Verdade e Consequências escrita por Lara Boger


Capítulo 9
Primeiros Dias


Notas iniciais do capítulo

Os primeiros dias de tratamento.



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Aquele dia passou rápido para Adam, assim como a noite. Não que tivesse dormido rápido ou conseguido descansar. Apenas usou de sua capacidade de abstração para fazer o tempo passar mais depressa. Investigou cada detalhe daquele quarto até onde a vista alcançava. A única coisa que lhe chamou atenção foi algo muito comum tendo em vista que estava em um hospital onde isso era uma norma: a limpeza. O quarto estava impecavelmente limpo. Fora isso, nada mais lhe despertou interesse.

Jin também estava ali. Passou a noite junto com o filho. Era o mais normal a ser feito apesar de parecer um grande sacrifício. Foi bem mais fácil do que imaginou ser: sem palavras, sem reclamações, alardes ou indícios de dor. Esperava até aquele momento que fosse difícil contê-lo, afinal Adam era um garoto jovem que odiava hospitais e agulhas: tudo que havia naquele tratamento. Achou que teria trabalho mas ver a sua calma causou uma sensação estranha. Sentiu-se inútil, sem função. Sequer conseguiu fechar os olhos pois sentia-se na obrigação de ficar acordado, em guarda.

Talvez aquilo fosse um convite da madrugada para mergulhar numa espécie de reflexão. Para Jin era a hora ideal. Afinal não era a toa que já passara uma grande parte delas trabalhando. Talvez devesse aproveitar para tentar pôr os pensamentos em alguma ordem. Sua mente estava muito confusa desde aquela manhã que passara em Nova York e tivera uma avalanche de notícias de impacto. Num espaço de menos de dois dias descobrira que seu filho tinha câncer e num estágio potencialmente avançado. Doía pensar nisso porque Adam era jovem, cheio de energia e planos, com um futuro brilhante pela frente como o próprio Gregory Baxter fez questão de dizer quando lhe falou da proposta de treinamento. Exatamente a mesma coisa que dissera quando deu a notícia da doença. Não parecia ter sido dito na intenção de agradar ou suavizar, afinal o treinador não fazia este gênero e porque também sempre soubera disso. Estava muito claro: bastava vê-lo dentro de um ringue ou de um tatame para ver o quanto ele tinha talento.

Um talento jogado por água abaixo”, pensou, ao vê-lo no início daquela situação. Um pensamento que prometeu a si mesmo: viria pela última vez. Era depressivo, melancólico e sem nenhuma serventia para o filho.

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Se o dia passou rápido, em compensação a noite se arrastou. Foi uma noite ruim para ambos os lados. Adam sentia os primeiros desconfortos dos remédios, incômodo pela presença do pai e o que lhe parecia pior: estar em um hospital.

Para Jin havia a preocupação em vigiar seu filho e os pensamentos teimosos.

Em casa, Ling sofria pela preocupação a respeito de como seriam as coisas dali para frente e a estranha sensação de culpa por achar que não era ali que deveria estar.

Cassie, em seu quarto, sofria pela confusão em pensar que seu irmão, sempre cheio de energia estava prestes a se tornar um clichê ambulante dos filmes de drama. O filme agora se desenrolaria muito perto, e com uma dolorosa dose de verdade.

Sem agüentar esperar muito mais que o estritamente necessário, Ling apareceu no hospital nas primeiras horas da manhã antes de ir para o trabalho. Nas mãos, dois copos grandes de papel resistente para resistir à temperatura do café fumegante. Pretendia ver Adam e trocar algumas palavras com o marido para saber como havia sido aquela primeira noite. Talvez também falar com o médico, pensando que alguma coisa a mais pudesse ser esclarecida. Várias pretensões sem cálculo exato ou forte motivação. Queria apenas um pretexto para estar lá.

Jin estranhou ao ver a figura da esposa surgindo no corredor. Por mais que a distância fizesse suas feições serem indistintas, não poderia confundir seu corpo magro e pequeno e o seu jeito de andar, em passos largos, mas tranqüilos. A estranheza não durou muito porque sua presença era natural. Então, aguardou paciente que ela chegasse.

