Diário de Um Nelliw escrita por Uriu


Capítulo 4
Reencontros para a Guerra!




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Nenhuma outra era teve uma guerra tão sanguinária quanto a Guerra da República, como havia ficado conhecida. Talvez, um maior massacre tenha acontecido quando o Imperador Morroc ascendeu para nossa terra há muito tempo, mas eu não estava lá para descrever, porém, nessa guerra, eu estive. Perdi amigos, companheiros, perdi o que mais prezava na vida, e atualmente, meus dias estão contados, e meu ultimo esforço será deixar alguns detalhes de minha vida nessa guerra, a pedido da minha mui belíssima Rainha, que ainda me apóia levando remédios, comida e o material necessário para escrever essa história para ela. Ela quer o relato da guerra, vista de meu ângulo, mas o que suponho é que ela quer mesmo saber quem era lorde Seyren, na qual ela não conhecia já que era apenas uma criança quando a guerra havia estourado. Afinal, foi Seyren quem salvou a sua vida e a de nosso rei, na época o príncipe jovem demais para assumir o trono, por tanto eu escrevo e escrevo mais e mais, e a cada palávra, a tristeza me abate ao lembrar dos meus companheiros de guerra, mas também a alegria, pois nunca senti tamanha alegria ao segurar a espada, lutar no meio de uma parede de escudos e fazer jus ao meu treinamento.Porém, o mais importante é deixar a história dos maiores heróis de Midgard escrita, pois hoje, seus nomes geram medo, tristeza e incompreensão, quando na verdade, foram eles que deram glória à Rune-Midgard e a República de Schwartzwald, onde o maior deles, Seyren Windsor, o Flagelo do Povo, meu senhor e melhor amigo, lutou por todos, lutou por sua vida, e acima de tudo, por sobrevivência.

Eu havia chegado à tenda onde o homem de grandes músculos por debaixo da cota de malha fina e impressionantes cicatrizes marcava toda a extensão do seu braço esquerdo, lia relatório por relatório, uma pilha enorme de folhas que se mostrava interminável em sua mesa de madeira polida. Ele parecia estar exageradamente desesperado no meio de tantos papeis, mas ao ver meu escudo, ele parou de súbito e sua face demonstrava somente aspereza.

-O que faz aqui, fiel? – Fiel é como a maioria dos guerreiros chama os Sacerdotes e Templários, por que são apegados apenas a um deus e suas habilidades não são dignas de um guerreiro em batalha. Comparado com a hospitalidade dada aos bispos e adoradores de Freya, isso foi até tolerável.

-Eu vim me juntar à guerra.

-O que um homem rezador patético como você pode fazer em uma parede de escudos? Vai rezar? Que outra coisa se não isso poderia ser feito por vocês? - O homem bradava com ferocidade seu braço marcado, apontando o dedo para mim com a ironia em sua língua. Era comum ver homens e mulheres com cicatrizes durante a guerra, pois eles recusavam o uso das habilidades dos Sacerdotes de curar as feridas, pois achava indigno e profano essa arte. Eu mal mexi o corpo, talvez eu tenha balançado um pouco a cota, segurei mais firme o feixe de couro de meu escudo e cerrei meu punho, mas eu não agüentava toda aquela cerimônia, por tanto, eu esmurrei a mesa de cima a baixo, abrindo um buraco na madeira, e jogando o guerreiro para trás com o susto.

-Seu bastardo! Eu não sou um Templário comum. Se quer tanto saber o que posso fazer, enfrente-me. – Eu odeio cerimônias, mas odiava o fato de ter que provar o meu valor, e era na verdade o que eu acabaria fazendo. O homem havia se assustado com meu avanço brusco na mesa, o que chamou a atenção de alguns guardas do pátio, mas não chegaram mais perto, quando viram que o guerreiro agora se recuperava do susto e erguia seus punhos fechados.

