Entorpecência escrita por arkanusa


Capítulo 1
Entorpecência


Notas iniciais do capítulo

Essa fanfic foi escrita em... 2006? Não sei, mas faz um par de anos.
Estou mordendo minha língua, porque no meu perfil está escrito que eu só publicaria no Nyah! coisas que eu tivesse reescrito ou escrito depois de 2009. Sou uma mentirosa nojenta, MAS...! Eu explico.
Entorpecência (não, esta palavra NÃO existe) foi a última fanfic que escrevi para as challanges T/G do 3V. Ela ganhou, e como se eu sempre estivesse esperando por isso (porque sempre ficava em segundo lugar) eu simplesmente nunca mais apareci por lá. Isso me causou tanto remorso depois que eu fiquei um bom tempo ignorando a fanfic, como se ela fosse culpada pela minha irresponsabilidade (sim, eu devia mediar a challange seguinte, e eu vazei).
Entretanto, eu resolvi reler ela hoje (09/11/2010). Para minha surpresa ela é decente, não me causou ânsias de vômito. Achei algumas partes até BOAS...
Então eu decidi publicar. Dei uma editada básica para agradar meus caprichos, e estou postando.
Os requisitos da challange era que fanfic fosse T/G (óbvio), short, tivesse flores brancas e chave, se bem me lembro.



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Entorpecência


Em silêncio no quarto fechado por onde os feixes de sol entravam pelas frestas finas das janelas e estagnavam na cortina escura, não iluminando os móveis empoeirados que dispunham-se no cômodo, ele pensava. Pensava num meio de fazer com que a porta se abrisse.

Não que o escuro o incomodasse. Nem um pouco. Seus olhos já haviam se acostumado. Queria ser livre para ir e vir. Durante tantos anos adormecido, via-se desperto. Uma alma pura estava rondando por perto. Ele tinha certeza.

A porta iria se destrancar a qualquer momento…

.

Ginny estava ansiosa. Uma coisa estranha que nunca havia acontecido acontecera. Por um momento tudo era como sempre fora e, no outro, encontrara algo no seu quarto que desconhecia. Via-se de pé, no seu quarto branco, por onde a luz entrava pela grande porta de sua sacada, em frente a uma porta de madeira muito grande. Ela era a única coisa escura que havia ali. E sempre tivera tanta curiosidade…

Naquela manhã, enquanto fazia suas coisas, olhou para a porta. E lá estava a chave. A chave que procurara por tantos anos em vão, sem encontrar…

Agora, estava ali. Esticou a mão para a bela chave de prata e tocou-a. Era fria. Mais fria do que qualquer coisa que já tivesse tocado. Talvez não devesse girá-la; não sabia o que encontraria do outro lado.

As pessoas lhe diziam que não devia nunca entrar em lugares estranhos. Mas ela não pretendia entrar… Queria só ver o que era. Queria ver se era algo diferente do que ela estava acostumada a ver todos os dias. Queria ver se mais alguém vivia ali.

Ginny girou a chave e pensou em não abrir a porta, mas esta abriu-se sozinha, antes que pudesse fazer qualquer coisa.

Seus olhos castanhos brilharam de medo e espanto. Pensou que estava cega. Não conseguia ver nada. Tudo à sua frente estava negro demais, escuro demais…

Ela queria fechar a porta, mas tinha medo de pisar naquele chão cheio de trevas. Nem sabia se existia chão ali. Tinha medo de cair no nada e desaparecer para sempre. Foi quando viu que alguma coisa viva se mexia lá no fundo.

Ginny fixou o olhar na onde percebera o movimento. Alguém parecia respirar. Parecia ver o que seria um par de olhos no meio de todas aquelas trevas cegas. Aliviada por encontrar alguém ali, Ginny disse para o estranho:

- Oi. Meu nome é Ginny Weasley.

Ela esperou ansiosa, até que uma voz chegou aos seus ouvidos.

- Olá, Ginny. Meu nome é Tom Riddle.

.

No início nenhum dos dois saiu de seus respectivos cantos. Conversavam comportados do lugar em que estavam, sem ousar cruzar a porta. A luz que vinha do cômodo dela ofuscava seus olhos acostumados com o escuro. Tom sabia que ainda era cedo demais para tentar ir para lá, ou para assediá-la a vir para cá. Ela tinha medo do escuro e ele estava fraco e vulnerável perto da luz.

