Crônicas do Inferno escrita por Megurine Jackie


Capítulo 12
Céu e Inferno


Notas iniciais do capítulo

É assim que deve ser.



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Naquele momento eu esperava pelo fim. Estranhamente, não sentia mais o pavor que sentira antes. Eu me sentia mais para... Conformada.

Os três ajudantes de Ai me olham curiosos. Acho que esperam que sua mestra saia e tome providências. Fico ali parada na frente deles, sem dizer uma só palavra.

Ai sai de dentro da casa de Hina. Ela me encara seriamente. Sinto um arrepio percorrer minha coluna, mas não esmoreço. Nem transpareço esse sentimento.

- Maya Higushi, você me decepcionou. - Ai disse-me, friamente.

Eu baixo minha cabeça, esperando um raio, explosão, o chão se abrir sob meus pés, qualquer coisa. Mas Ai passa por mim e entra na carruagem, juntamente com seus ajudantes. Todos partem e eu fico ali. Não entendi o que aconteceu.

Muitos dias se passaram depois de todo o ocorrido. Não tive nenhuma notícia de Ai ou de qualquer coisa que remetesse ao seu trabalho.

Hina estava frequentando a escola normalmente. Ela me contou que seu pai tinha saído de casa. Ele estava tendo um caso com a secretária. Eu a aconselhei a ficar com sua mãe o maior tempo possível e me ofereci para ajudá-la no que eu pudesse.

- Sabe, Maya, uma pessoa me aconselhou em um momento de muita raiva. Parecia você falando...

- E foi um bom conselho pelo menos? - Eu brinquei.

- Sim. Foi realmente um conselho muito bom...

Ouvi-la falar aquilo já fez valer a pena tudo o que eu fiz. Fiquei muito feliz.

 Eu tentava toda a noite entrar no  'Jigoku Tsuushin' para tentar entrar em contato com a Ai. Eu não queria refazer o contrato nem nada. Eu sentia que precisava me desculpar com ela. Mas sempre dava página não encontrada.

'Somente alguém com um ódio muito grande em seu coração podia ver a página... '

Desse jeito eu não conseguiria. Mas mesmo assim continuei tentando.

Enquanto isso, na Zona do Eterno Crepúsculo, Ai continua sentada na varanda da casa, empurrando uma bolinha de gude, desanimadamente.

- Ai querida? - A voz da vovó de dentro da casa. - O que é que você tem?

Ela estava distante em seus pensamentos. Demora alguns instantes para perceber que precisava responder.

- Nada, vovó. Estou bem... - E empurrava outra bolinha de gude.

- Ai, eu acredito que aquela que a preocupa é realmente especial. Por que você não vai vê-la?

Ai não responde. Ela olha distante para o horizonte. Seus olhos estão foscos por causa do cansaço e decepção. Ela simplesmente não quer mais aquela vida.

- Não vovó. Eu me enganei sobre ela...

A sábia senhora pára de tear em sua velha roca e insiste mais um pouco.

- A humana que a preocupa está tentando acessar na página toda a noite do seu mundo. Acho que ela quer falar com você, Ai...

 - Ah, e o que é que ela quer?

Nossa! Dei um pulo da cadeira.

- Ai, é você? - Levantando. - Eu queria falar com você...

- Já conhece o seu destino e não vou mudá-lo. Te dei a chance e você falhou. Não é digna do meu trabalho! - Ai disse com um tom nervoso. - Então pare de me procurar!

 Eu baixei a cabeça por um instante, um pouco envergonhada. Mas logo a ergui e olhei no fundo daquele grandes olhos vermelho.

- Ai, só queria te dizer uma coisa! Posso não ser exatamente o que você esperava que eu fosse, mas... - Faltavam-me palavras. - Mas eu não acho que ninguém deveria fazer o trabalho que você faz. É muito triste, você parece ser muito solitária, mesmo tendo seus ajudantes, acho que o que você faz é...

