Quase uma semana havia se passado desde aquela estranha viagem. Depois de terem se transformado em dragões, a sensibilidade deles parecia ter aumentado, e isso lhes deixou com a impressão de algo diferente no ar. Um sussurro parecia vir até eles, dizendo o fim se aproxima. Mesmo assim, eles ignoravam essa sensação, concentrando-se apenas nos treinos e na ansiedade de qual seria o próximo mundo, esta aumentada quando Sora os chamou. Prontamente dirigiram-se para a nave, e, no caminho, Nick comentou com o amigo

–Parece que ganhei a aposta.

–Que aposta? – Juno indagou, curiosa

O loiro deu um leve sorriso, enquanto Nick pensava em como responder, se lembrando do acordo.

–Para deixar mais divertido, por que não uma aposta? – perguntou Lukas, ao que o amigo revirou os olhos, imaginando o que aconteceria se perdesse

–Qual é a proposta?

–Se nossa próxima missão vier em dois dias, eu ganho, e você vai ter de se declarar pra Juno. – respondeu Lukas, com um brilho zombeteiro nos olhos

–Ficou maluco? – Nick automaticamente rebateu, sentindo que seu rosto esquentara, e agradecendo demais a garota não estar perto

–Essa é a minha proposta. – Lukas disse, calmamente, ignorando a reação do amigo – Faça a sua.

O garoto ainda pensou em dizer que jamais aceitaria ela, mas então um pensamento lhe ocorreu, e ele não pode resistir a ideia.

–Caso eu ganhe, você terá de se declarar para a Brendah. – falou, não segurando um sorriso

Por um momento, Lukas ficou sem reação, pensando em como queria que fosse possível.

–Sabe que isso será bem mais difícil de realizar do que sua tarefa, certo? – argumentou

–Não é você quem gosta de desafios? – provocou Nick

Um brilho novo apareceu nos olhos do loiro, que apertou a mão do amigo, selando a aposta.

–Ehrr... – ainda houve alguns segundos de hesitação – Nada de importante, Juno... É só algo antigo que o Lukas já deveria ter feito.

–O mesmo para você. – o outro falou em tom baixo, para que só o amigo ouvisse

A ruiva ainda ficou um pouco confusa, mas decidiu não levar isso a sério. Nick também decidiu ignorar o último comentário de Lukas, sem disposição para brigar com ele no momento em que iam para uma missão. Ao chegarem à nave, seguiram Sora até a cabine, curiosos quanto ao mundo que estavam indo.

–Então, qual é a missão? – perguntou Juno

–Parece que descobrimos onde Larxene está. – respondeu Sora – Porém, não será nossa primeira parada.

–Como assim? – a primeira questionou

–Achamos que ela está em The World That Never Was, pois os níveis de heartless lá aumentaram alarmantemente. – contou ele – E, quando isso acontece, outro mundo também é invadido por esses seres, devido a certa ligação que existe entre esses mundos.

–E qual é o mundo? – dessa vez Nick perguntou

Houve um suspiro antes que o rapaz de cabelos castanhos respondesse

–Twilight Town.

Os jovens foram atingidos por essa notícia, principalmente os garotos. Não era um simples mundo, não era uma simples missão, eram suas casas, seus lares. Além do nervosismo e da ansiedade aumentada, agora também havia preocupação. E, no fundo, havia alegria. Voltavam para casa, e, em breve, veriam seus pais novamente.

O tempo de estadia na nave pareceu se arrastar. Quando ela pousou, na estação central, desembarcaram quase automaticamente, encontrando-se com aquela luz alaranjada proveniente do crepúsculo.

–É bom estar de volta. – comentou Nick, enquanto caminhavam para fora do local

Assim que chegaram ao pátio externo da estação, os heartless surgiram, em uma quantidade relativamente alta.

–Mesmo que tenhamos de derrotar tantos heartless. – emendou Lukas

A luta não demorou muito, e não pode deixar de ser nostálgica. Afinal, aquele fora o lugar onde eles primeiro empunharam suas keyblades, onde primeiro derrotaram aqueles seres da escuridão, à exceção de seus sonhos. Também era engraçado perceber que, da última vez que estiveram ali, o manejo de suas armas era sem jeito e hesitante, e agora eles lutavam não só com maestria como também em sintonia com os demais. Porém, mesmo com o ótimo trabalho em equipe, decidiram-se por se separarem, para limparem mais rapidamente a cidade. Lukas foi direto para a rua principal, enquanto Juno e Nick seguiram pelos túneis subterrâneos.