Talvez ela não pudesse vê-lo, mas ele conseguia vê-la, quando seus olhos já não se sentiam tão sensíveis com a claridade. Ela era jovem, assim como as crianças que corriam pelos primeiros anos de Hogwarts, para qual descobriu depois que ela estava indo este ano. E embora fosse pequena e tímida no começo, pareceu maior e bonita com o passar dos dias. Era ruiva e seu rosto tinha sardas. Sempre vestida de branco, empolgava-se quando começava a contar as coisas e não parecia mais qualquer criança que já tivesse falado com ele. Ela não tinha medo dele, pois não o via…

E antes que ela o visse, precisava conquistar sua confiança. Tinha que ser “bom” e “atencioso”. Devia ser seu “melhor amigo”. Devia fazê-la sentir-se querida… Isso não seria problema. Não para ele.

Aos poucos, sentiu que Ginny começava a “gostar” dele. Duas ou três vezes havia dito que ele era seu melhor amigo. Pelo que percebia, era uma garota solitária. Cheia de irmãos para tomar sua atenção, tímida e nova em um lugar estranho. Era natural que gostasse de conversar com ele. Sempre lhe dava conselhos amigáveis e enchia-lhe de elogios. Não imaGinnyva porque ela não haveria de cair de adoração por ele.

Em todo o caso, alguns meses se passaram, e ele precisava ser rápido. Se conseguisse com que ela viesse para o seu lado, a teria por completo domínio. E esse domínio o libertaria.

A cada dia que passava, sentava-se mais perto da porta para conversar. A luz já não era tão insuportável e estava ansioso para saber o que acontecera nos anos seguintes aos que fora ali confinado. Ela sabia, e ia lhe contar. Mas não podia arrancar dela as respostas de uma vez, ou desconfiaria de algo. Tinha que ser paciente e não ser grosso quando ela mudava de assunto no meio aos retornos de suas perguntas. Devia parecer surpreso ou demonstrar que o Lord das Trevas era novidade para ele. E assim iria conseguindo suas informações, sem levantar suspeitas.

Ela tinha portas que a levavam á outras realidades. As portas dele estavam impedidas e pregadas. O único meio de conseguir sair era cruzando a grande porta que os ligava e usar as dela. E isso significava que teria que ir até ela e pegar suas chaves.

Um dia, então, ela chegou e sentou-se na frente da porta.

- Tom, como você é?

- Como eu sou? – repetiu ele, curioso.

- É. Alto, baixo, gordo ou magro?… - explicou ela, sorrindo.

- Você quer saber? – perguntou ele, deixando escapar um meio sorriso no escuro.

- Quero.

- E isso importa? – questionou, suavemente.

- Não exatamente – respondeu ela, dando ombros. – Só queria saber se é do jeito que eu imagino.

Tom não respondeu de imediato.

Então, levantou-se da cadeira onde estava apoiado e deu passos lentos em direção à ela. Seus olhos arderam quando a claridade bateu em seu rosto e ele os fechou. Não pensou que fosse tão branco e iluminado. Nunca estivera em nenhum lugar como aquele.

Por fim abriu-os. Podia enxergar algumas coisas borradas. Aquele mundo era tão claro! Mas não ia definhar por causa daquilo. Tinha uma meta a cumprir.

- Pode me ver? – perguntou, ainda apertando os olhos de dor, mas mantendo a voz controlada.

A outra não respondeu de imediato. Consegui ver seus cabelos ruivos. Eram mais vermelhos do que imaGinnyva.

- Sim – disse ela, por fim, numa voz fraca e fina. – Como você fez isso?

- Uma longa história, Ginny, e não tenho forças para explicar. Meus olhos doem…

- Por quê? – quis saber ela. Era bem uma cabeça e meia mais baixa do que ele.

- Seu mundo é claro – disse ele, brevemente.

- É? – estranhou ela. Viu-a difusamente piscar os olhos e sorrir. – Você é bonito, Tom. E é mais alto do que eu pensava.

Ele sorriu.

- Obrigado. Mas você é muito mais bonita do que eu. Esse Harry Potter é tão bobo que ainda não percebeu isso? – disse-lhe, sendo atento.

