Verdade e Consequências escrita por Lara Boger


Capítulo 10
Uma Visita


Notas iniciais do capítulo

Uma visita de alguém especial pode fazer esquecer o que há em sua volta.

(péssima em explicações)



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Ela não respondeu. Apenas sorriu, com um jeito que pareceu a Adam bem mais familiar, embora ainda deixasse claro as dúvidas a respeito do que deveria fazer. Nem mesmo ele tinha idéia. Na realidade queria apenas fugir da análise dos olhos rápidos de Tanya. No fim, já acostumado à idéia de que não haveria escapatória passou a fazer o mesmo que ela: observando-a.

Tanya não tinha mudado quase nada naqueles meses. Os mesmos traços fortes, os mesmos lábios carnudos e os olhos levemente puxados. Os cabelos seguiam seu humor momentâneo e seus rompantes de vaidade: naquele dia estavam lisos, um pouco abaixo da altura dos ombros. Melhor do que se lembrava.

Em contrapartida, sabia ela não poderia dizer o mesmo a seu respeito. Adam tinha o rosto pálido, com olheiras e aspecto abatido. Estava magro. O cabelo, desarrumado devido ao tempo que passara deitado e tentando encontrar uma posição. Precisava escolher as palavras, pelo menos para começarem uma conversa embora nem soubesse o que fazer.

- Desculpe não ter aparecido antes. Eu só soube disso hoje. – ela disse, com voz preocupada, tirando uma mecha do cabelo de seu rosto.

- Quem te contou?

- Sua mãe. – respondeu, num tom de voz que parecia ser o mais próximo da normalidade apesar das circunstâncias, tentando esquecer um pouco o que acontecera há poucas horas atrás, e planejando emendar rapidamente o assunto de modo que não houvesse mais perguntas. – Foi ela quem me contou. Se dependesse de você ninguém ia saber de nada. Você mal respondia as minhas cartas quando estava em Nova York.

Ele apenas riu como quem admite um erro em silêncio e simplesmente concorda. Um sorriso envergonhado que por alguns instantes Tanya gostou de ver, fez com que reconhecesse seu amigo a despeito de sua aparência.

- Como estão as coisas? – ele perguntou. – O programa... a rádio, as músicas...

- Eu já te disse nas cartas!

- É bem diferente ler em uma carta e poder perguntar pessoalmente.

- Ah, está tudo bem, tudo legal. – revirou os olhos, e abaixou a cabeça como se não quisesse falar nisso, simplesmente não sentisse que era a hora certa. – O pessoal gosta do programa, isso já ajuda muita coisa. – referiu-se ao programa de rádio que tinha na emissora local do qual era apresentadora. Uma oportunidade que veio logo após recusar a proposta de uma gravadora e que deu um rumo a sua vida enquanto não se decidia por nada. – Até já ganhei um tempinho a mais pra ficar no ar. – riu, para depois assumir um outro tom. – E você? Como vão as coisas?

- Bem... – hesitou um pouco, buscando também as palavras. – Estão indo. Estavam legais em Nova York. Agora não dá pra dizer a mesma coisa, como pode ver, mas está tudo bem.

Tanya se sentiu mal ao ouvir aquela resposta, embora soubesse que fora absolutamente sincera. Talvez tivesse sido falta de tato de sua parte ter perguntado algo cuja resposta era óbvia.

- Pelo jeito estavam tão legais que mal tinha tempo pra responder cartas dos amigos. – tentou consertar seu erro, gracejando.

- Eu mal tinha tempo pra qualquer coisa, se isso te faz ficar menos zangada comigo.

- Conta outra, Adam! – deu um tapinha de leve na nuca do amigo – Depois de tudo o que fizemos enquanto éramos rangers!

- Pode parecer estranho, mas acho que em Nova York parecia pior.

- Não acredito nisso.

- Pode acreditar. Por acaso acha que eu demoraria tanto a responder suas cartas se não fosse isso? Eu mal usava o telefone!

- Tá certo, vou te dar um crédito. Mas que é esquisito, é. – riu. Uma piadinha para deixá-lo irritado era sempre bom. Dar o troco. Adam costumava fazer isso com ela sempre. – O que faz aqui pra passar o tempo?

- Não dá pra fazer muita coisa. Ouço música – apontou para o discman que estava ao lado – Leio, converso com os outros. – deu de ombros. – É um hospital, não dá pra querer muito.

- Entendo. Não sei se vai servir pra muita coisa, mas agora vai poder conversar comigo também. Pelo menos durante um tempo não vai faltar assunto, afinal tantas cartas que não foram respondidas...

- Meu Deus, Tannie! Esse negócio de cartas já virou obsessão sua!

Assim continuou a visita. Conversa longa, brincadeiras já conhecidas. Não houve esforço para manter o assunto. Eles tinham facilidade em conversar, e assunto nunca parecia faltar quando estavam juntos. Apesar do hospital, pareciam estar em qualquer outro lugar devido à descontração do ambiente. Ele ria, parecia entusiasmado.De fato, Tanya era a primeira pessoa que entrava naquele quarto sem ser seus pais, sua irmã e médicos. Acabou esquecendo o enjôo por alguns instantes, o que fez toda a diferença no decorrer do dia. Mas como tudo que era bom, o tempo acabara, e nesse momento uma promessa.

