A Pedra da Noite escrita por luizaac


Capítulo 22
O surto.


Notas iniciais do capítulo

DESCULPA DESCULPA DESCULPA. Mesmo. Eu tenho deixado a história de lado, devem fazer alguns meses que eu não posto. O problema é que eu perdi o ritmo, sempre deixo pra depois e nunca continuo. Tentei escrever 2 e postar, pra compensar, mas ainda não terminei o 2º, que vai dar uma misturada. Desculpa mesmo.



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A luz que entrava da minha janela me acordou de uma forma não tão delicada. Respirei fundo, esfreguei os olhos e levantei, cambaleante.

     Fazia tudo lentamente, sem pressa nem na hora de escovar o cabelo. Olhei o calendário. Era quarta. Pulei baixinho. Fazia exatamente uma semana que eu tinha, er, morrido. Me olhei no espelho. Não notei nada diferente.

    Desci as escadas, olhando para ver se não tinha ninguém para esbarrar em mim durante o percurso até a porta. Dois dias com Dhana, e eu já conseguia ler pensamentos ao simples toque. Uma evolução rápida, mas não suficiente, dissera ela. Tinha medo do que poderia acontecer no sétimo dia, mas já estávamos na quarta consecutiva e nada. Esperava que isso fosse bom.

    - Bom dia, cinderela. – Leon me esperava na porta, sorrindo. Eu sorri para ele e puxei-o para um beijo. Seus pensamentos brotavam na minha mente. Isso era estressante, mas a tranqüilidade que o beijo de Leon me passava era muito mais forte. Leon tentava bloquear, de alguma forma, seus pensamentos, sem sucesso. Ele sabia o quanto isso me perturbava. Por isso, estranhava o beijo, o contato.

    - O único toque que eu quero sentir. – expliquei rapidamente, dando de ombros. Me ajeitei e me afastei um pouco de Leon, os pensamentos se dissipando.

    - Como você tá ? – Leon andava com as mãos nos bolsos, assim como no começo.

    - Parecendo um rato assustado, fugindo de todos. – ele encolheu os ombros. – O que você acha que acontece hoje ?

    - Como assim ?

    - Faz exatamente 7 dias que eu – engoli em seco – morri. A primeira semana.

    - Ah, isso. – ele mexeu no cabelo – Eu não sei. Já sentiu alguma coisa diferente ? – neguei com a cabeça.

    - Nada, nem nos pensamentos. Tá tudo a mesma coisa. – mordi o lábio. – Você acha que isso pode ser bom ?

    - Talvez. A gente pergunta para Mason, ele deve saber.

    - Tomara. – ele passou a mão envolta da minha cintura, num ato automático. Eu estremeci e ele se afastou.

    - Desculpa. – fiz que não com a cabeça e puxei sua mão de volta, colocando-a em cima de um pedaço de pano.

    - O único toque que eu quero sentir, se lembra ? – Ele sorriu, meio perplexo, e eu mostrei a língua para ele. – Só deixa em cima da minha blusa, porque filtra um pouco. – Ele fez que sim com a cabeça e eu relaxei um pouco. O pedaço de pano filtrava o suficiente para eu me focar em outra coisa e esquecer.

    - Como está indo com os pensamentos, Claire ? – a voz de Mason me fez sair da minha bolha de proteção. Me afastei um pouco de Leon, seus dedos tinham escorregado levemente.

    - Hã, eu to evitando contato. – Mason abriu a boca, um pouco debochado.

    - Deu para ver. – eu abaixei a cabeça, envergonhada.

    - Contato direto, quero dizer.

    - Não precisa se explicar não, Claire. – Ele mordeu o lábio inferior, segurando claramente uma boa risada. Revirei os olhos. Mason pegou do bolso a caixinha que eu já estava acostumada, abriu-a e pegou de lá de dentro o medalhão, que me dava calafrios toda a vez que eu o via. Mason segurou-o entre as mãos e falou a primeira palavra, quando meu celular tocou. Corei de vergonha e olhei quem me ligava. Meu pai.

    - Tenho que atender, é o meu pai. – Mason bufou levemente e Leon soltou um olhar repreendedor que me deu medo.

    - Pode ir, Claire. – Leon sorriu e voltou a olhar pra Mason. Me afastei e atendi meu pai.

    - Alô, pai ? O que foi ?