O sorriso dela tornou-se muito tímido e seu rosto ficou da cor dos cabelos. Tom tentou não rir muito alto. Era engraçado como as meninas se envergonhavam todas com um elogio. E se tudo continuasse correndo assim, ia ser muito, muito fácil…

- O Harry não é bobo – murmurou ela, ainda tímida, como se ele tivesse dito algo terrível.

- Por que não? – quis saber Tom, pensando bem nas palavras. – Só porque ele é famoso? E nem se lembra o motivo disso…

- Não. Você fala como os meninos da Sonserina, Tom – disse Ginny, numa voz de quem repreendia, mas achava graça.

Ele sorriu com quem sabia de coisas que ela desconhecia. Ginny olhou-o de cima a baixo, detendo os olhos no seu distintivo de monitor verde e prata.

- Ah, bem… - admirou-se ela, sem-graça.

- Isso… Isso te incomoda? – disse Tom, fingindo insegurança e até mesmo desapontamento.

- Não, claro que não – apressou-se ela em dizer. Abriu um sorriso grande. – Você é meu melhor amigo.

Tom desejou profundamente que ela não o abraçasse. Ginny não o fez. Ao invés disso, perguntou:

- Você é real?

Tom olhou ao redor.

- Ainda não. Não no sentido em que está perguntando – respondeu, sendo sincero. – E agora eu preciso ir.

Ela pareceu desapontada.

- Mas já? – questionou, chateada. – Você acabou de chegar!

- Fiquei cinqüenta anos sem sair dali, ainda não tenho forças para ficar aqui por muito tempo.

Com isso, Tom hesitou. Então, levantou uma não e afagou de leve os cabelos dela.

- Até logo.

Dizendo isso, tornou a desaparecer na escuridão.

As próximas vezes em que saiu, não ficou muito mais do que isso, mas cada visita que lhe fazia, ficava mais imune ao outro lado. Com o passar do tempo, de repente, já ficava um quarto de hora na claridade ao cruzar a porta. Tornou-se constante e presente na vida da garota, o suficiente para acreditar que a mesma já tinha nele confiança o bastante para convidá-la a ir para o seu lado.

Ela pareceu admirada com a perspectiva de visitar o lado dele, mas no fim concordou. Não havia o que temer se ele estivesse com ela. Afinal, ele confiara nela o suficiente para cruzar a porta, precisava retribuir.

E ela era incrivelmente fácil de manipular…

.

Na primeira vez que Ginny cruzou a porta, não passaram de poucos segundos. Teve medo e voltou. Era tudo muito escuro, sentira-se frágil e impotente. Disse isso a Tom e, embora ele tenha respondido que entendia, Ginny reparou que ele passou a dar respostar curtas e mal puxar assunto. Começou a odiar a si mesma por fazer seu melhor amigo pensar que não confiava nele.

Não querendo continuar naquele clima, anunciou, no dia seguinte, que gostaria de visitá-lo. Ela pareceu feliz com isso, e disse para que não se preocupasse, pois ele estaria segurando sua mão. Confiando nisso, ela tornou a cruzar a porta.

Era como se estivesse caindo num abismo, absorto em escuridão. Sentia frio. Sentia-se dopada.

Mas Tom não faltou com a sua palavra. Quando começou a pensar em voltar, sentiu a mão dele pegar a sua e ouviu sua respiração perto. Segurou a mão dele com força. Não era quente como a dela, mas tampouco fria como ao redor.

Devagar, guiou-a por caminhos que não conseguia ver. A todo instante encostava em alguma coisa, de diferentes dimensões e texturas, mas não chegou a esbarrar em nada. Por fim, sentiu suas pernas tocarem em algo macio feito de tecido na altura dos joelhos. Tom conduziu-a a sentar-se no que parecia uma espécie de sofá ou cama, o que ela obedeceu sem reclamar.

Oposta a ela, agora, conseguia ver a porta. Parecia distante. Apenas um quadrado branco no meio do escuro. A sombra de Tom passou na frente, distraindo-a, e sentou-se ao seu lado. Sentia-se fragilizada, perdida em um lugar que não conhecia. Deu o braço à Tom e encostou a cabeça no ombro dele. Ele foi extremamente compreensivo e carinhoso, aconchegando-a contra o calor de seu corpo e afagando seus lisos cabelos sem pressa.

- Você está com sono, não está? – perguntou ele, baixinho. Ginny não respondeu. Não porque não quisesse, mas porque não conseguiu. Sentia-se cansada de repente. Muito cansada. A luz da porta foi escurecendo aos poucos e, em instantes, estava absorta em escuridão.