- Eu não vou te deixar largado aqui, certo? Venho te ver todos os dias.

- Isso quer dizer que você volta amanhã?

- Volto todos os dias... a menos que você não queira. Quer que eu volte?

- Se quiser... – no rosto, uma expressão que aos olhos de Tanya tornou-se engraçada. Parecia uma criança que espera os pais falarem, tentando torcer por uma resposta.- Eu não vou reclamar se você vier. Não costumo tratar mal as visitas.

- Ahã, sei... – sorriu, desconfiada. Sabia que Adam era cortês demais para ser mal educado, por mais que alguns merecessem. Era mais forte do que ele. – Não sei se deveria, ou se está merecendo, mas eu quero. – olhou-o de soslaio enquanto dizia isso.

- O que foi que eu fiz? Ainda são as cartas? Pode perguntar pra Cassie como eu demorava anos para telefonar pra casa!

- Ei, pare! Eu já disse que venho, não precisa ficar ofendido. – apertou a bochecha dele, um gesto que seu amigo odiava. Provocá-lo era fácil para ela, e também divertido. – Imagino que não seja nada divertido ficar em um hospital, principalmente sozinho.

- Não estou sozinho. Já viu o corredor?

- São seus pais, isso é normal. Não deve estar sendo fácil pra eles.

- Eu sei. Bobagem minha... ainda está cedo pra reclamar.

Ela o olhou, compassiva. Sem saber muito bem como agir, ofereceu-lhe um sorriso, retribuído prontamente com outro, meio de lado como um gracejo mal sucedido. No fim tudo soou como uma piada, apesar de Tanya saber que era uma queixa. Era estranho ouvir isso dele, mas sabia que não era um momento para questionar. Era o mínimo que poderia fazer, pois na realidade talvez nem pudesse ajudá-lo tanto.

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- Puxa, esses dois tem muito o que conversar mesmo – disse Jin, referindo-se a Tanya. – Você fez bem em falar com ela.

- É, fiz sim. Mas não pense que foi fácil.

- Como ela reagiu?

- Como deveria reagir. – respondeu, misteriosa – Eles são muito próximos, foi um choque.

- Ela não estava com jeito de quem sofreu um choque.

- Você não sabe como nós, mulheres, podemos dissimular quando queremos. Não precisamos fazer as coisas mais difíceis pra ele do que já vão ser.

- Você tem razão, Ling. Vocês são muito boas em dissimular.

Os dois riram. Ling ficou satisfeita em ver seu marido sorrir. Era a primeira vez desde que descobrira a doença do filho. Um momento de descontração faria bem a todos.

- Acho que senti uma certa ironia na sua voz...

- Imagine! Mas tudo bem, nesse caso talvez seja bom. Você tem razão: já vai ser muito difícil. É melhor que Adam tenha os amigos por perto. Ainda mais ela. – olhou para o chão, parecendo refletir – Sorte nossa Tanya não ter saído de Alameda, como os outros.

- Tommy ainda está na cidade. – corrigiu-o. – Mas achei melhor falar com ela primeiro. Foi a primeira pessoa em que pensei.

- Como acha que está sendo lá dentro?

- Deve estar sendo bom. Tem muito tempo que eles não se vêem. Acho que não vai acabar nem tão cedo. Você tem um tempo pra descansar. Por quê não sai um pouco? Eu fico aqui.

- Não estou cansado.

- Jin, não tem razão pra ficar preocupado. Ele não está sozinho. Pelo contrário, está muito bem acompanhado.

Jin riu e acatou, apenas concordando com um gesto. Sairia sim do hospital, mas só o tempo de tomar um banho. Pouco tempo. Talvez conseguisse fazer isso demorando na rua no máximo meia hora. Não queria demorar mais do que isso. Não achava certo sair e descansar enquanto seu filho estava naquele lugar. Não via sentido nisso. Queria estar lá, o tempo que fosse preciso. Não sabia quando Adam poderia precisar de alguém por perto... e se passasse mal? Os médicos precisassem de permissão para algum procedimento de emergência?

Já estava com esses pensamentos em menos de uma semana de hospital. Sabia que talvez fosse absurdo, mas tentava amenizar isso, lembrando que tudo ainda era muito recente. As pessoas diziam que poderiam se acostumar a qualquer coisa. Não sabia se era verdade mas não acreditava nisso. Quem poderia se acostumar em ver um filho naquela situação? Com certeza não seria um pai que o amasse.

Ainda não dava pra acreditar no que estava acontecendo. Talvez nunca acreditasse. Ainda ontem estavam na mesa de jantar quando Adam começou a falar na proposta de treinar em Nova York. Ontem também tinha levado-o ao aeroporto e o acompanhado até onde deu. Tudo era tão recente na sua memória...! Nem parecia que tudo acontecera há quase um ano.

O tempo passa rápido demais. Jin sequer pôde sentir e contar os dias. O trabalho fazia certas coisas com as pessoas... especialmente com aquelas que trabalhavam muito e por puro vício.

Será que poderia ter evitado? Se não tivesse concordado em deixá-lo ir teriam percebido antes se algo acontecesse?

Apenas um monte de perguntas que tentou tirar de sua cabeça ao entrar no chuveiro frio. Tentava pensar apenas em como o encontraria após a visita de Tanya. A primeira visita de verdade que Adam recebia. Com certeza o encontraria muito melhor.


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