Diário de Um Nelliw escrita por Uriu


Capítulo 7
Investida Mortal




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Como o esperado de meu grupo, nós avançamos rapidamente pelas rochas e mato pequeno no caminho para Lighthalzen. Não levaria meio dia para alcançar os arredores da cidade, mas não prevíamos o número nem quem seriam os guardas e o que nos aguardaria por lá. Felizmente, Eremes, o mestre astuto da infiltração, nos guiou por um caminho que nos camuflou na noite, e conseguimos ficar bem próximos da cidade, logo de manhã. Atrás de algumas elevações de terra e coberto por uma camada de grama, nós nos abrigamos embaixo de alguns arbustos e ficamos em completa prontidão, caso alguém nos avistasse. Eremes foi sozinho para averiguar a situação ao redor de Lighthalzen, enquanto eu, Yuki, Sagart, Howard, Cecil e Alissia permanecemos escondidos.

-Que merda. Quero logo arrancar algumas cabeças. Isso não tem a menor graça. – Howard estava muito impaciente, teimando em ficar de pé com o gigantesco machado nas mãos, enquanto eu e Alissia o fazíamos sentar e aguardar lá. Não demorou muito e Eremes voltou rapidamente, sem ter sido visto pelos guardas. Ele nos deu todos os detalhes de como estava fora da cidade.

-Bem, antes de qualquer coisa tenho que dizer uma coisa muito séria para vocês. – Ele começou a falar, mas, como em um jorro de emoções, sua face ficou úmida pelas lágrimas fingidas e ele retirou uma foto dele com sua filha e Alissia em frente a sua casa. Tão rápido quanto ele ter tirado a foto do bolso foi o soco de sua esposa e Howard juntos, falando em uníssono um “seu idiota”. Depois de ter recuperado a sensibilidade do rosto, e com um enorme hematoma na bochecha, o Algoz voltou a sua feição serena.

-É muito simples. Perto dos muros da cidade tem uma construção onde são mantidos todos os prisioneiros, como em um campo de concentração. Lá dentro eu não consegui enxergar, mas o lugar é enorme. Praticamente um salão para cada presidiário importante, e uma instalação menor para os cativos comuns. Acredito que Kathryne esteja na instalação maior, à principal. – Eremes desenhou com a terra um pequeno mapa do local. Era simples, uma espécie de laboratório que foi montado às pressas fora dos limites da cidade, e que usava os cativos como cobaias de algum experimento. – E lá dentro pode haver resistência.

-Como ficam os guardas desse local? Não será perigoso invadir assim? – Yuki havia levantado uma questão importante. Uma vez que um guarda nos localize, todo o restante irá para trás da gente.

-A maioria deles se encontra na divisa entre a favela e a área nobre. Esse é o erro deles. No mais, haverá guardas apenas dentro do laboratório. E nós vamos atacar onde eles menos esperam. – Eremes apontou exatamente no centro do mapa, onde ficava a construção principal. Ele foi riscando o dedo no barro, onde fez um caminho que passava das portas principais e ia diretamente até a construção. – Vamos atacar com tudo pela frente.

-Isso aí, porrada geral! Quero fazer picadinho daqueles filhos de uma Jirtas. – Howard estava entusiasmado com a idéia de um ataque central.

-Isso não vai acarretar problemas para nós? – Cecil, sempre cuidadosa e atenciosa com cada detalhe, sempre pensava no grupo antes de pensar na missão. Mas Eremes balançou a cabeça negativamente.

-Se fosse para não termos problemas, nem faríamos o ataque. Nós vamos ter um de qualquer jeito, então que seja da maneira menos complexa.

E então, decididos e prontos para o ataque, nós avançamos.

A construção era enorme, por mais que não passasse de um andar de altura, mas era enorme. Ela se estendia de forma gloriosa por toda a área, e logo atrás dela, podia ser vista as muralhas da cidade que davam acesso à favela. O enorme laboratório era de construção única, um único estabelecimento com várias divisões internas e um grande centro de pesquisa em seu meio. Havia apenas três janelas frontais e uma porta de metal enorme na frente, e foi por lá que entramos. Howard fez o bom trabalho de derrubar a porta com apenas um golpe de seu machado poderoso. A porta caiu estrondosa em nossa frente e avançamos. No caminho vimos alguns guardas, mas eram rapidamente eliminados pelas lâminas vorazes de Eremes e pela espada pesada de Sagart, enquanto resto de nós corria por entre os corredores da construção. Era um lugar enorme, então fiz o grupo parar e olhei para eles.