- Não se preocupe – ouviu a voz de Tom, estranhamente distorcida, como se sua voz fosse um eco distante. – Nada vai te acontecer enquanto eu estiver com você…

.

Assim que percebeu que ela perdera a consciência, deitou-a cuidadosamente, até com mais cuidado do que o necessário. Cobriu-a com a própria capa e continuou, por algum tempo, debruçado sobre a garota, acariciando seus cabelos vermelhos. Os fios eram tão lisos e tão finos e escapavam de seus dedos tão timidamente…

Ela era tão pequena. Tão pequena e inocente…

Por fim levantou-se e cruzou o chão em direção à porta.

.

Por várias outras vezes Ginny acordara em seu quarto e não se lembrava de nada. Parecia que passara um tempo enorme dormindo, e não sabia como viera parar ali. Só se lembrava de estar conversando com Tom e, de repente, todas as suas lembranças desapareciam. Entretanto, isso pouco lhe importava.

Pela primeira vez na vida, mesmo que continuasse sem ter muitas pessoas com quem conversar, tinha alguém com quem podia contar. Ao mesmo tempo, coisas estranhas estavam acontecendo em Hogwarts.

Tinha sorte em poder discutir o assunto com alguém. Tom era um bom ouvinte e, ao contrário das outras pessoas, não tinha receio de falar sobre os acontecimentos. Disse que quando estava na escola, coisas estranhas também aconteceram, mas um dia simplesmente pararam de acontecer. Ginny tinha esperanças que acontecesse o mesmo.

Tom também disse que ela era puro-sangue, então não tinha o porque temer. Sem preocupações, começou a enfeitar seu quarto com flores brancas. Indiferente ao que acontecia lá fora, mantinha-se com uma quase utópica felicidade. Se não conhecesse a si mesma, diria que estava sendo enfeitiçada.

.

- Você não me visita há décadas, sabia?

Tom estava sentado na cama branca, fitando o rosto inexpressível da letárgica Ginevra Weasley. Suas sardas davam-lhe um ar de criança ao mesmo tempo em que contrastava com os adormecidos traços atraentes que ele julgava vir a desabrochar daqui a alguns anos, se ela vivesse para permiti-los…

Tocou a pele de seu bonito rosto com as pontas dos dedos longos. Aquilo estava certo para acontecer bem antes de ele conhece-la. Não o faria se pudesse escolher entre qualquer outro. E sempre soubera dos riscos de simular uma relação de amizade.

Mas Ginny era diferente de qualquer previsão. Ginny era como ele. Cessou o toque. Endireitou-se e estendeu a mão para as flores que estavam sobre o criado-mudo. Eram apenas alegres margaridas. Puxou uma e trouxe para perto.

- Posso perceber que está feliz. Você está feliz, Ginny? – sussurrou, os olhos fixos na flor.

Como ela não conseguia ver a maldade nos outros o suficiente para ser tão feliz?

Ginny se mexeu na cama, como se quisesse responder, mas continuou dormindo. Quando os olhos de Tom voltaram para a flor, ela estava seca entre seus dedos.

- Diga-me, pequena Ginny… - disse, em voz baixa, os olhos fixos na flor morta. – Por que Harry Potter está tentando descobrir quem está causando os ataques?

No seu sono, a garota deu um suspiro. Então, começou a falar, inconsciente disso.

- As pessoas… pensam que ele é… o herdeiro…

- Ele não gosta, é? Está tentando salvar a sua própria imagem, enquanto tenta reforçar sua fama de herói? – filosofou ele, sem perceber o cinismo na própria voz.

- Tom… - murmurou Ginny, remexendo-se.

Ele não respondeu. Soltou a flor seca no chão e esperou que ela acordasse.

A ruiva abriu os olhos, sonolenta, e demorou alguns segundos para perceber que ele estava do seu lado.

- Tom? – estranhou. Depois de sustentar seu olhar por vários segundos, disse: - O que está fazendo aqui?

- Vim te ver. Não posso? – disse, sem se importar em ser gentil.

- Pode… - respondeu ela. Depois de lançar-lhe um olhar mais inquieto, tornou a falar. – Estava sonhando com você.

O sorriso que apareceu nos lábios de Tom foi irônico.