-Muleque atrevido. Acha que pode enfrentar os guerreiros do rei? – O homem a minha frente ergueu o punho esquerdo para mim. Certamente era canhoto, mas eu contava com uma vantagem absurda para cima daquele monstruoso ser. Saquei de dentro de uma bolsa presa ao meu cinto um torque – um colar torcido – de prata com um pesado medalhão pendurado. Era o símbolo dos guerreiros do Rei, aqueles que eram escolhidos a dedo por ele. Joguei bem entre os olhos do guerreiro, deixando a marca exata no meio da testa.

-É melhor checar seu verme. Eu sou muito mais que uma tropa sua.

-Mas isso aqui pode ter sido roubado por você seu vagabundo. Garanto que roubou de algum Cavaleiro, ...- Um sombra de súbito calou o homem bravo, e me fez ter um leve calafrio, pois ninguém jamais se aproximou de mim com tamanha cautela. Eu vi uma pontada de desespero na face do guerreiro, mas quando me virei para ver quem era, senti alegria em ver que era um aliado valioso. Tinha os cabelos brancos e curtos, de olhos vermelhos cintilantes, e usava uma armadura de batalha completa, digna dos maiores guerreiros, e sorria para mim igual à antigamente, como se eu tivesse visto um fantasma. Por fim, o silêncio foi quebrado novamente pelo homem atrás da mesa rachada pelo meu punho, e respondeu o que eu iria perguntar. – Lorde Seyren, desculpe meus modos.

-Está tudo bem Haven. Pode deixar que eu tomo conta desde garoto. – “Garoto?” Eu havia ficado surpreso e feliz eu reencontrar meu amigo em um lugar como aquele, mas me chamar de garoto me deixou desanimado, e encarei-o seriamente. – Eu o levarei para um rápido interrogatório.

Rapidamente, ele me levou para fora da tenda, deixando Haven no local, olhando-me com ferocidade e perplexidade. Andamos por algum tempo no meio da cidade, e eu notei que estávamos nos afastando um pouco, indo mais para o sul de Juno. Passamos por várias casas de construções estranhas, e continuamos até ir para uma enorme ponte que se seguia até a área rochosa do planalto. Paramos a alguns metros do final da ponte extensa, que ligava a cidade até o chão, de onde era possível ver um acampamento na encosta do planalto. Seyren se recostou na beirada da ponte, olhando para o acampamento que parecia uma sociedade desorganizada de guerreiros. Vários Cavaleiros brigavam um com o outro ocasionalmente, alguns bêbados. Algumas vezes vi mulheres de roupas estranhas sendo arrastadas para dentro de algumas cabanas, e saíam às lágrimas e sangue retirado de sua virgindade por homens selvagens e embriagados. Eram cativos, pensei, ao olhar para alguns homens em roupas esfarrapadas que choravam e tentavam sem sucesso parar o ataque às suas mulheres, que eram agora reféns estupradas pelos bêbados, enquanto alguns Bruxos ficavam sentados e discutiam sobre o Sol, a Lua e os astros. Eu não sabia o que era sequer os astros, por isso, mantive minha curiosidade de lado e encarava o Lorde. Seyren fechou os olhos e virou-se para mim, respirando fundo, e quando percebi, ele erguera seu punho e me deu um violento soco, me levando para trás com a bochecha doída. Ele definitivamente ficou mais rápido e forte.

-Seu idiota! Não deveria aparecer assim do nada. Se bem que é bem seu estilo não é?

-Não me culpe. Você pegou o meu modo de cumprimentar os amigos. – Eu firmei minha perna para evitar cair, tamanha era a violência do soco, e então devolvi o soco no rosto dele. Ambos sangramos um pouco na boca, por ter cortado a parte de dentro da carne, resultante de um forte golpe. Ele urrou baixo e voltou a erguer seu punho, mas eu estava preparado. Defendi com a proteção do meu antebraço e joguei meu corpo para o lado, mirando um chute em seu estomago. O homem de cabelos brancos agarrou meu pé e me puxou com força, mas eu a usei como impulsão e joguei meu outro pé na sua cara, e nós dois caímos no chão. Ele se levantou e me agarrou pelo colarinho, e me arremessou para fora da ponte. Caí em cima de algumas pedras e senti a minha perna esquerda perder o equilíbrio, tendo fraturado o tornozelo. Ele pulou por cima da beirada e ia caindo o punho cerrado em minha direção, mas eu o segurei com minha mão esquerda e fazendo o peso e a força de seu corpo amortecer no chão, já que no meio das pedras era uma terra fofa e meio enlameada. Segurei firme seu punho e o puxei para o chão, jogando-o no meio das pedras, e instintivamente iniciei a minha Crux Magnum, criando uma cruz branca no chão que subia e queimava em toda a sua área. Certamente ele se surpreendeu com ela, e se levantou no ultimo instante, apenas tendo parte de sua armadura atingida, deixando-a agravada. A minha habilidade é notável, mas ela tem o preço de ter de ficar em uma postura de combate inapropriada, sem defesa e sem ataque.

