O tempo com certeza passava de forma diferente no palácio de Eos. Assim que entrei em meu quarto e me joguei na cama escutei Mors me falando em mente.

                Que legal, hein, Nico? Você fez a garota chorar , ela ironizou.

                Não foi minha culpa. Eu nem sei por que ela está chorando. E você tinha ficado babando pelo retardado amarelo aí do seu lado, não pode falar nada!, retruquei.

                Para começar, tem diferença entre babar por alguém realmente incrível e fazer alguém chorar. Depois, você é muito lerdo! Como não pode ver por que Ally está chorando? Além disso, ele não é amarelo, é dourado. E eu não babei por ele.

                Ignorei-a depois disso. Olhei em volta, reparando no quarto. Havia uma janela grande com uma bancada em ouro na parede que dava para fora. Num dos cantos, havia uma grande cama com dossel, como era antigamente, e estava forrada com lençóis dourados e pretos.

                  Havia uma estante de livros vazia num canto, e uma escrivaninha de madeira preta no outro. A arquitetura era impressionante, e havia uma porta que eu supus ser o banheiro.

                Larguei minha mochila na cama e me levantei, indo até a janela. Me apoiei na bancada e olhei para o céu. Bom, pra começar, deveria ser umas 9 horas já, porque o sol estava a pino. Voltei para a cama e me joguei, olhando para o teto do dossel dourado. Sabia que hora ou outra teria que encarar Ally, mas eu estava adiando isso o máximo possível.

                Além disso, ela estava sendo boba, não é? Quer dizer, nós não temos nada para ela ficar daquele jeito. E provavelmente não fora por minha causa. Claro que não fora! Nós quase nos beijamos, mas e daí? Foi um momento de loucura. Eu não tinha experiências com garotas. De jeito nenhum.

                Ela não gostava de mim de qualquer jeito mesmo. E de qualquer modo, se gostasse, ia sofrer. Bom, eu sabia que meu pai queria que eu me tornasse um deus. Ele já tinha tentado convencer o Conselho a me tornar um deus duas vezes. E se algum dia ele conseguir, eu vou aceitar, claro. Quer dizer, poderes incríveis! Imortalidade! Fama! Uma esfera de poder, que é o que cada deus controla ou representa!

                  Ora, vamos. O Percy tinha a Annabeth por quem negar a oferta. As únicas pessoas por quem eu realmente daria a vida, ou são imortais, ou estão mortas. Eu não tinha razão nenhuma para negar a oferta. E não estou sendo depressivo.

                  Suspirei sonoramente na cama. Passei a mão pelos cabelos. Pensei na profecia. Em que partes ela já havia se concretizado. Bom, nós havíamos partido, eu, Thalia e Luke, em busca das almas perdidas.

                 “A Aurora acompanhar”... nós estávamos acompanhando Eos. Então me ocorreu outro significado para essa parte. Ally. Nós estávamos acompanhando Ally, certo? E era o que me parecia mais adequado. Caso contrário, Ally seria uma surpresa, ou seja, não teria sido prevista por Rachel. E Rachel não deixava escapar nada.

               O resto... bom, ainda estava por vir. Algumas partes, eu esperava que não viessem. Eu gostava realmente de Thalia, ela era minha melhor amiga. Não me animava a idéia de que ela poderia “perecer”. E a parte do traidor se reerguer... digamos que essa parte me incomodava profundamente.

                 De uma forma ou de outra, o tempo passava literalmente voando no palácio. Então, quando eu despertei dos meu devaneios e olhei pela janela, já era de noite. Eu já estivera em lugares onde o tempo passava um pouco mais rápido, mas ali, já era demais.

                Me levantei da cama e olhei em volta. O quarto ficava estranhamente assustador com a luz da lua que adentrava o cômodo pela janela. Uma vela acendeu-se repentinamente na escrivaninha, fazendo as sombras bruxulearem no ritmo da chama. Abri a porta do quarto devagar, espiando o lado de fora.