Riku e Roxas se encontravam em Sandlot, cercados e heartless. Ambos decidiram inspecionar a cidade, além de tentar limpá-la. Não podiam negar que sentiam falta do tempo de keyblader, além de, inconscientemente, desejarem muito encontrar seus filhos.

–Essa cena te traz um dejà vú, não? – indagou Riku, lembrando-se de sua luta, tanto contra os heartless quanto entre si

–Com certeza. – confirmou Roxas – Só estão faltando nossas keyblades.

–Não seja por isso. – uma conhecida voz foi ouvida, seguida por raios que destruíram boa parte dos seres negros

O resto dos heartless foi fácil de destruir, e Lukas acabou parando bem em frente a seu pai. Este não pode evitar a surpresa, tampouco a felicidade em revê-lo. E, também, reparou algo. Nessas poucas semanas, algo mudara no garoto. Não no físico, mas no olhar. Havia um brilho diferente agora, embora não soubesse discernir se era algo bom ou ruim. O mais novo se aproximou, sem desviar do olhar dele.

–Parece até que não nos vemos há muito tempo, não é? – Lukas verbalizou o que pensava, ao que ele assentiu, abraçando-o em seguida

–Eu senti sua falta. – murmurou, enquanto o filho retribuía o abraço

Lukas, em geral, falaria algo como ‘eu sei que faço muita falta’. Porém, sua saudade de casa era maior que sua personalidade brincalhona. Limitou-se a abraçar forte o pai, pouco depois o soltando. Ao voltarem à atenção para Riku, puderam notar que ele estava com uma expressão levemente preocupada.

–Onde está Nick? – perguntou o rapaz de cabelos prateados

–Perto da Juno, claro. – o garoto falou como se fosse óbvio, ao que os dois adultos se entreolharam com um leve tom de confusão.

Juno já estava perto da saída do túnel. Encaminhava-se para Sunset Terrace, pois sabia que sua mãe adotiva poderia estar em perigo. Embora estivesse um pouco receosa da reação dela ao vê-la assim, como uma guerreira, não se perdoaria se algo acontecesse a ela por culpa de um medo bobo como esse. Nick já não estava mais ao seu lado, ele tinha saído dos túneis subterrâneos quando apareceu o caminho para a parte central da cidade.

Ao chegar à última parte, já não estando nem mais no subterrâneo, viu três garotos encurralados por alguns shadows. Destruiu-os, e então olhou para os garotos. A surpresa tomou conta de seu rosto, assim como do deles. Eram os três garotos de sua antiga vizinhança, os mesmos que a perturbavam diariamente, que destruíram seus dias felizes da infância. Revê-los era algo que não esperava, principalmente porque não pensara de um dia eles virem para Twilight Town, mesmo que para uma curta visita.

–A... – o mais velho, que era considerado um líder para os outros, começou, mas sacudiu a cabeça e corrigiu-se – Juno?

–O que é essa... espada na sua mão? – o que estava na esquerda completou a questão

–É uma longa história... – suspirou ela – E que realmente não tenho tempo de contar. Só um aviso: Não fiquem perto desses seres. Isso pode ser bem perigoso.

Os dois que haviam lhe dirigido a palavra assentiram, com uma expressão um pouco assustada. Porém, o terceiro ainda duvidou do que ela dissera

–E por que deveríamos confiar em você? – questionou – Aposto que adoraria ferrar a gente.

–Não faço o estilo vingativo. Se me conhecesse o mínimo que fosse, saberiam disso. – respondeu, com a voz firme, sem o mínimo rastro de estar mentindo – É meu dever, como keyblade master, deixar meu coração limpo de mágoas, e proteger a todos que puder. Posso lhe dar minha palavra que não quero mal algum a vocês. – ela deu uma breve pausa para olhá-los diretamente nos olhos, tempo o suficiente para aquelas palavras atingirem mais cada um deles, e saiu caminhando

–Juno – o primeiro chamou, e ela simplesmente virou o rosto para trás – Você é algum tipo de heroína agora?

