A Pedra da Noite escrita por luizaac


Capítulo 1
Claire.


Notas iniciais do capítulo

Capítulo de apresentação. Comenta *-*



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    - Para de bobagens, Ellie ! – exclamei, com certa impaciência. Já estava cansada das historinhas de Ellie, minha meio-irmã. Todo dia, ela dizia que tinha viajado a noite toda na companhia de um ser místico diferente. O da vez era uma espécie de fantasma. – Fantasmas não existem.

    - Tanto existem quanto eu conversei um tempão com dois deles – ela jogou seu cabelo loiro brilhante para trás e me encarou com seus olhos castanhos claro. – E você, Claire, está precisando de um namorado. – eu revirei os olhos.

    Ellie era uma típica popular. Loira de olhos claros, magra, mas com um corpo atlético, cheia de amigos que só falam de coisas fúteis e que vão a festas beber sem parar. Por isso, vive sempre cercada de meninos, e acha que é a tal por isso. Não que eu sinta inveja por isso, ao contrário de todas as meninas do colégio CTD. Não, eu até gostava do meu cabelo castanho escuro e meus olhos esverdeados. Gostava de ser tímida e ser cercada de – poucos, admito – amigos legais e confiáveis, verdadeiros. Gostava de não ir a festas onde bebem, fumam e fazem coisas a mais. Gostava da minha vidinha de calmaria e agradável. E, acho, não a mudaria por nada.

    Quando Ellie voltou a falar sobre sua “conversa” com os fantasminhas camaradas, eu me recusei a terminar de tomar meu café da manhã. Peguei minha mochila e botei os fones no ouvido. Nada melhor que música pra ir andando pra escola, fugindo dos fantasmas.

    Resolvi que tinha que passar na casa da Jane, minha melhor amiga de todo mundo. Jane era uma daquelas raras ruivas legítimas. Seus cabelos cor de fogo eram extremamente cacheados e lhe caiam perfeitamente, combinando com os olhos verdes profundos. Ela, ao contrário de mim, era procurada sim pelos garotos, mas nem ligava para isso. Era meio avoada, mas extremamente engraçada. Por isso, já somos amigas há uns três anos.

    Bati na porta, abaixando um pouco do volume do Ipod.

    - Bom dia, Claire – a mãe de Jane sorriu para mim, um pouco surpresa de me ver tão cedo na casa dela.

    - Bom dia, senhora Fitzpatrick – eu retribuí o sorriso, achando um pouco de graça na surpresa dela. – A Jane ta aí ?

    - To sim, honey ! – Jane descia as escadas, com seu cabelo num penteado meio preso meio solto. Estava muito bonito. Ela pegou a mochila, abraçou a mãe e depois me abraçou, sorrindo – Bom dia, amiga minha ! Por que resolveu me buscar hoje ?

   - Não agüentei tomar todo o café, muito menos esperar e ter que ir de ônibus.

    - E qual seria o motivo ? – ela sorriu, achando graça.

   - Ellie – ela revirou os olhos pra mim, e eu dei uma risada.

    - Qual foi o da vez ?

    - Fantasmas – eu revirei os olhos.

    - Gasparzinho, nossa ! – eu gargalhei do comentário dela.

    - Não tem como tomar café de manhã a ouvindo falar que o amiguinho fantasma dela amava poker. Cara, fantasmas gostam de poker ?

    - Devem gostar – nós duas rimos. – Eu não entendo... Como uma garota maluca dessas é a mais popular do colégio ?

    - Corpo – eu dei de ombros – está claro ?

    - Cristalino – e rimos.

    Era extremamente agradável ir para escola com Jane. Íamos falando besteiras e rindo da cara uma da outra. Com certeza, bem melhor que ir de ônibus, cheio de gente fútil falando sobre roupas e marcas.

    O colégio CTD não é realmente o paraíso de colégio. Mas também não é tão ruim assim. Os professores não são dos piores, a matéria não é tão difícil e alguns dos alunos são bem legais. Mas é um colégio. Só de falar isso já me dá sono. Era normal ver pessoas dormindo no meio da aula, e o professor nem ligando para isso. Aliás, acho que eles pouco se importam se você está na sala ou não. Não era surpresa ver gente matando aula, principalmente nos barzinhos próximos a escola. Eu, por exemplo, já matei aula – não para ir ao barzinho, claro. E não aconteceu nada comigo. 