- Eu trouxe café, achei que iria precisar. – essas foram as primeiras palavras. Um cumprimento veio depois, acompanhado de um sorrisinho discreto e que Jin achava graça. Ela sabia como deixá-lo mais calmo. – Bom dia.

- Bom dia. – riu, fazendo sua expressão de insone parecer pouco mais leve e estendendo a mão para pegar o copo que ela lhe oferecia.

- Cuidado. Está bem quente.

- Assim que é bom.

- Como foi a noite?

- Não foi muito fácil. Passar a noite em um hospital não é fácil pra ninguém.

- Imagino. – disse, observando discretamente as olheiras de seu marido. Pareciam mais fundas. – Como ele está?

- Quando saí do quarto deixei-o cochilando. Passou a noite inteira dormindo e acordando, o tempo todo.

- E disse alguma coisa?

- Não, também não reclamou de nada. Nem conversamos direito, só umas poucas palavras. Perguntou como estava o trabalho, o escritório, coisas assim. Eu respondi e o assunto morreu.

- Isso vai ser um problema. – Ling manifestou alguma preocupação.

- Adam sempre foi calado. Não vai ser agora que vai mudar.

- Mas não é situação pra isso. – justificou. – Se ele não reclama fica mais difícil saber se tem alguma coisa errada. Não duvido que tivesse se sentindo mal há tempos sem contar pra ninguém.

Jin não gostou de ouvir aquilo mas sabia que poderia ser verdade. Baxter falou algo sobre isso, o médico do ginásio também. Passara uma boa parte da noite pensando nisso. Aquela era a única possibilidade que conseguia enxergar para que as coisas tivessem chegado àquele ponto.

- Bem, não vai adiantar nada pensar nisso agora. – emendou Ling, cortando os novos pensamentos que Jin tanto quis evitar e encerrando o assunto. – Vai precisar descansar um pouco.

- Depois. Por enquanto o café vai dar.

- Acha que vai agüentar ficar aqui durante o dia?

Meneou a cabeça dizendo que sim, sabendo que Ling não estava acreditando muito. Talvez por saber que o descontentamento com hospitais fosse genético, que seu filho simplesmente puxara ao pai.

- Posso descansar depois. Até lá eu fico aqui.

Ainda duvidou por algum momento mas bastou fitar os olhos do marido para perceber que falava sério. Mas, resolvida a esquecer um pouco do assunto disse que iria entrar para vê-lo e que enquanto isso aproveitasse esse tempo para lavar o rosto, trocar de roupa e comer alguma coisa. Ele concordou, mais pensando em deixá-los a sós do que pensando em fazer algo para si mesmo.

Ela abriu a porta, mas não entrou imediatamente. Por brevíssimos segundos apenas observou-o sem ser percebida, parada no umbral. Não dava pra ver muita coisa, e nem tinha intenção de ficar ali parada sem fazer mais nada. Então, entrou chamando-o, já deixando clara a sua presença. Adam sorriu ao vê-la. Ling aproximou-se da cama, dando um beijo de bom dia, fazendo caso de disfarçar o fato de estar observando-o.

- O que está fazendo aqui tão cedo?

- Vim te ver antes de ir trabalhar. – deixou a bolsa na cadeira - Como foi a noite?

- Diferente. – disse, após uma breve pausa para escolher a palavra certa.

- Como assim, “diferente”?

- Nada de especial. É que passar a noite em um hospital não é parecido com nenhum outro lugar.

- Entendo. – disse, querendo encontrar uma brecha para que falasse mais, embora soubesse que provavelmente não conseguiria. – E como está?

- Normal.

Uma única palavra, a que menos poderia se encaixar com os pensamentos de Ling.

- Normal? – de fato aquilo pareceu absurdo tendo em vista o que sabia – Como assim?

- Nada muito diferente. Só tem umas horas que me colocaram esse negócio. Não deu tempo de sentir muita coisa.

