-True! – uma voz gritou. – True, acorde, por favor! Vamos perder o café da manhã e ainda chegar atrasadas na aula de francês.

                -Só mais cinco minutinhos – implorei de olhos fechados.

                -Nem mais nem menos, Trudy Willians. Vamos logo!

                Coloquei o travesseiro sobre a cabeça e perguntei:

                -Desde quando você ficou tão chata, Susana? Pela juba do Leão, desde que voltamos de Nárnia você está assim!

                No fundo eu sabia que não devia ter dito aquilo. Juro. Mas saiu como um reflexo. Esse era o assunto mais delicado para Susana desde que voltamos de Nárnia. Todos sabíamos que ela amava Caspian e que era correspondida. Mas seus irmãos achavam que ela havia superado. Eu sabia que ela tentava ao máximo esquecer aquilo.

                Me levantei e peguei meu uniforme, começando a vesti-lo.

                -Olha, desculpe mesmo, Sup – pedi arrependida.

                -Você já fez isso antes – ela falou triste, encarando o chão e tentando conter as lágrimas. – Inferno, Trudy! Temos que deixar de ser infantis, será que não vê? Nárnia foi só um sonho. Algo que nunca existiu e que nós inventamos para passar o tempo. Sonhamos com isso e temos que parar de achar que voltaremos para lá. Será que não percebe?

                Estreitei os olhos.

                -Você está brincando, certo?

                Ela balançou a cabeça negativamente e se dirigiu a algumas malas posicionadas ao lado de sua cama. Seus grandes olhos azuis encararam os meus cheios de lágrimas.

                -Vou dividir o quarto com Teresa. Melanie vem para cá ficar com você. Essa história ridícula de Nárnia está me dando dor de cabeça. Teresa me apóia nessa decisão.

                -Você contou a Teresa? – eu estava ultrajada. Tudo estava me atingindo como uma bomba no estômago. – Susana, Nárnia é o nosso lugar, entendeu? NOSSO. Teresa não tem nada a ver com isso. Como ela poderia te dizer que é verdade se ela nunca esteve lá?

                -Não interessa. Eu não vou mais fingir que esse sonho é uma realidade.

                Eu fiquei estressada, realmente estressada. Mas eu não podia simplesmente abandonar Susana. Porque eu era A Leal, e deveria agir como tal.

                -Sup, por favor.

                -Eu já tomei minha decisão, Trudy. Adeus.

                E ela saiu andando. Terminei de vestir meu uniforme rapidamente e passei a descer as escadas a toda a velocidade, de forma que logo cheguei ao refeitório. Eu ia correndo para a mesa de Lúcia Pevensie, a garota de 10 anos mais esperta de todos os mundos, quando esbarrei com alguém. Por sorte, era meu namorado, Pedro Pevensie. Seus olhos azuis brilhantes me fitaram confusos, e eu me derreti com aquele lindo olhar – como sempre.

                -O que houve? – Pedro me perguntou.

                -Susana – expliquei. – Aconteceu.

                Nós já suspeitávamos que Susana tentava esquecer Nárnia para não ter de sofrer mais com Caspian, mas nunca imaginamos que ela realmente conseguiria. Quer dizer, Nárnia não é exatamente um lugar “esquecível”, sabe?

                -Ela esqueceu? – ele arregalou os olhos perfeitamente perfeitos.

                Assenti, com lágrimas nos olhos.

                -Temos que agir rápido, Pedro – falei. – Amanhã sairão os resultados dos primeiros exames, depois de amanhã nós voltaremos para casa, depois de um mês, você terá que fazer seus exames finais e irá para a faculdade. Sabemos que sua mãe vai querer levar alguém para os Estados Unidos com ela assim que a guerra acabar, e a probabilidade de que esse alguém seja Susana é grande.

                -Shh, sh, calma True – ele me abraçou rapidamente para que as madres não vissem. – Tudo vai dar certo. Nós vamos conseguir, está bem? Eu sei que vamos.

                Eu assenti, um pouco mais calma.

                -Nos vemos mais tarde – falei. –Leve Ed. Eu e Lu estaremos no grande carvalho do campo, certo? Susana sabe aonde estaremos, ela irá se sentir necessidade.

                Ele assentiu e me deu um sorriso encorajador. Fui até a mesa em que Lúcia comia uma porção de cereais e me juntei a ela, comendo minha porção de cereais e meu chá. Ela ergueu os olhos para me encarar e perguntou:

                -O que aconteceu?

                -Pela juba do Leão, será que é tão fácil assim ler os meus pensamentos?

                Lúcia riu e deu de ombros.

                -Susana – falei simplesmente. Lu arregalou os olhos e eu assenti. Sua expressão me deu uma dor imensa no coração.

                -Como ela pode ter esquecido, True? – Lúcia estava desolada, Eu a abracei e comecei a tentar confortá-la, enquanto ela chorava em meus ombros. – Depois de tudo o que passamos, depois de tudo o que ELA passou, como ela esqueceu?

                Susana passou pelo nosso lado e me lançou um olhar interrogativo. Eu simplesmente sussurrei:

                -A culpa é sua.

                E, cheia de raiva, ela saiu andando.

                                                                         *** *** ***

                Eu e Lúcia já estávamos sentadas abaixo do grande carvalho. Logo Pedro e Edmundo chegaram também. Dei um abraço em Ed e um longo beijo em Pedro. Mesmo depois de tanto tempo, a sensação de seus lábios carnudos nos meus ainda me causava arrepios.

                -Ok, já entendemos que vocês se amam – Edmundo disse. – Então podemos ir ao que realmente interessa?

                Pedro e eu coramos, nos afastando. Rapidamente, expliquei aos três o que acontecera esta manhã entre eu e Susana. E, antes mesmo de terminar, percebi que todos temíamos por ela. Ela estava realmente esquecendo.

                -O que realmente resolveria a situação seria levá-la para Nárnia uma outra vez – Ed explicou.

                -Mas nós não escolhemos quando temos de ir – Lúcia lembrou.

                -E Aslam disse que ela e Pedro não voltariam mais – lembrei.

                -O que, em nome de Aslam, nós vamos fazer então? – Pedro perguntou.

                -Temos de falar o máximo possível de Nárnia na frente dela – Lúcia sugeriu.

                -Não vai bastar. Precisamos de muito mais.

                -Mas temos que tentar – eu falei. – Só acho melhor não tocarmos no assunto Caspian, pois ela irá se machucar e isso tornará a recuperação muito mais complicada.

                Eles assentiram em concordância.

                -Então... vamos dar início ao plano!

                                                                        *** *** ***

                Mel já estava no meu quarto comigo, arrumando suas coisas no armário.

                -É verdade mesmo? – ela perguntou triste. – Você e Susana não são mais amigas? E Teresa tem culpa?

                Me aproximei dela e pus a mão em seu ombro, reconfortando-a.

                -Por hora é verdade – respondi. – Teresa tem uma parcela de culpa, mas isso está muito além dela, Mel. Não se preocupe com isso, nós vamos dar um jeito de ter a Sup de volta. Ela não vai querer ser assim, tenho certeza.

                -Eu não sei, True... ela tem estado arrogante a meses. Como você pode ter tanta certeza?

                - Porque a melhor criatura do mundo a nomeou como A Gentil – respondi, coberta de certeza.