Fate - Supremacy Rota Um: Desejo escrita por Goldfield


Capítulo 2
Desejo, Dia 01: Aprovação




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Desejo, Dia 01: Aprovação

            Ele frequentemente tinha o mesmo sonho.

         Parecia estar montando algo. Seria uma moto? Uma bicicleta? Não, a coisa sob suas pernas era grande demais, e não tão rígida quanto um veículo moderno... Um cavalo, na verdade. Toda vez pensava se encontrar em algum sítio ou coisa parecida, como a fazenda que seus parentes possuíam na cidade vizinha, praticando equitação; mas o cenário logo mudava para uma região árida, quase desértica. Para atravessar uma área como aquela, não seria melhor um camelo do que um cavalo? Bem, já ouvira algumas vezes ser mais seguro galopar cavalos, em desertos muito extensos, do que camelos, pois enquanto os primeiros demonstravam logo sua exaustão e assim podiam ser apeados para descansar, os segundos nunca evidenciavam desgaste, só tombando quando realmente não tinham mais forças, e já para morrer... Divagações aleatórias que passavam por sua mente em meio àquela cena surreal.

         E então ele sempre via a donzela. Pele bem morena, cabelos negros e compridos, olhos delineados com tintas marcantes, trajando véu riquíssimo, composto de diversos tecidos coloridos, e sandálias douradas nos pés. Uma linda árabe, como era fácil se concluir. Apesar de sua aparência esplendorosa, sua face, no entanto, só demonstrava pavor e desespero. Chorando, ela parecia fugir correndo de algo que a ameaçava. Algo que reivindicava sua vida num sacrifício sangrento.

         Surgia em seguida o inimigo, a criatura que desejava devorar a moça. Tendo um corpo réptil coberto de escamas cujo tom transitava entre o verde e o marrom, o animal, ou seja lá o que fosse, parecia constituir um híbrido de dragão e crocodilo. Apoiando-se sobre o solo em duas patas como um homem, urrando selvagem, o monstro exibia uma boca grande repleta de dentes afiados, babando enquanto perseguia sua presa.

         Era então que, ainda em cima do cavalo, ele olhava para sua mão direita, e nela sempre aparecia, repentinamente, uma lança. Afiada, com uma ponta prateada que refletia o brilho intenso do sol escaldante. Com a mão livre, fazia então o que parecia ser o Sinal da Cruz sobre o tronco e, brandindo a arma, galopava bravamente na direção do dragão, preparando-se para fincá-la em seu peito...

         O que ocorria em seguida era muito rápido para que seus sentidos pudessem captar com clareza, mesmo sendo um sonho. A donzela ia ao chão, rolando pela areia e se afastando em segurança do foco do combate. A criatura, por sua vez, tentava abocanhar o cavaleiro num gesto medonho, porém tinha logo o coração perfurado pela lança... E, vazando sangue e emitindo espasmos, caía fulminada e eliminada daquele mundo. O mal fora extinguido. O bem prevalecera, salvando a jovem.

         Vinha então um clarão fortíssimo, que cegava seus olhos... E ele sempre acordava.

         - Jorge! Jorge! Levanta, menino!

         O garoto despertou com os gritos da mãe, vindos da cozinha. Afastando os lençóis e sentando-se na cama, calçou rapidamente os chinelos e acendeu o botão da luz, clareando o quarto repleto de pôsteres de filmes e bandas. Esfregando os olhos e encarando por um momento o Harrison Ford no cartaz de “Indiana Jones e a Última Cruzada” ao lado do guarda-roupa, Jorge só então se lembrou de que dia era. E as palavras adicionais maternas só o confirmaram:

         - Ligue logo o computador e veja se a lista de aprovados saiu!

         Bufando, trôpego de sono, o menino terminou de se levantar, dirigindo-se para fora do cômodo e no caminho ligando seu PC, disposto sobre uma escrivaninha junto a uma das paredes. Enquanto o aparelho era iniciado, Jorge prosseguiu até o banheiro ao final do corredor, lavando o rosto e escovando os dentes na pia. Contemplou-se então no espelho: as intensas olheiras sob as pupilas e o rosto amassado denotavam uma noite mal-dormida. Ficara até altas horas na Internet, conversando com seus amigos e jogando alguns games on-line. O descanso do período pós-vestibulares, no entanto, parecia estar chegando ao fim. Terminava janeiro, e com seus últimos dias vinha o resultado do vestibular da Unesp, a Universidade Estadual Paulista; pública, pelo qual o garoto de dezoito anos tentava ganhar uma vaga no curso de História. Seu sonho desde o início da adolescência, sendo que remetia à infância sua paixão pelo passado e suas nuances, graças aos filmes épicos que tanto adorava. Paixão, a qual, não era de todo aprovada pelos pais...