Não dava pra saber se era verdade. Seu rosto estava pouco mais pálido, as olheiras eram as mesmas. Talvez tivesse sentido algo, mas nada que julgasse difícil de suportar. Talvez aquilo fosse mesmo por ser o primeiro dia. Era difícil ser mãe de um garoto calado, ainda mais quando esse mesmo garoto estava doente.

- Pode ser isso. – concordou, sorrindo condescendente.

- Vai se atrasar. – ele disse, sem muita noção do horário. Não havia relógio no quarto, nem perguntara às horas ao pai.

- Ainda está cedo. Tenho bastante folga. Por acaso quer que eu saia?

- Não quero tomar o seu tempo. – disse, sem responder a pergunta.

- Não está tomando tempo nenhum. Não tem que se preocupar com isso, está bem?

Adam meneou a cabeça, concordando embora concordar lhe deixasse com uma coisa a menos pra fazer ali. De qualquer modo não questionou nada a esse respeito. Limitou-se ao gesto. Talvez isso a deixasse menos preocupada.

- Quer que eu te traga alguma coisa?

- Não precisa.

- Certeza?

- Não tenho muito pra fazer aqui. Acho que não vou precisar de nada.

- Tá bom. Até mais, então. – despediu-se, colocando a bolsa de volta no ombro.

- Até mais.

Um breve aceno, e Ling fechou a porta devagar para não fazer barulho, como se ele ainda estivesse dormindo. De volta ao corredor, viu o marido ali sentado, ainda com o copo de café na mão, como se não houvesse saído de lá.

- A conversa durou pouco. – ele disse.

- Adam disse que eu iria me atrasar. Como eu já sabia o que queria dizer, achei melhor não fazer muita pressão.

- Ele não tem noção de horas naquele quarto. Lá não tem relógio. – disse, como se justificasse as palavras do filho.

- É, mas eu tenho. Você pelo jeito nem saiu daí.

- Lavei o rosto. – respondeu, como se isso o isentasse de qualquer argumentação.

- Tem certeza que agüenta ficar aqui? – voltou a perguntar, jurando para si mesma que seria a última vez.

Ouvir isso de novo foi algo que o incomodou profundamente. Era quase uma ofensa. Sabia que ela tinha suas razões para perguntar e que estava no seu direito, mas isso não o impedia de sentir-se incomodado com a descrença.

- É o primeiro dia dele aqui. Eu não vou conseguir ir embora sabendo que ele vai ficar sozinho. Não vou deixá-lo desse jeito, Ling. Pelo menos não hoje.

Aquilo deixou Ling pouco mais realista quanto ao que seria. Pela fala de seu marido sabia que era um grande esforço. Não seria utópico, afinal ele admitira sua fraqueza e cogitando possibilidades. Ouvir algo assim deixaria qualquer uma alarmada, mas não Ling. Sentia que talvez fosse mais fácil se cada um reconhecesse suas limitações.

Assim, despediu-se dele e afastou-se. Jin permaneceu sentado, esperando o momento em que estaria sozinho novamente.

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Adam estava sozinho no quarto. Sem ninguém por perto, sentiu-se a vontade para ligar seu discman. Se houvesse alguém por perto, sentiria-se obrigado a dar atenção, mesmo que não houvesse nada a dizer. Embora soubesse que não era uma ocasião para durar muito tempo, decidiu aproveitar. Queria pensar um pouco. Coisa que talvez não conseguisse fazer com seu pai por perto.

Realmente não demorou para que ele voltasse. Tinha o rosto abatido de quem não dormira direito mas nem por isso parecia desconfortável. Adam sabia que ele disfarçava bem, e que pouco poderia fazer a esse respeito.

- Tudo bem? – foi Adam quem perguntou.

- Tudo, e você?

- Normal – deu de ombros. – Está pretendendo ficar quanto tempo?

- O dia todo.

- O dia todo? Pra quê isso?

- Eu sei que você odeia hospitais.

- Grande coisa. Você odeia mais ainda. Não precisa ficar aqui porque não estou pretendendo fugir.

- Ai de você se tentar. – brincou, num leve tom de advertência. – Mas não tem importância. Vou ficar assim mesmo.

