Depois que ela apareceu, eu fiquei irritada. Muito, muito irritada.


- Eu fico contente de tê-la visto novamente. – Comentou Sharon, num tom muito suave, tomando mais um gole do seu chá. – Seja pela escola em que estuda ou pela criação que Oscar deu, ela parece ser uma menina muito educada. E fofa!


Ela não é fofa. Não quero mais ouvir elogios para ela.


- Com certeza ela é mais educada que esse Coelho aqui. – Riu Break, olhando atrevidamente pra mim. – Alice, não pode nem ao menos fingir estar interessada na conversa?


- Eu estou. É só que...


Ora essa, não estava nem um pouco interessada, nem sabia o motivo de eu ter aceitado tomar chá com aqueles dois. Cadê o meu Oz, e aquele idiota do Raven? Ultimamente, quando eu não estava com eles eu ficava meio... Entediada. E mais tedioso ainda era ter que aturar as provocações de Break e a alegre conversa de Sharon sobre como ela era bonitinha. Ela, a irmã do Oz. Ela, a menina fofa, meiga e ainda por cima, apaixonada. Ela, Ada Bezarius.


- Fale logo, pequena. Você está com medo que ela roube o seu... -


- Não estou! – O interrompi, irritada. Break era horrível. – É que... Estou passando mal agora. – Inventei, rapidamente. – Talvez eu tenha comido demais no almoço.


Levantei da minha cadeira e saí para os jardins, deixando os dois a rir sozinhos. A verdade é que eu, o Coelho Negro, a Rainha do Abismo, eu, simplesmente Alice, estava com um pouco de ciúmes de Ada. Era ridículo, ainda mais por ela ser a irmã do Oz, mas a verdade é que quando ouvi falar dela, ouvi as preocupações do meu servo sobre reencontrá-la e me esforcei ao máximo para ser gentil e encorajá-lo, não imaginava que a menina fosse tão... tão... Bonitinha, talvez. Não mais que eu, mas o suficiente para eu achar que ela roubasse um pouquinho da atenção que no momento era minha.


Apesar de bem ensolarado, não me apetecia nem um pouco passar o dia nos jardins. Na verdade, não tinha porcaria nenhuma pra fazer, só pensar em como seriam as coisas agora que todos se reencontraram, se eu teria que aturá-la junto de mim, se ela estaria muito próxima dele... Tinha todos estes pensamentos masoquistas quando, ao andar distraída, esbarrei em alguma coisa dura e alta.


Essa coisa dura e alta era Raven. Outro idiota.


- Olha por onde anda, Coelho Estúpido. – Ralhou ele com sua voz forte e sonora.


- Seu idiota, sai da minha frente! – Não estava com paciência pra lidar com Raven  naquela hora. - Hunf, por sinal, sabe onde está o meu servo?


- O “seu servo”, alteza, está conversando com Ada. – Falou Gilbert, com a voz carregada de ironia. Estava claro que havia uma desaprovação no seu jeito, tanto pelo “servo” quanto, talvez, o fato de Ada estar conversando com Oz. Não era bem uma novidade, mas me corroia de raiva com isso. Pelo menos, eu tinha Gilbert para conversar. Realmente, era uma sorte ele estar ao meu lado, mesmo que me irritasse um pouco com a sua companhia.


- Heeeeeeeeeeeeey! – Ele começou a andar sozinho, fazendo com que eu me apressasse para acompanhá-lo. – Aonde pensa que vai? Não veio me fazer companhia?!


- Na verdade, não. Eu estava indo para a...


- Ah, você vai ficar aqui comigo sim! Que droga Raven, nada é do jeito que eu quero.


Gilbert suspirou, vencido. Meu egoísmo não incomodou tanto ele, mas isso não significava que eu conseguiria admitir isso e nem ao menos como eu estava irritada no momento. Sentamos-nos no verde gramado, lado a lado, mas sem nenhum tom de diversão ou até mesmo implicância. Só aquele desagradável silêncio de quem tinha um problema e não queria compartilhar. E no momento, meu problema era a Ada.


- Ah, me deixa adivinhar... Você está com ciúmes por que Oz está conversando com a Ada e não com você? – Deduziu. Sim, o idiota do Raven era capaz de ler pensamentos.


- Cala essa boca! Eu não estou com ciúmes. – “Não é apenas ciúmes, também estou com fome!” - Pare de ter idéias erradas sobre mim!