- E eu estava sendo um monstro? – disse, em voz baixa, mais para si mesmo do que para ela.

- Por que está falando assim comigo? – perguntou Ginny, deixando transparecer mágoa na voz.

- Assim como? – disfarçou, embora seu olhar o denunciasse.

- Você está cínico e insinuante – reclamou a garota.

Ele encarou-a.

- Eu só queria ver você – repetiu, inexpressivamente.

- Isso não é motivo…! Só piora, aliás…

Tom revirou os olhos. Tinha pressa, e discutir não ia adiantar as coisas.

- Preciso que venha comigo – disse para Ginny.

- Aonde? – indagou ela, irritada.

- Eu preciso de você – continuou ele, sem dar atenção à pergunta. Ela pareceu confusa. – Vem comigo.

Ginny sentou-se na cama. Não parecia muito ansiosa pra ir a lugar algum.

- Ou me explica o que está acontecendo ou eu vou achar que ficou louco – disse ela, parecendo ter tomado uma atitude que não queria. – Você sabe quem é o herdeiro de Slytherin, não sabe?

Tom levantou-se. Ela simplesmente lhe dava as armas.

- Sei – respondeu, sério. – Vem comigo.

Ela levantou-se, meio contra a vontade, mas seguiu-o. Ele pegou sua mão e puxou-a até a porta.

- Ei, não precisa puxar – reclamou Ginny, irritada.

Mas ele não estava afim de deixá-la escapar. Seus planos estavam atrasados e não podia ficar se dando ao luxo de vê-la desejando-lhe apenas bom dia e distraindo-se com outras coisas.

Levou-a até o fundo do quarto escuro e mandou que se sentasse na cama. Com um olhar de repreensão ela obedeceu, claramente mau-humorada.

- Me acordou para que? – disse ela, em voz baixa.

Ele hesitou. Aquilo requereria toda a força de vontade que tinha. Sentou-se do lado dela e abraçou-a com força.

- Eu não posso te contar. Você entende que eu não posso? Sou apenas uma memória, e você é a única pessoa com quem falo em cinqüenta anos. Não me deixe sozinho de novo, eu imploro – disse ele. Viu em si mesmo um exemplar detestável da raça humana. Ginny pareceu surpresa com aquilo no momento, mas logo em seguida passou os braços ao redor dele para consolá-lo.

- Eu não vou deixar de ser sua amiga, Tom. E você podia ter me dito antes ao invés de me assustar – disse, numa voz maternal. – Quer que eu fique aqui com você?

- Quero – respondeu ele, agradecendo em silêncio por ela ter sugerido isso.

Sonolenta como sabia que a garota estava, não precisaria de muito tempo até que ela caísse no sono.

Quando isso aconteceu, Tom deixou-a e saiu. Como percebera que ela estava mais imune ao feitiço do quarto escuro cada vez que ali ia, resolveu não se arriscar que ela voltasse enquanto estivesse lá fora, e trancou a porta por fora.

.

Ginny acordou no escuro. Viu-se perdida em meio às trevas, quando ouviu um barulho e, com pressa, a porta se abriu um pouco à esquerda de onde seus olhos estavam. Um vulto negro abriu-a e entrou, com passos vacilantes. Ginny, os olhos já melhor acostumados à escuridão, viu a silhueta cair sentado em uma poltrona perto da porta. Parecia não ter notado que ela acordara.

Não sabia o porque, mas lembrava-se de como Tom fora rude com ela antes de adormecer. Acreditara na desculpa que ela não lhe dava mais a mesma atenção que antes, mas agora via-o voltando lá de fora, abrindo a porta. Teve a impressão de que ele trancara-a, e agora esgueirava-se para ali novamente. Não gostou nada do pensamento.

Aproveitando que o vulto mantinha-se parado com uma aparência cansada, Ginny levantou-se e, na ponta dos pés, foi cruzando o quarto escuro até a porta. Preocupada em manter os olhos fixos nele, esbarrou sem querer em uma mesa, derrubando alguma coisa no chão. O barulho fê-lo sobressaltar-se e olhar.

Ginny não esperou para ver o que aconteceu depois. Correu o mais rápido que pode para a porta e fechou-a ao sair, girando a chave. Ofegante, deixou-se cair no chão. Sentiu vontade de chorar. Por mais que Tom estivesse agindo de forma muito estranha, continuava a gostar dele como seu melhor amigo, e a perspectiva de fechar a porta para sempre era uma idéia muito dura.