         Concluindo sua higiene, Jorge retornou ao quarto. O computador já estava totalmente ligado, o monitor exibindo a área de trabalho. Inclinando-se brevemente sobre o móvel, o vestibulando usou o mouse para clicar no ícone do navegador de Internet e, enquanto este era aberto, foi até o guarda-roupa para trocar de vestes. Retirou o pijama e colocou uma camiseta do filme “Senhor dos Anéis”, um short cinza e enfiando os pés em tênis um tanto surrados – seus trajes costumeiros. Sentou-se, logo depois, na cadeira de rodinhas diante do PC e, com os dedos no teclado, digitou o endereço do site da empresa responsável pela aplicação do vestibular. Acessou a página principal sem demora – graças à banda larga recentemente instalada na modesta casa – e verificou, numa lista, que a relação de aprovados na prova da Unesp 2010 já havia sido disponibilizada on-line. Seu coração acelerou conforme levava o cursor até o link do informativo e nele clicava. Abriu-se, então, um arquivo de texto de fundo branco e fonte simples, a rusticidade de sua aparência e os nomes todos em caps lock aumentando sua receosa ansiedade. Com a mão suada quase tremendo, acionou a ferramenta “localizar” e digitou seu nome... levando de cinco a dez segundos de hesitação antes de ativar o botão “buscar”. A tela então se deslocou... e seu corpo inteiro explodiu num frenesi de imensa realização:

Franca – História: Noturno

JORGE APARECIDO DOS SANTOS

         O garoto deu um pulo, erguendo um dos braços com o punho fechado num gesto de triunfo. Havia passado! Era agora universitário, de História! Ainda por cima na primeira lista! Mal conseguia acreditar. Levara um ano de 2009 bastante diligente quanto a estudos, porém sempre estivera consigo a incerteza quanto à aprovação. Felizmente seu esforço fora recompensado. Faria o curso que desejava numa das melhores instituições de ensino superior do país. A alegria em si não podia ser contida. Saltando pelo quarto, gritou, para que toda a vizinhança ouvisse:

         - Consegui! Passei!

         Ouviu passos apressados, o som de chinelos quase escorregando pelos azulejos. Sua mãe adentrou então o recinto, um sorriso do tamanho do mundo em sua face enquanto, tendo ainda à cintura o avental sujo de mamão usado na preparação do café da manhã, abraçava o filho com força. A senhora Santos era um tanto corpulenta e Jorge por isso sentiu-se um tanto sufocado envolto por seus braços, porém logo a mulher recuou, deixando o já vermelho garoto respirar. Seu rebento havia conseguido! A vitória era dele, superando todas as preocupações e obstáculos! Algo, todavia, pareceu subitamente incomodá-la, a expressão de seu rosto se fechando enquanto encarava o filho com inesperada firmeza. Confuso e ainda contagiado pela aprovação, Jorge perguntou-se o que estaria acontecendo, quando a ouviu perguntar, julgando que deveria ter esperado aquela reação por parte da mãe:

         - Tem certeza de que é isso que você quer, querido? Lembra-se do seu professor do cursinho falando que quem dá aula de História não ganha lá essas coisas, né? Além do mais, esse curso realmente te satisfaria? Não pensou em Psicologia, Audiovisual? Até mesmo Jornalismo! Aquela mocinha chamada Carla até tinha conversado com você sobre essa carreira, e como há esse curso na faculdade daqui, você nem precisaria se mudar pra Franca e ficar longe da família...

         O garoto, já habituado aos argumentos da mãe contra os “caminhos de Clio”, tradicional musa da História, nem ficava mais muito irritado com tal assunto. Vinha-o agüentando desde o início do ano, afinal. Conservando a calma e rindo, apenas respondeu à dona Nádia Santos:

         - Eu não preciso só dar aulas, mãe. Posso ganhar dinheiro com bolsas de pesquisa, trabalhar em museus, até ser consultor de canais de TV para novelas de época. Quanto a essa tal Carla, ela me pareceu mais obcecada por aquele incêndio do supermercado cinco anos atrás do que disposta a me mostrar os pontos fortes de sua carreira: não me empolgou. E não se preocupe quanto a me mudar. Acredito já estar pronto, e quero isso. Preciso de independência, amadurecimento, aprender a me virar. Viver sozinho garante tudo isso, mãe!