A garota esboçou um sorriso ao responder

–Pode-se dizer que sim.

–Então, boa sorte. – desejou-lhe, logo completando – E saiba que está se saindo muito bem.

Juno agradeceu-o, e, naquele momento, percebeu que nenhuma vingança que pudesse fazer contra eles valeria tanto quanto aquelas palavras de respeito e admiração.

Cada vez mais se surpreendia com como sua intuição não falhava. Ao chegar a sua casa de Twilight Town, viu que o planalto na frente dela estava tomado por heartless. E eles cercavam justamente sua mãe.

Roxane estava sentada com as costas apoiadas na cerca de madeira. Fechara os olhos, com medo daqueles seres, cujos olhos transmitiam medo só de encará-los. Mas, então, ouviu. Uma voz que achara que não ouviria tão cedo. Quando se decidiu por ver o que acontecia ao redor, foi tomada pela surpresa. Ali estava Juno, destruindo os últimos seres negros com algo que parecia uma chave, mas que ela usava como uma espada. Quando seus olhares se encontraram, pode ver como ela já não era mais a garotinha frágil de quando fora embora.

–Mãe! – ela exclamou, enquanto chegava mais perto – Está tudo bem?

–O que está fazendo aqui, Juno? – nem sequer respondeu, a confusão e a curiosidade eram mais fortes agora

–Bem, isso é uma longa história... – a garota respondeu, meio sem graça – Depois posso até te contar, mas, por hora, tenho de deixá-la em segurança. Pode responder a minha pergunta agora?

A garota estendeu a mão, oferecendo-lhe ajuda para se levantar. Foi quase em gesto automático que se levantou, ainda em estado de surpresa.

–Estou bem sim, Juno. – um sorriso surgiu em seu rosto ao completar – Acho que melhor agora por ver você. – não resistindo ao impulso, abraçou-a, sendo prontamente correspondida por ela – Os dias não são mais os mesmos sem você, sabia?

–Ah, mãe, tantas coisas aconteceram nesses dias... Eu queria tanto poder simplesmente sentar com você e conversar... – desabafou Juno, pouco depois respirando fundo – Mas não posso. Não agora. – ela tentou se soltar, porém sua mãe a segurou mais forte – Mãe, eu tenho de ir.

–Não quero te soltar. – rebateu Roxane – Sinto que é perigoso fazer isso.

Ouvindo essas palavras, Juno pode ver um reflexo das que sua mãe, Kairi, lhe dissera no dia que deixara Destiny Islands. Era engraçado ver como, mesmo nunca tendo uma encontrado com a outra, se pareciam tanto. Compartilhavam um laço muito forte, isso era inegável.

–Por favor, mãe, me solte. – pediu, olhando diretamente em seus olhos – Vou ficar bem. Tenho de vir aqui te contar o que aconteceu. Isso é algo que realmente não pretendo abrir mão.

–Você realmente vai voltar? – perguntou a mulher, em tom que dividia preocupação e tristeza

–Eu prometo. – afirmou Juno

Ao ouvir isso, e percebendo que nada havia de hesitação na voz dela, Roxane a soltou. A ruiva deu um sorriso, confirmando o que prometera, e saiu decidida, deixando sua intuição guiar-lhe para onde os amigos estariam.

Olette e Namine estavam em frente à mansão abandonada. Os rapazes tinham pedido para elas ficarem afastadas daquele lugar, advertindo-as que provavelmente seria onde mais se encontrariam heartless. Porém, elas fingiram nem ouvir, afinal sabiam que o grupo acabaria indo para lá.

Não demorou muito para que sombras aparecessem e se erguessem do chão. As duas tinham boas habilidades para magia, mas os heartless tinham a vantagem do número. Estavam começando a ganhá-las pelo cansaço quando mais alguém entrou na luta. Seus ataques precisos e sua forte magia, estranhamente de cor mais escura, eliminaram o que restava dos heartless rapidamente.

Quando Nick parou, mal conseguiu respirar antes de sentir sua mãe o abraçando.