Olhando para a fechadura, viu que a chave tornara a desaparecer.

.

Tom olhou para a porta, estupefato. Isso era tudo o que definitivamente não podia acontecer. Não conseguiu se mover. Estava simplesmente exausto, e agora suas forças minguavam de desapontamento. Nunca contara com essa atitude de Ginny. Pensava que ela já confiava nele o suficiente.

Pelo visto se enganara. Ou se precipitara demais.

Não soube ao certo quantos dias estivera ali e contar não lhe importava mais. Pensou em desistir. Estivera tão perto!… Todos os seus esforços foram inúteis! Em alguns dias as vítimas de seus ataques voltariam ao normal. Pelo menos Ginny seria culpada. Aquela maldita garota seria presa e talvez não saísse nunca mais da cadeia…

Mas um dia jurara para si mesmo que não desistiria de livrar o mundo daquela nojenta raça trouxa. E mesmo que quisesse, não tinha para onde ir. Voltaria ao seu sono imperturbável por mais algumas décadas, quando alguém viria a encontrá-lo. Algum dia, seu plano se cumpriria…

Abriu os olhos. Sentia mais uma vez uma presença humana. Estava muito perto.

A porta se abriu lentamente. Um garoto, pouco mais velho que Ginny, estava parada em frente à ela, observando estático o quarto escuro.

- Meu nome é Harry Potter – disse o estranho, mas Tom já havia reconhecido-o antes disso.

- Olá, Harry Potter. Meu nome é Tom Riddle – disse, automaticamente.

.

Ginny entrou em completo desespero quando viu Harry com a chave de prata. Precisava evitar de qualquer jeito que Tom, furioso como devia estar com ela, contasse todos os seus segredos à Harry. Por isso esperou que ele saísse, entrou no seu quarto e o revirou até encontrá-la. Deu graças à Deus quando achou, voltando a colocá-la na porta.

Demorou horas até que ela parasse de olhar e resolvesse girar a chave. Pensava que Tom estaria furioso com ela, que faria alguma coisa má com ela, mas estava enganada. Ele apenas disse:

- Eu acreditei quando você disse que não me deixaria sozinho.

O coração magoado dela amoleceu ao ouvir isso. Como pudera duvidar do seu melhor amigo?

.

Foi deprimente ver que Ginny tinha conseguido a chave de volta. Por um momento pensara que estava tudo acabado, mas ser encontrado por Harry Potter lhe dera uma vantagem imensa. Entretanto, Ginny voltava a ser seu único meio de concretizar seu plano.

Mesmo que ela parecesse acreditar nele, não queria sofrer mais com desconfianças. Tratou de ser extremamente carinhoso e dar toda a atenção possível para ela. Não podia arriscar tudo novamente. Ter sorte uma vez era uma coisa, duas vezes seria demais. Sabia que não podia desperdiçar essa chance.

Admirou-se, entretanto, de ver, na próxima vez que cruzou a porta, que todas as flores brancas do quarto haviam secado. A própria Ginny parecia não cuidar mais de sua felicidade, parecia sentir que algo muito errado estava acontecendo. Estava apática, triste…

Ele sentiu-se culpado. Ela não era mais a pessoa que conhecera no início do ano, e sentiu falta dela. Talvez a tivera feito provar sentimentos que nunca havia provado. E talvez tivesse sido melhor se ela morresse sem tê-los sentido.

Precisou usá-la mais uma vez, e Ginny não reagiu. Parecia fraca. Era o último efeito de sua magia negra. Tornara completamente dependente dele e faria tudo o que mandasse. Esperara por esse momento desde que ela abrira a porta, e agora sentia-se culpado em abusar de sua posição.

Independente de seus sentimentos em relação à Ginny, usou-a mais uma vez. Atacou Hermione Granger, a amiga nascida trouxa de Potter, e deixou a garota chorar sozinha pela cumplicidade no crime. Não conseguia ficar por perto vendo-a tão infeliz.

Os dias se passaram tensos. Ginny insistia em contar-lhe tudo o que estava acontecendo, embora fosse notável sua tristeza. A essa altura já percebera quem era o Herdeiro de Slytherin, e parecia decepcionada consigo mesma por não conseguir escolher não falar com ele. Era uma necessidade, ele sabia. Ele era a única pessoa que podia compreendê-la.

