Crônicas do Inferno escrita por Megurine Jackie


Capítulo 5
Lembranças


Notas iniciais do capítulo

Será mesmo que você quer se lembrar?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/110541/chapter/5

 Filha, filha acorde, vai se atrasar!

Ouvia tão distante a voz de minha mãe que parecia não estar lá. Senti que ela segurava o meu ombro e me balançava. Eu não estava conseguindo abrir os olhos.

- Hum, já vou!

- Já são seis e meia, filha. Você nem vai tomar...

Interrompi a frase de minha mãe com um pulo.

- Ah, meu Deus! Seis e meia! Tenho que entregar a matéria do jornal! - Levantando-me rapidamente e correndo para o banheiro.

Essa noite eu não sonhei. Acho que fui dormir já era muito tarde. Ando muito incomodada com tudo isso que aconteceu ultimamente, mas não posso contar nada para minha mãe. Não quero preocupa-la.

Corri feito louca e só consegui entrar na segunda aula. Aproveitei alguns minutos livres para adiantar a matéria do jornal. Devia ter feito alguma coisa ontem, mas não sei o que me deu.

Durante a aula só pensava na garota de olhos vermelhos. Ai Enma... Quem seria ela? O que ela quis dizer com "acordo, jornada, lembranças"? Será que eu tinha sonhado com aquilo tudo?

- Higushi! 

Ouço a voz do professor que está olhando para mim. Creio que ele me perguntou algo.

- Maya, responde. - Hina, cochichando na carteira atrás da minha.

- Desculpe, senhor Seiki, pode repetir a pergunta? - Não pensei em nada original para falar nesse momento.

Fui entregar o rascunho da matéria à senhorita Mitsuru. Não ficou bom, mas era o que dava. Ainda bem que amanhã é domingo, vai dar para escrever um pouco mais.

Bati à porta. Parecia que não tinha ninguém dentro da sala. Sinto-me um pouco tonta, lembro que ainda não comi nada, sai correndo e não tive tempo de tomar café da manhã. Penso em ir comer algo na cantina.

Na Zona do Eterno Crepúsculo vemos Ai sentada nos degraus da casa, encostada em um canto. Ela está com os olhos fechados.

- Ai, chegou mais uma mensagem. - Ouvimos a voz da vovó de dentro da casa.

A menina abre os olhos. Ela tem um olhar triste, distante.

- Já estou indo, vovó.

Ao longe, os auxiliares de Ai a observam.

- Ah Wanyūdō. Queria tanto poder ajudar a senhorita. Ela parece estar tão cansada... - Diz Hone Onna, preocupada.

- Eu também, mas não sei o que podemos fazer. Só cumprimos ordens! - Ren, que está encostado em uma árvore.

- Nós aqui só podemos continuar a fazer o que estamos fazendo. A senhorita já está decidida sobre sua sucessão, mas apenas ela pode escolher o momento de parar... - Wanyūdō fazendo uma cara séria.

- Vou sentir falta da senhorita... - Hone Onna, suspirando.

Ele vêm que Ai caminha na direção deles.

- Vamos, temos mais um trabalho. - Se vira e volta para a casa.

Eles se entreolham e a acompanham.

No caminho para a casa não consigo pensar em outra coisa que não as coisas que preciso me lembrar.

'Eu fiquei internada quando eu tinha dez anos. Parece que eu tive um problema sério de saúde. Mas realmente não me lembro o que aconteceu. Talvez eu devesse conversar com a minha mãe a esse respeito...'

 Chego em casa, minha mãe está na cozinha, preparando arroz.

- Cheguei! - Jogando os cadernos na mesa.

- Oi, Maya. Como foi na escola? - Nem se virou para falar comigo.

- Tudo bem, mãe. Preciso te perguntar uma coisa...

- O que foi?

- Mãe, que doença eu tive aos dez anos, que deixou internada?

O prato que minha mãe estava segurando caiu dentro da pia. Ela virou-se para mim.

- Filha, vamos sentar ali. Acho que precisamos conversar... - Seu rosto estava tenso.

Caminhamos até a sala, minha mãe com aquela cara séria. Eu nem imaginava que o que ela me diria iria mudar o rumo da minha vida dali em diante.

- Filha, você tem poucas lembranças de sua infância, não é mesmo?

Agora que ela disse, eu forcei a mente para ver se conseguia me recordar de algo. O primário, os amigos... Estranho, realmente me lembrava de pouca coisa. Algumas lembranças vagas de um belo por do sol...

 - Que estranho, mãe. Nunca tinha pensado nisso...

- Filha! - Ela disse isso segurando minha mão, seus olhos estavam úmidos. - Você sempre foi uma menina especial, sabia? Você tinha aqueles olhos vivos, observava tudo quando era criança. Aos quatro anos você me disse que tinha um amiguinho. Era como um amigo invisível, sabe?

Eu concordei com a cabeça, tentando me lembrar, mas nada me vinha a mente.