- Vai morrer de tédio. Não tem nada pra fazer.

- Posso ler.

- Ler o quê? Não tem livro nem nada.

- Tem aquele New York Times que comprou pra mim no aeroporto.

- E por acaso vai ler o jornal de três dias atrás? – perguntou, como se duvidasse.

- Li em algum lugar que um jornal como esse tem mais informação do que uma pessoa precisaria em um mês. Se for verdade, deve bastar por algumas horas.

Adam riu, e Jin ficou satisfeito por ver aquilo. Cada pequena conversa ou piada poderia fazer aquele tempo passar mais rápido. Foi um pensamento que durou pouco. Adam parou de rir de repente, tapou a boca com as costas da mão e fechou os olhos.

- O que foi? – perguntou, preocupado.

- Nada, já passou.

- O que está sentindo?

- Não, nada. Só enjôo.

- Deita que melhora. – arriscou um conselho.

- Não precisa. Já diminuiu. Estou melhor agora.

Não era nada de especial. Dr. Winster já avisara que o enjôo era uma reação natural ao tratamento mas era horrível assistir a isso e saber que aconteceria sempre.

- Tem certeza?

Adam balançou a cabeça dizendo que sim. Uma resposta ambivalente já que o uso de um gesto em vez de uma palavra poderia indicar um esforço para conter o forte mal estar. De qualquer forma achou melhor não insistir.

- Quer alguma coisa? – perguntou, querendo ajudar de alguma forma.

- Não, obrigado.

- Ainda bem que o seu discman está aqui. Pelo menos vai dar pra passar o tempo.

- É, mas acho que vou precisar de uma usina nuclear pra sustentar isso.

- Não vai ter que se preocupar. Disso eu cuido, já vi que vai precisar.

Por poucos instantes, ficou sem saber o que fazer. Jin percebeu o discman nas mãos do filho, os fios do fone de ouvido prestes a serem desenrolados pelos dedos indecisos. Parecia querer algo mas estava constrangido em fazer ou pedir.

- Por que não tenta se distrair um pouco? Eu vou dar uns telefonemas lá fora.

- Tá bom.

Saiu do quarto. Contara a ele uma mentira descarada, pois não havia nada a fazer. Adiara compromissos para estar ali, então no fim tinha esse tempo livre. Apenas não quis constrangê-lo. Sentou-se, pensando se agüentaria vê-lo daquele jeito, mas logo recriminou-se por ter um pensamento desses logo no primeiro dia de internação. Não era hora pra isso. Se continuasse desse jeito, sua presença não ajudaria seu filho em nada.

Adam colocou os fones de ouvido. Seguindo os conselhos de seu pai, resolveu deitar esperando que o enjôo passasse ou pelo menos diminuísse. Agradeceu silenciosamente por ele ter saído. Não se sentia confortável com a idéia de que ele assistisse cenas daquele gênero. Sentia-se como um fraco, e ter platéia num momento desses era pior ainda. Por mais que soubesse disso, sabia também que deveria se acostumar: aconteceria de novo, com cada vez mais freqüência, pra não dizer que seria sempre. Não poderia fugir disso, mas ainda precisava de um tempo. Respirou fundo, tentando suportar o gosto ruim e também se acostumar ao seu novo cenário.

Dessa vez o tempo passou muito lentamente. O jornal de três dias atrás teve sua utilidade para Jin, por mais estranho que fosse aquilo. Servia para tentar desanuviar a mente de certas imagens. Não que já tivesse visto muito naquele dia, pois não fora a lugares diferentes do quarto do filho e do corredor. Simplesmente era difícil para ele ver Adam naquela situação, embora fosse apenas o primeiro dia. Não vira muito mais do que o enjôo, disfarçado por Adam à duras penas, ou sua palidez realçada o aspecto abatido pelos primeiros efeitos do tratamento. Não muito, mas o suficiente para chocá-lo.