Seyren parou a alguns metros de mim, e então notamos que nosso pequeno embate chamou a atenção do acampamento atrás de nós, e muitos vinham com lanças em riste para mim, berrando lamúrias e achando que eu era inimigo de Seyren. Ambos sangrávamos na boca e com alguns arranhões na cara ou nos braços. Finalmente, abaixei meus braços, e Seyren ergueu uma das mãos.

-Está tudo bem. Ele é um valioso aliado. Voltem à sua concentração.

Um a um, os demais guerreiros iam voltando para o acampamento, onde novamente o grito das mulheres, as lamúrias dos cativos e a risada dos embriagados voltou a dominar o ar seco da montanha. Eu limpei minha boca e respirei fundo, e vi meu amigo soltar uma gargalhada extensa, me deixando um pouco nervoso.

-O que foi? Quer brigar mais?

-Você não mudou nada, exceto pelo fato de que agora virou um fiel. – Havia sarcasmo em sua conduta.

-E você, virou Lorde mimimi! Aliás, como conseguiu esse título?

Seyren não ficou surpreso com a pergunta, tão pouco ofendido. Sorriu e apontou com seu polegar para si mesmo.

-Eu sou o campeão da Rune-Midgard. Tornei-me o líder das tropas do Rei, e tudo por que estive sempre em constante treinamento e ao lado dele. Mas eu não vanglorio, mesmo por que eu nunca fui homem de títulos, e sim de atitude. – Isso era verdade. Desde pequeno, não gostava de elogios, mas sabia que eram sinceros, pois suas habilidades eram notáveis. Confesso que senti inveja, por que enquanto eu era um Templário, um fiel, ele era não só um Lorde, que já era um cargo almejado de alta patente, mas também o campeão do reino, um título dado apenas ao melhor guerreiro escolhido pelo próprio rei. “Porque não eu?” Pensei comigo mesmo, sabendo que era tão chegado ao rei quanto ele.

-E então, você é o líder desses baderneiros?

-Não me orgulho de todos que eu comando. Haven, como você viu, é um guerreiro formidável, um exímio Lanceiro na parede de escudos. Mas ele é um pouco rude, e eu sempre peço para ele resolver a papelada, para não se meter em encrencas. E grande parte do exército é formada por Cavaleiros caseiros, homens que querem apenas dinheiro, poder e mulheres, além de bebida, óbvio. - Ele dizia com certo pesar, mas naquela época isso era tão comum quanto a própria guerra. Os Cavaleiros caseiros eram homens comuns que usavam lanças e espadas, sem nenhum treinamento específico, e almejavam ter ouro, terras e muita bebida. Eles aproveitavam a pilhagem e roubavam por de baixo dos panos, e tomavam várias cativas como reféns e amantes, e Seyren, assim como eu, sabia disso, mas também sabíamos que precisaríamos de cada homem que pudesse carregar uma lança e um escudo na guerra. Diferente dos nobres Cavaleiros que usavam as lanças habilmente, ou os nobres Cavaleiros de espada, como Seyren, os caseiros eram uma praga necessária.

-Então, senhor, eu quero lutar como Cavaleiro. – Eu disse talvez com um pouco de timidez, pois eu era um jovem Templário, e Seyren, mesmo tendo a mesma idade, era tudo aquilo que qualquer guerreiro almejava, e esses tempos de guerra o fizeram amadurecer um pouco, seja na parte física, quanto na consciência. Realmente, pensei, ele está mais velho que eu.

