Crônicas do Inferno escrita por Megurine Jackie


Capítulo 2
A Alma Partida


Notas iniciais do capítulo

Existem coisas que não possuem reparo depois de quebradas.



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O rio possui um tom escuro, cinza como o céu de tempestade. Nele você consegue enxergar o reflexo da lua. Mas não é uma lua comum, como a que nós conhecemos. A lua lembra uma flor vermelha, na cor do sangue.

Tudo é escuro neste lugar, mas se você prestar bem atenção, consegue ver que alguma lanternas de papel de arroz flutuam nesse lago, providenciando uma iluminação sutil, quase imperceptível.

Este rio não possui correnteza, é de água parada, e seu cheiro é de enxofre. Tudo nesse local lembra a morte, desespero e dor. 

O céu tem um tom de púrpura, incandescente, assustador. Não se vê nuvens, apenas aquela estranha lua. Olhar para àquele céu só aumenta a sensação de medo.

Como pode alguém desejar passar o resto da eternidade em um lugar como esse?

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-Ahhh, mas que droga! 

- Bom dia para você também, Maya... - Minha mãe me acordando. - Seu café já esta pronto, e se eu fosse você, me apressaria ou chegaria atrasada...

Desço as escadas sem a menor vontade. Precisava mesmo ir para a escola hoje? A senhorita Mitsuru vai me engolir viva...

Presto atenção ao noticiário na TV. O apresentador diz algo sobre mais uma vítima do maníaco que anda atacando moças próximo ao parque estadual. Parece que ele as estupra, mata e deixa seus corpos abandonados na mata deste parque. Ele disse que fora localizado o corpo da quarta vítima.

- Mas que coisa horrível para se ver logo de manhã... - Minha mãe, desligando a TV. - Apresse-se ou vai se atrasar!

- Tá, já vou. - Com a boca ainda cheia.

- Nossa, filha! Precisa melhorar seus modos!

- Tchau, mãe! - Já saindo pela porta.

Na escola.

- Você ouviu? Parece que uma das vítimas conseguiu escapar!

- É, a polícia esta mantendo a localização dela em segredo, para que o maníaco não a encontre...

- Oi, Maya! - Hina, acenando para mim. - Você viu que coisa?

- Vocês estão falando do maníaco, né? Vi hoje de manhã na TV... - Desinteressada.

- Que coisa, não é? Tem uma moça que sobreviveu ao ataque!

O sinal bate, nos caminhamos para nossas salas. Que assunto fúnebre, logo cedo. Preciso terminar minha matéria sobre o Jigoku Tsuushin hoje ainda, senão...

- Higushi! - Tarde demais...

- Sim, senhorita Mitsuru?

- Acredito que a matéria para o jornal da semana que vem já esteja pronta, não é mesmo?

- Arr, bem... - Claramente sem ter o que dizer a ela.

- Estão todos contando com essa matéria! Você garantiu que seria uma de capa. Então, esforce-se mais! - Virando as costas para mim e saindo da sala.

- Wow, ela está brava, hein? - Essa é Jane Sullivan. Intercambista e fofoqueira.

- Oi, Sullivan. O que você quer?

- Bom, eu soube que você quer maiores informações sobre o senhor Tensagi, não é?

- E daí? - Já ficando irritada.

- Daí que eu soube que, pouco antes dele "desaparecer misteriosamente" ele saiu correndo pelos corredores da escola, gritando feito um louco coisas sem sentido.

- Certo, mais alguma coisa? 

- Acho que ele foi mandado para o inferno mesmo! - Ela saiu rindo.

Enquanto isso, bem longe dali, uma jovem sofre seu inferno em vida.

Ela está sentada no chão, em um canto escuro de um quarto, com as luzes apagadas, chorando desesperadamente.

Suas mãos estão em seu rosto, e ela balança seu corpo para frente e para trás, como se estivesse catatônica. 

Seus piores pesadelos se tornaram realidade no momento em que ela decidiu correr naquela maldita manhã, no parque.

Ela não notou que estava sendo seguida por aquele indivíduo, que já a observava há alguns dias. O homem sabia onde a jovem morava, onde ela trabalhava. Sabia seu horário de sair para ir ao serviço, os horários que retornava. E sabia que ela ia correr as terças e quintas de manhã, no parque estadual. 

A jovem estava distraída, correndo e pensando nos seus afazeres daquele dia quando sentiu uma forte pancada na nuca, desmaiando.

Ela abre seus olhos e vê aquele homem em cima dela.

- Ahh, sai, sai!!! - Em seu desespero ela de debate, arranhando seu rosto. O homem se enfurece e dá um soco em seu rosto.

A pobre garota é espancada, ela não tem mais forças para lutar. O homem a violenta, enquanto ela tenta pensar que não está ali, que está em outro lugar.

Quando ele pega a faca para cortar-lhe a garganta, a jovem consegue alcançar uma pedra e bate com todas as suas forças na têmpora do homem, fazendo com que ele caísse, desmaiado.

