Silêncio do Olhar escrita por Dumpling


Capítulo 12
Longe do Mundo




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*Darien*

Ao longo da vida tentamos aprender vários porquês. E nem sempre conseguimos… Chega um certo dia na nossa vida que temos de aprender tudo de uma vez, interiorizar o mundo, a realidade e o além da realidade que pretendíamos ver.

E esta realidade, sobre ela então… eu nunca pretendi ver, nunca quis pensar. Deitei-a sob a cama, tentei estancar o sangue que jorrava da sua cabeça. Carreguei-a, removendo-lhe a roupa manchada, observando o seu corpo, também ele cheio de manchas negras mais sombrias que uma tempestade aos meus olhos, as marcas de cinto revelavam-se mais profundas e muitas mais recentes, vestindo-lhe então uma camisa tapando tudo mais importante que a timidez que poderia sentir. Deitando-a, os cabelos soltos espalhados pela almofada, faziam parecer a cama completa, lembrando o passado que queria voltar.

E durante toda a noite observei-a, vendo as transições das luzes da rua sobre si.

Chegada a manhã, o sol fazia os seus cabelos dourados resplandecer. Abria os olhos com dificuldade pela luz, revelando os mais belos olhos topázios.

- Porque estou eu aqui? – Perguntou com voz de sono. – Porque estou eu contigo?

Sorri de leve, acariciando-lhe o rosto marcado.

- Eu trouxe-te para minha casa… precisavas de tratamentos.

Num lapso levantou-se, ainda cambaleando, procurando a sua roupa até se virar para mim. Quando ia falar, impedi-a da pergunta que eu sabia que viria.

- Meti a tua roupa para lavar, estava manchada de sangue. E, claro, não te ia deitar daquele jeito.

- E agora? Eu preciso de ir… tenho de ir. – Dizia com a mão sobre a testa em tom de preocupação. – Ele…

- Ei. – Permiti-me a impedi-la de falar novamente. – Depois de tudo… achas que te deixo voltar assim?

- Eu tenho de voltar! – Gritou de repente. – Tu não sabes de nada…

- Não sei do quê? Que ele te espanca dessa maneira? Que nem homem sabe ser? Rena… por favor.

Caminhava no quarto enquanto eu falava e, de repente, parou.

Voltou-se de novo para mim, ajeitando o cabelo que teimava em ir para os seus olhos, parecendo só ali, no momento perceber do penso na testa. Andou em passos suaves de novo para a cama e sentou-se, com os cotovelos apoiados nos joelhos, e as mãos segurando a sua face, sob os olhos.

- Tu não entendes… nem conseguirás entender nunca. – Disse com a voz abafada pelas mãos.

- E o que não entendo eu, se é que me podes dizer?

Levantou de novo a cabeça, voltou-a carregando os seus olhos sobre os meus, encharcados em lágrimas e de uma sensação no olhar que eu não conseguia entender… parecia apagada, fechada em copas, sem querer mesmo desvendar aquele "tu não entendes…". Pôs-se em pé mais uma vez, virada de costas.

- Leva-me a casa, por favor.

E aquele "por favor" soou ao maior pedido que alguma vez me havia feito. Mesmo na época em que lutávamos juntos e, mais do que isso, a época em que estávamos juntos. Mas eu entendia…ela mal me lembrava. Enquanto eu a recordava na mais doce memória, a menina desajeitada, preguiçosa, divertida, doce… e agora ali, eu via, nada mais senão uma mulher.

Colocou as roupas, que ainda não estavam enxutas, parecendo-me vê-la tremer de frio. Coxa, dirigia-se à porta da entrada meio perdida pelo lugar desconhecido. Cheguei perto dela e olhei a profundamente. Lembrava aquele olhar com tristeza, o mesmo daquele dia no aeroporto. E os meus pareciam ter nada mais senão ódio… Odiava-a com cada parte de mim, por pensar que ela me havia traído. O seu olhar era transparente… Parecia que de repente não conseguia mais ler o seu olhar.