Nesse meio tempo de reflexão, estava ansioso para fazer algo que era necessário mas ainda não tivera tempo. Ter mais informações sobre a doença de Adam. Precisava saber o mínimo já que pretendia acompanhá-lo durante o tempo que desse. Não poderia ficar no escuro se tinha essa pretensão, se quisesse realmente ajudá-lo.

Olhou para o relógio: Ling deveria estar saindo do trabalho naquele momento. Nesse caso provavelmente não demoraria a chegar. De fato, foi o que aconteceu. Logo viu-a surgindo com uma sacola na mão.

- Olá. – cumprimentou. – Como foi o dia?

- Tudo bem. Que sacola é essa?

- Um livro, uma escova de dentes... só umas coisas pra passar a noite aqui.

- Bem mais esperta que eu. – gracejou, aliviando a expressão de cansaço e ansiedade de seu rosto.

- Foi tudo rápido demais. Nem deu tempo de pensar nisso. – apesar de também ter rido, ela pareceu querer justificar o despreparo dele. – Como Adam está?

- Com enjôos. Foi assim quase o dia todo.

- Falou com o médico?

- Já. Ele disse que isso é normal. – deu de ombros, gerando uma pausa muito breve.

- Por que não vai pra casa agora? Tá precisando descansar.

Não foi preciso insistir. Jin concordou, parecendo sonolento. Por mais que não quisesse ir embora, não tinha pelo menos por hora, bom pretexto para ficar. Então voltou ao quarto para despedir-se do filho. Algo que não demorou muito, pois Adam fez questão de ser breve, insistindo que quanto mais cedo dormisse, melhor. Logo estava fora do hospital e com um pouco mais de tempo já estava em casa, pronto para dormir onde fosse. Estava cansado e com dores no corpo pela noite mal dormida e ansioso para chegar até a cama, mas se conteve ao ver Cassie encolhida no sofá da sala. Então, acordou-a com um toque no ombro, perguntou se já tinha comido alguma coisa e respondeu às perguntas dela quanto ao estado do irmão. Depois disso disse-lhe que era hora de dormir e que o sofá não era o melhor lugar para isso. Então Cassie subiu para o quarto e Jin fez o mesmo logo depois, resistindo à tentação de cair naquele sofá e seguir o exemplo da filha.

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Foi uma noite de várias percepções. Jin simplesmente desmaiara na cama, assim como Cassie exausta pelo dia como ranger.

Para Ling, restaram pequenos cochilos e vigília, mas que ocorreram de forma tranqüila numa tentativa de não parecer neurótica. Não demorou a entender a dificuldade inicial do marido a respeito dos silêncios de Adam. Percebia seu desconforto, mas pouco poderia fazer para ajudar. Adam também oscilava entre os breves cochilos e vigília discreta. Discreta porque permanecia de olhos fechados ainda que estivesse acordado. Seu discman continuava ao alcance de suas mãos embora preferisse não usá-los por mais necessidade que sentisse de fazer o tempo passar mais rápido. Precisava ao menos tentar dormir.

Jin ainda sentiu uma certa culpa ao acordar. Tudo pelas horas que dormiu, ainda que fossem necessárias. Acordou mais cedo, como se estivesse alarmado. De fato, estava. Mesmo que quisesse dormir mais alguns minutos, não conseguiria. A sensação de culpa e a incrível necessidade de fazer alguma coisa o impeliram a sentar-se em frente ao computador antes de pensar em qualquer outra coisa senão escovar os dentes e engolir um café que serviria para despertá-lo. Tentou não fazer barulho para evitar que a filha acordasse. Ainda era muito cedo para ela. Então, sentou-se pronto para descobrir simplesmente pouco mais do que já sabia: os primeiros sintomas, como o aparecimento de marcas roxas, dores pelo corpo, anemia, sangramento nasal e nas gengivas causada pelo baixo número de plaquetas; o tratamento que acarretava em vários efeitos colaterais, dependendo do tipo e da gravidade da doença; do transplante que acarretava em chances de cura mas eram contadas como um último recurso pois as chances de encontrar doadores era muito pequenas, 30 se fossem irmãos. Sentiu-se desesperançoso, afinal Cassie era a única irmã. E tudo o mais de estatísticas que lhe pareceram tão ou mais assombrosas quanto a simples menção da palavra câncer.

