Silêncio do Olhar escrita por Dumpling


Capítulo 14
Aishiteru, odango




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Imaginas-te dentro de um corpo próximo ao teu, mas flutuas como se estivesses no horizonte mais longínquo do Universo. Perdes-te na alma do que não te pertence, do espírito que não te é idêntico e tentas ler a sua mente como se tua se tratasse.

Então sonhas ir mais alto dentro desta mente para tentar conhecer o teu semelhante, esperas deste a perfeição, esperas que tudo seja mais que o sonho: a realidade que todos querem pintar, um paraíso além do Éden.

E desiludes-te. Pois pensavas que dentro daquele que está adjacente a ti te amava como o amas a ele. E vêm a seguir aqueles pensamentos inevitáveis: Será que dei demais de mim? Que falsidade foi esta ao longo dos anos perdidos no tempo. Nunca na vida eu me diria ser inútil, fraca, e acabei por ser, mais do que isso, um objecto banal perdido no meio do nada, todos olham, mas ninguém apanha, ninguém quer saber… Foi assim que o Seiya me tratou em toda a minha vida, ou melhor, a nossa em conjunto… Sentindo que nada interessa além dos dedos entrelaçados sem sentido, é um laço com fim, sem nó possível.

Mas… Depois vês uma mão acolher esta insignificância, diga-se, eu. E aquela mão é além dos dedos, da palma, das impressões digitais… é o que toda a vida esperas-te. Não é um corpo, não é um simples sorriso, é o que transcende a palavra Amor em si e toda a tua vida.

Eu conseguia apenas ver o Darien assim e não como uma traição, afinal, era possível trair um amor que nunca tinha existido além de uma aliança? Além do Bom Dia e Boa Noite e das quedas que as fracas pernas me provocavam após uma sessão de "castigo"?

Era loucura acordar ao lado dele e sentir algo tão forte… chegava a doer toda a parte interior de mim, o coração principalmente… A pensar que podia tudo ser um sonho.

Felizmente não era. Lentamente, abria os olhos e encontrava os dele enternecidos, aproximava-se e beijava-me toda a face até a voz soar indolente.

- Bom dia meu sonho, – Sorria de leve e beijava-me os olhos ainda preguiçosos – como dormiste?

Naquele momento não sabia se ficar inerte apenas sorrindo ou se responder com o mesmo carinho replicado. Seria eu capaz? Não era todos os dias que o meu coração estava efusivo, extasiado, insaciável. Apesar de tudo, tentei.

- Melhor que nunca, - Podia dizê-lo sem o magoar? – e tu?

- Acho que a melhor parte do meu repouso foi acordar e perceber que era mais que um sonho, a minha doce realidade, e não queria que acabasse nunca… todos os dias nestes anos sonhei isto, demasiado para deixar de te querer sentir sem que faças parte de mim, de te querer literalmente pôr dentro do meu coração.

Eu sabia que era errado. Mas sorri e beijei-o. As suas palavras eram sempre de força, sentia que antes da minha perda de memória era ele que me dava ânimo para tudo.

Errado. Tão errado… Como o fruto proibido. Naquele momento só conseguia pensar no Seiya e no que se iria seguir. Que raio iria eu fazer?

- Darien… - Parei o beijo. – eu não posso…

- O que não podes?

- Continuar… aqui. É errado, é traição, algo que sempre condenei.

Olhou-me ao mesmo tempo que via a sua maçã de Adão mover-se, engolindo em seco, enquanto eu saía da cama, ele corria para a porta e encostava-se a ela.

Vesti-me como se tivesse acordado de uma noite de conto de fadas, e tinha sido transportada para a real. Que estava eu a fazer? Calçava-me e ele continuava encostado à porta com as mãos nos bolsos das calças do pijama, com a parte de cima nua e apetecível. Eu não conseguia que houvesse volta a dar, eu tinha cometido um erro e tinha de o admitir, era a minha promessa perante milhares de pessoas num casamento com várias voltas, mas com um só caminho correcto. Sabia o que me esperava mas não podia guardar para mais tarde.

Ele continuava hirto em frente da porta, enquanto eu me aproximava de casaco no braço, ele flectia os joelhos para se proporcionar à minha altura e olhar-me bem nos olhos.

- Eu sabia que ias fazer isto. Não vás, por favor.

- Darien… não tornes isto mais difícil. – Já dizia com lágrimas a escorrerem pelos olhos, mais do que tristes, com a dor que mais nenhuma mulher do mundo naquele momento podia sentir.

- Eu vou contigo e terminas com esse idiota. Se fores sozinha eu não vou conseguir ficar de braços cruzados, Serena. – Ajoelhava-se perante mim.