–Filho! Eu fiquei tão preocupada com você – exclamou ela, apertando-o mais

Geralmente, esse jeito apegado e super preocupado da mãe chegava a irritá-lo. Mas agora, principalmente depois de quase virar um heartless e, com isso, jamais poder retornar para casa, até sentia falta disso. Abraçou-a de volta e aproveitou a deliciosa sensação que era estar perto da mãe.

Namine estava a ponto de perguntar por Lukas quando este apareceu e praticamente se jogou nela. Não segurou um riso antes de corresponder ao abraço. Riku e Roxas acompanhavam-no, e o primeiro automaticamente voltou seu olhar para o filho. A alegria nisso praticamente evaporou, dando lugar à preocupação e certo receio ao constatar a energia negra que o rodeava. O garoto, assim que se soltou de sua mãe, aproximou-se dele.

–Está tudo bem, Nick? – perguntou ele, em tom preocupado

O garoto assentiu, sabendo ao que ele se referia.

–Parece que o grupo está completo. – Sora comentou ao chegar acompanhado de Juno

–Então, acho que podemos seguir em frente. – sugeriu Olette, ao que os demais olharam na direção da construção

–Aquele caminho para The World that Never Was ainda está aberto? – indagou o rapaz de cabelos castanhos

–A única coisa que temos de fazer é conectar essa Twilight Town com a digital. – explicou Roxas

–Espero que dessa vez você não quebre o computador. – provocou o primeiro

Alguns nobodies habitavam o interior da mansão, nada comparável à quantidade dos seres negros do lado de fora. Chegar à sala do computador não foi difícil, tampouco ativar o raio que ia os transportar para a outra cidade. O mais difícil, no momento, era se separarem novamente dos pais.

–Acho que... Nos separamos aqui, certo? – começou Juno, quebrando o silêncio que tinha se instalado

–Temporariamente, claro. – completou Nick

–Sendo temporário, não demorem tanto com a despedida. – interviu Namine – Se fizerem isso, provavelmente vou acabar segurando alguém.

O trio riu e assentiu com a cabeça, logo se virando em direção ao feixe de luz e desaparecendo. A tensão passou a ser notória no ar.

–Dá vontade de segui-los e arrastá-los de volta para casa, e trancar essa casa, não é? – comentou Riku, respirando fundo

–De qualquer jeito, - rebateu Sora – eles sempre acabam descobrindo uma maneira de achar a chave.

Não demoraram muito na versão digital de Twilight Town. Ao chegarem ao mundo onde a noite é eterna, perceberam que o número de heartless lá era bem maior. Derrotar todos levaria bastante tempo, porém ignorá-los trazia o risco de eles impedirem a passagem. Decidiram por limpar a área, no entanto Juno lançou uma enorme bola de fogo que abriu um caminho para prosseguir.

–Lukas, vai! – ordenou

–Como é? – questionou o loiro

–Eu duvido que a primeira que estará nos esperando no castelo seja Larxene. – argumentou a garota – A luta com Brendah não é nossa. É sua. Agora, vai!

O garoto assentiu, entendendo o que ela queria dizer, e seguiu direto para o castelo.

O caminho até seu objetivo foi cansativo, visto que foram necessárias muitas magias para abri-lo. Agradeceu mentalmente o castelo estar vazio. Só ouvia seus passos e o som da sua respiração, nada mais. Caminhava cautelosamente, decidido, embora o nervosismo começasse a ameaçar tomar conta dele. Acabou por chegar a uma sala com uma plataforma retangular, e, em um dos lados menores deste, Brendah estava em pé, de costas para ele, com as adagas brilhando perigosamente em suas mãos.

–Novamente sozinho? – ela perguntou, virando-se em sua direção – O que houve? Nick virou um heartless e Juno está tentando trazê-lo de volta?

–Ah, você sabe que aqueles dois precisam de um tempo sozinhos. – brincou o loiro

–Assim como nós? – ironizou a ruiva

Lukas colocou-se em guarda, com diversas lembranças passando em sua mente. A aposta recém-feita com o amigo, a última vez que viu ela, seu encontro em Radiant Garden e Destiny Islands, a última vez que ela estava ao seu lado, e a primeira vez que viu ela. Porém, uma se sobressaiu, firmando toda a certeza que conseguiria cumprir sua meta: A lembrança de quando prometeu a si mesmo que a traria de volta.

–Assim como nós. – repetiu, em um sussurro