E eu nunca tinha odiado ninguém… Mas ela era a minha única família. E ali, parecia ter escolhido outro… Um outro futuro.

Encostou a mão à maçaneta do quarto, e coloquei a minha sob a dela.

- Vamos ao menos tomar um pequeno-almoço… Só te peço.

- Está bem. – Fungou e olhou para o tecto.

Saímos e dirigimo-nos ao café em silêncio. Os pedidos vieram bem rápido e ela comia a torrada batendo o pé. Desde que me lembro, sempre que estava nervosa, batia o pé e abanava a perna inquieta.

Por fim, levantou-se e, dizendo que ia apenas à casa de banho, não voltou mais. Mesmo após um bom tempo à sua procura na rua, não avistei mais os longos cabelos loiros…

*Serena*

Corria, quase sem destino concreto como muitas vezes… Até encontrar um autocarro que parava perto de casa…

Chegando lá, vi-o sentado na poltrona da entrada.

- Serena! – Correu até mim, abraçando-me. – Eu sabia que voltarias… afinal, aquele gajo abandonou-te, e eu sempre te quis proteger.

- Seiya… Por favor, vamos parar de falar dele…

- Mas… tu sabes – Apertou-me as mãos na cara – foi ele que te deixou partir para Cambridge quando vocês namoravam… foi ele que desistiu.

A minha cabeça sentia-se a cada dia que passava mais confusa. Só me apetecia desaparecer por muito tempo, e voltar quando lembrasse tudo direito.

- Serena, – levantou-se, fazendo acordar-me de pensamentos inúteis – eu queria falar contigo querida, sobre… o formarmos uma família.

- Esquece Seiya. – Impus-me farta, levantei a voz, cansada de uma vez por todas… vinha a conversa de novo e eu tinha de dizer o que sentia do assunto. – Achas que estás pronto para isso?

- Como assim Sere? O que estás a querer dizer?

Enquanto ele se aproximava, eu afastei-me, sentando-me na ponta da mesa da entrada, ele parou onde estava.

- Estou a dizer Seiya… um filho neste ambiente? Um ambiente onde à mínima coisa tu perdes a cabeça? Criares um filho chegando a casa tarde… e bêbedo? Em que momentos estarias sóbrio, e mesmo sem beber já me bates como se nada fosse, sem mesmo eu te fazer nada? Um filho num mundo em que a mãe sente o desejo em trabalhar e até isso lhe é negado… um mundo onde a mãe está farta, por nada ter feito e em todo o momento levar por tabela e mesmo… sentindo-me mal, nem posso sair de casa, mal posso ver a minha mãe, não me posso descobrir!

E no fim, mais lágrimas vieram. Tinha dito tudo o que estava guardado à muito no coração e que magoava sempre que pensava nisso. Sentia-o ainda mais vermelho, mais enervado, parecia carregar ódio… e só me apetecia fugir.

- É o que sentes então? Que não conseguimos dar-lhe o nosso amor? – Aproximou-se mais, fitando-me. – Nós somos um certo? Então… como não iríamos conseguir? Eu peço-te perdão por tudo o que tenho feito e pelas lágrimas que do teu rosto já caíram tantas vezes, mas sinto que isso nos pode unir ainda mais, não achas o mesmo?

E só aí entendi que as minhas palavras haviam sido inúteis. Inúteis como eu. E precisava sair para pensar. Voltei-me para a porta e saí, sem ser seguida.

Parecia fugir de um lugar idêntico a uma cadeia onde eu tinha obrigação de estar, para sempre. Mas era um lugar que mais parecia o Inferno, onde eu não podia lutar contra as chamas que me amarravam, ou mesmo as que me queimavam.