    - Filha, hã, desculpa. É que a Keila tá passando muito mal, muito mesmo, e eu preciso levá-la ao hospital. Será que você podia dar uma matadinha na aula e vir cuidar do Ralph ? – que coisa mais paternal de se dizer, não é mesmo ? E mais inoportuna. Eu tinha que ir para minhas sessões, mas meu irmãozinho era mais importante do que eu mesma.

    - Claro, pai, já to indo praí. – ele respirou aliviado.

    - Obrigada, minha filha. Te amo.

    - Eu também te amo. – e desliguei. Olhei para Leon, que também me olhava. – Tenho que ir para casa.

    - Como é que é ? – Mason levantou o tom da voz.

    - Tenho que ir. A Keila tá passando muito mal e meu pai vai levá-la no médico. Precisam que eu tome conta do meu irmão.

     - E a sua irmã ? Ela não pode fazer isso ?

     - A Ellie ? Aquela dali mal sabe tomar conta de si mesmo. Mason, sério, eu preciso ir. – meus olhos passavam claramente a súplica.

    - Precisa ir para suas sessões.

    - Qual é, Mason ? – Leon cruzou os braços. – É um bebê, ele precisa que cuidem dele, é um ser indefeso. Deixa a Claire ir, depois a gente dá um jeito com a Dhana. – Mason deu de ombros.

    - Então vai. – eu sorri.

    - Obrigada Mason. – abracei-o, me afastando em seguida por causa dos pensamentos. Abracei Leon pela barriga, um lugar bem seguro, cheio de pano.

    Partimos em direção a minha casa de volta. Leon iria ficar lá comigo por pedido meu, tinha medo de acontecer alguma coisa no meu fim da primeira semana. Isso talvez explique a reação de meu pai ao vê-lo.

    - Obrigada filha. Juízo. – ele olhou pra mim, depois para Leon, e de volta para mim, quase gritando que não era para a gente fazer nada, hã... Inapropriado. Considerando que tinha um bebê em casa.

    - Pode deixar. – Revirei os olhos e me aconcheguei nos braços de Leon, sentada no sofá. Esperei ele sair do meu campo de audição e sorri para Leon. – Ele percebeu nosso plano. – toquei no nariz dele e beijei seu pescoço.

    - Ah, mas que pena. E agora ? Tapamos os olhos do bebê ? – parei com os beijos e comecei a rir.

    - Já é, então. Ele é nosso único problema, Ellie não vem. Trouxe aquele pano preto ?

    - Trouxe, claro, sempre trago para eventos como esse. – dei-lhe um selinho e comecei a rir.

    - Só você mesmo pra me distrair dos pensamentos. – Me virei para a janela, me acomodando nos braços seguros de Leon. – Acho melhor a gente ver o Ralph, né ? – ele assentiu e subimos para ver o pequenino. Ele estava repousando num sono suave. Hesitei na porta, mas entrei devagarinho. Ralph deu uma mexida na cama, eu prendi minha respiração, temendo que ele acordasse. E ele acordou.

    - Shiu, bebê, não chora. – para minha surpresa, ele me encarou, parecendo feliz. Eu me desmanchei, respirando fundo. Cheguei perto do berço e sorri para a criaturinha que se remexia no meu dos lençóis. – Leon, pode entrar. Ele tá acordado. – Leon entrou, passo a passo, e me abraçou por trás, ainda sobre os panos do moletom que eu usava exatamente para isso. – Ele não é lindo ? – Leon fez que sim.

    - E é a cara da Keila, a mesma coisa. – eu ri e confirmei. Tombei a cabeça para o lado, ainda com um sorriso no rosto. – Eu sei que você quer segurá-lo, Claire. Vai lá. Afinal, bebês não tem pensamentos tão avançados.

     - Dhana disse que eles associam o que estão sentindo. Tipo, felicidade às cores, e tal. – Leon assentiu, dizendo que entendeu. – Quer saber, eu vou ter que pegar essa coisinha fofa de qualquer jeito, acho melhor eu me acostumar. – me inclinei por cima do berço e peguei Ralph em meus braços. Logo, um flash de arco-íris passou por mim e, ao contrário dos pensamentos de mais velhos, era até divertido. As cores rodopiavam e brincavam na mente de Ralph, mostrando sua felicidade. – É divertido.

    - O que ?

    - Ver os pensamentos de Ralph. São divertidos. – Leon parou para me encarar, meio sem saber o que dizer.

    - Hã...

    - Não precisa dizer nada, eu sei que sou doida.  