Comecei a chorar. Não estava conseguindo dizer o que eu queria.

- Maya, não estou entendendo...

- Posso dividir o fardo com você? É só me dar algum tempo para acertar as coisas aqui em casa... - Soluçando. - Eu posso fazer parte do seu trabalho. Assim não se sentirá tão sozinha...

Continuava chorando. Ai olhava para mim séria. Não entendia o que eu estava tentando dizer. Fazia séculos que ela não sabia o que era ter um amigo. 

- Maya, o que você está querendo? Não é capaz de executar o meu trabalho.

- Mas sou capaz de ser sua amiga! - Disse em alto e bom tom.

 Ela me olhou com curiosidade. Seus olhos tinham uma expressão diferente, mais brilhantes.

- Não preciso de uma amiga. Preciso de uma substituta. Você não tem serventia para mim.

Ela vira-se de costas e começa a caminhar em direção da parede que ela surgiu.

Eu dei um passo largo e segurei seu braço, correndo um sério risco dela me mandar para o inferno nesse momento.

- Ai, me deixe ser sua amiga. Acho que é a única coisa que eu sei fazer...

Nesse momento, tudo ao meu redor muda. Eu estou novamente naquele belo lugar, que Ai chama de casa. Ela está longe de mim agora, sentada à beira do lago, com os dedos na água.

Ela levanta a cabeça e me olha bem nos olhos.

- Maya, quer brincar?

Ela tinha um tom mais infantil que o normal. E sorriu. Parecia um sorriso honesto. Eu não estava entendendo.

- Er... Pode ser. Do que você gosta de brincar?

Ela se levantou e veio pulando, como se pulasse amarelinha, em minha direção.

- Vamos pular comigo?

E me puxa pela mão. Eu sorri e começo a pular. Olho para ela e de repente sua expressão fica sinistra novamente.

- Só não pode pisar no inferno!

Caio em um buraco. Tudo a minha volta fica escuro. Eu grito apavorada com aquilo. Sinto minha pele queimar em brasa e ouço gritos de horror. Continuo caindo como se não tivesse fim aquela queda.

Acordo com um pulo repentino na cama.

 Já é de manhã. Estou molhada de suor. Ouço minha mãe batendo na porta do meu quarto.

- Maya, querida! - Ela abre a porta e entra. - Ouvi você gritando. Teve um pesadelo?

Eu ainda estava ofegante, recuperando-me de tudo aquilo.

 - Nada, mãe... Não foi nada.

Domingo. Passo o dia pensando no que houve. Será que foi tudo um sonho? Será que Ai não queria mesmo ter uma amiga? Acho que é melhor deixar tudo isso para lá e continuar minha vida. Afinal, meu destino já estava traçado. Vou tentar viver sem pensar nisso. Vou tentar ser feliz!

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

- Uma amiga...

Ai suspira sozinha na beira do lago. Ela está com a mão toda enfiada na água. Seu olhar distante e triste deixa seus ajudantes preocupados.

- Pobre senhorita... Queria tanto poder ajudá-la! - Hone Onna, triste.

- Eu também. Mas ela já se decidiu, nós não podemos nos meter nesse assunto. - Ren concordando.

 - A senhorita precisa descansar. Mas ela se apressou e pressionou a garota. Acho que a assustou. - Disse Wanyūdō, serio.

- Ela não servia para o trabalho mesmo! - Hone Onna, dando os ombros.

- Mas podia ser mais uma ajudante. Assim a senhorita teria alguém mais próxima de sua idade para conversar. - Ren, que parecia ter outras intenções.

- Pare com isso! - Hone Onna, que bateu-lhe na cabeça com o leque.

Ai levantou-se e caminhou para perto dos ajudantes.

- Wanyūdō, pode me levar ao mundo dos vivos?

- Sim senhorita.

Imediatamente se transformou em carruagem e voou pelo céu, transportando a pequena Ai.

