Olhei para o Ivan, meio confusa. Ele "fingia" muito bem, se estivesse fingindo. A mulher se levantou e perguntou o que iríamos comprar. Ivan disse que eram alguns pães doces, e ainda estava com algumas lágrimas no rosto. 

   - Irmã, a mãe vai ficar chateada por termos perdido a moeda no buraco - ele me olhou se levantando. 

   A mulher viu o chaveiro do celular dele para fora e por alguns segundos tirou o sorriso gentil do rosto. Mandou que sentássemos e foi comprar os pães doces. 

  - Lienda, você... Esquece. - Ivan me lançou um olhar de reprovação. 

Ele pegou o celular e apertou algumas teclas rapidamente antes que a mulher voltasse. Eu tinha certeza que era ela mas não sabia o que fazer. Me senti um pouco inútil e deixei que Ivan fizesse o trabalho. 

    - moça - a chamei quando se sentou novamente, em um banco na nossa frente. Ivan me deu um chute por debaixo da mesa, mas eu não conseguia me segurar...

    - Como vocês se chamam? - ela sorriu novamente. 

Quase que imperceptivelmente ela olhou rapidamente para o chaveiro do celular de Ivan, que aparecia por fora do bolso. 

    - Ele se chama Weudrey e eu me chamo Amanda. Mas eu prefiro que me chamem pelo segundo nome, Roberta. Temos onze anos e ele é um pouco mais velho do que eu, mas é mais baixo, como pode ver. Meu pai diz que ele vai crescer mais por ser homem, mas eu não acedito muito nisso... Aliás, ele também diz que eu falo demais, se estiver te incomodando fale - sorri. - Não somos muito parecidos não é? É que nós não somos totalmente irmãos, você deve saber que tem aqueles "meio-irmãos".Nós brigamos muito, mamãe diz que é normal...

E continuei falando tudo o que vinha pela minha cabeça enquanto comia os pães doces. Ivan também comia alguns e a mulher ficava ouvindo com um sorriso simpático. 

  - Desculpe a Roberta, ela fala demais mesmo. - disse Ivan. 

  - Não tem problema - a mulher riu baixo - eu sempre venho aqui. Se quiserem conversar...

  A mesa em que estávamos sentados era na ponta da porta aberta. e do lado esquerdo tinha uma janela grande moldada por algumas trepadeiras. Ficamos conversando por um tempo. Ou melhor, eu fiquei falando sem parar. As pessoas em volta ficavam observando.  

  - Ãhm.. Não temos como pagar Senhorita... - disse Ivan, esperando que ela dissesse seu nome. 

  - Não tem problema, eu falo com os pais de vocês, pessoalmente. - sorriu maliciosa. 

  - Claro! Papai e mamãe iriam amar te conhecer.- Ivan contribuiu o sorriso.

  Uma garota de moto parou em frente ao café. Ela usava um curativo embaixo do olho esquerdo. Era difícil ver seus olhos atrás dos grandes óculos escuros e da franja comprida que cobria seu rosto. A garota não tinha uma expressão no rosto e aparentava ter no máximo uns treze anos. Segurava a boina alaranjada com uma das mãos e com a outra a moto. Olhou diretamente para a mulher que conversávamos e arrumou os óculos. Depois de encará-la subiu na moto novamente, onde outra pessoa dirigia a mesma e saiu dali despercebida. Achava que a bela mulher que conversávamos não tinha percebido a presença da garota, até porque eu não parava de falar. 

  Ivan se levantou e se despediu da mulher dizendo que tínhamos que sair. Mas antes deixou o número de seu celular com ela, para que os nosso supostos pais pudessem pagar depois os pães. Ele agarrou no meu pulso novamente e saímos correndo dali. 

  - Ela descobriu Lienda! - ele reclamou. 

  Cruzei os dedos para que não fosse por minha causa. Steven tinha dito que ela já havia trabalhado em Retsam, mas nos meus cálculos era impossível ela ter descobrido assim. Agora, depois de muitos anos eu sei como ela conseguiu... Ivan continuou falando:

  - Lyra tirou uma foto dela antes de sair com Ricardo. Carlos vai vir nos buscar na próxima quadra. Ao que parece, Lya descobriu o nome dela...

   Fiquei pensativa por um momento enquanto Ivan  me puxava daquela forma bruta de sempre. Ele continuava parecendo bravo e avistei Carlos de longe nos esperando. Nos colocou na parte de trás do carro e o cinto se fechou sozinho. Ah, eu tinha um ódio mortal daquele carro. 

  - Lya entrou no site desse café e hackeou a conta da atendente. Procurou pelas pessoas que mais iam no café, e tem duas mulheres que vão diariamente. - dizia Carlos enquanto cortava caminho para o prédio. 

   Admito que nem estava escutando o que ele dizia. Abri a janela do carro e coloquei minha cabeça pra fora. Aquele vento era tão agradável... Poderia aproveitar mais se o bendito cinto de segurança não estivesse me agarrando. Em pouco tempo chegamos em Retsam, ou melhor, Nitek. Carlos e Ivan estavam apressados em subir ao segundo andar, enquanto eu tentava continuar o papo com a recepcionista. 

   - Lienda, vamos, temos assuntos sérios a tratar - disse Steven colocando as mãos nas minhas costas e me empurrando delicadamente. 

   Quando entrei na sala estavam todos já sentados nos bancos esperando Steven. Senti que alguma coisa ruim estivesse acontecendo. Mas continuei indiferente,afinal era uma criança e não tinha muita noção do perigo. Mal sabia eu aonde tinha me metido.