“Oi pai

Essa semana foi horrível, você nem imagina. Tudo começou naquela sexta a noite que levei Jonas ao aniversário comigo.

Eu parei para ajudar uma cachorrinha perdida e ele foi para a rua, mesmo quando eu tinha falado para não ir, e foi atropelado. Quebrou o pé.

A culpa foi minha, eu sei!! Não era a hora de começar a imaginar, mas você sabe que não resisto!! Ah, que ótimo, agora estou chorando.

Logo depois que isso aconteceu prometi a mim mesma que não ia mais imaginar, nunca mais. Mas não consigo! Mamãe ficou muito desapontada e me deu um sermão dizendo que não tenho responsabilidade, que já tenho 16 anos e preciso ajudar mais, que ando desleixada, etc.

Fiquei nervosa na hora, falei que era mentira porque ganhava o suficiente para pagar a janta e ainda para comprar algumas coisinhas mínimas para a casa e nunca pedi nada em troca! Tudo bem que ela ganha mais do que eu, mas não posso trabalhar como empregada igual ela!

Mas está tudo bem no mais. Acho que, na verdade, Jonas está adorando ficar com o pé quebrado. Mamãe faz tudo para ele agora.

Hoje estou escrevendo essa carta fora de casa, estou na igreja. Precisava ficar um pouco quieta e confessar com o padre.

Porque se eu tivesse prestado atenção em Jonas, isso não teria acontecido. Foi culpa minha, eu sei...

Se cuida aí, ok? Estou com saudades.

                                                  Para sempre sua Isa”

Isabela arrancou a folha de seu caderninho, colocando no envelope e pregando o selo. Estava ajoelhada, antes de começar a escrever estava rezando.

Saiu da igreja, pronta para colocar a carta na caixinha de correio. Estava cansada, além de ter trabalhado por um dia a mais ela teve que fazer as tarefas do irmão, como: lavar o banheiro, a louça, varrer a casa...

Nem tinha dado tempo de ir, na 3ª feira, em sua aula secreta de piano. Na 5ª feira tomou uma bronca da professora.

Estralou suas costas, arrumando a blusa. A carta agora já estava dentro da caixa e ela voltava sozinha para casa, decidida a não “arranjar” ninguém para conversar.

Ouviu uma música vinda de longe, uma mistura conhecida de piano, trombone, violino e vozes. Lembrou-se da igreja protestante que passou outro dia e resolveu se aproximar, procurando o aconchego da música.

Parou na porta espiando. O som a chamava e sua imaginação começava a fluir. Fechou os olhos, como da ultima vez. Voltou naquele mesmo lugar, onde não tinham problemas ou preocupações, culpa ou medo, tristeza ou dor. Só o homem e a criança dançando a tranquila música, felizes.

O pastor começou a falar, fazendo-a sair de seu devaneio. Ela quis ficar, quis esperar a próxima música chegar, quis ouvir as palavras do homem e ver se nela encontrava o conforto desejado.

Mas ficou com vergonha de entrar. Então continuou ali, encostada no mármore frio, só ouvindo.

O pastor falou tudo que ela queria ouvir. Ele falava que alguém ali estava sofrendo em sua casa, sentindo falta de alguém ou de algo, mas Deus a ajudá-la a superar.

Isabela tinha certeza que isso tudo era para ela. Ouviu a ultima música e saiu correndo antes que a vejam, indo para casa.