Então ele viu o anel na minha mão. Tinha-mo posto o Seiya no dia em que fomos para a nova casa do Japão. O anel com um rubi em forma de coração tinha sido substituído do rosa original para vermelho. Até ao momento, não o tinha tirado. Mas o Darien fê-lo, quando se ajoelhara notava na minha mão esquerda com o anel sobre a aliança. Embora eu não estivesse a entender o que se estava a passar. Ao tirá-lo, levantou-se e, fazendo olhinhos pequenos, olhou o interior do anel.

- Há quanto tempo o tens? Digo, desde que fugiste?

- Não. O Seiya deu-mo quando viemos para cá. Disse que era uma prenda "a nós" e à nova vida.

Olhou-me sério e frio, colocou o anel na minha mão.

- Lê.

Ao ler – e parecia idiota nunca o ter tirado depois de tanto tempo – senti-me desmaiar ao reconhecer. Ele agarrou-me pelas minhas pernas estarem bambas e disse que leria ele.

- Aishiteru Odango. – repeti de leve em uníssono com ele.

Então vi-o como Nunca, esse Nunca recente, pois se no passado havia visto assim não recordava. O anel do seu pedido à menina de 16 anos. Colocava as mãos nos olhos e virava-se de costas enquanto eu não conseguia tirar os olhos dele.

Via-o apertar as mãos com força, e depois encostava-se à parede escondendo a cara no antebraço, ouvia a sua respiração e nada mais naquele espaço. Ok, os carros podiam passar lá fora e tudo mais mas eu não conseguia ouvir nada senão a sua respiração ofegante e descontrolada.

Voltou-se então para mim, olhando-me mas sem me enxergar.

- Vais para o templo. Eu vou à palestra que o Seiya vai dar daqui a duas horas, mas creio que já lá esteja. Depois eu vou dar-lhe uma palavrinha.

- Darien, que templo? Não… eu não posso. Eu vou para casa, ele…

- Chega. – Com voz ilustre mas calma, diferente da que eu me acostumava no Seiya, não gritava, continuava com a voz no tom habitual. - Desta vez sou eu quem diz o que vais fazer, sem fugas, sem medos. No templo estás protegida por quem te quer bem e eu não vou admitir que esse cabrão te toque com um só dedo, nem que eu morra, Serena… - aproximava-se de mim com olhos cobertos de um misto de raiva e preocupação – eu amo-te, e não vou deixar que ele te faça mais nada. Já te magoou o suficiente, agora se o quiser voltar a fazer vai ter de passar em cima de mim.

- Darien, mas… - Nem consegui acabar. Interrompeu-me com um beijo profundo, sentia perto do ouvido o coração dele que batia forte… em compasso com o meu. Era mais que amor, tinha essa certeza. Precisava dele, e não sabia como iria aguentar aquele tempo sem o ter comigo…

Segui-o para o carro. Sentia-me vermelha perto dele, parecia mais uma adolescente apaixonada ridícula. Quando saí do carro, ele abraçou-me e subiu uma quantidade de escadas comigo, até chegarmos perto de uma mulher de cabelo longo preto e um kimono branco e vermelho. Sorria, simplesmente. E não a conseguia reconhecer.

- Rey, espero que não te importes mesmo.

- Isso nem se pergunta Darien, - desviou o olhar dele e olhava para mim – Serena eu julgo que não te lembras de mim, mas quero que saibas que aqui estás em segurança.

Apareceram entretanto mais duas raparigas atrás dela. Uma de cabelo azul com um gato preto pendurado no ombro e outra de cabelo castanho.

- Obrigada… Rey.

- Ah, estas são a Amy e a Lita. – Aproximaram-se também e sorriram – Sempre cuidámos de ti, embora não te recordes… mas bem, Darien, podes ir descansado.

- Certo. – Olhou então para mim, abraçou-me novamente e beijou-me a testa. – Não saias daqui, por favor Rena.

Aquele por favor… havia desespero nele. Acenei que sim e vi-o partir, voltei-me de novo para as 3 raparigas que me convidavam a entrar para uma acolhedora salinha bem ao estilo japonês.

- Aceitas um chá? – Perguntou Rey. – Tenho príncipe, tília, camomila, … ou se antes te apetecer tenho café ou sumo de laranja.

- Ah, obrigada… pode ser café, por favor.

Enquanto ela saía, as outras duas olhavam para mim, entreolhavam-se e olhavam-me de novo, o que me fazia sentir extremamente incomodada.

- Não te lembras mesmo pois não? – Sorria a de cabelo azul, de voz calma. – Do nosso tempo de sailor.

- Desculpa? Eu lembro pouca coisa, não sei do que estás a falar.

- Sailor… - falava agora a Lita – Bem, ao menos da Luna, lembras-te?

A gata caminhava até mim, de olhos vermelho e um estranho símbolo na testa que me fazia lembrar algo, mas vago…muito vago. Até que ouvi a porta abstraindo-me de pensamentos.

- O teu café.

- Obrigada. – Agora todas me olhavam estranhamente, até mesmo a gata. Bebericava o café calmamente sentindo-me mínima entre aqueles olhares. A gata então colocou o focinho entre a minha mão desocupada e eu dava-lhe festas.