- Então, querida. Eu na época não dei atenção por achar que era coisa de criança mesmo. Mas você começou a falar sozinha, e as vezes, dizia coisas horríveis... - Nesse momento uma lágrima desce dos olhos de minha mãe.

Ela continuou.

- Você começou a se machucar frequentemente. Sempre tinha um joelho ralado, um braço quebrado. Você estava sempre entrando em situações de grande perigo. Seu pai e eu não sabíamos como agir e começamos a evitar que você saísse de casa. Aos seus oito anos, tiramos você da escola e eu comecei a educá-la em casa mesmo.

Minha mãe me falando aquilo tudo e eu simplesmente não conseguia me lembrar de nada disso. Era como se eu não tivesse passado por aquilo. Como se eu não tivesse passado pela infância. Não estava entendendo.

- Mãe, mas eu não me lembro de nada...

- Tudo bem, querida. Os médicos disseram que isso poderia acontecer...

'Os médicos?'

- Mãe, papai morreu quando eu tinha oito anos. Isso tem algo haver a isso que está me contando? Tem haver comigo, não é?

Minha mãe estava chorando, com a cabeça baixa. Sua mão apertava a minha fortemente.

- Você nunca teve culpa de nada filha. Você me disse uma vez que era o seu amigo que lhe mandava fazer aquelas coisas. E que se você não fizesse ele iria nos machucar. Eu não dei atenção, gritei com você para que parasse de dizer bobagens. - Ela estava soluçando com o choro. - Te disse que você não era mais um bebê para ter amigos imaginários.

Não conseguia me lembrar de nada disso, por mais que eu me esforçasse. Parecia que o que minha mãe me contava ali fosse a vida de outra pessoa, não a minha.

- Nesse dia, você correu para o meio da rua. Seu pai estava mexendo com o carro e viu você correndo, viu o carro aproximando-se rápido de você. Ele... - Chorando muito. - Ele correu e te empurrou...

Eu fiquei chocada com isso. Fui eu a culpada pela morte de meu pai?!

- Mãe, mas eu não sabia... - Eu também chorava muito nesse momento.

- Não foi culpa sua, filha. Eu devia ter te dado atenção. Eu devia ter te ouvido...

Meu corpo todo tremia, eu não podia acreditar que era minha culpa...

- Depois disso, filha. Você não era mais a mesma. Passou a falar cada vez menos comigo. Estava sempre distante, chorava sempre. Eu tive que ser forte por nós duas, mas era muito difícil.

- Me desculpe, mãe. Não consigo me lembrar de nada...

- Isso por que... - Ela me pareceu com receio de me contar.

Não era possível existir algo ainda mais chocante para me contar. Eu causei a morte de meu pai!

- O que foi, mãe?

- Aos dez anos, filha, em um momento de descuido meu, você tomou um frasco de limpador de vidros. Quando vi você estava caída no chão da cozinha, já inconsciente. Socorri você o mais rápido que pude, mas...

Eu não estava entendendo mais nada! Como assim eu tentei o suicídio?

- No hospital o médico que a atendeu disse que não havia esperança...- Ela soluçava, novamente. - Que seu cérebro tinha ficado sem oxigênio tempo demais... Eu rezei, rezei muito para que Deus não tirasse minha única razão de viver. Você ficou hospitalizada por cinco dias. Daí aconteceu um milagre. Você acordou!

Os olhos de minha mãe brilhavam, suas mãos seguravam fortemente as minhas.

- Minha filhinha acordou! E depois de passar por muitos exames os médicos disseram que você aparentava não ter nenhuma sequela. Mas me disseram que talvez você perdesse parte da memória devido a falta de oxigênio no cérebro. Mas chamaram o que houve de milagre!

Seus olhos brilhavam de uma forma diferente agora. Ela tinha uma aparência aliviada, como se precisasse tirar do peito todo aquele peso.

Foi muita informação, muita emoção de uma só vez para assimilar. Talvez por que minha mãe já estava com aquilo tudo preso na garganta a tanto tempo, ela precisava contar. Mas eu ainda fiquei ali, deitada na minha cama, olhando para o teto, tentando me lembrar de alguma coisa, qualquer coisa que fosse.

'Será que tem alguma coisa haver com que Ai disse? Com a jornada?'

Tinha a mais absoluta certeza de que não dormiria aquela noite.

E, no rio negro de onde só podia-se ver o reflexo da lua púrpura, um barco navega lentamente.

- Aonde você está me levando? - Um homem com uma expressão de pânico no rosto.

Vemos Ai conduzindo o barco. Seus olhos estão voltados para o portal da fronteira. Ela diz, com sua voz suave e infantil.

- Esse rancor será levado para o inferno.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Primeiro, desculpem me pelo "momento Constantine", não pude escapar do clichê.
Segundo, muito obrigada por todos os comentários que a história tem recebido. Amo vocês!