-Vamos nos separar. Eu, Yuki e Howard vamos por um lado. Cecil e os demais vão pelo outro. – E nos separamos em um pequeno pátio de concreto que tinha por lá. Corri por entre os corredores e então apareceram as celas. Várias celas, uma do lado da outra, contendo pelo menos cinco prisioneiros dentro delas, em situações deploráveis. Alguns estavam mal trapilhos e sujos, outros nem roupa tinham, e alguns estavam feridos de uma maneira que eu nunca havia visto antes. Continuamos correndo e nos deparamos com mais guardas. Eram oito deles, mas nós facilmente os eliminamos. Saquei minha espada, segurei firme meu escudo e avancei firme, descendo minha espada na cabeça de um deles. Yuki usava apenas uma lança e estocou firme entre o meio das pernas de um soldado, e depois estocou novamente entre os olhos de outro. Ela tinha uma mira formidável, mas nada superava as técnicas de matança de Howard. Em questão de segundos, ele brandiu com rapidez seu machado e cortou ao meio três dos guardas. Os outros dois, vendo o perigo que corriam, gritaram e correram para trás, porém, o machado de Howard fez um círculo brutal no ar e arrancou as cabeças dos dois. O ferreiro ficou satisfeito com aquele golpe.

-Há. Adoro ver cabeças rolando no café da manha.

-Você... é um pouco entusiasmado demais. – Yuki olhava com desprezo para as cabeças aterrorizadas dos guardas. – Acalme-se, logo haverá mais para matar.

-Isso me deixa excitado. – Howard estava tremendo de tão animado. Começou a correr freneticamente pelo corredor. – mais, mais, eu quero mais!

Gritando desafios e insultos, o ferreiro foi passando de cela em cela, procurando um desafiante, vendo se não haveria mais resistência, enquanto eu e Yuki íamos ao seu lado, guardando suas costas, pois estava tão louco por sangue que se esqueceu de se precaver. Mais a frente, o corredor terminava em uma grande área aberta, com um gramado extenso e várias árvores distintas. Percebi que eram estrangeiras, pois nunca tinha visto aquelas plantas nos terrenos de Juno ou Lighthalzen. E no centro do gramado, um enorme galpão fechado era guardado por mais um grupo de guardas, aproximadamente doze deles. Eles nos viram e correram em nossa direção, então, quando estavam a apenas alguns passos de distância, Howard de um urro de vitória e seu corpo reagiu, tomando uma coloração mais avermelhada e seus músculos cresceram grosseiramente. Ele levantou seu machado ao alto, e como um imã, todas as moedas de ouro que ele possuía foram grudando em seu machado, e o que antes era gigantesco, ficou grotescamente insano. Uma versão três vezes maior de seu machado foi criada a partir do ouro que ele carregava. Os guardas ficaram apavorados com a habilidade do ferreiro e foram recuando, mas já não havia mais tempo. Aquele machado assustador desceu com o brilho do ouro que a cobria.

-Mammonita! – O golpe do machado foi avassalador, devastando completamente os corpos de pelo menos oito dos guardas. Cabeça, tronco e membros foram caindo espalhados no chão, junto ao ouro que se desprendia da arma de Howard. Ví um dos corpos explodir pelo impacto direto, deixando eu e Yuki cobertos de sangue. Ela olhava horrorizada para o ferreiro, e me perguntava se ela já havia presenciado uma cena como essas. As entranhas de alguns deles caíram perto de nós, e o choque da visão parecia ter hipnotizado Yuki, até que Howard se virou para nós.

-O que estão esperando? Vão salvar a vadia. – Ele puxou a lâmina de seu machado sujo de sangue e lambeu a o gume. –Eu cuido desses filhos de um Jirtas.

Eu captei a mensagem e saí correndo na direção do galpão, mas Yuki permanecia parada, trêmula com o pavor no rosto. Eu puxei sua mão e ela saiu do transe, mas ainda encarava Howard, que brandia seu machado na direção dos pobres afugentados. Derrubei a porta com um chute e vi o horror que se escondia por trás delas. Dezenas de homens e mulheres agachados no chão, bem no meio do enorme laboratório que era aquele lugar. Haviam mesas cheias de instrumentos e aparelhos que eu nunca havia visto antes, com dezenas de tubos de ensaio, vidros com líquidos estranhos que ferviam nas prateleiras de madeira gastas, várias mesas de aço com corpos deformados em cima e apenas um cientista estava no lugar. Atras dele, uma espécie de cela com barras de aço muito grossas separavam aquele lugar de morte de outro laboratório, que era escondido por cortinas e a própria escuridão do local. Ao nos ver, o cientista largou os papéis que segurava em uma das mesas e correu para dentro da cela. Os cativos nos olharam cheios de fome, como se nós fossemos ameaças, ou talvez a esperança desesperada deles, pois muitos urravam ou murmuravam com as mãos levantadas, e aquilo estava me deixando enjoado.