                No mesmo instante, ouvi vozes. Uma eu reconheci como a de Ally e a outra, como a de Eos. Me escondi numa sombra, me aproximando mais delas. Ambas estavam sentadas na beirada da janela, com as pernas do lado de fora.

- Querida, sei que está sofrendo, mas vai passar. – Eos disse.

- Tenho medo de fracassar na missão por estar preocupada. – Ally murmurou.

- Não há nada a temer. Essa missão é sua, querida. Eles não percebem isso e eu não posso explicar, mas essa missão é só sua. Você tem a atitude que falta aos outros meio-sangues. Eles chamam de precaução. Eu chamo de falta de atitude.

- Acha mesmo que a missão é minha?

Eos riu de leve.

- Não, meu bem. Eu tenho certeza disso, filha. Não ligue para o que disserem.

- Mãe?

- Sim, Ally?

- Estou confusa.

- Ah, sim, eu sei, amorzinho. Posso não ser Afrodite, mas sou suficientemente sensível para perceber como olhou para Thalia e o filho de Hades quando chegaram com os gatinhos.

Então eu me lembrei que havia deixado Nico em cima da cama. Tomara que ele não caísse e quebrasse uma perna. Voltei a me concentrar na conversa de Ally e Eos. Ouvi Ally suspirar.

- Eu não sei o que sinto direito, mamãe. Quer dizer... a cada vez que ele me olha com aqueles olhos negros, toda vez que ele passa a mão pelos cabelos e os bagunça ainda mais, toda vez que ele fala comigo... eu sinto uma explosão dentro de mim. – Ally parecia frustrada.

Eu esperava realmente que ela estivesse falando de alguém que não fosse eu. Não me leve a mal. Não é que eu não gostasse dela. Quer dizer... ela me prendia naqueles olhos rosados, os cabelos numa arrumação displicente... era só que eu ainda sonhava em ser um deus. E uma garota triste por minha causa não estava na minha lista de planos até lá.

Eos riu.

- Sei como é, filha. Não se preocupe. Ele gosta de você também. – a deusa disse.

Ally balançou a cabeça em negação.

- Ele gosta de Thalia. Vejo como ele olha para ela, como cora quando está perto dela. Não é que ela não seja legal, é só que... eu me sinto tão desapontada com os dois quando os vejo juntos do jeito que eu queria que ele estivesse comigo. – ela murmurou.

É, ela está falando de Luke. Isso, exatamente isso, de Luke. Peraí, Luke de olhos pretos? Ah, cala a boca.

- Thalia me contou que estão caçando almas perdidas. O que isso quer dizer? – Ally mudou de assunto.

- Melinoe libertou alguns espíritos. Eles são muito ressentidos. E você sabe que pessoas ressentidas são cruéis. Além disso, eles perturbam os mortais. Não há névoa para escondê-los dos mortais. Eles têm que recuperá-los. Você também. – Eos explicou.

- Por que Melinoe fez isso? – Ally perguntou confusa.

- Bem, querida, os deuses acham que é apenas uma revolta comum. Mas eu acho que não. Acho que ela está escondendo algo. Acho que ela quer distrair os deuses para... não sei ainda, querida.

Ally assentiu. Eos saiu da sacada da janela, adentrando o palácio propriamente dito.

- Tenho que ir, filha. Tem alguém querendo falar com você. Mas quero que me prometa algo, está bem? – Eos pegou o rosto da filha carinhosamente.

Ally assentiu outra vez.

- Me prometa que estará comigo, e que não deixará que nada influencie você. Certo?

- Eu prometo, mamãe. – Ally respondeu confusa.

Eos se virou e foi saindo. Antes de virar para um corredor, ela olhou para onde eu estava e deu uma piscadela.

Então eu me desconcentrei e a sombra acabou-se, fazendo com que eu caísse de bunda no chão, fazendo um baque surdo. Ally se virou assustada e me olhou com cara de ‘desde quando você está aí?’.

- Nico? – ela perguntou atordoada.