Então chegada a hora, Tom a chamou. Mandou-a ficar quieta ali enquanto pichava a segunda mensagem na parede e levava-a para a Câmara. Ela disse em vão que não queria e chorou baixinho, mas no fim cedeu. Estava cansada demais para desobedecê-lo, e implorou que acabasse com isso logo. Tom simplesmente jurou que estava quase no fim quando fechou a porta, encerrando-a no escuro.

Quando voltou, ela estava onde a deixara. Perguntou timidamente se podia sair, e ele disse que sim. Ginny saiu sem olhá-lo no rosto e foi, pisando nas suas flores secas, se sentar na própria cama, com um suspiro.

- Por que, Tom? – perguntou a ruiva, por fim, numa voz triste.

Ele parara na porta. Tentou não olhar diretamente para ela.

- Eu nunca disse que vim para ser seu amigo – respondeu, sentindo-se de certa forma apreensivo.

- Mas eu confiei em você – disse Ginny, magoada. – Só quero saber por que você está fazendo isso. Você é um garoto legal, Tom, quando quer…

- Você acha que eu fui verdadeiro com você em algum momento? – perguntou, atormentado pela idéia de ela ainda achar que poderia “salvá-lo”.

- Eu acho, sim – respondeu ela, levantando os olhos para ele. – Ninguém pode ser feito só de maldade. Ninguém é tão frio quanto você está querendo ser.

Ele deu um fraco sorriso.

- O que você considera maldade? Sacrificar uma vida em função de um objetivo que irá tornar esse maldito mundo um lugar menos detestável de se viver? – devolveu ele, sentindo uma sensação de revolta estourar dentro de si. – E fazer uma pessoa esperar por quinze anos acreditando em alguma coisa que não existe não é maldade? Ninguém perceber que você existe até a hora de te humilhar não é maldade? O que é maldade pra você?

Ginny estava encarando-o boquiaberta. Negou com a cabeça.

- Você não precisa seguir os caminhos mais fáceis porque vai te fazer sentir melhor no momento – argumentou ela. – Pois quando terminar, só vai restar o vazio. E eu sinto muito por você, Tom. Realmente sinto.

- Eu não preciso da sua pena – falou ele, com nojo. – O quanto você já viveu e viu pra me julgar?

- Pouco menos que você. E você está me julgando tanto quanto eu estou – disse ela, olhando curiosa para ele. – Você não seria assim se tivesse deixado alguém te amar.

Ele não conseguiu pensar em nada para responder. Abriu a boca, mas fechou-a em seguida. Não era sua culpa que estivesse sozinho. Não escolhera ser órfão e nem odiado pelas outras pessoas de sua idade.

Não escolhera ser diferente. Passara a vida tentando entender, e só conseguira odiar. Só ele sabia o quanto era dolorido não ter ninguém em quem pudesse confiar seus segredos e sentimentos, ou simplesmente se entender com um simples olhar, ou apenas quem o abraçasse quando tivera medo do escuro.

Esses pensamentos provocaram nele um sentimento tão forte que percebeu, com raiva, que uma lágrima escorrera de seu olho esquerdo. Pensou que tinha se livrado de tais fraquezas, mas elas estavam ali, mais fortes do que nunca.

Ginny havia se levantado. Como se lesse seus pensamentos, ela cruzou a porta até ele e o abraçou.

- Só promete que não vai se arrepender do que fizer comigo – disse ela, com um soluço. Ele devolveu o gesto sem pensar, chocado com o ato da garota.

- Eu não vou te esquecer – disse. – Eu prometo que não.

Enquanto esperavam pelo que estava para acontecer, ambos sentaram-se no chão e Ginny deixou ele encostar a cabeça no seu ombro. As horas passaram-se silenciosas, até que ela dormiu.

Levantou-se. Sabia que ia se machucar e sabia que não poderia morrer enquanto ela vivesse, pois era forte a magia que os unia. Sem querer se arrepender do que começara cinqüenta anos atrás, cruzou a porta.

.

Quando Ginny acordou, só viu as suas flores secas no chão. Lembrava-se de coisas estranhas. Lembrava-se que ia morrer. Morrera? Lembrava-se de Tom e de suas lágrimas amarguradas. Onde ele estava?