-Ora, Uriu, por que não se tornou um Cavaleiro? - Essa pergunta me incomodava um pouco.

-Eu...-gaguejei um pouco – eu decidi seguir um caminho que me desse mais reconhecimento. Porém, esse caminho me deu um pouco de paz.

-Você realmente não mudou nada, não é Uriu? – Definitivamente, ele se tornou mais responsável, me mostrou que eu era mais fraco que ele, e por mais que eu não quisesse, queria socar a cara dele mais uma vez.

-Estou pedindo para lutar ao seu lado, como nos velhos tempos.

-Sinto muito, mas eu não posso. Eu odeio dizer isso, e odeio mesmo, mas eu sou um Cavaleiro, e minha luta é montada no Peco-Peco, com uma espada, e sobre tudo, estou destinado a enfrentar sempre o campeão ou os lordes dos inimigos. Por isso – ele parou abruptamente, lembrando-se de algo, e para minha surpresa, algo inesperadamente difícil e animador. – acho que vou deixá-lo no comando de uma parte da tropa.

-Eu? Um fiel no comando? – Usei esse termo chulo, querendo dizer que a tropa poderia não gostar e ter um Templário como líder.

-Não será uma tropa qualquer, meu amigo. Você vai liderar alguns homens de assalto, são rápidos e sabem manejar as lanças como ninguém.

-Tudo bem, mas que área cobrir? E acima de tudo, qual estratégia devo tomar? – Eu fiquei um pouco receoso. Quando crianças, ele sempre teve as melhores idéias, era um ótimo combatente, enquanto eu era o escudeiro, um homem de lança e força e estratégia, porém, voltada para a defesa.

-Olha, vou lhe dizer algumas informações confidenciais. - Ele parecia meio assustado, talvez fosse por me contar algo sigiloso, ou algo que realmente o incomodava. Mas mesmo com isso tudo, parecia animado em me contar, como sempre ficava ao ver que isso faria bem a nós dois.

A tropa, ele disse, é composta por cinqüenta homens, sendo eles divididos entre lanceiros, assaltantes e atiradores. Os lanceiros são ótimos na parede de escudos, e eles também têm boas mãos com espadas, então serão seus homens de frente. Os assaltantes são membros da Academia, e por tanto, são os seus homens furtivos, que geralmente tomam posse de uma área sozinhos. Confie na habilidade daqueles dois assaltantes, são os melhores do departamento de infiltração da Academia e também são bons com estratégias. E os atiradores são meus melhores arqueiros. Estou disponibilizando eles a você, pois a área que vocês cobrirão será a das montanhas do oeste, não exatamente na linha de frente da guerra, mas quero que vocês façam reconhecimento da região e façam ataques furtivos ou de grande cadência.

-Certo, mas ainda fico com a pergunta. Por que eu?

Seyren deu aquele seu sorriso confiante, prova de que ele realmente confiava em uma pessoa, e que sabia que eu jamais trairia sua confiança.

-Por que o Rei está morrendo, e seu filho é novo de mais para assumir. – E de repente, eu soube naquele instante o que ele queria dizer, sem precisar dar mais uma palavra. Mas ele falou o que eu pensava, exatamente como eu imaginava e esperava confirmar. – Então, o conselho de guerra me denominou como o governante temporário de Rune-Midgard. E eu preciso de homens leais ao meu lado, e você precisa se destacar se quiser ser o campeão do reino.

-Então isso significa que...

Seyren viu minha face surpresa, e também percebeu a aproximação de alguns tolos curiosos que queriam saber o que um fiel estava conversando com o seu senhor. Por isso, ele aumentou seu tom de voz, para que todos os que estavam mais próximos pudessem ouvi-lo.



-Isso significa, que você vai a guerra e vai nos trazer a vitória. E então, haverá paz no reino.

E dito isso, o conselho foi avisado, os guerreiros retomaram os treinos, a colheita foi feita, os suprimentos guardados, os cativos foram presos, minha tropa preparada, e parti para a linha de frente com ela, receoso pela primeira missão em guerra da minha vida. E por Deus, como eu estava gostando.


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