicos que matei que você tanto amou.

Arregalo meus olhos enquanto outro sorriso apareceu em seus lábios.

-É uma pena que não se lembre dele – ela se lamentou teatralmente – Afinal ele foi importante pra você não? Como o Leon foi.

-Do que está falando dessa vez? – pergunto irritada – O que mais você destruiu?

-Destruir? – ela indagou retórica – Não sou de fazer isso querida, você cavou sua própria cova batendo de frente comigo. Já disse que não ia deixar barato o que você fez.

-Ficar no seu caminho é motivo de vingança? – berro deixando a fúria latente – Por que você é tão infantil?

Ela se moveu na minha direção dando-me um tapa forte.

-Infantil é você por querer achar que poderia fazer parte da minha família – ela rosnou – Uma petulante como você, que aparece do nada, não acha que eu não iria fazer nada para acabar com você. Ganhando o carinho e o amor de todos, agindo como se fosse uma alma inocente. Fazia-me ter vontade de vomitar.

Olho-a sem dizer uma só palavra.

Ciúme é coisa séria de qualquer forma.

-Nenhum deles notava que você não passava de uma destruidora como todos os Guardiões são – ela continuou movendo para longe de mim – Controlá-los não era fácil, então deveria me ater apenas um. Unicamente, um poderia fazer a diferença.

Ela juntou as mãos enquanto puxava o ar para meus pulmões.

-Sean foi fácil de manipular, foi fácil sugerir que usasse de tudo que lhe ensinei contra nossa família – ela continuou imersa nas suas lembranças – Um por um foi sendo derrubado, as brigas, o ódio crescendo em cada um deles, a magoa e o ressentimento então. Eram sublimes.

-Não acredito que teve coragem de destruir sua própria família apenas por um capricho seu – comento com descrença.

-Capricho? – ela sibilou irritada – Você foi uma praga da qual eu tinha que me livrar, e não sou de medir esforços para sumir com o que é incomodo.

-E vai fazer isso agora não é? – suponho tentando manter meu olhar sério.

-Está na hora de colocar um ponto final nisso – ela declarou.

-Estou concordando completamente – alguém, mas precisamente Aiden, disse por minhas costas.

Viro meu rosto para encarar sua presença que era ainda mais fascinante do que da última vez que nos vimos. Só que dessa vez ele não estava só.

Leon e Noelle o acompanhavam, e todos não exibiam expressões muitos boas.

-Hora se não é o Deus dos Raios e chefe querido com meus irmãos – Miranda disse com escárnio – Vieram prestigiar meu ato final.

Aiden soltou um resmungo antes de virar sua cabeça para o lado como se me olhasse.

-Tome conta dela, Crisis – ele disse com seriedade.

Sinto então os braços do rapaz que conheci meses atrás me pegando, olho para seu rosto sério deixando-me surpresa por suas feições únicas.

-Até algum dia, Angelique – é a única que ouço vindo deles antes de tudo perder a cor aos meus olhos.