Levantou-se, fraca. Não tinha morrido? Conhecia aquele lugar. Mas onde estava Tom?

Olhou para a porta. Ela estava entreaberta, mostrando o escuro agourento. Não sentia-se mais fraca, e não queria voltar lá. Mas algo dizia que seu melhor amigo estava lá dentro, e não queria deixá-lo. Afinal, ele não era uma má pessoa, apenas estava confuso com os próprios sentimentos.

Empurrou aporta e entrou. Seus olhos já estavam acostumados ao escuro. Foi andando lentamente até o fundo do quarto e procurou por todos os cantos até encontrá-lo. Quando o fez foi para avistá-lo caído junto à parede, mortalmente ferido na altura do coração.

Abaixando-se, desesperada, tentou conter o sangue que pingava no chão. A respiração dele era fraca, mas seu coração ainda batia.

- Eu não fui capaz de derrotar Harry Potter – disse ele, com uma voz fraca, mas incrivelmente feliz. – E isso significa que ele salvou sua vida… Acho que talvez ele goste de você, Ginny…

Ela não entendeu porque ele dizia aquilo. Estava morrendo e dizia que talvez Harry gostasse dela! Ela não queria saber…

- Vai com ele, Ginny. Ele venceu – continuou Tom, em seu delírio.

- Eu não quero te perder – chorou ela, nervosa.

- Não vai. Memórias não morrem. Mas saia daqui antes que a porta se feche – ofegou ele.

- Não. Eu prometi que não te deixaria sozinho – lembrou Ginny. – Não vou deixar… Eu te amo.

No silêncio que se seguiu, quebrado apenas pelas respirações alteradas dos dois, conseguiu ver um sorriso diferente de qualquer outro que já vira no rosto dele, antes que a porta se fechasse e qualquer vestígio de luz desaparecesse. Talvez tivesse visto o primeiro sorriso sincero que mostrava a ela.

Ginny então foi para mais perto dele e envolveu-o com seus braços.

O frio era muito forte e o seu medo de nunca mais poder voltar era grande. Entretanto, não estava sozinha. Aquele mundo era assustador demais para uma pessoa só, e sabia que apenas manteriam a sanidade se estivessem unidos.

Sabia que ele não a deixaria enquanto não se afastasse dali. E a eternidade seria pouca para separá-los.

FIM


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Notas finais do capítulo

Espere, não entendeu? Opa, não é exclusividade sua. Vamos lá...

Essa fanfic é ousada. Tentei sair do plano literal e ir para o metafórico, então os quartos claro e escuro são o modo como cada um vê o mundo, ou seja, suas respectivas condutas e caminhos pelos quais andam seus corações. Quando um visita o outro, é uma troca de essências, ainda que fisicamente represente quando Tom sai do diário e quando Ginny entra nele. Dispenso, acho, explicar a simbologia de branco e negro/claro e escuro.

A chave é uma metáfora para o contato com sentimentos diferentes daqueles que já conhecemos. Representa abrir o coração para estranhos.

O título, "entorpecência", faz analogia ao que acontece ao longo da história com Ginny: ela se torna viciada. No começo é tudo lindo e alegre, então vêm os primeiros abalos, até o momento em que ela percebe que aquilo lhe faz mal, mas mesmo assim não consegue abandonar. Do mesmo modo, Tom, que sempre foi ambicioso e egoísta, se afeiçoa à ela, mas seu desejo de sentir o sabor de sua alma, que o torna mais forte, supera o conhecimento de que aquilo irá destruí-la; sente culpa, mas não é mais capaz de parar. Mesmo efeito da droga sobre um indivíduo.

Por fim, e o que geralmente causa mais dúvida: o final é UA? NÃO! O final simboliza o modo como Ginny preferiu - ou não conseguiu evitar - imortalizar Tom dentro dela. Ela perdeu a inocência, guardou um sentimento de melancolia e amargura por Tom não ter conseguido evitar ir em frente, mas mesmo assim ele é seu primeiro amor retribuído e ela não quer perdê-lo. "Memórias não morrem", diz ele, mas quando Ginny opta por guardá-las, sabe que não será mais a mesma, pois estará sempre carregando os sentimentos negativos que ele lhe apresentou: os de desconfiança, de traição, de angústia e de solidão.

É uma história triste, mas espero que tenham gostado.
Reviews são sempre bem-vindas!



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