“Oi pai

Você não vai acreditar no que aconteceu comigo!! Eu fui ‘promovida’ a monitora-chefe logo no começo da semana, e agora ganho o dobro do que ganhava!!

D. Malu, a mãe de um aniversariante, fez uma carta enorme para o salão de festas falando muito bem sobre mim e que eu era boa com crianças. Eles me ‘promoveram’ e agora sou a que comanda todos os monitores!

Desde então as coisas vem de bom à melhor. Já fiz mais umas duas festas e conseguimos comprar três panelas novas (que vieram com um pequeno jogo de talheres!)

Fiz uma aposta com Jonas. Ele acha que não vou passar em geologia na escola, porque você sabe o tanto que é difícil, mas eu sei que vou conseguir. Apostamos um chiclete e minha prova é segunda feira (daqui 3 dias!!) e ainda não comecei a estudar... Ando tão focada na música!

Sabe, quando estou tocando tudo desaparece... Todos os problemas, tudo de ruim. Que bom que posso compartilhar isso com você!

Lembra daquele meu amigo imaginário que é um cachorro? Que mora lá naquela árvore onde você me encontrou aquele dia? Então, ele falou que acredita que você recebe as cartinhas. Fiquei mais confiante desde então.

Como sempre desejo-lhe sorte e preço para que tenha cuidado... Volte na 1ª oportunidade que tiver! Estou com saudades...

                                                            Para sempre sua Ela”

Isabela arrancou a folha do caderninho, já colocando-a em um envelope e pregando um selo. Estava uma noite linda, com brisa suave e uma lua cheia bonita e brilhante. Como ainda eram 20:30 decidiu colocar sua carta na caixinha do correio, assim teria menos trabalho amanhã.

Calçou o chinelo, voltando-se para a irmã mais velha que estava deitada no colchão, com o cabelo comprido e rebelde no rosto, cantarolando uma música dos Beatles.

“Vou sair, mas é só por alguns minutos. Tenho que colocar esta carta na caixa de correio. Se mamãe procurar por mim avise-a que já volto.”

Bárbara fez um ‘sim’ com a cabeça, empurrando a cortina que dividia o quarto para o lado, cantando mais alto e mais desafinado.

Isabela deu de ombros, descendo a escada. Saiu cantarolando a mesma canção, feliz. Com uma mão tentava fazer um coque com o cabelo curto e com a outra segurava o envelope. Acabou desistindo e colocou a carta na boca, usando as duas mãos para prender. Uma coisa a chamou atenção.

Era uma música que vinha dali perto. Sons de piano, trombone, violino e vozes se misturavam em uma canção bela e serena, que chamou atenção da garota distraída.

Procurou de onde vinha este som, e seu ouvido a levou a uma igreja protestante que tinha ali por perto. Estava acontecendo um culto, havia poucas pessoas e estas cantavam ao som do belíssimo órgão. Isabela parou só para observar.

Fechou os olhos, imaginando belos anjos voando e dançando de acordo com a música. Imaginava pássaros e um lugar maravilhoso cheio de cachoeiras, rios, flores, árvores, tudo completando a cena principal: um adulto dançando com uma criança. Esta pisava em seus pés para poder acompanhar os paços largos do homem, e não se via o rosto dos dois.

Eles só dançavam a música com aquela certeza de que ele nunca a abandonaria.

Isabela poderia ficar ali só ouvindo e imaginando para sempre, mas a música parou e o pastor começou a falar. Ela acordou de seu devaneio e continuou andando, indo em direção a caixa de correio.

Apertou a carta contra o peito.

Ele ia receber. Ela tinha certeza disso.