A pobre moça corre, semi-nua, desesperada. Suas lágrimas grossas escorrem por seu rosto, mas ela não consegue pensar em nada, a não ser sair daquele lugar. Quando ela nota que está no meio de uma auto estrada, um carro freia bruscamente muito próximo a ela. Com o susto ela desmaia.

Havia um casal e um menino neste carro. A família socorre a jovem ao Hospital Municipal, onde ela desperta, horas depois, do seu pior pesadelo.

Naquele momento, naquele quarto escuro onde a jovem encontra-se, ela não pensa em mais nada. Ela não vai se recuperar desse trauma. Sua vida acabou ali.

- Quero vingança... - Suas palavras saem fracas de sua boca. A única coisa que a manterá viva a partir daquele dia será seu desejo de vingar-se do monstro responsável pelo seu estado atual.

- Vingança...

Em outro lugar, longe dali, Maya está indo para casa. Lembra das coisas que ouviu na TV e na escola.

'Estranho, porque será que isso mexeu tanto comigo?'

Ela se lembrou de seu sonho da noite passada. A grande porta. Aquilo foi realmente assustador.

'Acho que essa história do Jigoku Tsuushin está me deixando um pouco tensa...'

Finalmente, Maya desiste de acessar a página. Sente que tudo aquilo que ocorrera nos últimos dias foram uma espécie de sinal. Mas não vai desistir de escrever a matéria, nem de investigar a misteriosa página.

Já era quase meia noite. A jovem encontrava-se sentada diante a um computador, apenas aguardando. Ela já ouvira falar do Jigoku Tsuushin mas sempre acreditou que aquilo não passava de uma lenda urbana. Mas ela estava desesperada. Ninguém mais poderia vingar sua dor e sofrimento a não ser a própria Hell Girl.

Exatamente à meia noite, em seu monitor aparece a página negra, com um campo para se digitar o nome. As únicas inscrições eram as seguintes:

"Nós vingaremos o seu rancor"

A jovem não sabia o nome daquele homem, mas acreditou de que, por se tratar de algo sobrenatural, eles conseguiriam encontrá-lo. Ela apenas digitou:

"Aquele que destruiu a minha vida." e apertou o botão "Enviar".

Muito, muito distante dali existe um lugar belo, onde o sol nunca se põe. Esse lugar tem o nome de Zona do Eterno Crepúsculo. 

Nessa região residem alguns seres que tem uma missão a cumprir. Esses serem estão desempenhando esse papel a cerca de cinco mil anos. Mas é uma função herdada, que pode ser transferida, mas que tem de ser aceita por quem decidiu que irá desempenhar esse papel.

No momento, na Zona do Eterno Crepúsculo encontramos Ai Emna brincando com suas bolinhas de gude, sentada na varanda, enquanto sua avó fia em uma antiga roca de tear.

Ai divide esse mundo com mais alguns seres que também tem a mesma missão que ela. Esses seres são: Wanyūdō, seu primeiro ajudante que tem a forma de um simpático velhinho de chapéu, Ichimoku Ren que é o que tudo vê, que tem a forma de um belo e jovem rapaz e Hone Onna, uma bela mulher sempre muito bem arrumada, que é quem julga.

- Ai, chegou mais uma mensagem. - Ouve-se a voz da vovó vindo de dentro da casa.

- Já vou, vovó. - Responde Ai, que tem a forma de uma garota de uns 13 anos, linda, com longos cabelos pretos e seus grandes olhos vermelhos.

A jovem aguardava algum tipo  de confirmação de seu pedido. Mas nesse momento ela ouve uma voz que vem de outro canto escuro do cômodo onde ela se encontra, assustando-se.

- Olá. Você me chamou.

- Ah! Quem é você? - Assustada.

- Meu nome é Ai Enma. Estou aqui por causa do seu pedido.

- Você é a ... Hell Girl! - Impressionada.

- Pegue. - Ela entrega-lhe um pequeno boneco de palha negra, com uma pequena fita vermelha amarrada onde seria o pescoço do objeto. - Se você deseja vingança deve puxar o laço vermelho. Puxar o laço significa que você oficialmente me contratou, e a pessoa que você odeia será enviada imediatamente para o inferno.

A jovem olha fixamente para o boneco, já com os dedos segurando a ponta da fita.

- Entretanto... - A jovem olha novamente para Ai. - Existe um preço. O ódio é uma faca de dois gumes: se você mandar a pessoa que odeia para o inferno, a sua alma também irá para lá.

- Minha alma irá para o inferno? - Disse a garota, baixinho.

- Sim, mas isso só ocorrerá quando você morrer. Sua alma ficará pairando entre dor e sofrimento durante a eternidade.

Nesse momento a jovem se vê cercada de sombras que a agarram, puxando para todos os lados com força, rasgando suas roupas. Ela começa a gritar, em pânico, revivendo seu pesadelo tão recente. Quando ela abre os olhos não vê mais nada. Ela está sozinha em seu quarto. Apenas ouve uma voz distante:

- Agora, cabe a você escolher...