-Yuki, por favor, cubra seus olhos. – Eu falei sério para ela. Eu estava prestes a fazer algo que com certeza a machucaria. Mas obediente, e com lágrimas nos olhos, ela se virou e cobriu o rosto, me esperando perto da porta. Eu avancei por entre aqueles seres esquecidos pelos deuses, e desejei que suas almas fossem para um lugar melhor, mas também, temendo que minha alma ficasse suja com os meus atos. “Eles estavam no meu caminho”, eu pensava, enquanto dava passadas rápidas e fortes por entre aqueles homens e mulheres perdidos nas trevas, me desvencilhando de seus braços que agarravam minhas pernas, tentando me puxar para o chão, ou numa tentativa desesperada para se levantar ou ser levado por mim para fora daquele caos. “Eu só cumpro ordens”, pensei de novo, e quando estava exatamente no meio deles, desejei que eu fosse perdoado quando eu morresse, pois eu levaria embora várias almas.

A luz da Crux Magnum inundou o local, cobrindo toda a área com a imensa cruz que surgia no chão. Os cativos gritavam, urravam, imploravam, e suas lamúrias foram se tornando meros berros ao vento, enquanto seus corpos eram carbonizados pela luz. Alguns dos homens conseguiram ficar de pé e tentaram chegar até mim, mas eu forcei mais a minha técnica, e a luz consumiu os corpos deles, até que em um piscar de olhos, só havia cinzas e marcas de queimados no chão, que reluzia o preto e o vermelho. Eu suspirei e orei a Odin para que recebesse as almas deles como um sacrifício, para que nossa missão fosse concluída com sucesso e sem mais mortes, e então voltei na direção de Yuki.

Ela soluçava ainda com as mãos no rosto. Eu tirei as mãos e enxuguei suas lágrimas, acariciando seu rosto. Obviamente, eu me aproveito de cada situação, mas sinceramente, naquela hora, eu queria mesmo confortá-la, e não só flertar como herói pra cima dela. Ela olhou para mim, depois virou seu rosto para baixo, e eu só a ouvi murmurar.

-Em uma guerra, num campo de batalha, eu não temo pela vida de ninguém. Mas não significa que eu suporte ver pessoas morrendo, ainda que estejam sem esperança de sobrevivência.

-Sabe que se deixássemos essas pessoas vivas, elas nos atrapalhariam por estarmos levando apenas uma refém. – Doía dizer isso, mas era a mais pura verdade. Uma vez que fossemos resgatar apenas uma pessoa, as demais tentariam nos seguir, e sua interferência iria custar não só a missão, mas nossas cabeças também. Yuki enxugou as lágrimas e suspirou, voltando a caminhar na direção da grade da cela.

-Eu sei, vamos logo com isso!

Nós nos dirigimos até a grande cela de aço que separava o laboratório que estávamos com outra construção. Arrebentei a porta de metal com meu escudo e entramos. Algum passo a frente tinha uma cortina grossa de veludo, que se abria puxando uma grande corda no canto da parede. Yuki puxou-a e a cortina se abriu, revelando uma passagem extra. Uma passagem central, que era possível ver sem que as cortinas estivessem abertas, tinha uma luz fraca vinda de seu final, enquanto a pequena passagem escondida era escura e não sabíamos onde poderia dar. Resolvemos ir conforme o plano e fomos pela passagem principal. Não demorou muito e chegamos até o onde o horror estava acontecendo. Do mesmo modo que na sala anterior, havia estantes de madeira, mesas de aço, parafernálias de todos os tipos e tamanhos, e várias caixas e balcões de vidro bloqueavam a visão de quem estava lá dentro para nós, de modo que nos escondemos atrás delas. Atrás de uma caixa de madeira, eu levantei minha cabeça para ver o que estava acontecendo, pois ouvíamos gemidos fracos, doloridos e cansados de uma mulher. Imaginei que fosse nosso alvo, então espiei, e presenciei o medo.

