Haviam se passado duas semanas desde o dia em que Hiro e Yui se conheceram. Eles estavam agora junto com Ui, ajudando a preparar o almoço. Hiro ia jantar quase todos os dias na casa de Yui, e almoçar algumas vezes, sempre trazendo qualquer ingrediente e ajudando Ui na cozinha.  Ele já havia se acostumado com a personalidade de Yui, mas a sua espontaneidade o pegava de surpresa certos momentos. Eram agora como uma família.

—Você gosta de cozinhar, ne Hiro-kun? – observou Yui, inclinando-se levemente com as mãos atrás das costas.

— Gosto sim – respondeu Hiro sorrindo enquanto cortava alguns legumes – mas prefiro fazer doces.

—Mesmo? Eu adoooro doces!

—Se quiser... eu posso fazer um bolo pra você... - disse sem levantar os olhos das mãos, as bochechas adquirindo uma leve coloração rosada.

—Verdade? Então me deixe te ajudar – Yui tirou a faca da mão de Hiro, num movimento rápido e perigoso, e tomou seu lugar na bancada, exageradamente animada. Hiro não conseguiu nem mesmo argumentar, pois ela já cortava os legumes alegremente, cantarolando qualquer música que passasse na sua cabeça no momento.

Hiro a observava com cuidado, tentando inconscientemente entender como de fato acabara na cozinha daquela singular e incrível menina. Os movimentos de Yui eram exagerados e descuidados, nem um pouco graciosos, mas Hiro não conseguia desviar o olhar. Ele contemplava o rosto de Yui quando notou um espasmo de dor percorrê-lo. Aproximou-se rapidamente e viu o borrão vermelho que manchava os dedos da chorosa Yui. Pegou a mão entre as suas, sem saber o que fazer. Olhou ao redor, mas Ui já não estava mais ali. Quando ela havia saído? Não sabia responder... estava tão distraído... arrastou Yui até a pia e lavou o corte, que não era tão grande quanto temia.

—Dói? – perguntou com a voz cheia de preocupação, passando os dedos levemente sobre a pequena ferida.

—Um pouquinho... –  choramingou Yui.

—Onde tem um KIT de primeiros socorros?

—Ali – ela apontou para o armário acima da sua cabeça. Ui sempre deixava por perto, afinal Yui era um imã para esse tipo de acidente.

Ele esticou uma mão, sem soltar a outra de Yui e pegou a pequena caixinha branca. Com um band-aid  cor-de-rosa, decorado com um panda sonolento Hiro fez um curativo na garota, que permanecia sem ação. Estendeu o braço, ainda segurando a mão de Yui com a outra, e tocou delicadamente na face de Yui, fazendo-a ruborizar. Ele secou uma lágrima com o polegar, sem desviar seus olhos dos dela, que o fitava com curiosidade.

—Não dói mais...?  - ao ouvir a pergunta Yui balançou a cabeça negativamente – que bom... Eu fiquei preocupado, sabe...

Yui estava paralisada. O lugar onde Hiro havia a tocado ainda formigava, ela não compreendia porque aqueles cuidados, aquele toque, pareciam tão bom... tão... diferente. Diferente de quando era Ui que fazia curativos, ou de quando uma de suas amigas a segurava pelas mãos, como já havia acontecido tantas e tantas vezes. Era completamente novo, e fazia com que seu rosto esquentasse, e um arrepio percorria seu corpo de um modo estranho, mas ela não sentia frio... pelo contrário, sentia-se inexplicavelmente aquecida. Queria experimentar mais uma vez esses novos sentimentos, mas estava constrangida, o que também era algo novo nela.

\t\t\t — Olha, é um panda! – ela mudou de assunto, rapidamente, atropelando as palavras. Tirou sua mão da de Hiro e saiu correndo – eu vou mostrar o panda fofinho para a Ui.

\t\t\t Yui subiu correndo as escadas, quase caindo, sem prestar atenção na direção que tomava.

Hiro virou-se para continuar a cuidar da comida, que com tudo o que aconteceu já devia estar queimando. Surpreendentemente ainda estava do mesmo jeito que estava antes. Havia se passado menos tempo do que Hiro supusera. Ele riu sozinho ao perceber que, para ele, haviam se passado muitos minutos, talvez até horas, mas tudo aconteceu em um ou dois minutos. Havia exagerado um pouco...

\t\t     Ele estava tão perdido em pensamentos que se assustou ao perceber que Ui havia voltado, e estava agora ao seu lado. Ela sorria de maneira tão infantilmente travessa que se parecia ainda mais com a irmã.

— Eu estive pensando... – ela falava enquanto adicionava temperos na comida, aproveitando para fazer uma pausa dramática – você é a pessoa...

Ela olhou para Hiroto, avaliando sua reação, mas ele apenas a olhava com o semblante confuso, lhe entregando um prato com os legumes todos já cortados.