- Para onde vamos, senhorita?

- Para a casa da Maya. Quero vê-la.

O tempo é muito diferente nos dois mundos. Para Maya, já havia se passado dois anos desde seu último encontro com Ai. Ela estava no último ano do colégio, se preparando para a faculdade.

Eles chegaram na porta da casa de Maya. Ai pediu que Wanyūdō a esperasse ali e entrou sozinha.

Entrando no quarto ela vê Maya deitada na cama com um livro.

 *-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

- Faz tempo, Maya, que não a vejo.

A garota fica congelada de medo.

- Meu Deus! - Ela salta de sua cama e caminha em direção da menina. Tinha um sorriso largo no rosto, apesar do susto.

Ai olha para Maya. Vê que ela está mais alta. E sorri.

- Ai! É você mesmo? Não mudou nadinha!

 - De onde venho não há como envelhecer... - Responde Ai, sem entender que aquela frase era uma retórica.

Maya avança e dá um grande abraço em Ai, que não retribui mas não se retrai. Depois se afasta novamente.

 - O que veio fazer aqui? - Maya diz sorrindo. - Não me diga que vou para o inferno?

Ai fica confusa com a recepção. Talvez pelo fato de que Maya parecia estar feliz em vê-la.

- Para ser sincera eu não sei o que vim fazer aqui. - Continuou a menina. - Eu senti algo estranho, aqui... - Apontando para o próprio peito. - E não sei como reagir a isso!

 Maya sorri. Entende o que Ai quer dizer, apesar dela mesma não entender.

- Você sentiu saudades, só isso. E olha que nem somos amigas ainda...

- Você não serve para ser minha substituta nem para ser minha ajudante. Mas gostaria que fosse minha amiga, se puder, depois de tudo... - A voz de Ai foi sumindo.

Maya olha para aquela garotinha perdida. Sente afeto por ela. Mesmo depois de tanto rancor, tanto mal e tanto ódio, a menina continuava precisando das coisas mais básicas que uma criança poderia precisar.

 - Mas é claro que posso! Na verdade, eu já sei que você minha amiga desde a primeira vez que segurou a minha mão.

Ai lembrou-se de quando tirou aquela menina de dez anos da porta do inferno.

- Serei sua amiga, Ai, para sempre. Mas peço-te um favor: pode esperar pelo meu tempo?

Ai sorri para Maya. Era exatamente isso que ela pretendia dizer.

- Não posso matar você, Maya Higushi. Você irá no seu tempo por que é assim que tem que ser.

Maya sorri. Ai sorri. As duas se olham uma última vez e se despedem.

Para Maya muitos anos se passaram depois desse encontro. Para Ai, alguns dias de trabalho apenas.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Podia sentir o vento batendo em meu rosto. Era uma brisa morna, de verão. Aquela brisa sacudia suavemente as pétalas das sakuras, derrubando-as. O vento as levava para passear junto com as borboletas.

O sol aquecia suavemente a minha pele, causando uma sensação gostosa. Uma certa preguiça. Ouvi um riso infantil vindo de trás de mim. De repente sinto um toque suave, como um tapinha no ombro.

- Tá com você!

Olho para trás sobre o ombro e vejo Ai correndo e rindo, como uma menina alegre.

- Vou te pegar!

Eu corro também, me sentindo muito feliz.

Meu corpo tem onze anos por que era exatamente desse jeito que Ai queria se lembrar de mim. Para sempre.


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Notas finais do capítulo

Primeiramente, muito obrigada a todos que acompanharam a história. Não existe história sem leitores. Amo vocês!
Segundo, peço desculpas aos que decepcionei ao longo da história. Nem sempre sai do jeito que a gente quer, né?
I'm sorry about that!
E, por último, não deixem de dar uma passadinha no perfil da titia de vez em quando para ver se não aparece nada de novo.
Muito obrigada a todos que leram e comentaram!