- Escuta Coelho Estúpido, já parou para pensar que eles são irmãos, e mesmo para Correntes, isso significa que entre eles não pode haver nada naquele sentido?


Ótimo, Raven agora achava que eu era uma pervertida. O pior de tudo é que ele tinha razão, eu conhecia bem o meu servo e sabia que ele não seria capaz de fazer algo errado e incestuoso, mas... Porque eu estava sentindo aquilo? Se havia o Contrato e tal, eu não iria perder o meu espaço. E foi quando olhei para a expressão pensativa que estava nos olhos esverdeados de Gilbert que pensei que talvez ele estivesse também com o mesmo problema, ou relembrando as memórias tenras da infância em que os três viviam juntos.


- Hey, Gilbert... – Chamei-o pelo nome, insegura. Era só uma dúvida, não iria matar ninguém. – Como era quando vocês eram menores?


- Nada interessante. Você sabe, toda nossa vida se encaminhou para o momento em que passaríamos a caçar Correntes e Contratantes Ilegais com você.


- Raven!


- Tá, tá... Era normal, Alice. Explorávamos a mansão, fazíamos trilhas na floresta, brincadeiras de crianças normais. – Respondeu ele, ainda pensativo. E claro que eu era uma menina normal que sabia exatamente o que as crianças normais faziam, ótimo!


- Certo, mas... E a Ada?


- Arghhhh! – Irritou-se. – Você já parou para pensar que ela tinha uns cinco anos?


- É claro que já, estúpido! Mas isso não muda o fato dela ter convivido com vocês dois bem mais que eu!


- E isso faz algum raio de diferença?


Sim, Gilbert, isso faz. Faz porque em alguns momentos, eu me sinto uma intrusa. Me sinto deslocada. Como se o único lugar para mim fosse o abismo.


- Não, não faz. Mas... Argghh! Ela está agora com ele, conversando com o Oz!!!


- Alice. – Começou Raven num tom impaciente, tirando o chapéu da cabeça e olhando intensamente nos meus olhos. – Quer fazer o favor de parar de falar como você está incomodada com Oz e a Ada estarem nesse momento juntos?!


Emudeci, vendo no seu olhar uma emoção estranha, uma angústia ao falar no assunto, uma infelicidade talvez dele não estar tão envolvido nisso quanto gostaria. Ciúmes. Isso me deixou ainda mais intrigada – para ele estar assim, ou ele estimava demais Oz, ou então...


- Ada. Gilbert, você está gostando da Ada! – Exclamei, surpresa.


- O que?! – Desconcertou-se ele. – Não, Alice! Eu...


- Você gosta dela, e por isso está irritado também! – Agora que pensava nisso, tudo fazia sentido. Ele me olhava um pouco apavorado, tentando me dizer que era uma idéia ridícula, que eu estava enganada, inventando alguma desculpa. Não adiantava, e percebendo isso, ele parou de tentar me convencer. Um insuportável silêncio pairou entre nós, onde provavelmente ele pensava no que faria para eu guardar o seu segredo. Provavelmente, ele pensava também que preferia mil vezes estar conversando com ela do que estar ali comigo. E isso me deixou irritada.


É claro que não havia motivos. Antes Ada se envolver com o Raven do que com Oz. Mas acontece que ele era próximo de mim também. Era implicante, reclamava de tudo, mas estava sempre ali comigo. Estando com a Ada, só teríamos pela frente missões perigosas e poucos momentos divertidos. E até o dia em que fomos à escola dela e nos perdemos eu considerei divertido! E pensar nisso me lembrou de outra coisa que me deixou um pouco incomodada.


- Gil... – Enfraqueci a voz, um pouco nervosa. Ele segurava o chapéu nas mãos, olhando muito pensativo para ele. – Esse chapéu... Foi a Ada que te deu, não é?


- Pára de pensar besteiras, Coelho Estúpido! – Falou ele, e pude sentir que ele reprimia um pequeno riso talvez. – Não é dela que eu gosto.


Olhou para mim, e encaixou aquele enorme chapéu na minha cabeça. Eu devo ter feito uma expressão engraçada, porque ele riu. Riu e mesmo que eu tenha dito que estava irritada e tenha jogado o chapéu nele, isso me fez bem. Quando ele novamente o jogou em mim, eu percebi que não estava com ciúmes da Ada Bezarius por causa do Oz – estava com ciúmes por causa de Gil. E eu nunca gostei tanto daquele chapéu como naquele dia.