- Serena.

Eu estava louca de certo. A gata tinha dito o meu nome. Levantei-me de repente, derrubando a chávena. As três raparigas levantavam-se também fazendo-me gestos e pedindo-me calma.

- Calma, sou a Luna, não te lembras de mim mas eu vou fazer recordar-te de todos os teus tempos de guerreira.

- O QUE QUEREM VOCÊS DE MIM? PÔR-ME LOUCA? COMO FOI O DARIEN… QUE SE PASSA AQUI?

- Serena, calma – a Rey aproximava-se de mim. – Nós não te queremos mal, tem calma.

- Sai – Empurrei a sua mão que se estendia sobre mim, sentia o meu coração pular pela boca. Corri depois de passar a porta corrida, doía-me ainda a perna da queda das escadas mas estava desesperada, a confusão que estava a sentir não me permitia sentir mais nada.

Cheguei perto de um táxi, e pedi que arrancasse, enquanto olhava para trás e as via. Não recordava o nome da rua, então divaguei e pedi para sair assim que as perdesse de vista.

*Rey*

Eu não compreendia… Ela recordava o Darien, e não se lembrava de nós.

Desistimos de correr atrás do táxi, nunca conseguiríamos atingir velocidades assim na nossa vida normal, sem o poder de sailor… nem isso ela lembrava?

A Luna aproximou-se de nós, que estávamos em completo silêncio, confusas com tudo o que se passava.

-Vocês sabem porque é que ela não se lembra?

- Não Luna, - dizia a Amy cabisbaixa – não consigo entender, como é que ela se lembra do Darien e de nós não?

- É simples – a Luna era sábia e lia a mente da Serena, era a sua companheira de sempre, enquanto nos sentávamos nas escadas ela murmurava perto dos olhares que passavam – com que recordação é que ela foi de vocês? E com qual foi do Darien? Ela foi daqui zangada com vocês, com um filho no ventre e com acusações impensadas da vossa parte, com o Darien também porque ele pensou que ela o tivesse traído… mas mesmo depois disso, quando ela perdeu a memória ele foi a Cambridge. E vocês? Preferiram ficar por acharem que ela devia ter-vos dito, aborrecidas por acharem que ela não confiava em vocês. Mas não foi o contrário? – Todas abaixava-mos a cabeça, reprimindo-nos. – O Darien não desistiu, e não se esqueçam que o que se passou entre eles já vem de há muito tempo… Vocês sabem isto. Talvez eu não devia ter dito nada por enquanto, só que não imaginei que ela se lembrasse. Espero que ela volte…

*Serena*

Sentia-me perdida e desesperada, em estado completo de choque. Estava sentada perto de um parque e sofria tanto com variações de pensamentos, sem chegar a lado nenhum que acabei por chorar. Mal dei por mim, e os sinos já soavam as sete da noite. Acordei de pensamentos ao ouvi-la.

- Filha? – Olhei-a com sacos nas mãos, largou tudo e veio ter comigo. – Que estás aqui a fazer querida? O Seiya? Estás a chorar amor, que te fez ele?

- Nada mãe… - Abracei-a e senti finalmente protecção que tanto necessitava. – Levas-me a minha casa?

Eu não podia fugir do inevitável, era simples. Não iria valer mais a pena. No templo não compreendia o que se tinha passado ali… Precisava do Darien… teria ele feito algo ao Seiya? Como iria eu explicar à minha mãe que precisava dele?... Céus… a última coisa que eu precisava era de complicações na minha cabeça, o que mais necessitava era de descanso.

Enquanto caminhava, falava do passado com a minha mãe, aos poucos eu tinha a esperança de recordar tudo. O tempo ia passando, tão rapidamente quando estava com ela… E parecia não pensar em todo o ocorrido.

- Estás em casa filha. Precisas de ajuda?

- Não, mas eu vou buscar o carro para te levar, não quero que vás sozinha.

- Não filha, eu estou bem. E faz-me bem andar. Olha querida – tirava um papel e uma caneta da mala e escrevia sob a mão – é o meu número. Por favor, sempre que precisares da mãe liga.

- Obrigada mãe. Amo-te muito. Agora, a sério, deixa-me…

- Nunca vi um teimoso teimar sozinho, diria eu, não vais ser mais teimosa do que aquela de quem herdas-te tal defeito.

- Está bem, mas tem cuidado. Daqui a meia hora ligo-te.

Sorria tão terna e perfeitamente. Com um brilho nos olhos característico.

- Amo-te muito filhota. – E beijou-me a testa acarinhando-me a nuca.

Sabia que estava na hora de entrar, só não sabia o que me esperava. A luz estava apagada, será que ele não estaria ali?

Abri o portão, e depois a porta vagarosamente, andei um pouco até à sala. Ele estava ali, no escuro.

Mas não estava sozinho…

Continua.


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