O Povo do Vento escrita por Gabrielle Erudessa


Capítulo 1
Uma Oferta de Liberdade


Notas iniciais do capítulo

Primeiro capítulo.
Altas viagens xD



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Murtagh suspirou, enfadado, enquanto dirigia-se à passos largos  pelos corredores um tanto sombrios do castelo, corredores que ele já conhecia de cor e salteado. Poderiam lhe vendar os olhos, mas ele chegaria ao seu destino sem problemas, talvez apenas batendo com os pés nas paredes vez ou outra se calculasse mal a distância.

Galbatorix dera-lhe uma ordem: interrogar uma estranha mulher que tinha sido capturada – a muito custo – tentando alcançar a sala onde o rei guardava as Eldunarí que conseguira antes, durante e após a Queda. Uma sala que só se tinha acesso através da sala dos Tesouros, e onde apenas o rei entrava. Não tinha idéia de como conseguira avançar tanto sem que os guardas lhe parassem, mas depois cuidaria deles.

Era incrível. Mal chegara da batalha em Gil’ead após matar outro Cavaleiro – um elfo de cabelos da cor das estrelas – e seu dragão – de um amarelo que reluzia como ouro sem uma das patas dianteiras – e já tinha que lidar com esses problemas... Tempos de guerra, murmurou para si.

Depois de jurar lealdade ao rei da Alagaësia, tanto ele como Thorn, Murtagh além de tornar-se versado em magia e luta aprendeu também técnicas de tortura para casos emergenciais. Galbatorix nunca pedira à Murtagh que interrogasse alguém que era capturado, sempre pedia à algum mago ou feiticeiro da Mão Negra. Isso provocava um incômodo comichão no rapaz, mas nada que o impedisse de cumprir a ordem.

Ele queria – e muito – livrar-se do juramento de Galbatorix, mas não podia negar que toda aquela força que o rei dera à ele, à Thorn, todas aquelas palavras da língua antiga, todo aquele poder, todos aqueles feitiços, eram tentadores, e, além disso, eram o que ele mais gostaria de ter para vingar-se do mundo. Por enquanto, era melhor obedecer suas ordens, para o seu bem e o de Thorn, que nesse momento estava caçando, longe o bastante para que suas mentes não se tocassem e o dragão não sentisse todos aqueles pensamentos rondando-lhe, ele não gostava, deixava-o angustiado. Apesar de tudo, Galbatorix encorajava que o dragão vermelho desenvolvesse seus músculos, astúcia e todo o mais caçando. Era o máximo de liberdade que o dragão podia experimentar. Além do mais, ele precisava recuperar-se da batalha – uma batalha inútil em sua opinião, afinal, perderam a cidade.

Virou novamente num corredor, encontrando uma porta grossa de carvalho, fechada. Era ali que a mulher estranha estava, acorrentada, apenas aguardando que ele entrasse naquela cela cercada com feitiços dos mais variados e invadisse sua mente ou torturasse-a, dependendo de sua resistência, para descobrir se era ou não uma espiã dos Varden.

Suspirou, abrindo a porta e fechando-a atrás de si, trancando-a com um feitiço breve. Apenas depois de garantir que a porta estava trancada permitiu-se olhar para sua vítima, acorrentada à uma mesa de pedra. E o que viu o fez, inconscientemente, parar de respirar.