         - Sei disso, Jorginho, eu sei... – suspirou a mulher, chorosa, tornando a abraçar sua cria. – Ai, o tempo passa tão rápido... Parece ontem que você engatinhava pela casa com aquela touquinha do Corinthians que seu tio lhe deu... Agora já é homem feito. Estou ficando velha...

         Soltando o filho, Nádia beijou-lhe a testa e retornou até a cozinha, dizendo enquanto se afastava:

         - Dê uma olhada no site para conferir quando será a matrícula, e então trate de vir aqui tomar café!

         - Tudo bem.

         Sentando-se novamente diante do computador, Jorge acessou uma outra página do endereço eletrônico para obter a dita informação. Encontrou-a sem dificuldade: a matrícula ocorreria no campus novo da Unesp Franca dentro de poucas semanas. Só precisaria ver certinho, com a mãe e conhecidos, como faria para se deslocar até a cidade. Como o pai, funcionário de uma empresa agrícola, quase sempre estava viajando, já imaginava ter de contar com outro meio de transporte, já que dona Nádia não dirigia. Residiam em Santa Cecília do Oeste, a aproximadamente trezentos quilômetros de onde seria seu novo lar. A urbe natal, com uma população de aproximadamente cem mil habitantes, era local pacato até demais, possuindo escassas opções de lazer e mentes atrasadas demais para o gosto do jovem que desejava desbravar novos horizontes. Havia ali uma faculdade particular de certo renome na região, a UniCeci, mas seus cursos – que por sinal não incluíam História – nem se comparavam aos que uma instituição pública como a Unesp poderiam oferecer. Apesar do esperado frio na barriga, Jorge não estava intimidado. Persistiria até o fim no encalço de seus sonhos.

         Empolgado com o momento, resolveu buscar outras informações na Internet além do dia da matrícula. Acessando uma enciclopédia on-line, tratou de buscar o artigo sobre Franca para conhecer algo a respeito da cidade que o abrigaria por quatro anos. Logo o texto tratando do lugar, com uma foto panorâmica anexa, passou a ser visualizado pelo entusiasmado rapaz. A parte histórica, logicamente, foi a primeira lida. Descobriu que as origens da povoação que originou Franca remetiam ao século XVIII, tempo dos bandeirantes, quando a área tomou parte no chamado “Caminho de Goiás”, ligando São Paulo à região aurífera do sertão. A futura cidade surgiu como um “pouso” para os tropeiros que seguiam por esse trajeto, denominado “Pouso dos Bagres”. O lugar cresceu, e décadas depois seus moradores requisitaram que ali fosse criada uma freguesia. Assim ela surgiu, em 1805, com o nome de “Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Franca”. Em 1821, o então rei D. João VI promoveu o lugarejo a vila, “Vila Franca Del Rey”, instalada somente em 1824. Com a independência do Brasil, o nome mudou para “Vila Franca do Imperador”, numa homenagem a D. Pedro I. Em 1839 foi criada a comarca de Franca e, em 1856, continuando a crescer, foi promovida a cidade. Nesse período recebeu inúmeras famílias de imigrantes, principalmente italianas. A partir delas surgiu a famosa indústria de calçados do local, graças à qual era nacionalmente conhecido, e que se desenvolvera com maior afinco no século XX. A produção de café também sempre se mostrara muito importante na região. Franca tivera o típico crescimento de uma cidade do interior, com casas surgindo ao redor de uma igreja e espalhando-se, no caso, pelas três colinas que consistiam principal característica de relevo de sua parte urbana. O nome “Franca”, por sua vez, constituía homenagem ao fundador do distrito, Antônio José da Franca e Horta, então governador da capitania paulista em 1805.

         Com os olhos brilhando diante de todas essas explicações, Jorge acessava mais e mais páginas tratando da cidade, desejando obter sobre ela o máximo de dados possível. Logo encontrou uma série de números que esclareciam algumas de suas dúvidas:

         População: 330.938 habitantes.

         Densidade: 543,1 habitantes por quilômetro quadrado.

         Altitude: 1040 metros.

         Cidades gêmeas: Castlewood (Inglaterra), Ceaşcă (Romênia), Fuyuki (Japão).