A jovem estava presa de pé, com correntes presas nos pulsos de modo que ela ficasse suspensa no ar, e sua boca estava amordaçada. De certa forma era bonita, com os cabelos curtos louros, olhos verdes e um ar dócil, mas que agora estava encurralada e presa, banhada ao próprio sangue, vestida apenas com uma camisola suja e fina. Possuía vários cortes profundos e marcas de chicotadas, e tinha duas grandes marcas no pescoço, pouco abaixo de onde ficariam as cordas vocais. Não quis imaginar o que teriam feito com ela, mas logo vi outras coisas. Do lado delas estavam apenas um guarda e um cientista, de jaleco branco coberto com o sangue da garota. Ele estava limpando e guardando agulhas e facas cirúrgicas, enquanto o guarda batia com tapas e socos no rosto e estômago da jovem. A garota gemeu alto, então o guarda parou em sua frente.

-Vai gemer sua vadia? Vou fazer você gemer de verdade! – A jovem arregalou seus olhos e teve sua roupa rasgada pelo homem. O cientista tentou protestar, mas calou-se diante a autoridade do outro. – Quieto! Você examina, eu me divirto.

Não deixei que Yuki olhasse. Fiquei observando atentamente cada segundo da tortura que eu presenciaria, mas mesmo querendo impedir, minhas pernas tremiam, o meu corpo estava paralisado, talvez pelo fato de querer ver o que aconteceria ou por que não conseguia pensar em uma saída. Mas enfim, eu não consegui ir naquele momento. Vi o corpo nu da jovem presa, vi todos os seus ferimentos e hematomas, e depois vi por uma vida ela gritar de desespero enquanto o guarda abusava dela, e por dentro, eu crescia em ódio e fúria que nunca tinha sentido antes. Meu abdômen se contraiu e todo o sangue foi parar na cabeça, braços e pernas, minha cabeça latejando e meus olhos cerrados, fazendo força nos punhos fechados e nos dentes que rangiam a cada grito de dor e gemido de vergonha daquela mulher. O guarda estava rindo, deliciado com a dor prazerosa dela, e morreu assim mesmo. Não agüentei.

Pulei por cima das caixas com fervor, empurrando Yuki para o chão, impedindo-a de ver o máximo possível. Saí correndo atrás do guarda, assustando o cientista que tropeçou em uma mesa e caiu fazendo muito barulho. Mas nem o som de uma explosão fez com que o homem perdesse sua concentração, nem eu a minha. Contraí o máximo que pude o meu braço para trás, segurando a espada com tanta força que ela estava escorregando por causa do suor, e estoquei firmemente no coração do desgraçado. Ele soltou um urro de dor, teve alguns espasmos enquanto via seu próprio coração atravessado na lâmina de minha espada, e o seu sangue finalmente chegou à garganta, virando uma fonte do mais puro vermelho. Seu corpo tombou pesado e frio, enquanto eu ainda gritava de ódio, retirando a lâmina com dificuldade de seu corpo. Olhei para a jovem e ela parecia assustada, com ainda mais sangue por todo o seu corpo. Corte as correntes que prendia ela e deixei-a sentada no chão.

-Yuki...venha!- Eu estava sem fôlego, diante o meu acesso de irá. Yuki saiu por trás das caixas e foi em direção do cientista, matando-o com um golpe de sua lança. Depois, caminhou até o meu lado e ficou observando com pesar aquela imagem frágil da garota em nossa frente.

-Ei...você está bem? É Kathryne não é?

Ela balançou a cabeça levemente, ainda com os olhos esbugalhados e respiração ofegante. Eu suspirei para relaxar a tensão, me agachei e retirei a mordaça dela, desenrolando os nós atrás de sua cabeça.

-Pode ficar tranqüila, nós vamos libertar você, Kathryne...

-Sai de perto de mim! – Kathryne gritou ainda mais desesperada, se debatendo para afastar-se de mim. Eu fiquei surpreso, pois tinha libertado ela, mas mesmo assim, ela ainda queria ficar longe. Olhava para mim, me encarando com os olhos lacrimosos e desesperados, e quando eu estendi a mão para ajudá-la, ela espalmou suas duas mãos e gritou novamente. – Sai de perto de mim!

Uma enorme esfera de raios surgiu no meio das mãos dela, e eu recuei. Yuki e eu nos afastamos, e eu vi o quão perigoso era aquela técnica, pois sua energia ultrapassava qualquer outra que eu já tinha visto. A esfera tinha quase o tamanho da garota quando chegou ao limite de força, e Kathryne, de olhos fechados, iria disparar o Trovão de Júpiter em mim. Aquela foi a primeira vez que cheguei ao limiar da morte.


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Notas finais do capítulo

OBS: Nunca, jamais, nunquinha, estenda a mão para uma garota em perigo. Elas com certeza farão o mesmo com você, e acredite, não será nada bom.



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