Ela era... Diferente, seria o certo à dizer. O cabelo caía em ondas cinzas e refulgentes como prata até a altura da cintura, mais ou menos. Os olhos eram castanho claro, brilhantes de um jeito que ele nunca vira, e ao contrário do que esperava, não eram como os de um elfo, eram perfeitamente nivelados – pensara que fosse um elfo por causa da cor de seus cabelos. A pele era branca, mas ele tinha a impressão de ver a pele da mulher – ou, melhor dizendo, adolescente, ela não parecia ter mais do que quinze anos – brilhar como prata com a luz ondulante das tochas. O nariz era de um formato que ele jamais vira, e em conjunto com o rosto curto, o cabelo cinza e a boca de lábios escuros davam-lhe uma aparência lupina. Era esguia, de pernas longas, e seu corpo não se destacaria numa multidão, não como seu rosto. Usava calças compridas e negras que se agarravam aos músculos desenvolvidos da perna de forma a destacar que provavelmente corria e muito. A camisa cinza que cobria seu busto e barriga deixava a mostra os braços com músculos levemente ressaltados. Um provável sinal de força. Estava descalça, mostrando pés sujos de pó, fuligem, barro, resto de pedras e raízes, mostrando que provavelmente caminhava à muito sem calçado.

Os lábios escuros estavam curvados num sorriso insolente enquanto seus olhos estavam vidrados no teto escuro e úmido, vendo algo que apenas ela podia ver. Aproximou-se, e quando estava à dois pés de distância, virou seu rosto para ele, o mesmo sorriso insolente.

- Ah, eu sabia que seria você, Murtagh, e não Galbatorix, que viria. Ele é covarde demais para encarar alguém como eu. – ele nunca saberia como descrever sua voz, era baixa e suave como um pensamento, com um tom selvagem, e seus olhos então brilharam amarelos como os de um lobo, pupilas em fenda, mas quando ela piscou, ficaram tão castanhos como deviam estar. Aquilo, por alguma razão que o filho de Morzan não soube especificar, assombrou-o. Que espécie de pessoa seria ela? Se é que era humana...

Girou os olhos, buscando não se deixar aprisionar no olhar enigmático que revelava absolutamente nada das emoções da adolescente. Ficou sério então, colocando uma mão sobre a cabeça da jovem, abrindo a mente e buscando a da garota. Esperava encontrar proteções ao redor dela, mas não, estava completamente exposta.

Sorriu, confiante de que ela apenas sabia lutar com os braços, tendo uma mente vulnerável, arriscando mais alguns passos para dentro da cabeça dela. Suas memórias e lembranças eram vastas, tão numerosas que podiam cobrir as montanhas Beor, para seu assombro. E então, quando estava dentro das lembranças e memórias da estranha, ela cercou-o e um riso descontrolado soou dentro das memórias, enquanto ela se aproximava dele, mas de um jeito um tanto diferente do que ele via. Orelhas de lobo, cinza e reluzente como seu cabelo, sobressaia-se das laterais de sua cabeça, e sua pele parecia reluzir mais prata ainda com a luz ofuscante que havia em sua consciência. Usava uma espécie de vestido branco, com um robe por cima, verde-folha, com quatro fitas em laços cor de carvalho na frente, unindo os lados da veste, que cobria todo o seu corpo, com mangas largas à partir do cotovelo, que deslizavam suavemente sobre seus braços. Ele simplesmente não tinha idéia de que tecido era aquele. Uma fina tiara de ouro branco com uma ônix no centro adornava sua testa, e seu cabelo estava decorado com pequenas estrelas de opalas.

- Quem é você? – perguntou, desconfiado, olhando bem as defesas que ela colocara cercando-o. Ela não queria impedi-lo de entrar, queria impedi-lo de sair. Como fora tolo para cair nesse truque. Agora, teria de esperar que ela o liberasse. Até lá, estava preso.

- Quer saber meu nome, o nome do meu povo ou minha posição em meio ao meu povo? – perguntou, erguendo uma das finas sobrancelhas, ajoelhando-se no chão. – Sente-se, ficar em pé não vai ajudá-lo a me convencer a deixá-lo sair da minha cabeça. E daqui você não passa. – disse suavemente, apontando para a sua frente. Desconfiado, Murtagh sentou à sua frente.

- Quero saber tudo isso. – franziu o cenho quando ela apenas sorriu suavemente enquanto respondia.