         Franca era três vezes maior que Santa Cecília do Oeste, portanto. E sua altitude parecia um tanto elevada, o garoto imaginando como tal característica poderia influir no clima. Deveria comprar mais blusas de frio? Um guarda-chuva novo? Ou mais camisetas sem manga? As coisas seriam caras ou baratas naquela cidade? Seria fácil achar casa ou apartamento para alugar? Faria amigos rapidamente naquele novo ambiente? Perguntas, perguntas, perguntas...

         - Jorginho, já falei para vir tomar café! – a mãe o trouxe de volta à terra natal e à morada em que vivia desde que nascera.

         - Tá bem, já vou... – o menino replicou levantando-se da cadeira e rumando até a cozinha.

         Seria um dia longo e festivo. Tinha de contar aos amigos a novidade. Talvez fosse uma boa combinar com eles algo para aquela noite, nem se fosse apenas comer um lanche...

* * * * *

         O “Delícia Lanches” era um dos poucos pontos de encontro noturnos da juventude de Santa Cecília do Oeste. Situado não muito longe do centro, numa área aberta próxima a um córrego, possuía grande número de mesinhas, bons sanduíches e assim conseguia agregar vasta clientela. Bem mais local de sociabilização do que de refeição, o estabelecimento foi escolhido por Jorge e seus amigos para um passeio aquela noite. O vestibulando tinha de compartilhar com eles sua alegria. E já fora decidido que, como comemoração, tudo seria por sua conta.

         O garoto aprovado na Unesp, tipo um tanto esguio, tinha os cabelos castanhos crespos compridos soltos, estendendo-se até seus ombros. Vestia camiseta preta com estampa da banda “Scorpions”, grande fã de rock que era. As pernas encontravam-se cobertas por calças jeans e os pés por coturnos negros. Apesar do calor de janeiro, dificilmente saía trajado de forma diferente na companhia de sua turma. Esta era composta por outros três jovens: André, adolescente de dezessete anos, loiro e de estilo semelhante ao de Jorge, usando camiseta do “Metallica”; Renato, de dezenove anos, negro e estudante de Direito na UniCeci, trajando roupas leves e assim sendo o único mais condizente com o clima de verão; e Cíntia, a mais nova do quarteto, com dezesseis anos. Era conhecida como a mística” do grupo, por ser adepta da religião neopagã, conhecedora de magia e grande defensora do espiritual. Sempre usava saia indiana, camiseta sem manga, sandálias, cabelo preto preso em variados penteados exóticos e fiel pentagrama metálico preso junto ao pescoço.

         Chegaram à lanchonete conversando sobre o ingresso de Jorge na Unesp, assunto mais quente da noite. E podiam botar quente nisso! A temperatura estava altíssima desde o período da tarde, o grupo de amigos sentindo-se quase dentro de um forno, ainda mais os meninos que trajavam preto! Suando, tomaram uma mesa para si e pediram rapidamente uma garrafa de dois litros de refrigerante a um dos atendentes. Renato em seguida falou, tamborilando os dedos sobre o plástico:

         - Então o Jô vai cursar mesmo História?

         - Vai virar o Indiana Jones! – Cíntia afirmou num sorriso.

         - Ou Lara Croft, né? – gozou André, apontando para os cabelos longos do colega.

         - Espero ao menos ser um bom profissional! – riu Jorge, um tanto envergonhado. –Antes de pensar nisso, tenho que ver como farei para me sustentar lá, né? Meus pais não têm muito dinheiro, então é bem possível que eu precise trabalhar durante o dia para estudar à noite. Isso não me incomoda, só ando meio incerto quanto às coisas...

         - Não fique preocupado, rapaz, tudo vai dar certo! – tranqüilizou-o Renato. – Meu irmão foi estudar em Botucatu há dois anos. No começo tinha os mesmos receios que você tem agora, mas se adaptou bem rápido. Contigo será a mesma coisa, vai ver!

         - Para que cidade você vai mesmo? – indagou André.

         - Franca.

         - Nossa, eu já ouvi umas histórias meio sinistras dessa cidade, cara, sem querer te assustar! – afirmou o loiro, arregalando os olhos. – Coisas de fantasmas e tal...

         - Se não me engano, lá foi o último lugar do Brasil a executar um criminoso, antes da proibição da pena de morte, no século XIX – disse o estudante de Direito, pensativo. – Ao menos foi isso que falou um dos meus professores.

         - Acho isso boato, hem? – rebateu Cíntia, mão no queixo.