    Chegamos bem em cima da hora e todos já haviam chegado. Passamos na frente de Ellie e ela começou a rir, como se tivesse rindo de alguma coisa que nós tínhamos feito. Apesar de fazer uma idéia do que seja, não falei nada. Eu apenas revirei os olhos e me contive para não responder de forma bem grosseira.

    Eu estava entrando na minha sala, quando vi, pelo canto do olho, Ellie conversando com o popular garoto quase novo da escola. Ou tentando. Ele apenas sorriu para ela e foi para sala dele, como se tivesse fugindo de Ellie. Eu ri da cena, não porque ele tinha ignorado ela – até porque ele nunca falava com ela -, mas porque Ellie tinha ficado com a cara mais engraçada do mundo. Não era habitual pra ela alguém ignorá-la daquela forma. Principalmente se esse alguém for um garoto, popular por ser novo na escola, de corpo atlético, de cabelo negro como uma noite escura, olhos castanhos claros e rosto harmonioso. Não, Ellie não era do tipo espanta-garotos. Muito pelo contrário, ela era imã deles.

    - Por que será que o garoto novo não gosta da Ellie ? – Jane perguntou exatamente o que eu estava pensando, depois que viu o motivo da minha risada.

    - Não faço a mínima idéia. – respondi, com sinceridade.

    - Acho que ele odeia futilidade. – opinou nosso amigo Ronnie, que tinha se intrometido na conversa, me dando um susto. – A propósito, o nome dele é Leon. Leon Thompson.

    - Deve ser por isso mesmo – comentei.

    - Pode ser, mas esse Leon aí é uma delícia ! – Jane falou, mordendo os lábios. Eu revirei os olhos, acompanhada de Ronnie. Apesar de concordar com Jane em relação a Leon. Ele era realmente lindo.

    - Tanto faz, mas que ele já ganhou pontos comigo só pelo fato de ignorar a Ellie, isso sim, ele ganhou.

    - Ah, vai. Ela não é tão ruim assim. – Ronnie tentou defendê-la.

    - Não é você que convive com as historinhas de seres sobrenaturais dela.

    - Todos têm defeitos.

    - Ellie não pensa assim. – e dei fim à conversa.

    O CTD era um colégio antigo. Mas sua estrutura não era ruim. As salas não eram bonitas, mas eram bem grandes e arejadas. Tinha uma biblioteca grande e com bastante conteúdo – apesar de muitos nunca terem ido lá -, uma sala de informática muito boa, uma piscina boa o bastante, laboratórios razoavelmente bons... Mas que precisava de uma reforminha no design, ah, isso precisava.

    - Claire – Ronnie me deu um susto, me tirando de meus pensamentos. – você poderia ficar até mais tarde comigo amanhã ?

   - Claro – eu nem hesitei. Sabia que seria sim a resposta, de qualquer maneira. Meu pai não negaria me deixar sair, principalmente agora, que a gravidez de minha madrasta tomava boa parte de seus pensamentos. Além disso, ele confiava em mim o bastante e sabia que eu não iria ficar enchendo minha cara em nenhum barzinho de rua. Isso era bom. – Mas, pra que mesmo ?

    - É que eu to precisando achar uns livros na biblioteca pra um trabalho. – Ah, que legal. Ficar o fim de aula enfurnada numa biblioteca sufocante. Mas, tudo bem. Não era tão mal assim. – Tudo bem ?

   - Claro, te ajudo sim. – sorri.

    Resolvi voltar para casa de ônibus. Sentei na janela, num banco, sozinha – espaço era o que não faltava no ônibus que ia para o lado da minha casa – e aumentei o volume. Nada melhor do que música alta e boa para me livrar de conversas sobre bolsas.

    Cheguei em casa e encontrei meu pai na cozinha. O que não era muito habitual. Meu pai nunca se interessou em cozinha. E parecia que ele não estava se dando muito em nisso.

    - O que você está fazendo ? – perguntei, com os olhos um pouco arregalados.

    - Ah, oi filha. É que Keila – ele enxugou um pouco do suor da testa. – teve um desejo de risoto de camarão. Vocês não estavam em casa e eu não posso deixar que meu filho nasça com cara de camarão, não é ? – Estava tudo sujo. Meu pai definitivamente não servia para cozinhar, em hipótese nenhuma. Dei uma risadinha.

    - Pode deixar que eu faço isso – falei, empurrando ele de lado levemente. Ele resistiu um pouco. Eu fui pegar os ingredientes certos.

    - Mas, filha...