    - Que bom que sabe. – ele passou a mão no meu cabelo. Mostrei a língua para ele. As cores dos pensamentos de Ralph foram se transformando em branco e criando uma forma. No mesmo instante, Ralph começou a gritar e chorar. Tomei um susto. – O que ele quer ?

    - Eu que sei ?

    - Geralmente a pessoa que lê pensamentos sabe. – Mostrei a língua para ele.  

    - Acho que... – analisei aquela forma branca. Branco... Devia ser o leite, não é ? – Acho que ele tá com fome. – Leon semi-cerrou os olhos.

    - Sua madrasta deixou leite pra ele ?

    - Meu pai disse que sim, tá na geladeira.

    - Eu vou lá bus... – interrompi-o.

    - Não senhor, segura o Ralph aqui. – passei meu irmão para o colo de Leon. Acredite se quiser, mas ele levava jeito. Ninava carinhoso meu irmão, dando sacodidinhas de leve.

    - Você não vai ? – eu tinha ficado tão hipnotizada pela imagem de Leon e meu irmão que me esqueci de ir buscar a mamadeira. Balancei a cabeça.

    - Hã, vou sim. Esquento o leite ? – Leon fez que sim com a cabeça. Eu me virei e desci as escadas. A cozinha, meu segundo lugar favorito na casa, estava um pouco desorganizada devido, pensava eu, aos gritos de Ralph. Abri a geladeira, estremecendo de leve com o sopro gelado, procurei onde poderia estar o leite de Ralph. Estava na 3ª prateleira, em uma mamadeira cheia até em cima, do lado de mais 2 daquela. Pelo visto, Ralph era um amante assíduo de leite. Peguei a mamadeira, junto com uma panela com água da bica, liguei uma das bocas do fogão e coloquei a panela com água e a mamadeira. Sentei na bancada, de frente para o fogão. Parei para analisar a minha vida atualmente.

    Uma loucura. Isso sim é que estava. Em menos de 20 dias, eu já tinha viajado, salvado a humanidade, morrido, conhecido meu novo irmão, ido ao submundo, arranjado um... namorado ? Bela bagagem. Pelo menos entediada eu não ficaria.

    Sorri, levantei e tirei a mamadeira do fogo. Apesar de estar quente, meus novos sentidos de sobrenatural não deixavam eu me queimar. Levei para Leon, que estava ninando Ralph do mesmo jeito que tinha deixado-o há alguns minutos.

    - Segura aqui a mamadeira. – entreguei-o a mamadeira e tomei Ralph de novo em meus braços. A forma branca que eu suporá ser leite, tinha tomado forma de uma mamadeira. Sim, ele estava com fome. Pedi para Leon a mamadeira de volta e coloquei-a na boca desdentada de Ralph. Ele acalmou e bebeu o leite. – Ele é um anjinho.

    - É sim. - Leon passou o braço em volta de mim.

    O dia passou bem rápido, bem mais rápido do que eu pensava. E cada hora nova me fazia estremecer, já que a qualquer momento poderia acontecer alguma coisa totalmente inesperada.

    - Você ainda acha que pode acontecer alguma coisa ? – disse, bebendo um copo de água.

    - Talvez. – Leon estava sentado na bancada da cozinha, com a cabeça apoiada na mão. – A que horas você morreu ?

    - Hã, foi por esse horário acho. – Olhei para a janela aberta. A lua estava crescente, um sorriso. – Foi à noite, tenho certeza. Por que ?

    - Já parou para pensar que isso pode acontecer no horário que você morreu ? – deixei o copo dentro da pia e encarei Leon, apoiando os cotovelos na bancada da pia.

    - Não, não parei para pensar nisso. E faz muito sentido. – Leon assentiu. Eu me arrepiei, pela primeira vez realmente com medo. – Eu to com medo. – Leon sorriu.

    - Não fica com medo. Seja o que for, eu to aqui, esqueceu ? – Fui abraçá-lo, ignorando todos os pensamentos. Ele estava quente.

    - Sempre. – enterrei meu rosto em seu peito, deixando-me levar pelos seus pensamentos. – Ei, você tá controlando seus pensamentos para eu me sentir melhor ? – ele fez que sim. – Ai, cara, só você mesmo. – as palavras se enrolavam no pano da camisa dele. Leon segurou meu queixo e tirou meu rosto da sua camisa, me fazendo olhá-lo nos olhos.