         - E eu ouvi que o Chico Xavier não entrava em Franca de jeito nenhum! – exclamou André. – Sempre que passava pela região, preferia contornar a cidade ao invés de passar dentro dela. Dizia que a energia negativa ali era gigantesca.

         - Nossa! – bradou Renato. – Já eu escutei que um dos chakras infernais do mundo está em Franca. Seja lá o que for isso...

         - “Chakra de Virgem” – brincou o loiro, fazendo referência a um anime marcante de sua infância.

         - Vocês são uns bobões mesmo... – resmungou a “mística” numa careta. – Chakras são sete canais dentro de cada um dos nossos corpos, por onde circula a energia vital que faz o organismo funcionar, chamada prana. O termo “chakra” vem do sânscrito e significa “disco”, ou “roda”. São, em suma, pontos de contato entre os mundos físico e espiritual em nossa matéria, nódulos em que nossa aura etérea se aproxima de nós!

         - Trocando em miúdos: são como ventiladores que fazem essa tal energia vital circular dentro da gente, e de quebra funcionam como janela entre este mundo e o mundo dos espíritos! – simplificou André.

         - Sim, em termos leigos... – Cíntia assentiu com um semblante de tédio. – A questão é que alguns dizem que a Terra também é um grande ser vivo. Isso se chama “Teoria de Gaia”. Sendo assim, da mesma forma que o corpo humano possui sete chakras, nosso planeta também teria sete desses nódulos, que fariam circular um “prana global”. O que acontece é que esses locais em específico nem sempre permaneceram intocados, sendo abalados por guerras, catástrofes naturais ou a destruição do meio ambiente. Afirma-se que a perturbação de alguns desses chakras é responsável, justamente, pela piora da situação da Terra, com o aumento do aquecimento global, abalos sísmicos e eventos relacionados. Eu, em minhas pesquisas pela Internet, já vi no mínimo umas cinqüenta localidades diferentes que dizem constituir chakras do planeta, do lago Titicaca a São Tomé das Letras. Franca seria uma delas. E, pelo que falam, teria sido corrompida, distribuindo energia negativa ao invés de positiva. Logo, “chakra infernal”.

         Ao término de sua detalhada explicação, o silêncio imperou sobre a mesa. E só nesse instante os três perceberam, olhando para Jorge, que o garoto havia se encolhido em sua cadeira, rosto pálido e olhos vidrados.

         - Ai, desculpa, Jô! – tocou-se a menina. – Não queríamos te assustar!

         - Mancada nossa... – murmurou Renato. – Queríamos te animar e acabamos fazendo exatamente o contrário...

         - Pois é – falou André. – Nem liga, ô. Estávamos só brincando. E você sabe como a Cíntia se empolga com esse tipo de assunto.

         - Sem problemas, pessoal – o recém-aprovado vestibulando forjou um sorriso. – Vamos só tomar nosso “refri” e mudar de assunto. Aliás, este ano o “Timão” vai comemorar o centenário!

         - Ai não, vai começar o papo de gambá! – o loiro caçoou levando uma das mãos à testa. – Nem me diga que vocês estão com esperança de levar a Libertadores, por favor!

         - Bambi e gambá brigando, só o que me faltava... – riu Renato.

         - Ah, Re! – sorriu Cíntia. – Nem vem que eu sei que você é porco!

         Descambando para futebol, a conversa seguiu animada noite adentro...

         * * * * *

         Jorge deitava-se para dormir. Já de pijama, há pouco tomara um copo de leite, depois de ter chegado em casa por volta da uma da manhã. Cobrindo-se com o lençol, lançando um olhar para o pôster do “Iron Maiden” próximo da cama antes de encarar o travesseiro, o rapaz via-se quase engolido pelas incertezas. Sua vida mudaria de forma total dentro de poucas semanas, e subitamente parecia não haver mais nada firme, diante de si, em que pudesse pisar. Vestibular, aprovação, deslocamento para Franca... Faculdade, História... Essas palavras insistiam em lhe tirar o sono, ainda mais depois das soturnas conjecturas de seus amigos sobre a cidade durante o passeio noturno...

         Procurava ao máximo acalmar-se. Tudo haveria de dar certo, como dissera Renato. Adaptar-se-ia à nova realidade e logo estaria feliz com sua escolha e sua conquista. Dedicaria, dali em diante, sua vida à História. E esperava que ela o retribuísse com momentos felizes e plena realização.

         Tentando esquecer o papo perturbador tratando de chakras, pena de morte e Chico Xavier, o jovem deitou-se de lado... e pouco depois conseguiu dormir.


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