    - Mas nada, pai. Pelo bem de Keila, do meu futuro meio-irmãozinho e dessa cozinha – eu sorri – Alem de que, é o mínimo que eu posso fazer – falei, amarrando um avental em volta de minha cintura.

    - Então OK. – ele sorriu, meio aliviado – Muito obrigado filha. – E foi sentar num banquinho da cozinha, me observando preparar o risoto.

    - Ah, pai. – ele me olhou – Amanhã eu vou ficar até mais tarde na escola. Vou ajudar Ronnie a procurar uns livros na biblioteca, ta ? – ele apenas confirmou com a cabeça.

    Eu amava muito meu pai. Sempre me dei muito bem com ele. Ele tinha me criado sozinho, mas sem muitas dificuldades. E eu não senti falta de um lado materno na minha criação. Minha mãe tinha morrido por complicações no parto. Mas meu pai tinha conseguido preencher o provável vazio que ela deixaria.

    Eu gostava de ter meu pai sempre do meu lado. Mas me preocupava bastante o fato de ele estar sempre sozinho, não namorar, não arranjar alguém para ficar ao lado dele, uma mulher para amar. Eu sabia o quão triste isso era. Porém, há uns poucos anos, ele conheceu Keila. Um amor de pessoa ela, sempre me dei muito bem com Keila. Eles namoraram por alguns meses, se casaram, numa bela cerimônia na praia, e fomos todos morar juntos. Para o meu azar, Keila tinha uma filha, a Ellie, que me estressava bastante. Mas nunca deixei que essa minha falta de afinidade com Ellie deixasse interferir na minha relação com Keila. Até porque, eu tinha a plena noção que minha nova madrasta não tinha nada a ver com a personalidade de minha meio-irmã.

    Mais recentemente, há uns cinco meses, veio a notícia de que Keila estava grávida. Eu fiquei muito feliz mesmo, pois sabia que eles se amavam muito e que a vinda de um bebê renovaria os ares da casa. Ao contrário de Ellie, que fez um escândalo quando soube que sua mãe estava grávida. Mas essa reação não afetou a felicidade do casal, ainda bem.

    Keila tinha sete meses de gravidez, que acabou tomando boa parte do tempo dela e de meu pai. Ellie ainda não tinha entendido isso e vivia dando escândalo. Mas nada estragava o momento deles.

    - Pode deixar que eu levo, filha. – meu pai estava pegando a bandeja da minha mão.

    - Não, deixa que eu levo. – eu sorri para ele – Tenho que subir mesmo e quero dar um beijo em Keila. Pode deixar.

    - Então ta bom, meu amor. – ele sorriu, orgulhoso de mim – Toma cuidado.

    Eu subi bem cuidadosa. Eu era extremamente desastrada e não queria fazer bagunça. Conseguir chegar ilesa ao quarto de Keila, que estava sentada, olhando pela janela. Ela sorriu para mim, eu deixei a bandeja em cima da cama e deu um beijo em sua bochecha. A barriga dela já estava bem grande. Ela me deu um abraço e agradeceu-me.

    Eu fui para o banheiro do meu quarto, tomei meu banho frio e liguei o ar condicionado, o dia estava muito quente. Estava cheia de dever para fazer, então peguei meu Ipod e aumentei o volume. Fiz meus deveres ao som de Paramore, e acabei pegando no sono.

    Acordei atrasada, perdi o ônibus e tive que ir correndo para a escola. Por muito pouco eu não cheguei atrasada. Cheguei esbaforida na turma, e Jane e Ronnie riram de mim.

    - O que houve, sweet heart ? – Jane perguntou, ainda rindo.

    - Eu. Perdi. A. Hora. – estava falando pausadamente por causa da minha respiração acelerada.

    - Acha, ué. – eu e Jane rimos de Ronnie. – Aliás, você vai ficar comigo até mais tarde, né ?

    - Vou, vou sim. – eu sorri para ele, minha respiração já recuperada.

    - Acho bom ! – disse ele, com uma falsa marra. Nós rimos.

    - Ah, Claire. Como está Keila ?

    - Ta bem sim – eu sorri – Acredita que meu pai tentou cozinhar risoto de camarão ontem para poder satisfazer um desejo de grávida dela ?

    - Não acredito ! – Jane riu. – Acho que não deveriam deixar homens chegar perto do fogão.

    - Você é muito feminista. Tem homem que sabe cozinhar. Eu, por exemplo, sei. – eu apertei a bochecha de Ronnie enquanto ele falava isso.

    - Então ta, Ronnie – ela deu uma gargalhada.