 A garota senta-se no chão do seu quarto, olhando para aquele boneco.

- Minha vida já é um inferno... - Puxando lentamente o laço vermelho. 

Nesse mesmo instante ela escuta uma voz grave, como um trovão:

- Seu pedido será atendido!

Na Zona do Eterno Crepúsculo, Ai encontra-se tomando seu banho ritualístico. Novamente, ela terá de atender ao pedido de alguém. Haveria ainda tanto ódio a ser vingado?

- Ai, vou deixar suas roupas aqui. - A voz de sua avó, dentro da casa.

A garotinha veste seu quimono preto com grandes flores estampadas. Arruma seus longos cabelos. Está pronta para o trabalho.

Uma das habilidades de Wanyūdō é transformar-se em objetos dependendo das necessidades de Ai, nesse caso ele transformou-se em uma carruagem de fogo, para transportar a jovem senhorita ao mundo dos humanos, onde realizarão o pedido de mais um cliente.


Em algum lugar, não tão longe dali, esse homem continua vagando à procura de outra vítima.

Ele tem seus olhos cheios de ódio, não se conforma por ter deixado aquela garota escapar.

- Se eu pego aquela vagabunda... - Pensa ele, e sua mente doentia.

Nesse momento ele vê uma bela jovem caminhando distraída. 

- É essa! Como é bela... - Pensa o maníaco.

Ele se esgueira pelos cantos para tentar chegar bem próximo da bela mulher, quando ele resolve atacá-la ela desaparece. Ele estranha, pois tinha certeza de que ela estava lá.

- Cadê a Vadia? 

- Está me procurando, querido? - Ele ouve a voz que vem das costas dele. É a voz de Honne-Onna. 

Ela passa seu braço esquelético pelo seu pescoço, enforcando-o. Ele luta para se desvencilhar, mas o chão sob seus pés fica mole, como areia movediça.

- O que foi, querido? Não gosta de quando agarram você? - Honne-Onna, provocando-o.

- Me larga, me solta! - Começa a gritar o homem. Ele olha para o chão e vê vários braços puxando suas pernas.

- É desconfortável seu puxado assim, não acha? - Agora é a voz de Ichimoku Ren que escutamos. - Acho que as mulheres que você brutalizou não ficaram felizes.

Nesse momento, Honne-Onna começa a enfiar seus dedos dentro do peito do homem, que grita de dor.

- Pare, pare! Ahh, sua vagabunda! As mulheres são todas assim! Todas merecem sofrer! E tenho certeza de que elas gostam de ser tratadas como eu as trato!

- Ouviu, senhorita? - Honne-Onna pergunta, olhando para Ai que está próximo, observando tudo.

Ela olha bem nos olhos daquele homem e lhe diz:

 - Pobre sombra perdida na escuridão, por ferir e desprezar os outros Sua alma maculada afoga-se na culpa... Quer saber, como é a morte?

O homem fica paralizado, aterrorizado.

Quando ele volta a si, ele se vê deitado dentro de um barco, navegando em um rio, em um lugar escuro.

- Onde estou? Para onde está me levando? - Ele tenta se levantar, mas é impedido por várias mãos de mulheres, que o seguram.

A pequena Ai, que conduzia o barco, nem direciona seu olhar. Apenas diz:

- Esse rancor será levado para o inferno.

E assim conduz a alma daquele infeliz para o lugar que ela habitará por toda a eternidade.

Em algum lugar, vemos uma jovem que retorna à sua rotina. Ela se mudou de cidade, mas parece que está recomeçando sua vida. Vemos que ela ainda tem um olhar triste.

Ela está caminhando pela calçada quando pára diante de uma vitrine. Ela não está olhando o interior da loja nesse momento, e sim a marca que tem em seu peito. Uma pequena figura negra, em forma de circulo. É a marca de que sua alma está comprometida. Mas ela tem certeza de que não foi aquela marca que lhe roubou a felicidade. Ela retoma seu caminho, já não pensando em mais nada daquilo, só em tentar ser feliz em vida.

- Finalmente, terminei! - Diz aliviada, Maya, enquanto desliga seu notebook.

'Nossa, a senhorita Mitsuru não vai ficar muito satisfeita. Mas acho que está bom!'

Não pretendia mais ficar bisbilhotando sites misteriosos. Mas ainda não se conformava de nunca ter conseguido acessar o Jigoku Tsuushin. Ela não sabia que só aqueles que possuiam um grande ódio em seus corações tinham acesso a essa página. Não era o seu caso.

- Mas também, só sendo uma lenda urbana mesmo. Uma garota vingadora... Até que parece legal... - Ela reflete, já na cama.

Ela só não nota que no canto de seu quarto, existe alguém que a observa. E observa já há algum tempo.

Maya adormece, e sonha com um grande altar. Nesse altar ela consegue ver milhares de velas acesas. Quando ela se aproxima do altar nota que cada uma das velas tem um nome gravado. Ela se pergunta o que significaria esse altar.


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Notas finais do capítulo

Ai, gente. Será que ficou bom?
Espero que gostem!