- Meu nome é Mïhëan, na minha língua significa justiça. Meu povo tem muitos nomes. Os mais conhecidos são Povo dos Lobos e Povo do Vento, mas nós nos chamamos Lupus, que na sua língua significa Lobo. Quanto à minha posição, bem, desempenho várias: espiã, guerreira, general, pintora, conselheira, babá, sacerdotisa... Sou uma multi-pessoa. – riu de forma boba, fazendo surgir um belo livro de capa negra com um dragão de escamas prateadas com intrincados desenhos em negro, finos e quase imperceptíveis. O título estava no topo, escrito com símbolos que ele não conhecia. Definitivamente, não eram runas.

- Onde seu povo está? São aliados dos Varden? – Mïhëan ergueu brevemente os olhos para si, fitando-o nos olhos. Franziu levemente o cenho como se lembrasse de algo vagamente, mas então sua pele voltou a ficar uniforme como antes.

- Meu povo está em Miën, além de Du Weldenvarden. E pelo menos por enquanto, não somos aliados dos Varden. À menos que Galbatorix tente nos alcançar e nos dominar, não temos nenhum motivo para lutar contra ele. – ergueu levemente uma sobrancelha, colocando o livro à seu lado. – É apenas isso que queria saber? Se sim, não tinha necessidade de invadir minha mente. Apesar que eu podia deixá-lo vagar por aí, se perderia em poucos minutos. Sou muito mais velha do que pareço. – um sorriso cínico desenhou-se em seus lábios, enquanto apoiava o braço no joelho e o queixo em cima da mão.

Murtagh sentiu um frio na coluna quando ela disse aquilo. Seria ela como os elfos? Aliada deles? Velha amiga, parentes?

- Você é como os elfos? É parente deles? – perguntou, mas arrependeu-se ao ver seus olhos ficarem assustadoramente amarelos como os de um lobo e ela levantar-se, olhando-o de um jeito que o fez lembrar-se de quando Galbatorix o castigava, interrogava ou torturava.

- Nunca diga que nós e os elfos somos parentes! Podemos ser parentes da criação dos deuses, mas somos mais poderosos e desde sempre nós somos imortais, diferente dos elfos! Sempre respeitamos os dragões, somos amigos desde nosso primeiro contato, não precisamos de juramentos e acordos para vivermos em paz! Elfos são tolos, falsos! Nunca, nunca, nunca mencione nosso parentesco! – então respirou fundo, fechando os olhos e buscando recuperar o alto controle, seus olhos voltando ao castanho. Murtagh soltou a respiração, aliviado por ela apenas ter gritado. – Por favor, me desculpe. Perdi o controle. É que simplesmente detestamos os elfos, seu jeito de ser, de que nunca se sabe o que estão pensando. Preferimos ter os anões como parentes. Eles sabem aproveitar o lado bom da vida e são mais sinceros, como nós, se gostarem de alguém. – sorriu suavemente enquanto voltava a ajoelhar-se.

Murtagh ficou em silêncio por um tempo curto, tomando cuidado com o que falaria, não desejando despertar outra onda de fúria.

- Que livro é esse? – perguntou apenas por curiosidade, enquanto pensava o que iria perguntar de fato o que fosse importante.

- Ah... Bem, ele fala sobre a família real de meu povo, sua história e árvore genealógica. Nem pense em lê-lo, os hieróglifos são complicados demais para alguém que não aprenda a língua do Vento desde pequeno. – riu suavemente, levantando-se. – Acho que já conversamos o bastante dentro da minha cabeça. Porque não conversamos cara a cara? – em seguida, por mais que lutasse contra, Murtagh foi expulso da mente de Mïhëan. Ela não era tão vulnerável como ele pensara... Ela apenas deixou-o entrar, sua mente era muito mais forte que a dele.

Ao voltar para seu corpo, Murtagh encontrou Mïhëan olhando-o de um jeito indefinível, sentada de pernas cruzadas em cima da mesa, sem nenhuma corrente prendendo-a.