    O dia estava passando normalmente, até o recreio. Eu estava comendo meu sanduíche de atum quando eu vi que o olhar de Leon estava em mim. Envergonhada, olhei para o outro lado. Mas esse olhar me fez lembrar do sonho que eu tinha tido na noite anterior. Eu não me lembrava o que aconteceu, mas era realmente estranho.

   Eu fiquei tentando me lembrar do sonho durante toda a aula. Poucas coisas eu consegui recuperar, apenas alguns flashes que não faziam sentido. Um par de olhos azuis profundos com raiva, um livro velho... Lembrei-me também o motivo de eu ter lembrado do sonho quando vi Leon. Ele também estava lá, entretanto eu não me lembrava o porquê.

    - Claire ! Claire De Bellefort ! – Ronnie sacudia a mão na frente dos meus olhos.

    - Hã, oi ? – eu saí do meu transe, meio confusa.

    - Vamos ?

    - O que ? Aonde ? – ele me lançou um olhar impaciente. – Ah, sim, vamos para a biblioteca.

    - Em que você estava sonhando acordada, que por pouco não babou ?

    - Uau, eu tava tão desligada assim ? – perguntei, já a caminho da biblioteca.

    - Estava.

    - Eu achei que nem dava para perceber. – confessei, espantada.

    - Então você é uma péssima atriz. – ele revirou os olhos.

    Chegamos à biblioteca. A bibliotecária tratou-nos com indiferença.

    - Boa tarde. Não façam barulho. Não danifiquem os livros. Apenas três livros por pessoa. Podem ficar a vontade. – disse ela, mecanicamente. Puxei Ronnie para a direção das estantes.

    - De que é o livro que você precisa ?

    - Hum, deixa ver. Mitologia. Grega.

    - Acho que é por ali. – fomos para uma estante repleta de livros de mitologia grega. Fiquei boquiaberta por causa da quantidade de livro. Demoraria bastante escolher três deles.

    Demoramos duas horas escolhendo os três melhores livros. Quando estávamos repondo os outros na estante, vi um livro de aparência gasta que me parecia familiar. Ele não parecia de mitologia grega e eu não fazia idéia de onde eu o reconheci. Examinei-o.

    - Por que raios você vai levar esse livro, Claire ? – me perguntou Ronnie, fazendo uma cara bem engraçada.

    - Se eu te contar, você não vai rir, né ? – ele revirou os olhos. – É que eu tive um sonho na semana passada... E eu tenho quase certeza que ele tava no sonho. Aí, eu resolvi levar.

    Para a minha surpresa, Ronnie começou a gargalhar intensamente. Eu revirei os olhos.

    - Como assim, cara ? Você sonhou com esse livro pré-histórico e, por isso, vai levá-lo para casa ? – ele estava rindo muito.

    - Ah, para Ronnie. Sabia que não devia ter te contado. – eu cruzei os braços.

    - Ai, desculpa ! – ele parou de rir – Mas que é engraçado, é.

    - É, talvez um pouquinho – eu ri, fazendo-o voltar a rir.

    Fomos efetuar o empréstimo dos livros com a bibliotecária, que nos repreendeu pelo barulho de nossas risadas, apesar de a biblioteca estar vazia. Nós nem ligamos para o que ela disse e botamos os livros dentro da mochila.

   - Tchau, Ronnie – disse, dando um abraço nele. Ronnie morava para o outro lado e eu teria que ir andando sozinha para casa. Sem nenhum sacrifício, claro.

    - Tchau, Clairezinha e seu livro velho dos sonhos – ele riu e eu revirei meus olhos, me divertindo com a risada dele.

   Botei os fones de ouvido e aumentei bastante o volume, o sol batendo na minha cabeça de forma agradável. Eu quase não olhava para os lados e estava imersa em meus pensamentos.

    Em minha mente, vinham alguns flashes do sonho. Nada se encaixava, a primeira vista. Mas algo no fundo da minha alma me dizia que havia alguma coisa de importante nesse sonho. Podia ser só mais um truque da minha intuição falha, mas não custava nada acreditar.

    Eu também não entendia porque eu tinha pegado aquele livro. Será mesmo que eu devia acreditar tanto assim na minha intuição a ponto de eu pegar um livro velho parecido com o livro igualmente velho e aparentemente sem importância do meu sonho confuso ?

    Estava tão distraída com meus pensamentos que nem percebi o enorme buraco que estava na minha frente.


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Notas finais do capítulo

Comenta. Próximo capítulo no fim de semana ou semana que vem *-*