Depois de tudo, não queria mais pensar em como iria ser. Não conseguia mais imaginar seu filho naquela situação. E disposto a afastar tudo aquilo de seus pensamentos, tomou mais um bom gole do café sem açúcar esperando que o gosto amargo lhe distraísse por um breve momento, embora soubesse que sua fuga não poderia durar muito. Em breve teria de voltar ao mundo austero em que acabara de entrar.

Jin e Cassie saíram de casa juntos, embora no meio do caminho tomassem direções opostas. Assim como Ling na manhã anterior não demorou nada a chegar no hospital. Quando chegou, não a encontrou no corredor e sim no quarto. Um livro aberto nas mãos, um olho nas páginas e outro em Adam. Assim que percebeu sua presença, fez um sinal de silêncio e indicou que conversariam do lado de fora. Então saíram de lá fazendo o mínimo de barulho possível.

- Bom dia. – imitou o gesto da esposa, quando lhe ofereceu café, e se divertiu ao vê-la sorrindo discretamente. – Como foi?

- Tranqüilo. Dormiu mesmo agora há pouco. O enjôo está atrapalhando um pouco.

- Desse jeito não vai ter muito que ele possa fazer pra passar o tempo.

- Adam está precisando é de companhia. Só tem nós dois e a Cassie, seria bom que os amigos estivessem por perto. Vai enlouquecer sem ninguém mais por perto.

- Eles nem devem saber o que está acontecendo.

Ling suspirou, pensando que seu marido estava certo. Naqueles três ou quatro dias tumultuados a última coisa em que puderam pensar era contar isso para alguém.

- Nós podemos cuidar disso. Adam não vai ficar sozinho, não no que depender da gente. – ela disse, com segurança. Tanta que ele nem pensou em questionar.

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Passaram-se algumas horas. Adam estava na mesma. Apesar de estar lá há apenas dois dias, tinha a sensação de que esse tempo fora de meses. Tanto pelo tédio quanto pelo enjôo. Sentia-se mal, fraco. Já era difícil disfarçar. Não era mais como em Nova York, e sim muito pior. Julgou ser sorte o fato de seus pais não estarem perto naquela hora. Gostaria de estar sozinho no hospital também mas sabia que seria pedir demais. Seus pais ou sua irmã sempre estariam do lado de fora apenas tomando um café, conversando ou dando um tempo para ele mesmo descansar.

Descansar, era uma boa idéia do que se fazer. Não dormira direito, estava cansado pois acabara de ir e voltar do banheiro sem ajuda. Foi bom poder esticar um pouco as pernas, mas sentiu-se mal depois. Apesar disso sabia que seu remédio era simples, e era a única coisa a fazer: respirar fundo e fechar os olhos, esperando que o mal estar lhe desse uma trégua.

Não soube quanto tempo durou. Talvez não muito. Os olhos fechados permaneceram até ouvir passos diferentes ecoando no chão. Não eram de seus pais ou da irmã. Poderia ser de algum médico ou enfermeira e não de quem julgava que fosse. Tinha um nome em sua mente, e embora não acreditasse que pudesse ser ela, conservou as esperanças.

Não se arrependeu de ter aberto os olhos. Quando viu quem era nem soube o que pensar, e observando seu rosto descobriu que nem ela mesmo sabia.

Sem dizer qualquer palavra, ela se aproximou da cama. Tinha um sorriso estranho nos lábios, mas que nem por isso deixava de ser belo. E sem saber o que fazer diante daquela figura de rosto pálido, bem diferente do que se lembrava, a garota optou pelo gesto mais certo naquele momento: sentou-se na cama para estar de sua altura e abraçou-o.

Adam ouviu-a sussurrando seu nome, quase inaudível. Depois sentiu os braços dela afrouxando, afastando-se para que assim pudesse vê-lo melhor. Viu-a observando seu rosto sem parecer saber o que dizer. Foi ele então que se encarregou de acabar com aquele momento de constrangimento.

- Oi, Tannie.


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