Afastou-se, um tanto assustado, vendo-a descer da mesa de pedra rapidamente, num pulo ágil.

- Como vez fez isso? – perguntou, e antes que pudesse afastar-se mais, ela segurou seu braço firmemente, e ele não imaginou que ela possuísse tanta força.

- É um truque do meu povo. Nossa magia é diferente da de vocês. – ela fitou Murtagh, que devolveu seu olhar na mesma intensidade. – Eu posso livrar você e Thorn da influência de Galbatorix. – o cavaleiro ficou pasmo por alguns segundos, para então murmurar um “Então faça-o”. Mïhëan suspirou, levando à outra mão ao rosto de Murtagh, que não fez nada para livrar-se do toque. – Não aqui, não onde ele pode voltar a forçá-lo a jurar na língua antiga novamente. Além disso, demoraria muito. Preciso de ajuda de outros do meu povo para ser mais rápido. Venha comigo para Miën, você e Thorn, e lá eu ajudo.

Murtagh sentiu-se contra a parede. Liberdade ou não? Respirou fundo, e então os dois sentiram a sala tremer por completo, paredes, teto e chão, enquanto pó e pedras caíam por cima deles. Ela olhou para ele, e ele pode distinguir desespero em seus olhos.

- Decida rápido! – falou, num tom mais alto do que vinha falando, a voz tremendo levemente.

- Como vamos sair?! Estamos numa das torres, a única saída é por aquela porta! Todos iriam nos ver! – o sim de ir com ela para a terra de nome estranho estava embutido na frase. Ele já ia comunicar Thorn, quando ela balançou a cabeça.

- Deixa a saída comigo! E não se preocupe com Thorn, ele está te esperando fora da cidade!

Antes que qualquer um dissesse mais alguma coisa, ela puxou-o para longe da parede,             que despedaçou-se enquanto todo o local tremia. Gritos histéricos vinham do lado de fora da cela.

Pela parede aberta, entrou a cabeça de um dragão, muito maior do que o que ele matara em Gil’ead. Era o dragão do livro que vira na cabeça de Mïhëan. Escamas prateadas com escamas negras que formavam um intrincado desenho ao longo do corpo gigantesco. Ele não via nada além da enorme cabeça, com olhos pratas, profundos e analisadores. Os espinhos eram longos, mais longos que os de Saphira, e muito mais grossos. E seus dentes, os menores pareciam lanças cortadas pela metade, capazes de furar sua cabeça com facilidade.

Mïhëan deu um salto, pisando levemente na ponta da cabeça do dragão, andando rapidamente até alcançar o primeiro espinho.

- Rápido! Não podem ver Länie, mas ainda podem ouvir o estrondo da parede indo abaixo! – ergueu levemente a sobrancelha ao ver a indecisão aparecer no rosto de Murtagh.

Um agonizante minuto se passou até que o cavaleiro subisse pela cabeça do dragão, alcançando o espinho enquanto Mïhëan deslizava pelo pescoço longo e grosso com facilidade, parando e montando ao chegar à sela. Engolindo em seco, imitou-a, tendo a sensação de que seu estômago ficava para trás. Nunca fizera algo parecido, e temia que algum acidente acontecesse. Sentou na sela atrás da jovem com alívio, enquanto percebia ela comunicando-se com o dragão, que retirou a cabeça de onde estava e começou a bater as asas – gigantescas, grandes o bastante para lançar sombra sobre pelo menos um terço da cidade – voando para longe, na direção de Du Weldenvarden.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.
Caso queiram continuação, por favor, um review pra eu ter certeza de que alguém vai acompanhar já ajuda um bocado u.u
Já tenho até o capítulo 4 escrito, só preciso ter certeza de que alguém acompanha pra postar =D
Abraços!
"Eu sou um bolinho de Arroz... De Arroz!"



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