Parei apenas junto a um parque infantil, e sentei-me a contemplar o espaço. Os risos altos, as brincadeiras na areia ou mesmo a discussão entre algumas crianças para o lugar no baloiço, eram os sons mais agradáveis. Mas o mais prazeroso de todos, era o que normalmente fazia as pessoas irritadas: o chiar do banco do baloiço. Traziam-me belas memórias de uma pequena menina de cabelo loiro apanhado com 2 elásticos de lado e um vestido rosa claro, sendo balançada pela sua mãe, baixei a cabeça rendendo-me às memórias de há longo tempo e pensei que só aí era verdadeiramente feliz. O sorriso não era falso, era puro, bem como o olhar brilhante.

Lembrei-me então daquele que me ensinava a viver de maneira livre mas feliz, aproveitando a mais curta brisa em dias quentes. Tinha cabelo preto encaracolado e olhos castanhos esverdeados, e um sorriso sempre feliz que aquecia o mais gelado coração. Levava-me aos baloiços de noite, e empurrava o baloiço alto. E eu não sentia medo, apenas segurança. Lembrava as palavras que me faziam rir, ele era sempre alegre "Oh Lua que vais tão alta, redonda que nem um tamanco… oh Maria busca uma escada, que eu não chego lá com o banco"… Sim, era de todo, um homem feliz. Que apreciava a Natureza e as pequeninas coisas da vida.

Lembrei ainda de um dia em que esperei várias amigas em casa, na minha festa de aniversário dos 11 anos, mesmo ano em que ele faleceu, e em umas cinco melhores amigas que convidei, vieram duas… Foi o meu primeiro "abre-olhos" em relação à amizade… Antes de várias pancadas contra a parede em que me levantara sempre sozinha.

E quando pensei no Darien… ainda outras lágrimas vieram, com uma intensidade diferente – bem maior que antes -, ao lembrar a partida para Cambridge… E as tentativas de morrer…

Na altura, não aguentava o facto de estar só numa enorme casa… grávida… e sem ele. E várias vezes foram as tentativas de morrer.

Baixei os braços, e olhei o céu… várias lágrimas rolavam enquanto olhava o estendido céu azul que brilhava perante o sol coberto por várias nuvens.

Senti uma presença perto, cujo tamanho não era suficiente para fazer sombra. Olhei a pequena menina que aparentava ter uns 5 anos, de cabelos loiros curtos, a franjinha cobria os olhos claros e as suas pequenas mãos estendiam uma flor. Sorriu, e esse sorriso encheu de imediato o meu coração… Era puro e verdadeiro. Deu-me a flor e, sem nada dizer, voltou para brincar com os amigos.

Aquela pequena, em apenas segundos conseguiu fazer-me sorrir. Desde sempre me lembrava de gostar de crianças e invejar a sua alegria de viver…

Já eu, há muito, perdera motivos que me fizessem querer viver. Ali, naquele parque, sentia-me um pouco mais longe do Mundo… que todos os dias tinha de enfrentar.

Na margem do outro lado da tristeza.

Dizem que se encontra um sorriso
Quando chegarmos lá
O que será que nos espera?
Naquele dia distante, parti para uma viagem
Em busca do sonho, e não para fugir
Se enxergasse o amanhã, não estaria suspirando
Como um barco contra a corrente,
Agora segue em frente
No lugar onde termina o sofrimento
Dizem que a felicidade nos espera
Ainda procuro o girassol
Fora da época
Com as mãos fechadas espero o sol nascer
E vejo o brilho das lágrimas caídas
Na marca vermelha das unhas
Quando nos acostumarmos com a solidão
Vamos voar com as asas sem plumas
Vai mais para frente
Quando não houver mais nuvens de chuva
Vai brilhar a rua molhada
Só a escuridão nos ensina
O forte clarão
Com força, segue em frente

*Rey*

-Que se passa contigo Rey? Estás muito em baixo.

Nicholas perguntou pela porta corrida, depois de me olhar enquanto eu reflectia no salão.

- Nada… eu estou bem, obrigada Nicholas.

De facto não estava… continuava a perguntar-me porquês sem resposta. Os sonhos continuavam me a atormentar e não podia continuar a esconder a verdade ao Darien… Apesar de o poder magoar, era forte demais… não podia continuar a guardar para mim mesma.

Continua


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