—Eu sempre pensei que ia poder ficar a vida inteira cuidando da Yui... mas isso talvez não possa ser possível...bem, acho que um dia eu vou querer ter a minha própria vida, e a Onee-chan vai querer ter a dela... Ela é o tipo de pessoa que não pode viver sozinha, você já deve ter percebido... – Ui largou as panelas e agora olhava nos olhos de Hiroto, obstinada – Você pode cuidar dela. Eu posso ver que é isso o que você quer fazer.

A determinação nos olhos de Ui foi cedendo, dando espaço para o carinho e cuidado com que ela sempre olhava para a irmã.

—Você vai tomar conta dela, não vai?

Hiro estava surpreendido com o pedido de Ui, mas a resposta era bastante óbvia até mesmo para ele, que sempre fora muito inseguro com relação ás decisões a serem tomadas e aos próprios sentimentos.

—É claro – suspirou ele admitido – eu faria isso até mesmo se você não me pedisse...

-

Yui estava deitada na sua cama, com sua mão cortada apontada para o alto. Ela a fitava com evidente curiosidade. Ainda podia sentir o toque gentil dos dedos do Hiro-kun , o calor leve que passara por entre suas mãos e pelo seu rosto. Fechou os olhos, sorrindo de um jeito bobo (o que já lhe era característico). Pensou em talvez voltar lá e pedir que Hiro-kun segurasse suas mãos, mas descartou a ideia quase na mesma hora em que a teve. Jamais iria conseguir recriar todos aqueles sentimentos, disso tinha certeza. Se concentrou em tentar guardar na memória os preciosos momentos que o corte no dedo lhe proporcionara, mesmo sem entender o porque de ser tão importante. A maneira com que ele a olhara... a preocupação estampada em suas feições... as mãos cálidas em contato com as suas...

Sem nem perceber, Yui já estava pensando em outros aspectos de Hiroto, que tinha visto em outros dias, mas que não tinha prestado atenção.  Gostava de observá-lo cozinhando... ele sempre apresentava um semblante concentrado ao fazer isso. E quando eles estavam estudando juntos – na verdade era sempre Hiroto explicando a matéria para a Yui - ela adorava vê-lo se enrolar com as palavras quando não sabia muito sobre o assunto, ou quando tinha que explicar a mesma coisa pela enésima vez, e também quando ela se aproximava demais, o rosto dele ficava vermelho como um tomate e recuava um ou dois passos, para depois desistir e acabar com ela pendurada no seu braço, enquanto tentava em vão esconder o rosto corado. Sua expressão embaraçada era sem sombra de dúvidas a favorita de Yui.

No ínicio ela não compreendia qual era o motivo de ficar com vergonha dela, afinal ela estava sempre abraçando suas amigas e elas não se incomodavam (talvez a Azu-nyan, mas era só quando haviam orelhinhas de gato envolvidas).  Hiro-kun era um amigo e devia ser abraçado também. Mais tarde ela levantou essa questão para Ui, mas ela corou e gaguejou ao mesmo tempo em que deixava cair todos os livros que carregava, então se abaixou para pegá-los, enquanto murmurava para si mesma “ela já está nessa idade... a Conversa...”. O assunto pareceu perturbar bastante Ui, então ela decidiu perguntar para suas amigas. Naquele dia, ela lembrava-se bem, todas tiveram uma longa conversa na sala de música, com chá, bolos e Sawa-chan-sensei discursando solenemente, sobre um assunto que ela dizia dominar... Garotos. Mio-chan corou sem parar, Mugi-chan dava a toda hora risadinhas esfuziantes, Ricchan gargalhava, Azu-nyan ficou paralisada e Yui finalmente entendeu todos os mistérios da vida.

Ainda perdida em pensamentos, Yui levantou de um sobressalto ao ouvir seu nome sendo chamado no andar de baixo . Ao descer encontrou Hiro-kun e Ui-chan prontos para almoçar. Sem pensar duas vezes Yui sentou-se ao lado de Hiro, e começou a comer. Observava o garoto com o canto dos olhos, disfarçadamente, desviando o olhar apenas para comer mais um pouco. Ui segurou o riso ao notar a maneira como Yui estava agindo.

Aos poucos, Yui foi se esquecendo da discrição, virando cada vez mais o corpo na direção de Hiro, para melhor observá-lo. Aproximava-se cada vez mais, e Ui já não podia conter as risadas, ao ver Hiro tentando fingir que não percebia a garota ao seu lado, que nem mesmo prestava atenção na tigela de arroz que tinha em mãos, apenas o fitando com intensa curiosidade. A cena foi interrompida pelo telefone que tocou, que foi logo atendido por uma Ui animada em deixar os dois a sós.

— Ei, Onee-chan... – os devaneios de Yui foram cessados com o chamado da Ui sorridente – suas amigas virão aqui... elas querem conhecer o Hiroto-kun!...