    - Pode dizer que eu sou demais e que você me ama, eu deixo. – eu mostrei a língua para ele.

    - Você é muito convencido, viu ? – ele deu de ombros. – Mas, sabe, você tem razão. Você é demais e eu te amo. – Leon sorriu.

    - Eu também te amo, minha pequena. – ele me beijou, pressionando levemente seus lábios contra os meus. Meu irmão começou a chorar e eu me afastei de Leon. Olhei para o relógio da cozinha.

    - Exatamente três horas do último leite. Esse garoto é uma máquina. – Leon riu, jogando a cabeça para trás. – Vou lá acalmá-lo. – subi as escadas rapidamente, os gritos de Ralph aumentavam a cada minuto. Peguei-o no colo, com o habitual cuidado. Seus pensamentos brancos-leite tomaram minha mente enquanto eu o embalava, tentando, em vão, acalmá-lo.

    “Acho que já tá bom, vou tirar do fogo”

    - O que foi isso ? – afastei Ralph. – F-foi você, Ralph ? – minha respiração acelerou com o pensamento. – Não, você não tem pensamentos. O que foi isso ?

    “Será que ficou muito quente ? Acho que não, sei lá, a Claire vê.”

    Segurei a minha respiração. Aqueles não eram pensamentos de Ralph, não, não era. Pior: era de Leon. Leon, no andar de baixo. Leon, que eu não estava tocando.

    “Ralph tá parecendo uma sirene, meu Deus, que garganta”.

    Eu até ficaria tranqüila, se não fosse pelos pensamentos que começaram a surgir na minha mente. 

    “Bendita hora que essa vizinha teve bebê. Não se tem mais sossego !”

    Comecei a ouvir todos os pensamentos num raio de 1 casa de onde eu estava. Uma raiva súbita passou por mim, já que eu não conseguia controlar todos aqueles pensamentos me infernizando. Perdi o controle de mim.

    - Claire ! – Leon deixou cair a mamadeira no chão, sujando todo o chão de leite. Os pensamentos ainda rodeavam minha mente, me atordoando, mas caí em mim. Estava segurando Ralph com as duas mãos, em cima da cabeça, como se fosse lançá-lo longe. Leon me fez perceber a idiotisse que ia fazer. Segurei Ralph direito e passei-o para Leon.

    - E-eu não sei o que deu em mim. – as lágrimas começaram a rolar no meu rosto. – Num segundo, eu estava ninando ele, noutro um monte de pensamentos, ah... – desabei de joelhos, o rosto enterrado nas mãos. – Eu poderia ter feito uma besteira... – Os pensamentos de Leon o obrigavam a ir me acalmar, com muita confusão. Ele colocou Ralph no berço e se ajoelhou do meu lado, colocando o braço em volta de mim. Por reflexo, Leon se afastou e eu dei um leve sorriso para ele. – Pode ficar, eu já to lendo tudo mesmo.

    - Eu não estou entendendo muita coisa, mas... Eu acho que sei o por quê. – me encolhi. “A primeira semana”. Comecei a tremer. Por mais que eu não tenha pensado nisso, é exatamente o que devia ter acontecido.

    - D-deve ser isso mesmo. A primeira semana... – na casa da vizinha, pensamentos parecidos: estavam assistindo à um humorístico. – A campainha... – eu mal terminei de falar, e a campainha soou em toda casa. Cerrei os olhos. Minha cabeça começava a latejar. Levantei-me e fui atender a porta, seguida de Leon.

    No exato momento em que eu olhei para a pequena menina que pedia que comprássemos seus biscoitos, um ônibus lotado de gente passou e parou em frente a minha casa. Todos os pensamentos das 30 pessoas invadiram à minha mente com uma fluidez incrível. Encarei a menininha, zonza. Uma raiva súbita me invadiu, e eu segurei-a pelo pescoço, pronta para matá-la.

    - Claire ! – Leon me afastou da menininha, que respirou aliviada e saiu correndo de medo. O ônibus já tinha se afastado, e eu tinha voltado ao meu estado normal. Encolhi os ombros.

    - Desculpa, desculpa, eu não queria... Eu sou um monstro. – as lágrimas voltaram a cair de novo.

    - Claire, me desculpa. – ele colocou o braço em volta do meu pescoço e apertou-o. – Isso é para o seu bem. – Fui perdendo a consciência lentamente. Deu apenas para ouvir um “desculpa” 


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Notas finais do capítulo

Comentem, se vocês ainda lerem.